Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
646/21.3T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: PERFILHAÇÃO
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA PERFILHAÇÃO
EXAMES HEMATOLÓGICOS
Nº do Documento: RP20230504646/21.3T8VCD.P1
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando uma mulher casada tem um filho, e estabelece a maternidade relativamente ao mesmo, a lei presume que o pai daquela criança é o marido da mãe.
II - Se é uma mulher não casada a ter um filho, a paternidade estabelece-se por reconhecimento, que pode ser um reconhecimento voluntário ou um reconhecimento judicial.
III - O reconhecimento voluntário corresponde à perfilhação que é um acto através do qual um homem declara que uma pessoa é sua filha.
IV - Trata-se de um acto formal, podendo ser feito por declaração perante o funcionário do registo civil, por testamento, por escritura pública e por termo lavrado em juízo.
V - Na impugnação da perfilhação estamos perante um regime de impugnação menos exigente, quando confrontado com o que sucede relativamente à paternidade presumida, o que se traduz nomeadamente na ausência de prazo para a correspondente acção de impugnação, na possibilidade de impugnação mesmo depois da morte do perfilhado.
VI - A acção de impugnação da perfilhação tem como objecto a demonstração de que o perfilhante não é o progenitor do perfilhado, sendo o fundamento do pedido a desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica.
VII - Os exames hematológicos são a prova rainha nas acções de investigação e de impugnação da paternidade, tendo a virtualidade prática de excluir que o réu seja o pai do menor ou de provar, pela positiva, com probabilidade próxima de 100%, que o réu é o pai.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 646/21.3T8VCD.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores de Vila do Conde
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA, com residência na Travessa ..., ..., ... ..., Gondomar, propôs a presente acção declarativa, sob a forma comum para impugnação de paternidade contra BB, residente na Rua ..., ..., ... ..., Vila do Conde.
Pediu que a presente acção seja julgada procedente por provada e, em consequência, seja declarado que o autor não é o pai biológico do réu BB, seja decretada a anulação do acto de perfilhação, ordenando-se em consequência o cancelamento do averbamento constante do assento de nascimento do menor, a menção da paternidade do autor e seja eliminado do registo de nascimento do menor o apelido do autor.
Alegou, para tanto, que namorou, e posteriormente viveu em união de facto, com CC, mãe do Réu.
Na pendência dessa relação amorosa nasceu o réu, BB em .../.../2008, sendo que o Autor nessa altura residia em união de facto com a mãe do Réu, ambos solteiros, pensando ser o pai do BB e, por isso, perfilhou o mesmo.
Mais tarde, sem ter ainda nada a ver com a questão da perfilhação, o casal separou-se e procedeu à Regulação das Responsabilidades Parentais do BB – o que fez no âmbito do proc. 589/10.6TBCVD do então 3º Juízo Cível de Vila do Conde (mais tarde J4 do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos).
Referiu que estava convencido que era o pai do BB quando em 14/06/2012 deu entrada de um incidente de incumprimento (apenso A), bem como do pedido de alteração das responsabilidades parentais na qual pedia a guarda do BB para si (apenso B), pois a mãe do BB tinha emigrado para Inglaterra, levando o réu consigo, sem que tivesse pedido autorização ao autor.
Disse também que entretanto a Mãe do Autor regressou a Portugal, acabando ambos por chegar a acordo no apenso B no âmbito da conferência de pais realizada em 06/02/2012.
Refere que quando perfilhou o Autor, no momento do seu nascimento, fê-lo voluntariamente e convicto de que era pai do mesmo.
Fez notar que em 2015, já na companhia da sua nova companheira, ao relatar-lhe todo o sucedido, explicou-lhe o sucedido, tendo referido que no final de 2007 tinham discutido e a Mãe do BB tinha saído de casa, indo temporariamente residir para o estrangeiro (Luxemburgo) onde tinha uns parentes/amigos a residir.
Afirmou que entretanto se reconciliaram e regressando aquela a Portugal refizeram a sua vida em comum – sendo que logo de seguida a mesma comunicou ao Autor que estava grávida, tendo então nascido o BB em .../.../2008.
Alertado pela sua nova companheira de que essas contas temporais não faziam muito sentido (salvo se o BB fosse mesmo prematuro) levantou a suspeita ao Autor de que o mesmo poderia não ser seu filho, até porque entretanto tinha vindo a saber, por mera casualidade, que quando a referida CC fugiu para o Luxemburgo nessa mesma altura estava lá a residir o seu ex-namorado.
Disse ter optado por efectuar um teste de ADN junto de um laboratório estrangeiro, mais precisamente “A...”, tendo remetido ao laboratório a sua recolha e a do BB, quando para sua estupefacção em 15/04/2015 é enviado o resultado no qual se menciona que o BB não é seu filho, sendo 0% a probabilidade de o ser.
Confrontada com o resultado, a progenitora do réu admitiu que de facto se tinha envolvido com outra pessoa no Luxemburgo e que seria ele o Pai do BB.
Concluiu pedindo que, a presente acção seja julgada procedente por provada e, consequentemente, declarar-se, nos termos do artº1859 do Código Civil, impugnada a perfilhação do Réu enquanto seu filho, dado não o ser e, consequentemente, provando- se, e declarando-se tal realidade, ordenar-se à Conservatória do Registo civil competente que retire o nome do aqui Autor enquanto pai do Réu.
*
Citado o Réu, na pessoa da curadora, deduziu contestação.
Alegou que o autor, AA e a sua mãe, CC, namoraram durante algum tempo, viveram em união de facto, de forma estável, contínua e ininterrupta, desde o ano de 2005 até ao mês de Julho de 2009. A mãe do réu residiu com o autor, inicialmente na Travessa ... em ... e, posteriormente, a meio da gravidez do filho de ambos em ....
Afirma que a ruptura definitiva do casal (autor e mãe do réu) se deu no mês de Julho de 2009 e que na pendência da união de facto entre o autor e a mãe do réu, nasce o filho de ambos, BB no dia 3/9/2008.
Diz também que a sua mãe á data da gestação (ou seja, dentro dos primeiros 120 dias - ou seja, do dia 9/11/2007, inclusive, ao dia 6/3/2008 inclusive - dos 300 dias que precederam o nascimento do Réu, ou seja, 3/9/2008) mantinha uma relação amorosa, de forma exclusiva e contínua com o Autor.
Alegou que em dias indeterminados dos primeiros 120 dias, ou seja, do dia 9/11/2007, inclusive, ao dia 6/3/2008) dos 300 que antecederam o nascimento do filho de ambos, a mãe do réu só teve relações sexuais de cópula completa com o autor, AA e que em consequência, a mãe do réu veio a engravidar e a dar à luz em 3/9/2008 o seu filho, e, também do autor, aqui réu, BB.
Afirmou que a sua mãe sempre foi pessoa de bom porte, não havendo notícia de que, no período em causa, a mesma tenha acompanhado com qualquer outro homem.
Declarou que durante os primeiros 120 dias (ou seja, do dia 9/11/2007, inclusive, ao dia 6/3/2008 inclusive) dos 300 que precederam ao nascimento do réu, vivia a mãe do Réu com o autor AA em união de facto e de concubinato com este, já que, dormiam na mesma cama, tomavam refeições juntos, passeavam juntos, repartiam as despesas.
E que durante os primeiros 120 dias (ou seja, do dia 9/11/2007, inclusive, ao dia 6/3/2008, inclusive) dos 300 que precederam ao nascimento do aqui réu BB, a sua mãe, CC, de comum acordo com o Autor, foi para o Luxemburgo no início de Dezembro do ano de 2007, com a finalidade de conseguir trabalho para si, e, também, para o Autor.
Afirmou que durante o mês de Dezembro de 2007 a mãe do réu não teve nenhum relacionamento amoroso, nem teve relações sexuais de cópula completa com outro homem.
Disse ainda que a sua mãe, quando regressou a Portugal no fim do mês de Dezembro de 2007, vinda do Luxemburgo, comunicou ao Autor que estava grávida antes de ter partido para o Luxemburgo, ou seja, no mês de Novembro de 2007.
Fez notar que a primeira ecografia obstétrica realizada à mãe do réu (datada de 23-1-2008) confirmou as suspeitas de gravidez que a mãe do réu tinha, ou seja, que tinha uma gestação intra-uterina, normalmente evolutiva para 8 semanas e 3 dias de amenorreia.
Afirmou que a sua mãe comunicou ao Autor que as suas suspeitas foram confirmadas com a ecografia obstétrica datada de 23/1/2008 e de comum acordo entre a mãe do réu e o autor decidiram prosseguir com a gravidez.
Disse também que a mãe do Réu realizou nova ecografia obstétrica em 30/7/2008 cuja conclusão se passa a citar: “gravidez com evolução favorável e compatível com 36 semanas e 3 dias de gestação, data provável do parto 24-8-2008.
Referiu que acabaria por nascer uns dias mais tarde em 3-9-2008 o que significa que não foi um bebé prematuro, sendo o Autor o seu pai biológico.
Salientou que esta presunção da paternidade do autor relativamente ao réu, prevista no art.º 1871.º, nº1, alínea c), do Código Civil, não pode ser afastada/ilidida pelo autor, já que o Autor se funda num teste de ADN, datado de 15-4-2015, cuja autoria impugna, sendo o mesmo um documento forjado e inventado pelo autor, e, que a ser verdadeiro resulta de amostras cuja recolha não foi feita pela entidade que o realizou podendo a amostra entregue pelo autor não corresponder ao filho do réu, BB.
Deduziu ainda defesa por excepção dizendo estar verificada a excepção da caducidade da acção, prevista no nº3 do art.º 1860.º do Código Civil.
Isto porque o alegado exame de ADN, datado de 15-4-2015, junto pelo Autor a ser verdadeiro permitiu, segundo o autor, saber em 15-4-2015 que não era o pai do réu.
A ser assim, verifica-se que o Autor perfilhou o Réu e ao instaurar a presente acção em 3-5-2021 fê-lo muito mais de um ano (e até mais de 6 anos) depois de ter tido conhecimento dos factos que, alegadamente, lhe permitiram concluir ter, alegadamente, laborado em erro quando perfilhou o seu filho, aqui réu.
Concluiu pedindo que, a presente acção seja julgada totalmente improcedente, por não provada e que seja julgada procedente a excepção peremptória de caducidade da acção prevista no nº3 do art.º 1860.º do Código Civil.
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O Ministério Público foi ouvido nos termos previstos no art.º 17º, nº5 do Código de Processo Civil.
Teve lugar uma audiência prévia no culminar da qual foi proferido despacho saneador onde entre o mais se remeteu para decisão final a apreciação da excepção peremptória de caducidade do direito de accionar.
No mesmo despacho ficou identificado o objecto do litígio e definidos os temas de prova.
Prosseguiram os autos com a realização da audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida sentença na qual se julgou procedente a excepção da caducidade do direito à acção e, consequentemente, se julgou improcedente o pedido de impugnação de paternidade formulado nos autos pelo Autor, dele se absolvendo o Réu.
O Autor veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O Réu respondeu.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e lega e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo autor/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
1) O Recorrente intentou uma acção de impugnação da perfilhação, nos termos do art.º 1859 do Código Civil.
2) Acção essa que foi improcedente, dado o Tribunal recorrido ter entendido que não tinha havido perfilhação do Recorrido, por parte do Recorrente.
3) Razão pela qual entendeu não ser de aplicar o art.º 1859 do Código Civil.
4) E pelo exposto, ter entendido que a acção era extemporânea, considerando o lapso temporal decorrido entre o momento em que o Recorrente teria tido conhecimento do facto de não ser pai e a data em que interpôs a presente acção.
5) Contudo, consta dos autos documento suficiente para atestar a perfilhação do Recorrido por parte do Recorrente – documento esse o Assento de Nascimento do Recorrido.
6) Documento esse onde se afere que, quer o “pai” quer a mãe do Recorrido eram solteiros no momento do nascimento do mesmo.
7) E ainda que o “pai”, aqui Recorrente, se deslocou à Conservatória do Registo Civil e que perante Oficial Público, perfilhou o Recorrido, nos termos que ali constam.
8) Sendo que, considerando o estado civil do Recorrente e da mãe do Recorrido, não há qualquer presunção de paternidade, nem poderá haver.
9) O Recorrente e a mãe do Recorrido mantinham uma relação amorosa, residindo juntos, porém não eram casados entre si.
10) O facto de o Recorrente ter decidido, desde logo, perfilhar o Recorrido no momento do seu nascimento, ab initio, em conjunto com a mãe do Recorrido, fez com que dessa perfilhação não surgisse necessidade de qualquer termo de perfilhação.
11) Pois a perfilhação ocorreu desde logo e não em momento posterior, o que aí sim teria dado origem a um termo de perfilhação.
12) Saliente-se ainda que no decurso desta relação amorosa, a mãe do Recorrido foi temporariamente trabalhar para o Luxemburgo.
13) Neste período teve relações de cópula completa com outro individuo que não o Recorrente, tendo engravidado.
14) Meses mais tarde nasceu o Recorrido, na pendência da união de facto, tendo sido perfilhado pelo Recorrente, tal como acima mencionado.
15) Anos mais tarde, com a união de facto já dissolvida e por mero acaso, inclusivamente depois de reguladas as responsabilidades parentais quanto ao Recorrido, o Recorrente chegou à conclusão de que havia uma forte possibilidade de o Recorrido não ser seu filho, tendo sido alertado para a inconsistência relativa às datas de concepção e gestação.
16) Neste seguimento, o Recorrente realizou um teste de ADN, que provou não ser o pai do Recorrido, tendo confrontado a mãe deste com tal evidência.
17) Apesar de inicialmente negar a situação, a mãe do Recorrido acabou por admitir ter tido relações de cópula com outro individuo no Luxemburgo.
18) Assumidos tais factos, a mãe do Recorrido ficou de regularizar a situação da paternidade, passando esta regularização pela modificação do Assento de nascimento, que deveria ver retirado o nome do Recorrente.
19) Não só tal não ocorreu, como ainda, foi intentada contra o Recorrente pela mãe do Recorrido, uma acção para execução de alimentos, como se a descoberta da não paternidade do Recorrente nada tivesse alterado.
20) O que motivou a instauração da presente acção pelo Recorrente, por forma a ver reposta a verdade jurídica, em conformidade com a verdade biológica.
21) Naturalmente que, ao contrário do que decidiu o Tribunal ao considerar que “no caso sub judice, estamos perante uma acção de impugnação da paternidade” (último parágrafo da p.18 da Sentença), a verdade é a acção nos autos em apreço é de impugnação da perfilhação.
22) Tratando-se de uma acção de impugnação da perfilhação, a mesma, pode ser instaurada a todo o tempo, como decorre da lei, nos termos do art.º 1859 do Código Civil, pelo que a mesma foi intentada tempestivamente.
23) Nestes termos, a decisão do Tribunal pela caducidade do direito do Recorrente baseia-se exclusivamente no pressuposto de que não houve perfilhação, antes, uma presunção de paternidade – o que se logrou provar não ser verdade.
24) Assim sendo, e no pressuposto de que houve perfilhação (que houve!), a fundamentação de direito que decorre da sentença e que julga a acção improcedente não tem razão de ser.
25) Ademais não é razoável que sabendo o Recorrente não ser o pai do Recorrido, nada se possa fazer para fazer coincidir a verdade jurídica com a biológica, da qual ninguém tem dúvida alguma – tratando-se aliás de uma questão de interesse público que deve ser salvaguardada.
26) Note-se que a razão de ser da improcedência da acção foi toda alicerçada no facto de o Tribunal recorrido ter entendido não ter havido perfilhação do Recorrido por parte do Recorrente, mas sim uma presunção de paternidade.
27) Dado não operar qualquer presunção de paternidade, dúvidas não restam de que o Recorrido foi perfilhado pelo Recorrente – perfilhação essa voluntária e inicial.
28) Pelo que, se o Tribunal recorrido tivesse entendido ter havido perfilhação, teria feito proceder o pedido.
29) Pois toda a fundamentação da Sentença quanto à improcedência do pedido baseia-se no facto de ter entendido não haver perfilhação.
30) Daí aplicar a excepção peremptória de caducidade.
31) A partir do momento que se entenda que está verificada a perfilhação por parte do Recorrente, como não pode deixar de ser, deixa de se aplicar qualquer prazo de caducidade, aplicando-se o regime do art.º 1859 do Código Civil.
32) E aplicando-se este artigo e regime, a acção foi tempestivamente intentada, pelo que, estando “dado como provado” em bom rigor técnico, científico e moral que o Recorrido não é filho do Recorrente, a acção somente poderá ser procedente.
33) E, sendo procedente, deve ser dada como impugnada a perfilhação do Recorrido por parte do Recorrente e, consequentemente, comunicada aos serviços competentes do Registo Civil tal decisão, de forma que o nome do Recorrente deixe de constar como pai do Recorrido.
34) Importa, inquestionavelmente, fazer coincidir a verdade biológica com a verdade jurídica – sob pena de se estar a fomentar uma fraude cientificamente comprovada.
35) Custas pelo Recorrido.
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E é o seguinte o conteúdo das conclusões da resposta do réu/apelado:
1.º
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 5.º, 635.º, n.º 3 e 639.º, n.º 1 e 3 do C.P.C.), para além do que é do conhecimento oficioso.
2.º
Em parte alguma das conclusões do Recorrente (1.º a 35.º, inclusive) o mesmo sindica e impugna a decisão da matéria de facto, nos termos do art.639.º e 640.º do C.P.C., ou seja, que o Facto NÃO PROVADO que o autor tenha perfilhado o Réu (art.º 2.º), deve ser PROVADO, e qual a respectiva fundamentação para tal, e, por conseguinte, a decisão da matéria de facto deve ser mantida inalterada.
4.º
Acresce que, e sem prescindir, o Tribunal a quo considerou não provado que o autor tenha perfilhado o Réu (conferir ponto 2 alínea a) dos Factos Não Provados da Sentença Judicial de 1.ª Instância);
Com efeito,
4.º
Relativamente a esta factualidade não provada, ou seja, que o autor não perfilhou o réu, bem andou e decidiu o tribunal de 1.ª Instância, uma vez que houve total ausência de prova, quer testemunhal, quer documental, por parte do autor, apesar de caber a este o ónus de alegar e provar que perfilhou o Réu.
5.º
Subscreve-se totalmente o Tribunal a quo quando afirma que, “não estamos perante uma situação em que tenha existido perfilhação mas tão só a mera declaração de nascimento. Repare-se que não consta do dito assento qualquer averbamento de que a mesma tenha existido”.
6.º
Na verdade, não consta do dito assento de nascimento de que a mesma tenha existido e nos termos previstos no art.º 1853.º do Código Civil não houve qualquer declaração prestada perante o funcionário do registo civil, escritura pública ou testamento, porquanto inexiste qualquer averbamento no assento de nascimento neste sentido.
7.º
Não tendo existido perfilhação, não é aplicável o art.º 1859.º do Código Civil, tal como pretendido pelo Autor, que partiu de pressupostos errados para pugnar pela procedência da acção, e, como tal, é aplicável o prazo de caducidade.
8.º
O Tribunal a quo entendeu e bem, que no caso sub judice, estamos perante uma acção de impugnação da paternidade (e não da perfilhação, porquanto esta inexistiu), sujeita a um prazo de caducidade, nos termos do art.º 1842.º, n.º1. al. a), do Código Civil, ou, para o caso de assim não se entender, nos termos do art. 1860.º, n.º 3, do Código Civil.
9.º
Face á factualidade apurada e provada em 9) e 18) dos Factos Provados - fulcrais para a apreciação da excepção da caducidade alegada pelo Réu - o Tribunal a quo teve em conta o seguinte:
a) Que é o próprio autor quem alega que teve conhecimento do resultado efectuado num laboratório estrangeiro, mais precisamente “A...”, e que o réu não era seu filho em 15 de Abril de 2015;
b) A data da entrada da petição inicial na secretaria em 3-05-2021;
c) Não resultaram provados factos supervenientes nos anos subsequentes aos três anos posteriores a esse conhecimento (15-4-2015) que impedissem o autor de propor a acção, sendo certo que, a este propósito, o autor nada logrou provar.
10.º
Resulta do exposto que o Tribunal a quo fez a concreta apreciação e aplicação do direito, e, por conseguinte, a correcta subsunção dos factos provados ao direito.
11.º
Face ao exposto, devem improceder todas e cada uma das conclusões do Autor (1.ª a 35.º, inclusive), onde, aliás, se alega matéria nova e não provada, que não se enquadra nos Factos Provados (e, por isso, o Tribunal ad quem nem sequer, relativamente a esta, deve conhecer da mesma).
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Perante o antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A improcedência da excepção peremptória de caducidade do direito à acção por parte do Autor.
3ª) A procedência do pedido.
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É o seguinte o teor da decisão de facto que foi proferida:
1. Factos Provados:
Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos:
1. BB, nascido a .../.../2008, foi registado como sendo filho do autor, AA, e de CC, cfr. teor de fls. 40 e 41 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
2. No Serviço de Genética e Biologia Forense do I.N.M.L. – Delegação do Norte foi efectuada perícia de investigação biológica de paternidade, com colheitas de sangue e zaragatoas bucais ao Autor e ao Réu, tendo-se concluído, de acordo com os resultados obtidos, que o autor, AA, é excluído da paternidade de BB.
Da petição inicial:
3. O autor teve uma relação amorosa com a mãe do réu, CC, com viveu como marido e mulher (art. 1º).
4. Na pendência dessa relação amorosa nasceu o Réu, BB, em .../.../2008 (art. 3º).
5. Após a separação do autor e da mãe do réu, por decisão datada de 28 de Outubro de 2011, transitada em julgado, foi homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto ao réu, no âmbito do proc. 589/10.6TBCVD do então 3º Juízo Cível de Vila do Conde (art. 6º).
6. O autor, em 14 de Junho de 2012, propôs incidente de incumprimento com o nº 589/10.6TBVCD-A contra a mãe do réu, tendo sido declara extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por decisão datada de 17 de Janeiro de 2013, transitada em julgado;
7. O autor, em 14 de Junho de 2012, propôs acção de alteração do exercício das responsabilidades parentais com o nº 589/10.6TBVCD-B contra a mãe do réu, tendo sido homologado por decisão datada de 06 de Dezembro de 2012, transitada em julgado, o acordo constante da acta junta aos autos com o requerimento refª 3852950, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (art.º 7º).
8. No final de 2007 a mãe do réu foi residir para o Luxemburgo (art. 12º).
9. O autor efectuou um teste de ADN junto de um laboratório estrangeiro, mais precisamente “A...”, a si remetido em 15/04/2015, no qual é concluído que o autor é excluído como pai biológico do réu, cfr. teor de fls. 25 e tradução ao mesmo junto com o requerimento datado de 14/11/2022, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos (art. 20º).
10. Foi instaurada pela mãe do réu contra o autor execução para cobrança de alimentos no estrangeiro nº1138/17.0Y1CJI a correr termos em Lisboa na Direcção Geral da Administração da Justiça com vista à penhora de alimentos no valor global de € 13.312,50 à data de 8/11/2018, cfr. documento junto de fls. 68 a 97 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (arts. 30º e 31º).
Da contestação
11. A mãe do réu foi para o Luxemburgo no início de Dezembro do ano de 2007, com a finalidade de ali trabalhar (art. 16º).
12. Acabaria por regressar no fim do mês de Dezembro de 2007 a Portugal, porque não conseguiu arranjar trabalho (art. 17º).
13. Durante o mês de Dezembro de 2007 e enquanto estava no Luxemburgo a mãe do Réu teve relações sexuais de cópula completa com outro homem (art. 18º).
14. A mãe do Réu, CC, quando regressou a Portugal, no fim do mês de Dezembro de 2007, vinda do Luxemburgo comunicou ao Autor que estava grávida antes de ter partido para o Luxemburgo (art. 19º).
15. A primeira ecografia obstétrica realizada à mãe do réu (datada de 23-1-2008) confirmou que tinha uma gestação intra-uterina, normalmente evolutiva para 8 semanas e 3 dias de amenorreia (art. 20º).
16. A mãe do réu comunicou ao autor que as suas suspeitas foram confirmadas com a ecografia obstétrica datada de 23-1-2008 e de comum acordo entre a mãe do Réu e o Autor decidiram prosseguir com a gravidez (art. 21º).
17. A mãe do Réu realizou nova ecografia obstétrica em 30-7-2008 cuja conclusão se passa a citar: “gravidez com evolução favorável e compatível com 36 semanas e 3 dias de gestação, data provável do parto 24-8-2008 (art. 22º).
18. A presente acção foi instaurada em 3/05/2021.
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2. Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
Da petição inicial:
a) Que o autor tenha perfilhado o réu (art. 2º)
b) a mãe do BB tenha emigrado para Inglaterra, levando o réu consigo, sem que tivesse pedido autorização ao autor (art. 8º).
c) tendo regressado a Portugal e acabando-se por chegar a acordo no apenso B em conferencia de pais de 06/02/2012 (art. 9º).
d) em 2015, já na companhia da sua nova companheira, certo dia ao relatar-lhe todo o sucedido com a sua ex-companheira, mãe do BB, explicou-lhe que no final de 2007 tinham discutido e a mãe do BB tinha saído de casa, indo temporariamente residir para o estrangeiro (Luxemburgo) onde tinha uns parentes/amigos a residir (arts.12º, 14º, 15º e 16º)
e) entretanto reconciliaram-se e regressando a mesma a Portugal refizeram a sua vida em comum – sendo que logo de seguida a mesma comunicou ao Autor que estava grávida (art. 16º).
f) dada a proximidade de datas o autor nessa altura não questionou as mesmas, sempre tendo achado que o BB tinha nascido levemente prematuro no tempo de concepção (art. 18º).
g) alertado pela sua nova companheira de que essas contas temporais não faziam muito sentido (salvo se o BB fosse mesmo prematuro) levantou a suspeita ao Autor de que o BB poderia não ser seu filho, até porque entretanto tinha vindo a saber, por mera casualidade, que quando a referida CC fugiu para o Luxemburgo nessa mesma altura estava lá a residir o seu ex-namorado (art. 19º).
h) tendo remetido ao laboratório a sua recolha e a do BB (art. 21º).
i) confrontou a mãe do BB com o resultado mencionado em 9) da factualidade provada (art. 23º).
j) tendo a mesma primeiro reagido negativamente pensando que o autor estaria a fazer essas considerações sem qualquer suporte, mas de seguida, confrontada com o resultado, admitiu que de facto se tinha envolvido com outra pessoa no Luxemburgo e que seria ele o pai do BB (art. 24º).
k) nunca mais viu o BB, tendo-se afastado e, naturalmente, deixado de pagar pensão de alimentos (art. 26º).
l) disse à mãe do BB que diligenciasse junto das entidades competentes “que o seu nome fosse retirado enquanto pai do BB” – ficando ciente de que a mesma iria diligenciar nesse sentido – pois perante tudo o que descobrira caberia à mesma essa tarefa evitando assim o autor ter ainda mais despesas do que todas as que teve com alguém que afinal não era seu filho (art. 27ª).
m) entretanto emigrou para França e refez a sua vida (art. 28º).
n) pensando que apesar de tudo o que sucedeu a mãe do BB tivesse, ou estivesse, a diligenciar no sentido de retirar o nome do autor enquanto alegado pai, que afinal não era, do réu BB (art. 29º).
Da contestação:
o) o autor, AA e a mãe do réu, CC, namoraram durante algum tempo e viveram em união de facto de forma ininterrupta desde o ano de 2005 até ao mês de Julho de 2009 (arts. 1º e 2º).
p) a mãe do réu residiu com o autor, inicialmente na Travessa ... em ... e, posteriormente, a meio da gravidez do filho de ambos - aqui réu, em ... (art. 3º).
q) a ruptura definitiva do casal deu-se no mês de Julho de 2009 (art. 4º).
r) a mãe do réu à data da gestação do dia 9-11-2007, inclusive, ao dia 6-3-2008, inclusive - dos 300 dias que precederam o nascimento do Réu, ou seja, 3-9-2008 mantinha uma relação amorosa, de forma exclusiva e contínua com o Autor (art. 6º).
s) Em dias indeterminados desde 9-11-2007, inclusive, ao dia 6-3-2008 e que antecederam o nascimento do filho de ambos, a mãe do réu só teve relações sexuais de cópula completa com o Autor, AA (arts. 7º e 9º).
t) e, em consequência, veio a engravidar e a dar à luz em 3-9-2008 o seu filho, BB (art. 8º).
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Como antes já vimos, neste seu recurso o autor/apelante AA começa por impugnar a decisão de facto proferida pela 1ª instância, requerendo que seja alterada a resposta dada à alínea a) dos factos não provados.
E sendo certo que esta sua pretensão se fundamenta apenas na prova documental produzida nos autos, nomeadamente no Assento de Nascimento nº ... do ano de 2008 junto ao processo a fls. 40, cabe afirmar que cumpre suficientemente os ónus previstos no art.º 640º do CPC.
Vejamos pois se tal pretensão merece ou não ser acolhida.
Como é sabido por todos designa-se por estabelecimento da paternidade a determinação legal de quem é o pai de uma dada pessoa.
No estabelecimento da paternidade, a nossa lei distingue consoante se trate de um filho de mulher casada ou de mulher não casada (solteira, viúva, divorciada, mesmo vivendo em união de facto).
Quando uma mulher casada tem um filho, e estabelece a maternidade relativamente ao mesmo, a lei presume que o pai daquela criança é o marido da mãe.
Se é uma mulher não casada a ter um filho, a paternidade estabelece-se por reconhecimento, que pode ser um reconhecimento voluntário ou um reconhecimento judicial.
O reconhecimento voluntário corresponde à perfilhação que é um acto através do qual um homem declara que uma pessoa é sua filha, e que se encontra regulado nos artigos 1849.º e seguintes do Código Civil.
Trata-se de um acto formal, podendo ser feito por declaração perante o funcionário do registo civil, por testamento, por escritura pública e por termo lavrado em juízo.
Exige-se a idade de 16 anos para se poder perfilhar e admite-se que a perfilhação se faça mesmo antes de o filho nascer, desde que este já esteja concebido e se identifique a mãe.
Do mesmo modo, é possível a perfilhação de filho já falecido, mas neste caso os efeitos da filiação apenas beneficiam os descendentes do filho, não podendo o pai, nomeadamente, vir reclamar direitos sucessórios.
Quanto à perfilhação de filhos maiores ou emancipados, a lei condiciona a produção de efeitos da mesma ao respectivo assentimento o que quer dizer que se alguém apenas vier a saber que é pai biológico de uma pessoa que já atingiu a maioridade ou se emancipou e quiser perfilhar, pode não conseguir fazê-lo se houver oposição do filho.
A perfilhação é irrevogável e mesmo que seja feita em testamento não é afectada pela revogação deste.
Todavia pode ser anulada, designadamente por erro ou coacção.
Sendo assim se alguém perfilhou uma criança no pressuposto de que era filha de uma mulher com quem tinha mantido relações sexuais e depois descobre que tal não corresponde à verdade, pode pedir em tribunal a anulação da perfilhação.
Por último, de referir que a perfilhação pode também ser judicialmente impugnada sempre que não corresponda à verdade, ou seja, nos casos em que o perfilhante não é o pai biológico.
Com particular relevo para a questão em análise cabe chamar à colação o disposto no art.º130 do Código de Registo Civil, cuja redacção é recorde-se a seguinte:
“1 - Ao registo de perfilhação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 125.º a 129.º
2 - O assento de perfilhação deve mencionar ainda o assentimento do perfilhado, se for maior ou emancipado, ou dos seus descendentes, se for pré-defunto.”
E também o que dispõe o art.º 125º e que é o seguinte:
1 - A declaração de maternidade que não conste do assento de nascimento do filho, quando realizada perante o funcionário do registo civil, é registada por meio de assento.
2 - É competente para lavrar o assento qualquer conservatória do registo civil.”
A este propósito releva também o previsto na alínea a) do art.º 1853º do Código Civil, a saber:
“A perfilhação pode fazer-se:
a) Por declaração prestada perante o funcionário do registo Civil.”
Ora nos autos o que se verifica do documento junto a fls. 40 é o seguinte:
No dia 4 de Setembro de 2008 foi lavrado pelo escriturário DD da Conservatória do Registo Civil do Porto o Assento de Nascimento nº ... do ano de 2008.
Do mesmo Assento Consta como Registando, BB, nascido no dia .../.../2008, como Pai, AA e como Mãe, CC.
Do mesmo Assento constam também as seguintes referências:
Declarantes: O Pai
A Mãe.
Menções especiais: Declaração prestada perante oficial público.
Face ao acabado de expor, o nosso entendimento é pois o de que o referido Assento traduz uma perfilhação e não apenas uma “mera declaração de nascimento”.
Nestes termos impõe-se pois que se conceda provimento ao recurso da decisão de facto interposto pelo Autor.
Assim sendo altera-se o que ficou decidido relativamente à matéria alegada pelo mesmo Autor no art.º 4º da sua petição inicial, aditando aos factos provados um novo ponto com a seguinte redacção:
“O Autor perfilhou o Réu através do Assento de Nascimento nº ... do ano de 2008 da Conservatória do Registo Civil do Porto, lavrado no dia 4 de Setembro do mesmo ano.”
E por força de tal alteração haverá pois que revogar a decisão proferida na parte em que por considerar que estando em causa uma acção de impugnação de paternidade e não de impugnação de perfilhação, tinha que proceder a excepção peremptória da caducidade do direito de acção suscitada pelo Réu na sua contestação.
Tudo por força do que decorre do disposto no nº2 do art.º 1859º do Código Civil, cuja redacção é, recorde-se, a seguinte:
“1. (….).
2. A acção pode ser intentada, a todo o tempo, pelo perfilhante, pelo perfilhado, ainda que haja consentido na perfilhação, por qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência ou pelo Ministério Público.
3. (…).”
Estamos, pois, perante um regime de impugnação menos exigente, quando confrontado com o que sucede relativamente à paternidade presumida, o que se traduz desde logo na ausência de prazo para a correspondente acção de impugnação, na possibilidade de impugnação mesmo depois da morte do perfilhado.
Com esta norma o legislador quis, de forma clara, afastar a paternidade biologicamente falsa.
Assim, o propósito do autor será demonstrar que o perfilhante não é o progenitor do perfilhado, sendo o fundamento do pedido a desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica.
Dito de outra forma, a acção de impugnação da perfilhação tem como objecto a demonstração de que o perfilhante não é o progenitor do perfilhado, sendo o fundamento do pedido a desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica.
Aqui não bastam as dúvidas – haverá que alegar, para posteriormente demonstrar, factos dos quais resultem que o perfilhante não é o pai biológico.
Nestes termos, ao autor desta acção cabe alegar os factos que integram a causa de pedir, fundando o juiz a decisão nos factos alegados pelas partes, nos termos contantes do disposto nos artigos 264º e 664º do Código Civil.
Ora nos autos o que se verifica é o seguinte:
Está provado que foi efectuada no Serviço de Genética e Biologia Forense do INML – Delegação do Norte perícia de investigação biológica de paternidade, com colheitas de sangue e zaragatoa bucais ao Autor e ao Réu, tendo-se concluído, de acordo com os resultados obtidos que o autor, AA, é excluído da paternidade de BB (ponto 2 dos factos provados).
Mais se provou que o Autor efectuou um teste de ADN junto de um laboratório estrangeiro, mais precisamente “A...”, a si remetido em 15/04/2015, no qual é concluído que o mesmo é excluído como pai biológico do réu (ponto 9 dos factos provados).
A este propósito é relevante citar o que ficou a constar no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado em 02.06.2020, relatado pelas Conselheira Maria Clara Sottomayor no processo 3278/16.4T8GDMR.G1.S1, dado a conhecer em www.dgsi.pt e que o seguinte:
“II -Os exames hematológicos são a prova rainha nas acções de investigação da paternidade, com virtualidade prática de excluir que o réu seja o pai do menor ou de provar, pela positiva, com probabilidade próxima de 100%, que o réu é o pai.
IV -Os tribunais devem assumir um papel decisivo na apreciação do valor probatório da prova pericial, sem ceder à tendência de delegar a decisão nos exames científicos ou genéticos, apurando as condições em que o exame foi feito, a competência dos peritos, e se este foi realizado dentro dos parâmetros e condições internacionalmente exigidos.
V -No caso dos autos, tendo sido realizadas duas perícias, por peritos diferentes, e ouvidos os peritos em audiência de julgamento, na qual prestaram esclarecimentos acerca dos métodos usados e da interpretação dos resultados dos exames, deve entender-se que ficou garantida a fiabilidade dos exames hematológicos.”
Assim sendo e aplicando tal entendimento ao caso dos autos, resulta clara a verificação dos pressupostos f acto e de direito que permitem julgar procedente o pedido aqui formulado pelo Autor.
Impõe-se, por isso, a revogação da decisão proferida pela 1ª instância.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se nos seguintes termos a decisão recorrida:
Julga-se procedente por provado o pedido de impugnação da perfilhação formulado pelo Autor, declarando-se que o réu, BB, não é filho do autor AA.
Mais se ordena à Conservatória do Registo Civil do Porto que no que toca ao Assento de Nascimento do Réu proceda às alterações que determina o antes decidido.
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Custas a cargo do réu/apelado (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 4 de Maio de 2023
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço