Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
48/13.5TTFAR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: AÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
NOTIFICAÇÃO
EXAME POR JUNTA MÉDICA
Nº do Documento: RP2014100648/13.5TTFAR.P1
Data do Acordão: 10/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - De harmonia com a decisão proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 28.05.2014 [AFFAIRE MARTINS SILVA c. PORTUGAL, Requête nº 12959/10], em processo emergente de acidente de trabalho o resultado do exame por junta médica deve, nos termos do art. 6º § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ser notificado às partes previamente à prolação da sentença.
II - A decisão da 1ª instância que fixa a natureza e grau de incapacidade é sindicável pela Relação, sendo que as insuficiências do laudo da junta médica, na medida em que se reflitam na decisão que o acolheu e impossibilitem a correta e cabal reapreciação da matéria de facto e a consequente decisão de direito, determina, nos termos do disposto no art. 662º, nº 2, al. c), do CPC/2013, a anulação da sentença com vista à ampliação da matéria de facto para apuramento e/ou esclarecimento das questões relativas a essa ampliação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 48/13.5TTFAR.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 762)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Maria José Costa Pinto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

Participado[1], no Tribunal do Trabalho de Faro, acidente de trabalho de que teria sido vítima o A., B…, e responsável a Ré, C… – Companhia de Seguros, SPA – Sucursal em Portugal, por despacho de fls. 18, proferido aos 12.02.2013 pelo referido Tribunal, foram os autos remetidos ao Tribunal de Trabalho de Guimarães.

Teve lugar, na fase conciliatória do processo, exame médico singular, nos termos do laudo de fls 31 a 33, bem como tentativa de conciliação, a qual se frustrou apenas por o A. ter discordado do resultado do referido exame (que havia considerado o A. afetado do coeficiente de desvalorização de 12,4963% de IPP), tendo as partes acordado em tudo o mais (existência do acidente e sua caracterização como acidente de trabalho, nexo de causalidade entre este e as lesões, data da alta, retribuição do sinistrado e pagamento de indeminização ainda em dívida e despesas de deslocação).

Requereu então o A., com mandatário judicial constituído, exame por junta médica [no qual não formulou quesitos], bem como, a final desse requerimento, que “seja admitido como perito o médico D…, (…), a apresentar pelo sinistrado, tudo em conformidade com o disposto no art. 139º, nº 5, ab initio, do CPT”. Juntou ainda o relatório médico de fls. 58 a 62 (repetido a fls. 64 a 70).

Foi designada data para exame por junta médica, bem como formulados, pelo tribunal a quo, os quesitos médicos de fls. 80.

Na data designada para o exame por junta médica, que teve lugar aos 14.01.2014, foi, conforme “Termo de Nomeação de Peritos” de fls. 97, nomeado como perito do sinistrado o “Dr. E…” e, realizado tal exame, consideram os Srs. Peritos médicos que nele intervieram, por unanimidade e conforme laudo de fls. 98/99, que o A. se encontra afetado do coeficiente de desvalorização de 12,125% de IPP.

Foi, seguidamente, aos 23.01.2014, proferida sentença (de fls. 101 a 103), que fixou ao A. o coeficiente de desvalorização de 12,125% de IPP e condenou a Ré a pagar-lhe, com efeitos a partir de 16.01.2013, o capital de remição da pensão anual e vitalícia de €1.070,54, bem como as quantias de €496,44 a título de “diferença de indemnização” e de €30,00 relativa a despesas de transporte e, ainda, “juros de mora, à taxa legal, sobre essas quantias pecuniárias.”. Nela se fixou ainda o valor da ação, em €16.618,80.

Tal sentença foi notificada às partes, bem como ao ilustre mandatário do A., a este via citius com data de elaboração de 04.02.2014, e havendo sido, com essa notificação, enviado também cópia do auto de exame por junta médica (conforme fls. 103-C e registo constante do histórico informático).

Inconformado, veio o A., aos 17.02.2014, interpor recurso da mencionada decisão, “com prévio pedido de “RECTIFICAÇÃO”, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1º Do relatório inicial de perícia médica requisitado pelo Tribunal (constante a fls. 31-34), do acidente em contenda resultaram para o sinistrado 4 lesões, às quais correspondia a IPP de 12,4963%.
O sinistrado não se conformou com o resultado concedido e requereu a realização de perícia por junta médica, juntando, para o efeito, relatório de avaliação de dano corporal no âmbito do direito do trabalho e doenças profissionais realizado pelo perito médico que vinha acompanhando a evolução das suas lesões desde o acidente, o qual lhe atribuiu a incapacidade permanente parcial de 22,75%, considerando as mesmas 4 lesões.
A única diferença entre o relatório de perícia realizado em 15 de Maio de 2013, solicitado por este Tribunal, e o relatório junto pelo sinistrado datado de 19 de Julho de 2013, é a percentagem de desvalorização arbitrada por um e por outro perito a cada uma das 4 lesões mencionadas.
De acordo com o Auto de Exame por Junta Médica de 14 de Janeiro de 2014, o sinistrado padecia de uma Incapacidade Permanente Parcial Permanente Profissional de 12,125%.
Os peritos presentes descreveram as 4 lesões sofridas pelo sinistrado naquele acidente e, inexplicavelmente, apenas fizeram constar no Relatório 2 lesões.
Ocorreu um lapso na transposição do quadro de fls. 98 dos presentes autos, porquanto no mesmo apenas constam duas das quatro lesões comprovadamente sofridas pelo sinistrado.
Deverá a sentença ora em crise ser rectificada, incluindo as rubricas em falta e considerada para os efeitos em contenda a desvalorização constante do relatório junto pelo sinistrado no que concerne a estas duas lesões, correspondente a 12%, rectificando-se o coeficiente global de incapacidade, fixável, nessa medida, em 0,24125=24,125%, com as legais consequências.
Caso assim não se entenda, deverá a sentença ora em crise ser rectificada no sentido das rubricas das lesões que não constam no auto de Exame por Junta Médica de ser incluídas, no mínimo, com base nos resultados obtidos no Relatório requisitado por este Tribunal, com a desvalorização arbitrada de 0,029, rectificando-se o coeficiente global de incapacidade, pelo menos, para o valor de 0,15025=15,025%.
O sinistrado, ora recorrente, ao requerer em 22 de Julho de 2013 a competente perícia por junta médica, juntou para o efeito um relatório de avaliação de dano corporal, realizado em unidade certificada,
10º O relatório junto pelo recorrente foi totalmente desconsiderado pelos peritos no dia daquela junta médica, não foi por estes mencionado, ou o foram as razões de discordância quanto ao seu conteúdo.
11º O Tribunal de Trabalho de Guimarães não se pronunciou sobre o teor do relatório junto pelo sinistrado aos autos, ou sequer o mencionou.
12º Aquele relatório foi causa e motivo da discordância do sinistrado quanto à questão da incapacidade permanente de que se encontra afectado, desde a fase conciliatória, motivando o requerimento que deu origem à Junta Médica.
13º O conteúdo daquele relatório é elemento absolutamente essencial nos presentes autos, pelo que a sua junção, a não ser considerada, retira qualquer efeito útil à fase conciliatória.
14º Quando o recorrente juntou o relatório do Dr. D…, dando início à fase contenciosa, requereu que o mesmo fosse admitido como seu perito.
15º Não recaiu qualquer juízo de deferimento ou de indeferimento sobre a apresentação em juízo daquele perito.
16º Violou-se mais uma vez o art.º 615.º, do CPC.
17º O Tribunal ad quo tinha que ter nomeado oficiosamente o perito do sinistrado, caso este não o apresentasse até ao início da diligência, em conformidade com o disposto no art.º 139.º, n.º 5, do CPT.
18º No dia da Junta Médica, procedeu à substituição do médico nomeado pelo recorrente por um outro médico, denominado naquele auto de perito do sinistrado, que nada tinha que ver com o relatório apresentado ou sequer tinha como defender os interesses do recorrente naquela diligência.
19º Realizada a perícia por junta médica, devia o sinistrado ter sido notificado do auto do exame e exercido, se lhe aprouvesse, o respectivo contraditório, em momento anterior ao Tribunal ad quo proferir decisão sobre o mérito da causa.
20º O Tribunal ad quo violou o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável in casu, por remissão do art.º 1.º, n.º2, al. a), do CPT.
21º A sentença proferida encontra-se ferida de nulidade.
22º O Tribunal ad quo violou, entre outros, os artigos 105.º, 138.º, 139.º e 140.º, do CPT, e bem assim os artigos 3.º, n.º 3 e 615.º, do CPC.
Termos em que, e sempre com o Douto suprimento de V. Exa
a) Se requer se digne a rectificar o erro material devido a lapso manifesto no Auto de Junta Médica,
a.1) incluindo-se as rubricas em falta e considerada para os efeitos em contenda a desvalorização constante do relatório junto pelo sinistrado, correspondente a 12%, rectificando-se o coeficiente global de incapacidade, fixável, nessa medida, em 0,24125=24,125%, com as legais consequências.
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
a.2) terão as rubricas das lesões que não constam no auto de Exame por Junta Médica de ser incluídas, com base nos resultados obtidos no Relatório requisitado por este Tribunal,
com a desvalorização arbitrada de 0,029, rectificando-se o coeficiente global de incapacidade, para o valor de 0,15025=15,025%, com as legais consequências.
SEM PREJUÍZO,
b) Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, assim se fazendo (…)”.

A Recorrida contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto desta Relação emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de Facto provada:

Tem-se como provado o que consta do relatório precedente e, tendo em conta o auto de tentativa de conciliação, os factos sobre os quais as partes chegaram acordo e a demais prova documental junta as autos, tem-se ainda como assente o seguinte:
1. No dia 14.03.2012, quando o A., com a categoria profissional de praticante metalúrgico, trabalhava sob a direção e fiscalização de F…, Ldª, sofreu um acidente que consistiu no seguinte: encontrando-se a colocar um vidro com a ajuda de uma grua, aquele, com cerca de 600 Kg, caiu sobre si;
2. O A. auferia a retribuição de €625,00 x 14 meses, acrescida de €135,74 x 11 meses a título de subsídio de alimentação e de €215,45 x 11 meses a título de ajudas de custo;
3. A responsabilidade pelo risco decorrente de acidente de trabalho de que fosse vítima o A. encontrava-se transferida para a Ré Seguradora pela totalidade das quantias referidas em 2).
4. As lesões sofridas pelo A. em consequência do acidente determinaram-lhe incapacidade temporária para o trabalho até 15.01.2013, data em que lhe foi dada alta definitiva.
5. O A., por virtude de tal acidente, despendeu com despesas de deslocação a quantia de €30,00, cujo pagamento foi aceite pela Ré que, aceitou também pagar-lhe a quantia de €496,44 de “indemnização”.
6. O A. nasceu aos 08.01.1970.
7. Do auto de exame médico singular que consta de fls. 31 a 33, levado a cabo na fase conciliatória do processo, refere-se, para além do mais, o seguinte:
INFORMAÇÃO
A. HISTÓRIA DO EVENTO
(…)
Do evento terá resultado traumatismo da bacia e região lombar.
B. DADOS DOCUMENTAIS
Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia de registos do(a) serviços clínicos da companhia de seguros C…; Nota de alta do Hospital de Guimarães da qual se extraiu o seguinte:
Serviços clínicos da companhia de seguros C… – “Acidente em 14-03-2012 fratura da bacia, fratura da apófise transversa de L3 e fratura do corpo vertebrais de L2. Feito tratamento conservador. Consolidação das lesões com fratura da bacia combinada com diástase da sínfise púbica; fratura do corpo vertebral de L2 com expressão radiológica e deformidade mínima. (…).
Nota de alta do Hospital de Guimarães: (…). Fratura da asa do acro à direita, diástase da sínfise púbica, fratura do ilíaco direito, fratura da apófise transversa de L3, fratura de L2. Tratamento conservador.”. TAC lombo-sagrado de 03-04-2012: fratura de L2…fratura da apófise trnasversa esquerda de L3, … fratura da asa sagrada direita do sacro com repercussão sobre a superfície articular sacro-iliaca direita, ..fratura do ilíaco direito posterior e superior.
(…)
ESTADO ATUAL
(…)
B. EXAME OBJETIVO
(…)
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
O(A) examinando(a) apresenta as seguintes sequelas:
- Ráquis: dor à apalpação da apófise transversa e região lombar a nível L2, L3 e Sagrada; lasegne e dorsiflexão do pé negativos bilateralmente
- Membro superior direito: dor à apalpação e mobilização da sinfese púbica.
(…).”
8. Conforme tal auto, o Sr. Perito médico considerou ainda o A. afetado de IPP com o coeficiente de desvalorização global de 12,4963%, tendo enquadrado, face à TNI, as sequelas e atribuído os coeficientes de desvalorização parciais conforme a seguir referido:
- I.1.1.1.b [rubrica] -- 0,02-0,10 [coef. previstos na Tabela] -- 0,03 [coef. Iniciais] -- 0,03 [coef. arbitrado]-- 1 [capacidade restante]-- 0,03 [desvalorização arbitrada]
- I.1.1.4.b.(L2) [rubrica]--0,02-0,10 [coef. previstos na Tabela] -- 0,03 [coef. Iniciais] -- 0,03 [coef. arbitrado] --0,970 [capacidade restante] -- 0,029 [desvalorização arbitrada]
- I.9.2.4.b [rubrica] -- 0,05-0,10 [coef. previstos na Tabela] -- 0,07 [coef. Iniciais] -- 0,07 [coef. arbitrado]—0,941 [capacidade restante]—0,066 [desvalorização arbitrada]
- I.1.1.4.a.(Sacro) [rubrica]--0,00-0,00 [coef. previstos na Tabela] -- 0,00 [coef. Iniciais] -- 0,00 [coef. arbitrado] --0,875 [capacidade restante] -- 0,00 [desvalorização arbitrada]
9. No relatório médico apresentado pelo sinistrado com o requerimento de exame por junta médica, são previstas os seguintes coeficientes de IPP:
- I.1.1.1.b) – 6%;
- I.1.1.4.b).- 6%
- I.9.2.4.b) – 7%
- I.1.1.4.b) (sacro) 6%,
Mais se referindo que “o doente deve ser declarado incapaz para a profissão.”
9. Os Srs. Peritos médicos que intervieram no exame por junta médica de fls. 98/99 responderam por unanimidade aos quesitos de fls. 80, formulados pela Mmª Juíza, do seguinte modo:
1º. “Quais as sequelas que o sinistrado apresenta após a data da alta ou cura clínica (fixada em 15/1/2013)?”
“Raquealgias residuais como consequência de fratura de um corpo vertebral bem assim como de uma apófise transversa, ambas a nível da coluna lombar e ainda com dores a nível da bacia por fratura por fratura da mesma e do sacro.”
2º. “Qual a natureza e o grau da incapacidade permanente para o trabalho que daí lhe adveio desde então?”
“Incapacidade Parcial permanente Profissional de 12,125%”,
10. E tendo enquadrado, face à TNI, as sequelas e atribuído os coeficientes de desvalorização parciais conforme a seguir referido:
- I.1.1.2.a) [rubrica] -- 0,05-0,10 [coef. previstos na Tabela] -- 0,05 [coef. arbitrados]-- 1 [capacidade restante]-- 0,05 [desvalorização arbitrada]
- I.9.2.4.b [rubrica] -- 0,05-0,10 [coef. previstos na Tabela] -- 0,075 [coef. arbitrado]—0,95 [capacidade restante]—0,07125 [desvalorização arbitrada]
11. O ilustre mandatário do A. foi notificado da data designada para o exame por junta médica (de 14.01.2014) através da plataforma informática Citius, com data de elaboração de 26.11.2013.
12. O laudo do exame por junta médica (fls. 98/99) foi notificado às partes apenas com a notificação da sentença.
*
III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
a. Retificação da sentença;
b. Nulidade da sentença;
c. A junta médica, bem como a sentença, não se pronunciaram sobre o relatório médico junto pelo Recorrente [com o requerimento de exame por junta médica];
d. Não foi proferido despacho a deferir ou indeferir a apresentação, no exame por junta médica, do Sr. Dr. D… como perito do sinistrado como por este requerido no requerimento de exame por junta médica;
e. Nomeação para intervir no exame por junta médica, como perito do sinistrado, de um outro perito médico que não o referido na questão anterior;
f. Falta de notificação do exame por junta médica após a realização da mesma.

2. Da retificação da sentença

Pretende o Recorrente a retificação da sentença, alegando para tanto que:
- de acordo com exame médico singular do acidente de trabalho sofrido pelo A. resultaram as seguintes lesões: 1. Fractura de L2;2. Fractura da apófise transversa esquerda de L3;3. Fractura da asa sagrada direita do sacro com repercussão sobre a superfície articular sacro-ilíaca direita;4. Fractura do ilíaco direito posterior e superior, às quais correspondem a IPP global de 12,4963%, tendo sido feito o enquadramento e atribuídas as desvalorizações parcelares que referimos no nº 8 dos factos provados;
- Não tendo concordado com tal resultado e requerido o exame por junta médica, juntou relatório médico de acordo com o qual se encontra afetado de uma IPP global de 22,75%, sendo que a única divergência entre este relatório e o do perito médico singular reside na percentagem das desvalorização arbitrada a cada uma das 4 lesões mencionadas;
- Não obstante, a junta médica, e apesar de ter descrito um total de 4 lesões apresentadas pelo sinistrado, inexplicavelmente, do quadro relativo à atribuição das incapacidades apenas constam 2 dessas 4 lesões, o que consubstancia lapso, que deve ser retificado:
a) com a inclusão das rubricas I.1.1.4.b (L2) e I.1.1.4.a (sacro) e considerando os coeficientes de desvalorização constantes do relatório médico por si junto com o requerimento para realização do exame por junta médica e que correspondem a 12%, assim devendo retificar-se o coeficiente global de IPP, que deverá ser o de 24,125%;
b) ou, ainda que assim se não entenda, no que não concede, teriam as rubricas das lesões que não constam no auto de exame por junta médica que ser incluídas com base no que consta do relatório do exame médico singular, com a desvalorização de 0,029 e, assim, retificando-se a IPP global para, pelo menos, 15,025%.

2.1. A possibilidade de retificação de erros materiais da sentença encontra-se prevista no art. 614º, nº 1, do CPC/2013, que apenas a permite “[s]e a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos referidos no nº 6 do artigo 607º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quais inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”
A possibilidade de retificação da sentença terá de resultar de erros de cálculo, de escrita ou outras inexatidões devidas a omissão ou lapsos que sejam manifestos, possibilidade essa que se prende com o disposto no art. 249º do Cód. Civil, nos termos do qual “[o] simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá o direito à retificação desta”.
Ou seja, o erro (de escrita ou de cálculo), lapso ou omissão têm que ser manifestos, evidentes, resultando essa evidência do próprio contexto ou das circunstâncias em que a declaração é emitida, sendo que o lapso manifesto, passível de retificação, não se confunde com o eventual erro de julgamento.
No caso, a pretensão do Recorrente não se enquadra na situação prevista nos citados preceitos, pois que a omissão apontada ao laudo da junta médica não consubstancia lapso que decorra, muito menos manifestamente, desse próprio laudo ou das circunstâncias em que ele foi emitido.
Requerido exame por junta médica, seja pelo sinistrado, seja pela seguradora, a junta médica, que não fica vinculada ao laudo pericial emitido pelo perito singular na fase conciliatória do processo, poderá avaliar as sequelas de modo diferente, seja considerando que elas não existem, seja considerando que existem e que se enquadram na mesma rubrica da TNI, mas atribuindo diferente percentagem de desvalorização, seja enquadrando-as em diferente rubrica, seja considerando que, embora existentes, não determinam qualquer incapacidade para o trabalho.
Assim sendo, nada permite concluir, muito menos com a necessária segurança que a possibilidade de retificação pressupõe, que os Srs. Peritos médicos, apenas por lapso manifesto, é que não enquadraram alguma ou algumas das sequelas nos mesmos termos, e na mesma rubrica, considerados no exame médico singular e, naturalmente e muito menos, nos mesmos termos constantes do relatório médico junto pelo sinistrado.
Aliás, os Srs. Peritos médicos que intervieram na junta médica fizeram um diferente enquadramento de alguma ou algumas das lesões, pois que as enquadraram no Capitulo I.1.1.2.a), enquanto que o perito médico singular as enquadrou no Capítulo I.1.1.1.b) e I.1.1.4.b).
Acresce que lesões e sequelas são realidades diferentes, podendo o sinistrado ter sofrido uma lesão, da qual, contudo, não venha a ficar ou apresentar sequelas e ou que, apresentando-as, estas não determinam incapacidade para o trabalho.
Assim, e sem necessidade de considerações adicionais, indefere-se a pretendida retificação.

3. Nulidade da sentença

Vem o Recorrente arguir nulidades de sentença, invocando o disposto no art. 615º do CPC/2013.
Nos termos do disposto no art.77º, nº 1, do CPT, “[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.”.
De harmonia com tal preceito a arguição das nulidades da sentença deve ter lugar, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, este dirigido ao juiz do tribunal a quo, e não na alegação ou conclusões do recurso, sob pena de delas não se poder conhecer por extemporaneidade, exigência aquela que visa permitir ao tribunal recorrido que, com maior celeridade, sobre elas se pronunicie, indeferindo-as ou suprindo-as.
Assim o tem entendido, também, a jurisprudência, de que se cita, por todos, o sumário do douto Acórdão do STJ de 20.01.2010, in www.dgsi.pt, Processo nº 228/09.8YFLSB, no qual se refere o seguinte:
I - De acordo com o disposto no art. 77.º, n.º 1, do CPT, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
II - Tal exigência, ditada por razões de celeridade e economia processual, destina-se a permitir que o tribunal recorrido detete, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, sendo que exigência é, igualmente, aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação, atento o disposto no art. 716.º, nº 1, do CPC.
III - Deste modo, está vedado às partes reservar a sobredita arguição para as alegações de recurso, pois se o fizerem o tribunal ad quem não poderá tomar dela conhecimento, por extemporaneidade invocatória.
No caso, na parte relativa ao requerimento de interposição do recurso, o Recorrente refere apenas que, notificado do auto de exame por junta médica e, simultaneamente, da sentença “Não se conformando, dela vem interpor RECURSO para (…), com prévio pedido de RECTIFICAÇÃO.”.
Ou seja, no requerimento de interposição do recurso, nada se diz a propósito de nulidade da sentença, muito menos aí a invocando expressa e separadamente.
Seguem-se as alegações, aí se começando pela questão relativa ao pedido de retificação da sentença, seguindo-se a relativa ao “RECURSO” e em que, em epígrafe, se diz “DA NULIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA”, tecendo-se então as considerações tidas por pertinentes [diga-se que as invocadas nulidades de sentença se consubstanciariam nas questões enunciadas no ponto III.1., als. c) a f)].
Ou seja, não deu a recorrente, como devia, cumprimento ao disposto no citado art. 77º, nº 1, do CPT.

3.1. No entanto, a questão é irrelevante uma vez que nenhum dos vícios invocados, mesmo que porventura se verificassem, consubstanciariam nulidades de sentença, pela que a sua arguição não teria que obedecer ao disposto no art. 77º, nº 1, do CPT.
Com efeito:
As nulidades de sentença encontram-se previstas no art. 615º do CPT/2013 [diga-se que o Recorrente, no recurso, não invoca a concreta alínea do nº 1 desse preceito em que, segundo ele se enquadrariam as nulidades invocadas] com elas não se confundindo as nulidades processuais. Estas derivam de atos ou omissões que foram praticados antes de ser proferida sentença, traduzindo-se em desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar ato proibido, quer por se omitir um ato prescrito na lei, quer por se realizar um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido. Tais nulidades, constituindo anomalia do processo, devem ser suscitadas e conhecidas no Tribunal onde ocorreram.
Por sua vez, as nulidades da sentença (a que se reporta o artº 615º do CPC e 77º, nº 1, do CPT) derivam de actos ou omissões praticados pelo juiz na sentença e são arguidas em recurso (se o processo o comportar) e conhecidas pelo tribunal ad quem.
A essa distinção corresponde o conhecido brocardo: das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se.
Por outro lado, a nulidade de sentença por falta de fundamentação [citado art. 615º, nº 1, al. b)] não se confunde com errada, deficiente ou insuficiente fundamentação, pressupondo aquela uma falta absoluta de fundamentação.
Quanto à nulidade de sentença por omissão de pronúncia sobre questão que o juiz devesse conhecer prende-se ela com o disposto no art. 608º, nº 4, do CPC, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permtir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”. E, como é sabido, questões e argumentos são realidades que não se confundem, não tendo o juiz que apreciar de todos os argumentos invocados pelas partes, mas sim das questões que lhe sejam submetidas ou que sejam de conhecimento oficioso.
Finalmente a nulidade de sentença não se confunde com o erro de julgamento, seja da matéria de facto, seja do direito.

3.2. No caso, o Recorrente, a sustentar as nulidades de sentença invoca as questões referidas no ponto III.1. als. c) a f) do presente acordão, a saber:
- a junta médica, bem como a sentença, não se pronunciaram sobre o relatório médico junto pelo Recorrente [com o requerimento de exame por junta médica];
- não foi proferido despacho a deferir ou indeferir a apresentação, no exame por junta médica, do Sr. Dr. D… como perito do sinistrado como por este requerido no requerimento de exame por junta médica;
- foi nomeado, para intervir no exame por junta médica como perito do sinistrado, um outro perito médico que não o referido na questão anterior;
- falta de notificação do exame por junta médica após a realização da mesma.
Ora, nenhuma das invocas questões consubstanciam nulidades de sentença.
Quanto à 1ª [omissão de pronúncia sobre o relatório médico junto pelo Requerente], a questão em discussão, e sobre a qual a sentença se tinha que pronunciar [e a junta médica na medida em que a sentença, para ela remetendo e nela se fundamentando, acaba por nela integrar o respetivo laudo pericial], era a incapacidade permanente que afeta o sinistrado, questão esta sobre a qual a sentença [e a junta médica] se pronunciaram, tendo a junta médica respondido aos quesitos formulados, feito o enquadramento das sequelas na TNI do modo que teve como adequado e fixando uma IPP.
O relatório médico apresentado pelo A. mais não é do que um elemento de prova a ponderar, a par de outros, na apreciação da questão a decidir [determinação da incapacidade], não constituindo ele próprio a “questão” a decidir.
Não se verifica, assim, o vício de nulidade de sentença por omissão de pronúncia, assim como não se verifica o de falta (absoluta) de fundamentação, sendo que, como referido, com esta não se confunde a insuficiência, deficiência ou erro de fundamentação. Os Srs. Peritos médicos que intervieram na junta médica e a sentença, que para aquela remeteu e nela se baseou, responderam aos quesitos formulados e fizeram o enquadramento das sequelas, que tiveram por pertinente, na TNI. Se, designadamente perante os demais elementos constantes do processo, tal fundamentação é, ou não, suficiente, e/ou se é, ou não, correta, prende-se já com o mérito do julgamento, questão a que adiante nos reportaremos, mas não com o vício de forma da sentença, em que se consubstancia a nulidade de sentença.
Quanto às demais três invocadas nulidades de sentença, elas [a porventura verificarem-se os pressupostos previstos no art. 195º, nº 1, do CPC/2013] consubstanciariam eventualmente nulidades processuais, pois prender-se-iam com atos e/ou omissões que, todos eles, teriam tido, ou deveriam ter tido, lugar em momento anterior à sentença e não já com a própria sentença.
Assim sendo, improcedem as invocadas nulidades de sentença, impondo-se todavia que nos pronunciemos sobre tais alegadas nulidades processuais, uma vez que a errada qualificação jurídica feita pelas partes não vincula o Tribunal.

4. Das nulidades processuais

Como acima referido as i) omissão de despacho a deferir ou indeferir a apresentação, no exame por junta médica, do Sr. Dr. E… como perito do sinistrado, ii) nomeação para intervir no exame por junta médica como perito do sinistrado de um outro perito médico que não aquele e iii) falta de notificação do exame por junta médica após a realização da mesma e antes da sentença, a, porventura, constituírem desvio à tramitação processual imposta por lei e a influírem no mérito da causa, constituiriam nulidades processuais (art. 195º, nº 1, do CPC/2013) que, assim, deveriam ter sido reclamadas perante o tribunal onde ocorreram – 1ª instância, o que não ocorreu.
Não obstante, importa apreciar da questão de saber se, porque invocadas no recurso, tal ato poderia, ainda assim, ser aproveitado com a consequente remessa dos autos à 1ª instância com vista ao conhecimento das mesmas.
No douto Acórdão do STJ de 14.12.05 (processo nº 04S4452), in www.dgsi.pt., e no pressuposto de que a nulidade processual, ainda que no recurso, havia sido invocada dentro do prazo para arguição de nulidades [de 10 dias a contar do seu conhecimento] entendeu-se que “embora a nulidade [processual] arguida nas alegações do recurso de apelação não o seja na forma devida, o erro na forma processual usada não invalida, em princípio, o acto processual que se quis praticar, desde que o mesmo possa ser aproveitado, o que está de harmonia com o princípio da economia processual, de que se extrai uma regra de máximo aproveitamento dos actos processuais, que aflora, mormente, nos artigos 199.º, 201.º (…), todos do Código de Processo Civil”, e havendo, em consequência, considerado que devia ser determinada a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para que aí se apreciasse da nulidade.
Tais considerações mantêm atualidade face ao CPC/2013 e, embora tecidas a propósito de uma outra nulidade processual, são transponíveis para o caso em apreço, neste cabendo apreciar, com vista à eventual remessa dos autos à 1ª instância para conhecimento das mesmas, se elas foram atempadamente arguidas.
Assim:

4.1. Quanto às duas primeiras: i) não prolação de despacho a deferir ou indeferir a apresentação, no exame por junta médica, do Sr. Dr. D… como perito do sinistrado e ii) nomeação para intervir em tal junta, como perito do sinistrado, de um outro perito médico que não o referido:
No requerimento de exame por junta médica, apresentado aos 22.07.2013, o A. requereu o seguinte: “seja admitido como perito o médico D…, (…), a apresentar pelo sinistrado, tudo em conformidade com o disposto no art. 139º, nº 5, ab initio, do CPT”, sendo que a notificação do ilustre mandatário do A. da data designada para a realização do exame por junta médica ocorreu, via citius, com data de elaboração de 26.11.2013 e o exame por junta médica, ao qual o A. esteve presente, teve lugar aos 14.01.2014.
Caso, porventura e como mera hipótese de raciocínio, se admitisse que teria que ter sido proferido despacho a deferir ou indeferir tal requerimento, ele teria que ter ocorrido em momento anterior ao da notificação da data da junta médica ou, pelo menos, no momento da sua realização, sendo que, pelo menos a esta data, o A. teve conhecimento da omissão dessa decisão, pois que nela se realizou a junta médica, diligência essa na qual seria suposto que o mencionado médico interviria, e que se realizou (com nomeação de outro perito) com a presença do Autor [aliás, este, no requerimento de exame para junta médica, logo referiu, e bem, que apresentaria o médico pretendido em conformidade com o disposto no art. 139º, nº 5, do CPT, preceito este de acordo com o qual os peritos das partes devem ser por estas apresentados até ao início da diligência e, se o não forem, cabe ao tribunal nomeá-los oficiosamente].
Assim sendo, essa (eventual) nulidade deveria ter sido arguida até, pelo menos, o início do exame por junta médica ou, na melhor das hipóteses para o A., no prazo de 10 dias a contar da realização desse exame (14.01.2014), nos termos do disposto no art. 199º, nº 1, do CPC/2013.
Ora, tendo-o sido apenas no recurso, que foi interposto aos 17.02.2014, é a sua arguição extemporânea e, por consequência, não sendo essa invocação passível de aproveitamento.

4.2. Quanto à terceira das mencionadas nulidades processuais, relativa à falta de notificação do exame por junta médica após a realização da mesma.
O resultado do exame por junta médica não foi notificado ao sinistrado após a sua realização, tendo-o sido, apenas, com a notificação da sentença, esta ocorrida (relativamente ao seu ilustre mandatário), via citius, com data de elaboração de 04.02.2014.
Nos termos e pelos fundamentos constantes dos pontos seguintes (5.1. a 5.1.4.), para onde se remete, ir-se-á determinar, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 2, al. c), do CPC/2013, a anulação da sentença com vista à ampliação da matéria de facto.
Deste modo, o conhecimento da questão ora em apreço fica prejudicado, uma vez que a junta médica irá emitir novo laudo, o qual deverá ser notificado às partes previamente à prolação da nova sentença tendo em conta a decisão proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 28.05.2014 [AFFAIRE MARTINS SILVA c. PORTUGAL, Requête nº 12959/10] que entendeu que a falta de notificação ao sinistrado, previamente à prolação da sentença, do exame por junta por junta médica viola o disposto no art. 6º §1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

5. Falta de pronúncia sobre o relatório médico junto pelo A.

Retomando a questão de a junta médica, bem como a sentença, não se terem pronunciado sobre o relatório médico junto pelo Recorrente [com o requerimento de exame por junta médica], ela, como se disse, prende-se com o mérito do julgamento da questão relativa à incapacidade que foi fixada ao sinistrado.
Com efeito, esse relatório é um elemento de prova que a junta médica (e a sentença) avaliam livremente, isto é, não se trata de meio de prova com força probatória vinculativa. Tal elemento, a par de outros, encontravam-se juntos aos autos, nada resultando no sentido de que não tenha sido apreciado pela junta médica, ainda que não no sentido pretendido pelo Recorrente. Aliás, tal relatório, no que se reporta às incapacidades parciais, salvo os respetivos coeficientes de IPP, não traz nada de novo relativamente ao exame médico singular, sendo o enquadramento das sequelas idênticos em ambos, pelo que a junta médica, não acolhendo, como não acolheu, o resultado do exame singular, por maioria de razão não poderia acolher as incapacidades parciais referidas em tal relatório.

5.1. Não obstante, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que o laudo da junta médica contém obscuridade entre as sequelas que indica e o enquadramento que fez ou, pelo menos, carece de fundamentação suficiente que nos permita sindicá-lo, pelas razões que passaremos a explicar.

5.1.1. Ao quesito 1º, em que se perguntava “1º. “Quais as sequelas que o sinistrado apresenta após a data da alta ou cura clínica (fixada em 15/1/2013)?”, a junta médica respondeu nos seguintes termos: “Raquealgias residuais como consequência de fratura de um corpo vertebral bem assim como de uma apófise transversa, ambas a nível da coluna lombar e ainda com dores a nível da bacia por fratura por fratura da mesma e do sacro.”
Ou seja, de tal resposta resulta que foram tidas em conta as seguintes lesões sofridas em consequência do acidente – “fratura de um corpo vertebral”, “apófise transversa”, “fratura da bacia” e do “sacro”.
Mais decorre da resposta a esse quesito que as sequelas da “fratura de um corpo vertebral” e de “uma apófise transversa” consistem “em raquialgias residuais”.
E, perante a TNI e ao que parece resultar do laudo da junta médica, foram as sequelas - raquialgias residuais consequentes à fratura de um corpo vertebral e apófise transversa - enquadradas no Capítulo I.1.1.2 a), este relativo a “Fratura de um ou mais corpos vertebrais, consolidade com deformação acentuada” com “deformação do eixo raquidiano, apenas com expressão imagiológica”.
Acontece que nesse mesmo Capítulo, o ponto 1.1.1.b) reporta-se a “Traumatismos raquidianos sem fractura ou com fracturas consolidadas sem deformação ou com deformação insignificante” “Apenas com raquialgia residual” e, o ponto 1.1.4.b. reporta-se a “Fraturas apofisárias (espinhosas ou transversais)” “consolidadas ou não, com raquialgia residual (de acordo com a objectivação da dor”), nas quais aliás o exame médico singular, bem como o relatório médico apresentado pelo sinistrado, enquadraram as raquialgias residuais dessas fraturas [presume-se que da L3 e L2] e da apófise transversa [exame médico singular esse, realça-se, de que a Ré Seguradora não discordou na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo]. Refira-se ainda que, de acordo com elementos da Seguradora, referidos no exame médico singular, o A. sofreu fratura apofisária transversa de L3 e fratura do corpo vertebral de L2.
Ou seja, nestes pontos da TNI [(I.1.1.1.b) e I.1.1.4.b)] estão previstas, ao que parece, as raquialgias residuais consequência das fraturas de corpo vertebral e de apofisárias transversas. Ora, da resposta ao quesito 1º dado pela Junta Médica, resultando embora que o A. apresenta raquialgias residuais como consequência de fratura de um corpo vertebral, bem como de uma apófise transversa, não resulta, contudo e ao menos com a necessária clareza, a razão do diferente enquadramento que fez dessas sequelas, sendo que, para além dessa resposta, outro fundamento não consta do laudo.
Impõe-se, pois, que a junta médica fundamente esse diferente enquadramento e bem assim, ainda que entenda que o mesmo é de manter, que esclareça por que razão não enquadrou, também, as raquialgias residuais “de uma apófise transversa” no ponto I.1.1.4.b.
Por outro lado, e ainda que mantenha o enquadramento que fez das lesões no Cap. I.1.1.2 a), deverá[3], ainda assim, atribuir os coeficientes de desvalorização de IPP correspondentes ao enquadramento das mencionadas sequelas [raquialgias residuais consequência das fraturas de corpo vertebral e de apofisárias transversas] nos pontos I.1.1.1.b) e I.1.1.4.b) da TNI.

5.1.2. Por outro lado, o exame médico singular enquadra as sequelas relativas ao sacro no Capítulo I.1.1.4.a), a que corresponde a desvalorização de 0% de IPP, enquanto que o relatório apresentado pelo sinistrado as enquadra nesses pontos (Cap. I.1.1.4), porém na al. b), considerando uma desvalorização de 6%.
Ora, a junta médica, não tendo atendido nem a um, nem a outro, dos referidos enquadramentos, não diz porquê (embora na resposta ao quesito 1º refira que o sinistrado apresenta dores a nível da bacia por fratura da mesma e do sacro), ficando-se na dúvida relativamente ao enquadramento dessa sequela e da (eventual) incapacidade que lhe corresponda.
Assim, deverá a junta médica esclarecer por que razão não valorizou e/ou não enquadrou tais sequelas em qualquer um dos referidos pontos ou, caso tal se deva a lapso, deverá proceder ao enquadramento devido, com a atribuição, justificadamente, da correspondente IPP.

5.1.3. Acresce que no relatório apresentado pelo sinistrado, no qual o requerimento de exame por junta médica se fundamentou, é feita referência à incapacidade para o exercício da profissão. Considerando a resposta ao quesito 2º, que fixou apenas uma IPP, é de concluir que os Srs. Peritos médicos entenderam que as lesões apresentadas não determinam uma IPATH (incapacidade permanente para o trabalho habitual). Todavia, também essa conclusão não se encontra fundamentada, devendo a junta médica esclarecer, fundamentadamente, tal questão.

5.1.4. Como acima se disse, a junta médica, e o tribunal, apreciam livremente os relatórios médicos apresentados pelo sinistrados, a par da avaliação de demais elementos que constem do processo e da própria observação do sinistrado. Essa livre apreciação não é, todavia, sinónimo de arbitrariedade, pelo que os Srs. Peritos médicos que intervieram na junta médica deverão, com vista a uma correta e cabal fundamentação do laudo que permita a sindicância pelo Tribunal e pelo próprio sinistrado, indicar os elementos em que basearam o juízo que formularam e fundamentar esse mesmo juízo, esclarecendo ainda as questões acima mencionadas e fundamentando os coeficientes de desvalorização atribuídos tendo em conta, designadamente, as diferentes incapacidades alegadas pelo sinistrado no relatório por si apresentado.
Com efeito, o exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regra da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do Código Civil e arts. 489º e 607º, nº 5 do CPC/2013).
No entanto, muito embora o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados e, daí, a necessidade da devida fundamentação do laudo pericial pois que, só assim, poderá o mesmo ser sindicado, tanto mais quando da sentença é interposto recurso.
Como decorre do referido no Acórdão desta Relação de 05.02.07[4] tais exames não serão de considerar pelo tribunal, como elemento válido de prova pericial, se as respostas aos quesitos ou o relatório sejam deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.
Ora, no caso e pelo que se disse, o laudo pericial emitido pela junta médica não se nos afigura suficientemente fundamentado e esclarecedor, suscitando-nos as dúvidas mencionadas e não permitindo a necessária sindicância do mesmo.
Na verdade, a decisão da 1ª instância que fixa a natureza e grau de incapacidade é sindicável pela Relação, sendo que as insuficiências do laudo da junta médica, na medida em que se refletem na decisão que o acolheu, impossibilitam a correta e cabal reapreciação da matéria de facto e a consequente decisão de direito, o que determina, nos termos do disposto no art. 662º, nº 2, al. c), do CPC/2013 [e que é de conhecimento oficioso], a anulação da sentença com vista à ampliação da matéria de facto para o apuramento e/ou esclarecimento das questões acima mencionadas, devendo ser solicitado aos peritos médicos que integraram a junta médica os necessários, e fundamentados, esclarecimentos, tudo em conformidade com o acima referido e o mais que seja tido por conveniente pela 1ª instância.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide:
A. Indeferir a retificação da sentença;
B. Julgar prejudicada a apreciação da questão da alegada nulidade processual por omissão de notificação ao A. do laudo da junta médica e indeferindo-se as demais invocadas nulidades processuais.
C. Anular, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, a sentença recorrida, devendo o tribunal de 1ª instância determinar à junta médica os necessários, e fundamentados, esclarecimentos em conformidade com o acima referido e o mais que possa ter por conveniente, devendo o laudo que venha a ser emitido ser notificado às partes, e proferindo-se, a final, nova decisão.

Custas pela parte vencida a final.

Porto, 06-10-2014
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
_____________
[1] Aos 22.01.2013.
[2] Consultável in http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-144146.
[3] Tendo em conta as várias hipótese plausíveis com que, seja a 1ª instância, seja esta Relação, em caso de recurso, se poderá vir a deparar.
[4] Proferido na Apelação 6104/06-4.