Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2891/11.0TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
CIRCUNSTÂNCIAS SUPERVENIENTES
ALTERAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RP201302252891/11.0TBVNG.P1
Data do Acordão: 02/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1793º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: A atribuição da casa de morada da família é um processo (ou incidente) de jurisdição voluntária, pelo que as suas resoluções podem alteradas com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial não acautelarem, devidamente, os interesses de um dos ex-cônjuges.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2891/11.0TBVNG.P1 - APELAÇÃO

Relator: Caimoto Jácome(1364)
Adjuntos: Macedo Domingues()
Oliveira Abreu()

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1- RELATÓRIO

Na presente acção de Divórcio Sem Consentimento que foi convertido em Divórcio por Mútuo Consentimento, em que são requerentes B… e C…, com os sinais dos autos, realizada tentativa de conciliação, não se obteve acordo quanto à atribuição da casa de morada da família.
Notificadas as partes para os termos da realização do incidente respectivo, os requerentes apresentaram alegações e prova.
Produzida essa prova, decidiu o julgador da 1ª instância, em termos de matéria de facto, o seguinte:
“Factos provados:
- Requerente e requerido casaram em 27 de julho de 1991 –doc. de fls. 5 e 6.
- São pais de D…, nascida em 15 de março de 1997 –doc. de fls. 6 a 8.
- A A., já na pendência deste processo, deixou a casa de morada de família com a filha do casal.
- No âmbito do acordo que se obteve quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais (ainda não homologado) a menor ficou com residência junto da mãe.
- A A. criou amizades nas relações de vizinhança, nomeadamente no prédio em que se insere a casa de morada de família.
- Igualmente a menor e filha do casal tem amigas/os e colegas, e tinha namorado, nessa área de vizinhança.
- E manifestava vontade de continuar a residir naquela habitação.
- A menor frequentava um espaço denominado E… que existe no Centro Social do bairro, e onde os menores desenvolvem actividades escolares e extracurriculares, com acompanhamento.
- A casa de morada de família foi arrendada ao R. e seu agregado, na constância do casamento, tratando-se de uma habitação social.
- A A., quando deixou a casa de morada de família, e inicialmente, foi viver com a filha para a casa da sua mãe, a qual vive sozinha.
- Posteriormente foram viver para uma habitação de uma sua irmã que se encontra emigrada.
- Encontra-se aí a título gratuito.
- O sobrinho da A. esteve em Portugal, nessa casa, e a A. foi para lá com a filha para ajudar a prestar-lhe os cuidados necessários.
- O R. está desempregado.
- A A. trabalha auferindo um salário correspondente ao salário mínimo nacional.
- A casa de morada de família tem dois quartos, um dos quais está reservado à filha quando esta está com o pai.
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Factos não provados:
-que a A. não tem outro sítio e/ou habitação de que se possa socorrer e habitar;
-que o R. dispõe da ajuda dos seus irmãos e família, na medida em que estes têm lugar para o receberem enquanto não encontrar casa;
-que a A. não tem condições económico-financeiras que lhe permitam aceder ao mercado imobiliário ou aos preços do arrendamento urbano atual;
-a casa da mãe da A. está em bom estado de conservação;
-a família da A. ajuda-a a nível monetário;
-a A. nunca gostou da localidade onde se encontra situada a casa de morada de família;
-e persiste que lhe seja atribuída por causa da filha do casal, que mantém um relacionamento com um rapaz que reside perto dessa localidade.
-a filha tem por hábito passar bastantes dias com o pai, pernoitando na casa de morada de família;
-neste momento consta como único titular da casa de morada de família o R., e para atribuição da casa a novo titular terá necessariamente que haver novo processo de atribuição de arrendamento social em que vão aferir a condição económico-financeira da requerente.
Os restantes factos ou são irrelevantes para a decisão (caso do motivo da ruptura da vida familiar que deixou de relevar), ou conclusivos, ou matéria de direito.”.
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Apreciando o incidente, o Sr. Juiz a quo decidiu (dispositivo):
Decidindo-se pela improcedência do pedido da requerente e pelo provimento da pretensão do requerido, atribui-se ao mesmo o direito ao arrendamento da casa de morada de família sita na Rua …, …, r/c esq., …, em Vila Nova de Gaia.
Custas do incidente pela requerente.”.
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De seguida proferiu a seguinte decisão:
Decisão:
Na presente acção de Divórcio Sem Consentimento que foi convertido em Divórcio por Mútuo Consentimento, são requerentes B… e C….
Verificam-se os pressupostos de validade e regularidade da instância.
Como se vê da certidão do assento de casamento nº. … de fls. 4 e 5 da 1ª Conservatória do Registo Civil de Vila Nova de Gaia, os cônjuges contraíram, entre si, casamento católico, sem convenção antenupcial, em 27 de julho de 1991.
Há uma filha menor do casal tendo havido acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais, decidida a questão da atribuição da casa de morada de família, tendo prescindido mútua e reciprocamente de alimentos, e prescindindo-se da apresentação da relação dos bens comuns, tudo conforme fls. 61 a 64 dos autos, encontram-se, por isso, reunidos os pressupostos legais do Divórcio por Mútuo Consentimento (artigo 1407º nº 4, 1419º do Código de Processo Civil e artigo 12º, n.º 1, alínea b) do D.L. 272/01 de 13 de Outubro).
Nesta conformidade, de harmonia com o exposto e bem assim com o preceituado nos artigos 1775º e 1779º do Código Civil e achando-se devidamente acautelados os interesses da menor e dos cônjuges, homologo os acordos celebrados nos autos já referidos, e, decididas as demais questões, decreto o Divórcio por Mútuo Consentimento entre os requerentes B… e C….
Custas pelos requerentes em partes iguais.”.
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Inconformada, a requerente apelou, tendo, na sua alegação de recurso, formulado as seguintes conclusões:
I - A Sentença sob recurso optou por atribuir a casa de morada de família ao Réu porque estaria mais desfavorecido economicamente e porque a Autora no presente momento e até ao mês de Novembro habita uma casa por empréstimo.
II - No entanto, não foi feita prova de que o Réu não auferisse rendimentos, estando mais desfavorecido economicamente, mas bem pelo contrário, aufere, mas não se apurou quanto, desconhecendo-se.
III - Por outro lado, a carência económica não é o único critério que deverá ser valorado pelo Tribunal na sua decisão.
IV - Tanto mais que, não foi feita qualquer prova sobre:
- os actuais rendimentos do Réu;
- se o Réu tinha familiares dispostos a recebê-lo e em que condições.
V – Sendo que, a decisão sobre a atribuição da casa de morada de família deverá ser uma decisão ponderada analisados todos os pressupostos existentes, sendo que o Tribunal pode e deve, quando as partes não colaborem, investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher informações que não sejam voluntariamente fornecidas pelas partes (cfr. artigo 1413.º do CPC), tal acto não se verificou.
VI - Cabendo às partes o ónus da prova que preenchem os requisitos para a atribuição da casa de morada de família.
VII – O Recorrido não provou:
- os actuais rendimentos, pois apesar de todas as testemunhas arroladas por ambos os intervenientes terem peremptoriamente referido que o Recorrido trabalha e aufere rendimentos, a este aproveitou o facto de não efectuar os devidos descontos legais, escondendo assim a sua real situação financeira, furtando-se a tal obrigação;
- se tem ou não familiares dispostos a recebê-lo em suas casas e em que condições, pois não apresentou qualquer familiar que isto provasse;
VIII – Furtou-se o Réu/Recorrido a efectuar a prova dos seus rendimentos e da sua situação económica e laboral e também familiar, acabando por sair beneficiado.
IX - Pois embora tenha ficado provado que o Recorrido trabalha, “…faz biscates …. quanto poderá auferir?...”, desconhecendo-se quanto, mas certamente mais que o vencimento mínimo nacional, tal não foi levado em conta pela Douta Sentença proferida.
X – Não faz sentido decidir o que quer que seja com base em desconhecimentos.
XI - Além do mais, se DESCONHECE o Tribunal dentro dos poderes que lhe são atribuídos, deveria ter recolhido informações necessárias e suficientes para considerar provado quais os verdadeiros rendimentos do Réu/Recorrido, bem como se tem familiares capazes de o receber, ou até quem sabe, com uma casa que este possa ocupar, indo assim de encontro ao artigo 1413º do CPC.
XII – NADA DISTO FOI FEITO PELO TRIBUNAL.
XIII - Mesmo sabendo que a atribuição da casa de morada de família depende do preenchimento dos seguintes requisitos:
- situação económica liquida de cada um dos cônjuges;
- possibilidade de disporem de outra casa seja própria, arrendada ou social;
- possibilidade de serem acolhidos por familiares;
- estabilidade escolar e socio-emocional da filha menor e entregue aos cuidados da mãe.
XIV – Tendo em conta que a filha menor ficou confiada à guarda da Recorrente, nada relevou o facto de esta ter provado que filha menor se encontrava totalmente inserida escolar, social e emocionalmente, violando assim a Douta Sentença um dos elementos legais que, ponderados, servirão para decidir de forma justa para a atribuição da casa de morada de família.
XV - Não se ponderando, primeiro, a quem ficou confiada a guarda da menor e segundo, se a atribuição da casa iria de encontro à sua estabilidade.
XVI – Provou a Recorrente como lhe competia:
- que auferia o vencimento mínimo nacional;
- que tinha uma filha menor de 15 anos a seu cargo;
- que filha menor encontrava-se bem inserida escolar e socialmente no bairro da casa de morada de família e que almeja ali voltar viver;
- que nenhum dos seus familiares poderia acolhê-la e à sua filha por não disporem de condições habitacionais para esse efeito;
- que no mês de Novembro terá se abandonar, com a sua filha, a casa que por empréstimo lhe cederam;
- que não tem qualquer outro sitio e/ou habitação de que se possa socorrer e habitar;
- que não tem condições económico-financeiras para abandonar a presente residência social e que lhe permita aceder ao mercado imobiliário, nem sequer aos preços do arrendamento urbano actual.
XVII - A Sentença sob recurso violou reiteradamente o disposto nos artigos 1105º n.º 2 e 1793º, ambos do CCiv. e artigos 1409º n.º 2 e 1413º, ambos do CPC.
XVIII - Pelo que, face à ausência de prova da situação económica, familiar, e laboral do Réu/Recorrido, cujo ónus de prova lhe cabia, a Sentença deveria ter atribuído a casa de morada de família à Autora/Recorrente por ser aquela que, face à prova produzida nos autos e aos requisitos legalmente exigíveis, dela mais necessitar.
TERMOS EM QUE DEVE REVOGAR-SE A SENTENÇA SOB RECURSO E ATRIBUIR-SE A CASA DE MORADA DE FAMÍLIA À AUTORA/RECORRENTE

Na resposta à alegação o apelado defende o decidido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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A tramitação do presente processo (incidente) de jurisdição voluntária não se coaduna com o ritualismo próprio do processo de declaração comum, na forma ordinária (ver arts. 1409º a 1411º, do CPC, sobre as regras do processo, critério de julgamento e valor das resoluções tomadas). Tais processos caracterizam-se pela sua celeridade; investigação oficiosa dos factos e das provas na medida do estritamente necessário à decisão (artº 1409º, nº 2); não sujeição a critérios de legalidade estrita, “devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, em face dos interesses a regular no caso concreto (artº 1410º); modificabilidade das decisões (artº 1411º) – ver ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, p. 67.
O processo em causa é especialmente regulado no artº 1419º e seguintes, do CPC.
No caso, processou-se nos próprios autos e não por apenso (ver nº 4, do artº 1413º, do CPC), o incidente de atribuição da casa de morada da família, cumprindo-se o estatuído nos arts 302º a 304º, do CPC.
Apesar de se tratar de um processo (especial) de jurisdição voluntária, aplicam-se-lhe as disposições gerais, designadamente em matéria de alteração da decisão de facto (artº 463º, nº 1, do CPC).
Ora, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artº 655º, nº 1, do CPC, em princípio essa matéria é inalterável.
A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nas situações previstas no artº 712º, do CPC.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1ª instância.
A finalidade do citado artº 712º, do CPC, é garantir a correcção do apuramento da matéria de facto, mas tal possibilidade tem de ser feita no respeito pelas normas jurídicas e processuais adequadas e, no caso presente, não se vislumbra que tenha existido qualquer incorrecção quanto ao apuramento da matéria de facto, livremente valorada pela julgadora da 1ª instância.
No caso de meios de prova a apreciar livremente pelo julgador (testemunhal ou documental), a Relação só pode valorar esses meios, e daí partir para uma alteração das respostas à base instrutória, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da 1ª instância. É que só nesse caso a Relação se encontra numa posição igual à da 1ª instância para fazer uma apreciação livre (artº 655º, do CPC), o que pressupõe a possibilidade de considerar em simultâneo todas as provas produzidas.
A não ser assim, a Relação apenas pode alterar a decisão de facto proferida na 1ª instância quando lhe são facultados meios de prova com força probatória plena, que superem, pela sua natureza, tudo o que puder ser extraído de quaisquer outros que a não tenham.
Feitas estas considerações, entendemos que, no caso em apreço, torna-se perfeitamente claro não ser aplicável a previsão das referidas alíneas a) e c), do nº 1, do artº 712º, do CPC, pois que, por um lado, foram inquiridas testemunhas por forma oral (não gravada – ver acta de fls. 103-105) e, por outro, não foi apresentado documento novo superveniente.
Acresce que, a nosso ver, os elementos fornecidos pelo processo, designadamente de natureza documental, não impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (al. b), do nº 1, do artº 712º, do CPC).
Assim, consideram-se provados os seguintes factos:
- Requerente e requerido casaram em 27 de julho de 1991 –doc. de fls. 5 e 6.
- São pais de D…, nascida em 15 de março de 1997 –doc. de fls. 6 a 8.
- A A., já na pendência deste processo, deixou a casa de morada de família com a filha do casal.
- No âmbito do acordo que se obteve quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais (ainda não homologado) a menor ficou com residência junto da mãe.
- A A. criou amizades nas relações de vizinhança, nomeadamente no prédio em que se insere a casa de morada de família.
- Igualmente a menor e filha do casal tem amigas/os e colegas, e tinha namorado, nessa área de vizinhança.
- E manifestava vontade de continuar a residir naquela habitação.
- A menor frequentava um espaço denominado E… que existe no Centro Social do bairro, e onde os menores desenvolvem actividades escolares e extracurriculares, com acompanhamento.
- A casa de morada de família foi arrendada ao R. e seu agregado, na constância do casamento, tratando-se de uma habitação social.
- A A., quando deixou a casa de morada de família, e inicialmente, foi viver com a filha para a casa da sua mãe, a qual vive sozinha.
- Posteriormente foram viver para uma habitação de uma sua irmã que se encontra emigrada.
- Encontra-se aí a título gratuito.
- O sobrinho da A. esteve em Portugal, nessa casa, e a A. foi para lá com a filha para ajudar a prestar-lhe os cuidados necessários.
- O R. está desempregado.
- A A. trabalha auferindo um salário correspondente ao salário mínimo nacional.
- A casa de morada de família tem dois quartos, um dos quais está reservado à filha quando esta está com o pai.
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Tendo em vista a atribuição (arrendamento) da casa de morada da família, estabelece o art° 1793º, do Código Civil(CC), que o tribunal deve considerar as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal, bem como outros factores relevantes (ver, ainda, o nº 2, do artº 1105º, do CC).
Como ensinam F. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (ver Curso de Direito da Família, vol. I, 2ª ed., p. 663-664), a circunstância da mencionada norma ter especificado as “necessidades de cada um dos cônjuges” e o “interesse dos filhos do casal” só se justificará por esses factores serem dos mais relevantes, não obstando a que se ponderem também os outros factores nomeadamente os referidos no artº 84º, nº 2, do revogado RAU (actualmente no nº 2, do artº 1105º, do CC).
A casa de morada deve ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, visando a lei proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio ou separação quanto à estabilidade da habitação. A necessidade da casa (premência da necessidade) é o factor principal a atender (Pereira Coelho e G. Oliveira, ob. cit., p. 668).
Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil, Anotado, vol. IV, 2ª ed., págs. 570 e 571), afirmam que o primeiro factor atendível, dentro da solução flexível adoptada pela lei, são as necessidades de cada um dos cônjuges, sendo o segundo factor o do interesse dos filhos do casal (proximidade do estabelecimento do ensino que frequentam, do local de trabalho, etc.), isto porque, no dizer dos mesmos autores, “Não se trata efectivamente de um resultado do ajuste de contas desencadeado pela crise do divórcio, que a lei queira resolver ainda com base na culpa do infractor, mas de uma necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges, que a lei procura satisfazer com os olhos postos na instituição familiar”.
Defendendo a possibilidade de alteração do antes acordado pelos cônjuges ou decidido judicialmente desde que tenha ocorrido alteração substancial e anormal das circunstâncias tidas em consideração, sustenta Salter Cid (A Protecção da Casa de Morada da Família no Direito Português, págs. 314/316):
a) Que se tenha produzido uma alteração no conjunto de circunstâncias ou de representações consideradas ao tempo da adopção das medidas, o mesmo é dizer, uma alteração ou transformação do “cenário” contemplado pelos cônjuges ou pelo juiz na convenção, aprovação ou determinação das medidas cuja modificação se postula. (...);
b) Que a alteração seja substancial, quer dizer, importante ou fundamental em relação às circunstâncias contempladas na determinação das medidas judiciais ou acordadas, ainda que em si mesma ou isoladamente considerada a novidade não resulte tão extraordinária ou transcendental. (...);
c) Que a alteração ou mudança evidencie sinais de permanência que permitam distingui-la de uma modificação meramente conjuntural ou transitória das circunstâncias determinantes das medidas em questão e considerá-la, em princípio, como definitiva. (...);.
d) E, finalmente, que a alteração ou variação afecte as circunstâncias que foram tidas em conta pelas partes ou pelo juiz na adopção das medidas e influíram essencial e decisivamente no seu conteúdo, constituindo pressuposto fundamental da sua determinação. (...).»
E acrescenta:
«A alteração substancial das circunstâncias justificativas da modificação das medidas pode (...) ser motivada tanto pela ocorrência de factos novos, como pelo conhecimento de factos anteriores de significativa transcendência ignorados na sua adopção.
Feitas estas considerações, reportemo-nos ao caso concreto.
Na fundamentação da decisão recorrida ponderou-se:
“Em primeiro lugar, e relativamente à vontade da filha, muito embora a questão das amizades que aí tem possa ser um factor, este não tem grande peso porque nada nos diz que essa situação seja problemática para a mesma de algum modo. A filha mantém na casa um espaço que pode utilizar se para aí voltar ou se aí for em cumprimento de regime de visitas. Não se mostra preemente, até pela idade da menor, a questão da manutenção da sua estabilidade residencial.
Ora, tudo conjugado, a requerente tem apesar de tudo um rendimento certo que o requerido não tem; e a requerida tem de facto e atualmente uma alternativa habitacional que serve os seus interesses e da filha uma vez que se encontra a título gratuito em casa de uma irmã emigrada, não sendo para já uma iminência que essa situação possa deixar de ocorrer; e a deixar de poder verificar-se, teriam ainda de ser melhor exploradas outras alternativas.
Posto isto, cremos que, tendo em conta também a pretendida paz e estabilidade entre todos os envolvidos, entende-se ser de atribuir a utilização da casa de morada de família ao requerido.”.
Concorda-se com o expendido.
Na verdade, factualidade apurada evidencia, a nosso ver, em termos de razoabilidade, equidade e proporcionalidade, que o requerente/apelado, em comparação com a situação da apelante, precisa, actualmente, da referenciada casa de habitação para aí viver, sendo essa necessidade premente.
Porém, tal como preceituado no nº 3, do artº 1793º, do CC, o regime fixado pode ser alterado nos termos gerais de jurisdição voluntária.
Recorde-se a atribuição da casa de morada da família é um processo de jurisdição voluntária, pelo que as suas resoluções podem alteradas com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial não acautelarem, devidamente, os interesses de um dos ex-cônjuges.
Quer dizer, o tribunal reponderará, a todo o tempo, a situação dos requerentes (apelante e apelado), caso se alterem os pressupostos de facto (emprego, habitação, situação da filha menor, etc) que fundamentaram a decisão judicial da 1ª instância. Neste tipo de processos importa, a todo o tempo, estar atento às concretas situações da vida real e evitar manter situações desajustadas da realidade, com prejuízo das partes envolvidas e sem reflectirem já os interesses em causa.
Improcede, assim, o concluído na alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Anexa-se o sumário do acórdão.

Porto, 25/02/2013
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
António José dos Santos Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (Artº 713º, nº 7, do CPC):
1-A casa de morada deve ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, visando a lei proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio ou separação quanto à estabilidade da habitação;
2- A atribuição da casa de morada da família é um processo (ou incidente) de jurisdição voluntária, pelo que as suas resoluções podem alteradas com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial não acautelarem, devidamente, os interesses de um dos ex-cônjuges.

Manuel José Caimoto Jácome