Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2265/12.6TBMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
TRANSPORTE AÉREO
CONVENÇÃO DE MONTREAL
NULIDADE DE SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Nº do Documento: RP201409222265/12.6TBMAI.P1
Data do Acordão: 09/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
II- Se a entrega da mercadoria for efectuada mediante transporte terrestre mas no âmbito de um contrato de transporte aéreo, presume-se, salvo prova em contrário, que o dano resultou de evento ocorrido durante o transporte aéreo.
III- No domínio da Convenção de Montreal, aprovada pelo Decreto nº 39/2002, de 27 de Novembro de 2002, publicado no nº 274 da primeira série do Diário da República, a exclusão da limitação da obrigação de indemnizar a cargo da transportadora prevista no nº 5, do seu artigo 22º, só se verifica relativamente a danos em passageiros e em bagagens destes, não operando relativamente a mercadorias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Sumário do acórdão proferido no processo nº 2265/12.6TBMAI.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
2. Se a entrega da mercadoria for efectuada mediante transporte terrestre mas no âmbito de um contrato de transporte aéreo, presume-se, salvo prova em contrário, que o dano resultou de evento ocorrido durante o transporte aéreo.
3. No domínio da Convenção de Montreal, aprovada pelo Decreto nº 39/2002, de 27 de Novembro de 2002, publicado no nº 274 da primeira série do Diário da República, a exclusão da limitação da obrigação de indemnizar a cargo da transportadora prevista no nº 5, do seu artigo 22º, só se verifica relativamente a danos em passageiros e em bagagens destes, não operando relativamente a mercadorias.
***
*
***

Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
A 09 de Abril de 2012, via fax, B…., SA instaurou nos Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Maia acção declarativa sob foram sumária contra C…., SA pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 7.167,00, acrescida de juros de mora à taxa legal.
Em síntese, para fundamentar a sua pretensão, a autora alegou ter contratado a ré, na qualidade de transportadora, para proceder ao transporte urgente de uma mesa de mistura, de Lisboa para Madrid; a mesa de mistura foi acondicionada em Lisboa como mercadoria frágil em perfeito estado de conservação e funcionamento e foi recepcionada em Madrid com danos na embalagem e na mesa de mistura, tendo a autora despendido na sua reparação a quantia de € 7.167,00; depois de ter reclamado à ré o pagamento daquilo que despendeu na mesa de mistura, foi informada por esta que a sua responsabilidade era limitada ao montante de vinte e dois euros por quilograma, aceitando a ré pagar por força dessa limitação apenas o montante de € 363,00; ao não procederem à protecção da mesa de mistura assinalada como mercadoria frágil, os colaboradores da ré conformaram-se com a probabilidade da mesma sofrer danos.
Efectuada a citação da ré, esta veio contestar, impugnando a generalidade da factualidade articulada pela autora, alegando que a autora não fez constar da carta de porte a fragilidade da mercadoria transportada, que a responsabilidade pela embalagem da mercadoria é do expedidor, que, em todo o caso, a responsabilidade da ré se acha legalmente limitada, não tendo por isso qualquer obrigação de informar a autora dessa limitação, tendo pago à autora o montante que estava legalmente obrigada a pagar, concluindo pela total improcedência da acção.
Não se realizou audiência preliminar, proferiu-se despacho saneador tabelar, não se procedeu à selecção da matéria de facto e fixou-se o valor da causa no montante de € 7.167,00.
As partes ofereceram as suas provas, requerendo ambas a gravação da audiência final.
A 19 de Abril de 2013, realizou-se audiência de discussão e julgamento e a 24 de Abril de 2013 respondeu-se à matéria vertida na petição inicial e na contestação.
A 29 de Janeiro de 2014, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente, sendo a ré condenada nos exactos termos peticionados pela autora.
A 17 de Março de 2014, inconformada com a sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - Entre a recorrida e a recorrente foi celebrado um contrato de transporte, com local de origem Portugal, Lisboa, e local de destino Espanha, Madrid.
2 – Conforme resulta do n.º 29 dos factos provados foi utilizado o transporte aéreo.
3- Pelo que é aplicável a Convenção Para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, vulgo Convenção de Montreal, ratificada pelo Estado português através do Decreto nº 39/2002, de 27 de Novembro..
4- Nos termos do n.º 1 do art.1 da referida Convenção “ A presente Convenção aplica-se a todas as operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efectuadas a título oneroso. (…)”
5- O Tribunal a quo, não obstante ter dado como provado que se tratou de um transporte aéreo, na aplicação do direito entendeu em sentido completamente diverso.
6- A aplicação da Convenção, enquanto direito internacional, sobrepõe-se às normas de direito interno, consoante o imperativo constitucional do Art.8º da CRP.
7- O Tribunal a quo, na aplicação do direito, em completa contradição com o que havia referido e dado como provado, entendeu que “o regime destes diplomas trata, fundamentalmente, de obrigações do transportador aéreo. E no caso da situação litigiosa em análise, jamais se falou do transporte aéreo e de embarque ou desembarque da aeronave”.
8- A alínea c) do nº1 do art. 615º do C.P.C. considera nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
9- No caso em apreço é manifesta esta contradição, uma vez que num 1º momento dá como provado o facto de se tratar de um transporte aéreo, para em momento posterior da decisão considerar não se estar presente um transporte aéreo.
10- Estão assim os fundamentos da sentença em clara contradição com a decisão tomada, pelo que enferma aquela de evidente nulidade.
11- Caso assim não se entenda, sempre haverá erro do julgador no tocante ao direito aplicável ao caso concreto.
12- O tribunal a quo considerou provado “Quando a mesa de mistura foi acondicionada e expedida, em Lisboa, encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento, tal como estava íntegro e seu invólucro”.
13- Da prova produzida em sede de audiência de julgamento resulta que nenhuma das testemunhas inquiridas assistiu ou procedeu ao embalamento da mercadoria.
14- Resultou apenas da prova produzida que foi solicitado caixa e plástico-bolha para o embalamento da mercadoria por parte do expedidor.
15- Tratando-se a mercadoria a transportar de peça electrónica composta por mesa de mistura de som e seus componentes, parece que o mero recurso ao papel de bolha e caixa não teria a aptidão necessária a proteger tal mercadoria.
15- No decorrer do transporte são naturais choques e vibrações.
16- O embalamento e acondicionamento tem de ter a virtualidade de amortecer tais situações.
17- A mera menção de frágil no exterior da caixa não é por si só susceptível de afastar a responsabilidade pelo deficiente embalamento ou acondicionamento da mercadoria.
18- Devendo ter sido considerado provados os arts. 14º a 16º da contestação.
19 - Da prova produzida não se retira fundamento para o Tribunal a quo ter dado como provado que a mercadoria transportada, no momento em que foi acondicionada e expedida, se encontrava em pleno estado de conservação e funcionamento.
20- Nada aponta no sentido de que os danos na estrutura da mesa não fossem já anteriores à sua expedição, nem que a referida mesa de mistura de som estivesse em bom estado de conservação.
21-Assim, não tendo nenhuma das testemunhas assistido ao embalamento da mercadoria, nem atestado o estado de conservação e funcionamento da mesma, considera-se o ponto 7 dos factos provados indevidamente provado.
22 - O quesito 8º da P.I deveria ter sido dado como não provado.
23- Tal circunstância levaria certamente a decisão diferente na questão relativa à responsabilidade da recorrente.
24- Considerou o Tribunal a quo, no ponto 26 da matéria de facto dada como provada, que “não existe qualquer campo no verso da carta de porte onde o contraente possa apor a sua assinatura em sinal de assentimento ao seu conteúdo como prova de lhe terem sido referidas ou explicadas tais menções, o que seria a única forma de garantir que o contraente havia tomado conhecimento das condições aplicáveis ao contrato”(sublinhado nosso).
25- Tendo assim considerado provada a factualidade constante do quesito 39º da matéria alegada na petição inicial.
26- O desconhecimento que a recorrida alegava era a cláusula de limitação da responsabilidade.
27- A Convenção de Montreal prevê no seu art.22º, nº3 a responsabilidade limitada pelo peso da mercadoria no caso de dano causado nos objectos transportados.
28- A referida limitação tem natureza legal e não contratual.
29- A recorrente não tinha a obrigação de informar a recorrida da limitação de responsabilidade.
30 - O desconhecimento da lei não aproveita, nos termos do disposto no art. 8º do Código Civil.
31- Não é de aceitar o ponto 26 dos factos provados, pois não é verdade que seria a única forma de garantir que o contraente havia tomado conhecimento das condições aplicáveis ao contrato.
32- O quesito 39º relativo à matéria alegada na petição inicial deveria ter sido considerado não provado.
33- Nos termos da Convenção de Montreal, o embalamento da mercadoria é da responsabilidade do expedidor, conforme resulta, a contrario sensu, do disposto na alínea b), do nº 2, do art. 18º da Convenção.
34 - A simples menção, na embalagem do produto, de que este é frágil, não exime a responsabilidade da recorrida pela incorrecta e inadequada informação prestada ao transportador, inscrevendo tais características de fragilidade na carta de porte.
35- Foi a autora que procedeu à embalagem da mercadoria
36- A recorrida não obedeceu ao especial dever de cuidado no embalamento e acondicionamento da mercadoria considerada frágil.
37- O incumprimento do dever de embalar convenientemente a mercadoria faz incorrer o expedidor em responsabilidade perante o transportador, pelos danos originadas pelo defeito da embalagem da mercadoria.
38- Os danos, a terem ocorrido, resultam da incapacidade da embalagem em assegurar a protecção da mercadoria.
39- Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que ao caso concreto não tinha aplicação a Convenção de Montreal.
40 – O Tribunal a quo aplicou ao caso concreto as regras do Código Civil relativamente ao incumprimento.
41 - O Tribunal a quo deu como provado foi utilizado transporte aéreo.
42- O tribunal a quo fez referência à carta de porte como sendo o documento internacional, que vigora para todo o transporte internacional de mercadorias por via aérea.
43- A existir responsabilidade da recorrente quanto aos danos na mercadoria, terá de ser analisada à luz da Convenção de Montreal e Convenção de Varsóvia.
44- O artigo 18º da Convenção de Montreal contém uma presunção de culpa ao considerar que “ A transportadora é responsável pelo dano causado em caso de destruição, perda ou avaria da mercadoria, desde que o evento causador do dano ocorra durante o transporte aéreo.”
45 - Mas a responsabilidade é limitada nos termos do artigo 22º nº3 da Convenção de Montreal e de Varsóvia.
46- A presunção de culpa encontra-se limitada, em termos de ressarcimento de prejuízos.
47- A presunção de culpa, só é afastada em duas circunstâncias:
- ou no caso do disposto no artigo 20º da Convenção - quando o transportador alegue e prove os factos atinentes ao afastamento da presunção;
- ou no caso do artigo 25º da Convenção de Varsóvia, em que os limites da responsabilização do transportador prevenidos no artigo 22º se não aplicam, ou seja, se se provar que o dano é resultante de uma acção ou de uma omissão da entidade transportadora ou dos seus agentes feita, ou com a intenção de provocar um dano, ou temerariamente e com consciência de que desse facto resultará provavelmente um dano; no entanto, no caso de uma acção ou omissão dos seus agentes deverá provar-se também que estes agiram no exercício das suas funções.
48- Para que a recorrida pudesse beneficiar da exclusão dos limites insertos no art. 22º da Convenção, teria de alegar e provar de que o dano teve origem numa conduta, não meramente negligente ou culposa, mas antes dolosa por parte da recorrente.
49 - Impende sobre a recorrida o ónus da prova inserto no art. 342º, nº 1 do C.C.
50- A recorrida nada alegou e/ou provou em termos de dolo da recorrente.
51 - O transportador beneficia dos limites do art.0 22.° se o lesado não conseguir provar que o transportador actuou com dolo ( Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no proc. n.º 5808/09.9 TVLSB de 10/09/2013, in www.dgsi.pt)
52- “No âmbito de aplicação da convenção de Varsóvia atinente ao transporte internacional de mercadorias através de aeronave, para que o transportado possa beneficiar dos limites de responsabilidade prevenidos no seu art. 22º, impenderá sobre si o ónus de alegação e prova que a perda da mercadoria por banda do transportador foi devida a uma conduta dolosa e não negligente ou meramente culposa.” (Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no proc. 2803/2004 -2 de 13/05/2004, in www.dgsi.pt,)
53 – A responsabilidade do dano na mercadoria terá de ser reduzida à que resulta ao valor de 17 direitos de saque especiais por quilograma, nos termos do n. 3 do art. 22º da Convenção.
54- Tal valor corresponde a 363,00€, montante esse que foi pago pela recorrente à recorrida.
55- Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o valor da indemnização se encontra limitado pelo valor de mercado da mercadoria danificada.
56- A recorrida, no documento de reclamação (claim form) e junto aos autos a fls. , mencionou que o valor da mercadoria transportada se fixava em €460,00.
57 - Nos termos do art.562º C.C. “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
58- O n.º2 do art. 566º C.C dispõe que “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.”
59- Assim, se a mesa misturadora de som valia 460,00€, não pode a recorrente ser condenada no pagamento de indemnização de 7.167,00€.
60- Existe um enriquecimento ilegítimo e injustificado, traduzido num enriquecimento sem causa.
61- A questão enriquecimento sem causa pode ser alegada em recurso, apesar de não suscitado nos articulados (RP 27-11-94; BMJ 241º- 348).
62- A sentença recorrida violou as normas legais referidas e citadas nas alegações e presentes conclusões, bem como a jusrisprudência pacificamente consagrada nos acórdãos supra referidos.
A autora contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da nulidade da sentença recorrida por contradição dos fundamentos com a decisão;
2.2 Da reapreciação das respostas aos artigos 8º e à parte final do artigo 39º, ambos da petição inicial e aos artigos 14º e 16º da contestação;
2.3 Do erro na não aplicação das regras próprias do transporte de mercadorias por via aérea;
2.4 Da medida da obrigação de indemnizar e do enriquecimento sem justa causa da recorrida.
3. Fundamentos
3.1 Da nulidade da sentença recorrida por contradição dos fundamentos com a decisão
A recorrente suscita a nulidade da sentença recorrida por alegada contradição dos fundamentos com a decisão. Firma esta arguição na circunstância de constar dos fundamentos de facto que, nos termos contratados, foi utilizado o transporte aéreo (resposta ao artigo 3º da contestação) e depois, na fundamentação de direito afirma-se, contraditoriamente, que “no caso da situação litigiosa em análise, jamais se falou do transporte aéreo e de embarque ou desembarque da aeronave (cfr. arts 2º j) e 3º b) do Dec-Lei 321/89)” e mais adiante que “não se tem por esboçado qualquer transporte aéreo, pelo que não é aplicável quer a Convenção de Montreal quer o Dec-Lei 321/89”, concluindo-se pela inaplicabilidade da limitação da obrigação de indemnizar invocada pela ora recorrente e fundada no regime do contrato de transporte por via aérea.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O vício previsto na primeira parte da previsão legal que se acaba de citar verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.
Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, decorrente da eliminação do fundamento de esclarecimento da sentença previsto anteriormente na alínea a), do nº 1, do artigo 669º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava antes da vigência do actual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade, torne a decisão ininteligível. Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja perceptível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projectar na decisão, tornando-a incompreensível, insusceptível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.
No caso em apreço, há que reconhecer que não foi feliz a referência da sentença a jamais se ter falado nos autos de transporte aéreo e de embarque ou desembarque da aeronave.
No entanto, a interpretação da sentença recorrida, à semelhança do que sucede com qualquer texto, não se pode quedar por uma ou outra frase isolada, excessiva, antes deve procurar identificar as razões decisivas para a decisão que a final veio a ser tomada.
A nosso ver, cremos que essas razões sobressaem quando se afirma na sentença recorrida que “o equipamento foi entregue à Ré nas suas instalações em Lisboa, para proceder á sua entrega em Madrid” e ainda quando se escreve que “recebida sem reservas a mercadoria em Lisboa, estava a transportadora obrigada a entregá-la em Madrid, só cumprindo o contrato com a entrega da mercadoria ao destinatário, no estado em que a mesma se encontrava aquando do recebimento.
As passagens que se acabam de transcrever apontam no sentido de que se entendeu não ter ficado demonstrado que os danos no equipamento da autora foram causados durante o transporte aéreo, razão pela qual não seria aplicável o regime especial de limitação da responsabilidade do transportador.
Assim, não obstante a infelicidade das passagens destacadas pela recorrente[1], analisada a globalidade da fundamentação da sentença sob censura, consegue-se estabelecer uma relação de congruência entre a fundamentação de facto e de direito com o dispositivo.
Questão diversa é a de saber se este entendimento do tribunal a quo é fáctica e juridicamente correcto, o que nos remete para um eventual erro de julgamento, seja na qualificação jurídica dos factos, seja na determinação da norma aplicável, seja ainda na interpretação da norma aplicada.
No caso em apreço, tratar-se-á de um eventual erro na qualificação jurídica dos factos, na medida em que na fundamentação jurídica se desconsiderou, sem fundamentação expressa, a matéria dada como provada em resposta ao artigo 3º da contestação[2].
No circunstancialismo exposto, não ocorre a denunciada oposição entre os fundamentos e a decisão, improcedendo a nulidade da sentença arguida pela recorrente.
3.2 Da reapreciação das respostas aos artigos 8º e à parte final do artigo 39º, ambos da petição inicial e aos artigos 14º e 16º da contestação
A recorrente requer a reapreciação das respostas aos artigos 8º e à parte final do artigo 39º, ambos da petição inicial[3] e aos artigos 14º e 16º da contestação, pugnando por que o artigo 8º e a parte final do artigo 39º da petição inicial sejam considerados como não provados e provados os artigos 14º a 16º da contestação.
As razões que sustentam estas pretensões da recorrente são, em síntese, as seguintes:
- nenhuma das testemunhas inquiridas assistiu ou procedeu ao embalamento da mercadoria, pelo que não existe prova que permita sustentar uma resposta positiva ao artigo 8º da petição inicial;
- a limitação de responsabilidade constante do nº 3, do artigo 22º da Convenção de Montreal não carece de ser comunicada pela transportadora ao expedidor e, em todo o caso, ficou demonstrado que a recorrente transmitiu integralmente à recorrida o conteúdo do contrato de transporte e, nomeadamente, a cláusula de limitação da sua responsabilidade;
- a mera menção de frágil no exterior da embalagem não ilide a recorrida da sua responsabilidade pelo deficiente embalamento do seu equipamento, pois apenas foi usado papel/bolha para proteger o equipamento.
A recorrida pronuncia-se pela total improcedência destas pretensões da recorrente.
Cumpre apreciar e decidir.
Os artigos cujas respostas são impugnadas pela recorrente têm o seguinte conteúdo:
- “Quando a mesa de mistura foi acondicionada e expedida, em Lisboa, encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento tal como estava íntegro o seu invólucro” (artigo 8º da petição inicial);
- “Aliás, não existe qualquer campo no verso da carta de porte onde o contraente possa apor a sua assinatura em sinal de assentimento ao seu conteúdo como prova de lhe terem sido referidas ou explicadas tais menções (conforme doc. 9 que ora se junta), o que seria a única forma de garantia que o contraente havia tomado conhecimento das condições aplicáveis ao contrato” (artigo 39º da petição inicial);
- “A existirem os danos ocorridos, ele foram por defeito de embalagem, sendo tal responsabilidade da autora/expedidora” (artigo 14º da contestação);
- “A embalagem mostrou-se incapaz de proteger o material transportado” (artigo 15º da contestação);
- “Os danos, a terem ocorrido, resultam da incapacidade da embalagem em assegurar a protecção da mercadoria” (artigo 16º da contestação).
O tribunal a quo motivou a sua convicção probatória do seguinte modo:
As respostas dadas à matéria de facto constante dos articulados apresentados pelas partes basearam-se no conjunto da prova produzida em audiência, bem como nos vários documentos juntos aos autos.
Assim, para os factos dados como provados e supra elencados, o tribunal atendeu aos documentos de fls. 46 a 57, 141/142 e 146, conjugados com os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento. Nomeadamente, o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha D….., director comercial da empresa “E…., SL”, para a qual foi enviado o equipamento em causa dos autos (mesa de mistura de vídeo), o qual referiu que a autora enviou o equipamento apenas para fazerem a manutenção e revisão do mesmo, como habitualmente faz quanto aos seus equipamentos e relatou ao tribunal o estado em que o equipamento foi entregue na sua empresa, tendo referido, de forma discriminada e objectiva que o mesmo apresentava golpes, deformação na estrutura e a parte electrónica esta completamente inutilizada. Mais referiu que, tendo o equipamento sido enviado pela autora apenas para se proceder à sua manutenção, era impossível que o mesmo tivesse sido enviado naquelas condições, pois pela autora foi-lhe dito que o equipamento funcionava em perfeitas condições, apenas sendo necessário efectuar a sua manutenção (revisão). O depoimento desta testemunha revelou-se objectivo e isento, tendo merecido a credibilidade do tribunal.
O tribunal atendeu também ao depoimento da testemunha F…., funcionária (recepcionista) da autora, a qual igualmente prestou um depoimento objectivo, isento e credível.
No que respeita à matéria alegada pela autora no artigo 31º da petição inicial, a mesma foi confirmada pela testemunha G…., funcionária da ré, que confirmou qual o montante pago pela ré à autora, sendo que relativamente à matéria alegada pela ré e que resultou provada o tribunal atendeu igualmente ao depoimento desta testemunha, o qual também mereceu a credibilidade do tribunal por se revelar isento e objectivo.
Quanto à matéria de facto não provada, tal assim foi considerado atenta a ausência ou insuficiência de prova convincente que permitisse ao tribunal concluir pela sua verificação.
Antes ainda de entrar na análise e apreciação da prova pessoal e documental produzida, importa qualificar juridicamente a matéria impugnada pela recorrente na resposta dada ao artigo 39º da petição inicial. Viu-se antes que o motivo da insatisfação da recorrente se prende com a parte final do mencionado artigo, onde se afirma que a assinatura do expedidor no verso da carta de porte “seria a única forma de garantia que o contraente havia tomado conhecimento das condições aplicáveis ao contrato”.
A inexistência de espaço para assinatura do expedidor no verso da carta de porte é um dado objectivo e resulta do simples exame do documento nº 9, junto com a petição inicial, a folhas 57 destes autos.
A afirmação de que a aposição da assinatura no verso da carta de porte era a única forma de garantia de que o contraente havia tomado conhecimento das condições aplicáveis ao contrato, não constitui um dado de facto, mas sim um juízo de valor que não depende de especiais conhecimentos técnicos ou científicos, pelo que não constitui matéria sujeita a prova[4].
Acresce que, seja como for, está em causa matéria que resulta de um diploma legal, pelo que o seu conhecimento não está subordinado às regras que vigoram para as cláusulas contratuais gerais, mas antes às regras próprias do conhecimento do conteúdo dos instrumentos normativos em matéria civil, nomeadamente o artigo 6º do Código Civil.
Reproduzindo, em parte e com alterações, o que se deixou escrito no acórdão proferido no processo nº 833/11.2TVPRT.P1, o actual Código de Processo Civil teve a nítida preocupação de simplificar a fase do processo que se segue ao termo dos articulados, quando o processo esteja em condições de seguir para a audiência final, eliminando a necessidade de proceder à organização da base instrutória que deveria conter a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (veja-se o artigo 511º, nº 1, do anterior Código de Processo Civil). Para tanto, criou a figura dos temas de prova, pretendendo com esta designação uma referenciação genérica do objecto da instrução (veja-se a primeira parte do artigo 410º do Código de Processo Civil).Não obstante esta alteração de paradigma que, na nossa perspectiva, apenas transfere as dificuldades que surgiam no termo dos articulados para a audiência final, parece que o objecto da instrução continua agora como dantes a ser constituído pelos factos, incluindo-se nestes as ocorrências da vida real exterior e passíveis de percepção, as ocorrências da vida interna das pessoas, como sejam as intenções, os conhecimentos, as dores, as alegrias, etc…, as situações virtuais, seja no passado, seja no futuro, como sucede, por exemplo, na determinação da vontade conjectural em caso de redução ou conversão do negócio jurídico e, finalmente, os juízos periciais de facto, isto é, as apreciações de certos factos efectuadas por pessoas dotadas de conhecimentos científicos e com base nesses conhecimentos[5].
Na verdade, as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções deduzidas (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), estando o tribunal limitado na sua actividade por tal factualidade essencial e apenas podendo considerar, além dela, a factualidade instrumental, os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa e desde que sobre os mesmos as partes tenham tido a oportunidade de tomar posição, os factos notórios e os factos de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Pelo contrário, no que respeita à matéria de direito, o tribunal não está subordinado às alegações das partes, sendo livre[6] no que tange a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), ainda que nalguns casos, deva observar o prescrito no nº 3, do artigo 3º, do Código de Processo Civil.
O anterior Código de Processo Civil operava uma cisão rigorosa entre o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito, correspondendo esta cisão, em dado momento da evolução do nosso processo civil a uma diversidade de entidades que procediam a uma e a outra tarefa[7].
No actual processo civil, à semelhança do que se passa no processo penal desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal aprovado pelo decreto-lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro[8], o julgamento da matéria de facto e de direito deixa de ocorrer em ciclos processuais distintos, surgindo toda essa actividade concentrada numa única peça processual: a sentença final.
Neste novo contexto processual, bem se percebe que tenha desaparecido a previsão do nº 4, do artigo 646º do anterior Código de Processo Civil e que tinha por fim precípuo delimitar o âmbito de cognição do tribunal que procedia ao julgamento da matéria de facto, com base em meios de prova sujeitos à sua livre apreciação (artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil), do âmbito que competia ao juiz que lavrava a sentença e que além do julgamento da matéria de direito, propriamente dito, procedia também à valoração das provas não sujeitas à livre apreciação do julgador (artigo 659º, nº 3, do anterior Código de Processo Civil).
No entanto, o desaparecimento daquela previsão legal não significa que a fundamentação de facto da sentença, tal como delineada na primeira parte do nº 3 e no nº 4, do artigo 607º, do actual Código de Processo Civil, tenha passado a poder incidir também sobre matéria de direito.
Ao contrário do que por vezes se vê apregoado, a tanto quanto possível separação rigorosa da matéria de facto e de direito não é tributária de uma postura formalista[9] e arcaica, antes é uma decorrência indeclinável de “qualidade” e genuinidade na instrução da causa. De facto, se não houver rigor na delimitação destes campos, as testemunhas serão chamadas a emitir juízos de valor, inclusive de ordem legal, procedendo assim a uma verdadeira usurpação de funções consentida, porquanto, assim actuando, demitir-se-á o julgador da função que lhe é própria, transferindo-a, à margem da lei, para as diversas entidades operantes em sede de instrução.
Na nossa perspectiva, a inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
Revertendo ao caso em apreço, por se tratar de matéria conclusiva, pelas razões que se acabam de expor deve retirar-se dos factos provados a matéria incluída na parte final do artigo 39º da petição inicial e que consta na parte final do ponto 26 dos fundamentos de facto da sentença recorrida, passando este ponto a ter a seguinte redacção:
- “Não existe qualquer campo no verso da carta de porte onde o contraente possa apor a sua assinatura em sinal de assentimento ao seu conteúdo como prova de lhe terem sido referidas ou explicadas tais menções.”
Apreciemos agora a impugnação das respostas aos artigos 8º da petição inicial e aos artigos 14º a 16º da contestação.
Procedeu-se à audição de toda a prova pessoal produzida em audiência, bem como à análise crítica da prova documental junta aos autos de folhas 46 a 57 e 141 a 142.
No que respeita a resposta ao artigo 8º da petição inicial, se é certo, como afirma a recorrente, que não foi ouvida qualquer testemunha que tenha assistido ou presenciado ao embalamento da mercadoria, também é certo, com base no depoimento da testemunha F…., recepcionista da autora há mais de cinco anos e que diligenciou pela expedição da encomenda, que a caixa em que o equipamento foi embalado se apresentava em perfeitas condições quando foi entregue à ré, não apresentando quaisquer danos, tendo a testemunha diligenciado pela identificação do destinatário e aposto nas costas da caixa a menção “frágil” (veja-se a gravação do depoimento do minuto 2,55 m diante e especialmente, do minuto 5,25 em diante).
Por outro lado, a testemunha D…., director comercial da E…., SL, Madrid, descreveu que a caixa que continha o equipamento chegou ao destino apresentando grandes danos, tal como o equipamento contido no seu interior, tendo fotografado a caixa e o equipamento para documentar o estado em que se encontravam, resultando dessa diligência as fotografias que estão juntas de folhas 47 a 49 e que reconheceu como sendo as que foram efectuadas aquando da recepção da encomenda. Esta testemunha declarou que o equipamento tinha sido remetido para manutenção e que não fazia qualquer sentido que a autora enviasse o equipamento com os danos que se verificaram aquando da recepção, pois isso traduzir-se-ia numa despesa inútil, sendo certo que não era a primeira vez que a autora remetia equipamento para manutenção. Esta testemunha associou os danos verificados no equipamento aos choques que a caixa sofreu no decurso da operação de transporte (pólos torcidos que impossibilitavam a sua ligação e fractura de uma placa electrónica resultante de um movimento de torção).
Finalmente, a própria ré aceitou a ocorrência da danificação do equipamento durante o transporte, tendo procedido ao pagamento da indemnização que entende ter de pagar à recorrida, por força da limitação legal do montante da sua responsabilidade.
No circunstancialismo probatório que se acaba de enunciar, há prova inequívoca da incolumidade da caixa em que o equipamento foi embalado aquando da sua entrega à ré. Por outro lado, tendo em conta o estado em que a mesma caixa se achava quando foi recebida pelo destinatário, a compatibilidade dos danos na embalagem com os danos ocorridos no equipamento, bem como a finalidade para que o equipamento havia sido expedido para Madrid, é lícito concluir que o equipamento se achava em bom estado de conservação e funcionamento, apenas carecendo de alguns ajustamentos ou afinações.
Assim, tudo sopesado, não existe qualquer razão para que seja alterada a resposta ao artigo 8º da petição inicial.
Vejamos agora se as respostas negativas aos artigos 14º a 16º da contestação devem ser alteradas para respostas positivas.
Antes ainda de nos debruçarmos sobre a apreciação e valoração da prova produzida relativamente a esta matéria, deve começar por assinalar-se que os artigos 14º a 16º da contestação contêm matéria conclusiva, pois todos assentam no pressuposto da “defectuosidade” da embalagem, sem contudo curarem de precisar em que consiste concretamente esse défice de qualidade, nem tão-pouco descreverem quais os requisitos que deveria ter a embalagem adequada à protecção do equipamento expedido[10].
Assim, em bom rigor, estes artigos, dado o carácter genérico e conclusivo que apresentam, não deviam sequer ter sido objecto de um juízo probatório por parte do tribunal a quo.
Na falta de produção de prova na audiência final no tribunal a quo com virtualidade concretizadora da referida matéria (veja-se o artigo 5º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil), deve este tribunal abster-se de responder a tais artigos, assim se alterando as respostas negativas que foram dadas aos artigos 14º a 16º da contestação pelo tribunal recorrido para respostas em que este tribunal se abstém de lhes responder, em virtude de conterem matéria genérica e conclusiva que não foi oportunamente concretizada em sede de produção de prova, no tribunal recorrido.
3.3 Factos provados exarados na sentença recorrida, na parte em que se mantêm, como resulta do tratamento da questão precedente, expurgados de meras referências probatórias, não se divisando qualquer fundamento legal para a sua alteração oficiosa
3.3.1
A autora é uma sociedade comercial dedicada, entre outros, à exploração de serviços de programas em televisão por cabo, sendo detentora do canal TV Record (resposta ao artigo 1º da petição inicial).
3.3.2
A H….. é uma empresa especializada no transporte urgente de correio e mercadorias (resposta ao artigo 2º da petição inicial).
3.3.3
A ré é representante exclusiva da H…. em Portugal (resposta ao artigo 3º da petição inicial).
3.3.4
No dia 30 de Agosto de 2011, a autora recorreu aos serviços da H…. Portugal para proceder ao transporte urgente de uma mesa de mistura de vídeo, da marca Grasvally, modelo Kayak DD-1, para a E…. S.L., empresa sediada na cidade de Madrid, conforme carta de porte constante de fls. 46 (resposta ao artigo 4º da petição inicial)[11].
3.3.5
Nesse referido dia, nas instalações da ré, em Lisboa, a autora entregou a referida mesa, para que a ré a entregasse nas instalações da E…., SL, em Madrid[12] (resposta ao artigo 5º da petição inicial).
3.3.6
Essa mesa de mistura de vídeo é uma mercadoria frágil e foi transportada dentro de caixote selado, no qual foram coladas faixas com a menção “FRAGILE” (resposta ao artigo 7º da petição inicial).
3.3.7
Quando a mesa de mistura foi acondicionada e expedida, em Lisboa, encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento, tal como estava íntegro o seu invólucro (resposta ao artigo 8º da petição inicial).
3.3.8
A mesa entregue devidamente acondicionada no tal invólucro que o identificava como sendo frágil, ou “fragile”, foi recebida no seu destino, Madrid, apresentando a encomenda, quer no seu invólucro, quer na própria mesa e seus componentes, rasgões, amassadelas e deformações várias (resposta ao artigo 9º da petição inicial).
3.3.9
De tal forma que a existência de danos no equipamento encaixotado era, desde logo, antecipável atento o estado de destruição que se podia ver na caixa exterior onde se havia efectuado o transporte (resposta ao artigo 10º da petição inicial).
3.3.10
Com efeito, esta apresentava-se com um enorme amasso e rasgão num dos seus cantos, sendo patentes sinais de deformação (resposta ao artigo 11º da petição inicial).
3.3.11
Uma vez removido o invólucro foi possível detectar, por serem visíveis, danos na estrutura da mesa (resposta ao artigo 12º da petição inicial).
3.3.12
Relativamente aos seus componentes, veio a descobrir-se também, que para além das amassadelas e deformações que danificaram a estrutura, também fora afectada a placa electrónica da mesa de mistura de vídeo que deixou de funcionar (resposta ao artigo 13º da petição inicial).
3.3.13
Quando a encomenda chegou ao destino parte do invólucro encontrava-se destruído, a estrutura da mesa amassada e os componentes electrónicos danificados (resposta ao artigo 15º da petição inicial).
3.3.14
Os danos que a mesa ostentava foram detectados no momento da sua entrega em Madrid (resposta ao artigo 17º da petição inicial).
3.3.15
A referida placa electrónica é uma peça vital da mesa de mistura e um dos componentes mais complexos e de maior valor no conjunto (resposta ao artigo 18º da petição inicial).
3.3.16
A autora, entretanto, mandou reparar a mesa de mistura (resposta ao artigo 19º da petição inicial).
3.3.17
O custo total da reparação da mesa de mistura, que englobou custos com mão-de-obra, um processador de intercâmbio Kayak e uma Frame DD1 Kayak, ascendeu ao valor final de €7.167,00 (resposta ao artigo 21º da petição inicial).
3.3.18
Após ter tomado conhecimento dos danos que resultaram do transporte da mercadoria rotulada de frágil, a autora encetou um conjunto de contactos com a ré no sentido de se ver ressarcida do prejuízo sofrido com a destruição parcial do seu equipamento (resposta ao artigo 22º da petição inicial).
3.3.19
Por e-mail de 1 de Setembro de 2011, um funcionário da autora dá conhecimento dos factos à ré, interpelando-a para que esta se pronuncie sobre a sua reclamação (resposta ao artigo 23º da petição inicial).
3.3.20
Através de e-mail datado de 15 de Setembro de 2011, a ré reconhece que “o envio em causa foi dado como danificado” (resposta ao artigo 24º da petição inicial).
3.3.21
No mesmo e-mail é remetido à autora um formulário, em língua inglesa, para que a autora pudesse deduzir o pedido de indemnização (resposta ao artigo 25º da petição inicial).
3.3.22
Desse formulário consta que a responsabilidade da transportadora está limitada ao montante de €22,00 (vinte e dois euros) por cada quilo transportado (resposta ao artigo 26º da petição inicial).
3.3.23
A autora formulou uma reclamação onde informou que o valor que havia suportado pela reparação dos danos provocados pelo transporte contratado ascendia a €7.167,00 (sete mil, cento e sessenta e sete euros) (resposta ao artigo 30º da petição inicial).
3.3.24
A 10 de Novembro de 2011 a ré vem informar que o montante apurado a título de indemnização havia sido de €363,00 (trezentos e sessenta e três euros), calculados nos termos da tal política de limitação da responsabilidade (resposta ao artigo 31º da petição inicial).
3.3.25
Não existe qualquer campo no verso da carta de porte onde o contraente possa apor a sua assinatura em sinal de assentimento ao seu conteúdo como prova de lhe terem sido referidas ou explicadas tais menções (resposta ao artigo 32º da petição inicial, com as alterações introduzidas nesta instância).
3.3.26
Estando a natureza frágil do conteúdo embalado devidamente identificada e perceptível, qualquer manuseador teria imediato conhecimento de que tal embalagem teria de ser acondicionada e manuseada com diligência e cuidado (resposta ao artigo 50º da petição inicial).
3.3.27
Entre autora e ré celebrou-se um contrato de transporte, com local de origem Portugal, Lisboa, e local de destino Espanha, Madrid (resposta ao artigo 2º da contestação).
3.3.28
Nos termos contratados, foi utilizado o transporte aéreo (resposta ao artigo 3º da contestação).
3.3.29
A carta de porte foi preenchida pela autora, na qualidade de expedidora, que nela apôs a sua assinatura (resposta ao artigo 8º da contestação).
3.3.30
Na carta de porte a autora não deu quaisquer indicações sobre a necessidade de manuseamento especial dos produtos transportados (resposta ao artigo 10º da contestação).
3.3.31
Foi a autora que procedeu à embalagem da mercadoria (resposta ao artigo 13º da contestação).
3.3.32
A ré pagou à autora o montante de €363,00 a título de indemnização (resposta ao artigo 31º da contestação).
3.3.33
A carta de porte é um documento internacional, que vigora para todo o transporte internacional de mercadorias por via aérea, sendo redigido em língua inglesa (resposta ao artigo 36º da contestação).
3.3.34
A autora assinou o documento de fls. 46 (resposta ao artigo 39º da contestação).
3.3.35
Todo o documento foi preenchido e assinado pelo punho da autora ou por quem a representou, sem a intervenção da ré ou de ninguém ao seu serviço (resposta ao artigo 40º da contestação).
3.3.36
Como é do conhecimento público e do senso comum, as operações de estiva são realizadas por meios mecânicos, através de tapetes rolantes que transportam as mercadorias no espaço aeroportuário e no trajecto de e para o porão das aeronaves (resposta ao artigo 45º da contestação).
3.3.37
Não existe controlo manual sobre as operações, que são efectuadas por máquinas sem a intervenção humana (resposta ao artigo 46º da contestação).
3.3.38
Por isso é essencial que o expedidor proceda ao correcto embalamento da mercadoria (resposta ao artigo 47º da contestação).
4. Fundamentos de direito
4.1 Do erro na não aplicação das regras próprias do transporte de mercadorias por via aérea
A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida invocando erro na determinação dos normativos legais aplicáveis pois que, na sua perspectiva, são aplicáveis as convenções de Varsóvia[13] e de Montreal[14], das quais decorre a limitação da responsabilidade da recorrente por danos na mercadoria transportada aos valores que já pagou.
A recorrida pugna pelo acerto da decisão impugnada alegando não ter ficado demonstrado que os danos verificados no equipamento transportado ocorreram durante o transporte aéreo.
Cumpre apreciar e decidir.
No caso em apreço, face aos factos provados (vejam-se os fundamentos de facto 3.3.4, 3.3.5, 3.3.27 e 3.3.28) e à posição das partes que transparentemente decorre dos articulados, bem como das suas alegações e contra-alegações, dúvidas não subsistem que o equipamento da autora foi transportado por via aérea de Lisboa para Madrid, tendo-se processado a entrega pela expedidora nas instalações da ré e ficando esta obrigada à entrega ao destinatário numa certa morada na cidade de Madrid. Depara-se-nos assim um caso de transporte aéreo internacional de mercadorias, implicitamente oneroso, associado a dois transportes terrestres, o primeiro para entrega da mercadoria para embarque e o segundo desde o desembarque da mercadoria até às instalações da destinatária da mercadoria.
A questão que se coloca é a de saber se a limitação legal do transportador aéreo se aplica também nos casos em que associado ao transporte aéreo há também transporte terrestre e se essa limitação é aplicável aos casos em que houve transporte aéreo associado a transporte terrestre e em que se desconhece se a danificação da mercadoria transportada ocorreu no decurso do transporte aéreo ou do transporte terrestre[15].
A convenção de Montreal, prescreve no nº 1, do seu artigo 1º, que é aplicável às operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efectuadas a título oneroso, bem como às operações gratuitas de transporte em aeronave efectuados por uma empresa de transportes aéreos.
Nos termos do nº 1, do artigo 18º da Convenção de Montreal, a transportadora é responsável pelo dano causado em caso de destruição, perda ou avaria da mercadoria, desde que o evento causador ocorra durante o transporte aéreo.
Porém, de acordo com o nº 2, do artigo 18º da Convenção de Montreal, a responsabilidade da transportadora é excluída se provar que a destruição, perda ou avaria se deve exclusivamente a um ou mais dos seguintes factos:
a) Defeito, natureza ou vício próprio da mercadoria;
b) Embalagem defeituosa da mercadoria efectuada por pessoa distinta da transportadora, seus trabalhadores ou agentes;
c) Acto de guerra ou conflito armado;
d) Acto de autoridade pública executado em conexão com a entrada, saída ou trânsito da mercadoria.
O nº 3, deste artigo define o período de transporte aéreo como aquele durante o qual a mercadoria se encontra à guarda da transportadora.
Finalmente, prescreve o nº 4, do artigo 18º que temos vindo a citar: “O período de transporte aéreo não compreende nenhum transporte terrestre, marítimo ou por via navegável interior efectuado fora de um aeroporto. No entanto, se for efectuado tal transporte no âmbito de um contrato de transporte aéreo para efeitos de carregamento, entrega ou transbordo, presume-se, salvo prova em contrário, que o dano resultou de evento ocorrido durante o transporte aéreo. Caso a transportadora, sem a autorização do expedidor, substitua o modo aéreo por outro modo de transporte para a totalidade ou parte de um transporte que, segunda as estipulações das partes, se faria por ar, presume-se que tal transporte se realizou no período do transporte aéreo.
A propósito da previsão legal da Convenção de Varsóvia homóloga daquela que se acaba de transcrever[16], escreve Carlos Alberto Neves Almeida[17], “que o período de transporte aéreo não compreende nenhum transporte terrestre, marítimo ou fluvial efectuado fora de um aeródromo. Todavia, quando um tal transporte é efectuado em execução do contrato de transporte aéreo para efeito de carregamento, entrega ou transbordo, presume-se, salvo prova em contrário, que qualquer dano resulta dum facto sobrevindo durante o transporte aéreo. Trata-se de mera presunção ilídivel que não tem o propósito de alargar o período de transporte aéreo, tal como acima definido, mas apenas de presumir que o dano deve a sua causa a facto ocorrido durante esse período de transporte aéreo.
No caso dos autos, face à factualidade provada, foi celebrado um contrato de transporte de mercadorias por via aérea, estando compreendida na execução desse contrato o carregamento e a entrega ao destinatário. Neste circunstancialismo fáctico, presume-se, iuris tantum[18], que os danos que o equipamento expedido pela autora sofreu derivaram de evento ocorrido durante o transporte aéreo.
Não foi alegada qualquer factualidade por parte da autora tendente a ilidir esta presunção legal, donde forçosamente se conclui que os danos no equipamento expedido pela autora resultaram de facto sucedido durante o transporte aéreo.
Ora, relativamente a danos na mercadoria transportada por via aérea, há que ter em conta as limitações legais da responsabilidade da transportadora previstas nos nºs 3 e 4, do artigo 22º da Convenção de Montreal[19].
No caso em apreço, extrajudicialmente, a ora recorrente aceitou a sua responsabilidade pelos danos no equipamento expedido pela recorrida e procedeu ao pagamento do montante a que legalmente estava obrigada nos termos do citado nº 3, do artigo 22º da Convenção de Montreal.
Deste modo, extinguiu-se a obrigação de indemnizar a cargo da transportadora por cumprimento voluntário ou, ao invés, como subsidiariamente sustentou a recorrida em sede de petição inicial, verifica-se a causa de exclusão da limitação da responsabilidade da transportadora decorrente de uma actuação a título de dolo pelo menos eventual desta última?
O nº 5, do artigo 22º da Convenção de Montreal dispõe que as “disposições previstas nos nºs 1 e 2 não são aplicáveis se se provar que o dano resultou de acto ou omissão da transportadora, seus trabalhadores ou agentes, cometido com a intenção de causar dano ou de forma imprudente e com consciência de que poderia provavelmente ocorrer dano; caso tal acto ou omissão tenha sido cometido por um trabalhador ou agente, deve igualmente ser provado que o trabalhador ou agente agiu no exercício das suas funções.
Da previsão legal que se acaba de transcrever, resulta que a exclusão da limitação da obrigação de indemnizar a cargo da transportadora só se verifica relativamente a danos em passageiros e em bagagens destes, não operando relativamente a mercadorias.
Ainda que assim não fora, a factualidade provada é insuficiente para caracterizar uma acção ou omissão dolosas ou com negligência consciente por parte da ora recorrente que tenha sido causa dos danos verificados no equipamento expedido pela recorrida e, sempre deste ponto de vista, não estariam reunidos os pressupostos legais de afastamento da limitação legal da responsabilidade da transportadora.
Deste modo, há que concluir que se extinguiu, por cumprimento voluntário, a obrigação de indemnizar decorrente de danos na mercadoria transportada por via aérea a cargo da ora recorrente, nada mais tendo a recorrida a haver da recorrente a tal título.
Assim sendo, deve a sentença recorrida ser revogada e a recorrente absolvida do pedido, ficando prejudicado o conhecimento da questão que havia sido enunciada para ser conhecida seguidamente.
As custas do recurso e da acção são na totalidade a cargo da recorrida, pois que decaiu integralmente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto, ainda que por distintos fundamentos e nos termos antes expostos e no mais, em julgar procedente o recurso de apelação interposto por C….., SA e, consequentemente, em revogar a sentença proferida com data de 29 de Janeiro de 2014, julgando-se totalmente improcedente a acção instaurada por B…., SA contra C….., SA e absolvendo-se do pedido esta última.
Custas do recurso e da acção a cargo B…., SA, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de vinte e quatro páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 22 de Setembro de 2014
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
__________________________
[1] A nosso ver, seria exigível que o tribunal a quo justificasse de forma incisiva e inequívoca por que razão a factualidade dada como provada em resposta ao artigo 3º da contestação quedava juridicamente irrelevante.
[2] O que parece seguramente não ocorrer é uma contradição entre os fundamentos e a decisão, traduzindo-se a patologia denunciada pela recorrente numa oposição entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, oposição esta que porém não constitui fundamento de nulidade da sentença, integrando antes um erro de julgamento.
[3] Aparentemente, a recorrente impugna a totalidade da resposta do tribunal a quo ao artigo 39º da petição inicial (veja-se o último parágrafo antes do ponto III, na página 10 das alegações de recurso). Porém, atentando no que a recorrente escreveu no último parágrafo da página 9 das suas alegações de recurso e no segundo parágrafo da página 10 das mesmas alegações, tudo reiterado nas conclusões das alegações, sob os nºs 24º e 31º, constata-se, sem margem para dúvidas que a insatisfação da recorrente apenas se prende com a resposta positiva à parte final do artigo 39º da petição inicial.
[4] Aliás, a nosso ver, esta conclusão colide com o que consta do ponto 9 da carta de porte, imediatamente antes da assinatura da expedidora, recorrida nestes autos, onde consta: “Use of this Air Waybill constitutes your agreement to the FedEx Conditions of Carriage for EMEA, na extract os which is reproduced on the back of this Air Waybill, and your represent that this shipment does not contain dangerous goods. Certain international treaties, including the Warsaw Convention, may apply to this shipment and limit our liability for damage, loss, or delay, as described in our Conditions of Carriages for EMEA.
[5] Michele Taruffo, in Simplemente la verdad, El juez y la construcción de los hechos, Marcial Pons 2010, páginas 53 a 56 [existe tradução portuguesa desta obra de 2012, encontrando-se a passagem citada nas páginas 59 a 62], reduz os factos aos históricos e aos psicológicos, afirmando que os enunciados de facto que os veiculam são “apofânticos”, no sentido de que podem ser verdadeiros ou falsos, não aludindo aos denominados factos hipotéticos, nem aos juízos periciais de facto, a que se refere, por exemplo, J.P. Remédio Marques in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora 2009, páginas 524 a 527.
[6] Esta liberdade é relativa, na medida em que tem que ser dogmaticamente sustentada.
[7] Nessa fase, em processo ordinário, o julgamento da matéria de facto era efectuado por um tribunal colectivo, enquanto que a elaboração da sentença pertencia a um juiz singular, ao juiz que presidia ao colectivo.
[8] Esta afirmação apenas é correcta se referida ao processo de querela, já que no processo correccional e nos processos menos solenes, não existia tal cisão.
[9] A propósito da acusação sempre fácil e expedita contra o formalismo no direito, convém não perder de vista as seguintes sábias palavras de Rudolph von Ihering, retiradas de Abreviatura de El Espíritu del Derecho Romano, Marcial Pons 2005, página 213: “Enemiga de la arbitrariedad, la forma es hermana gemela de la libertad; es el freno que detiene a los que quieren convertir la libertad en licencia, la que contiene y protege. El pueblo que ama la libertad comprende instintivamente que la forma no es un yugo, sino el guardián de su libertad. La forma supone siempre un contenido; es el contenido desde el punto de vista de su visibilidad. Por otro lado, está la voluntad jurídica, que sólo se conoce por su manifestación exterior. No existe acto de voluntad sin forma, porque en este caso sería la espada de Bernardo, que ni pincha ni corta.
[10] Porventura, na perspectiva da recorrente, mesmo tratando-se de bens expedidos com a menção de “frágil”, deveria quiçá tratar-se de uma embalagem blindada, restando saber qual a blindagem adequada… E ainda assim, não estaria assegurada a incolumidade do equipamento transportado se acaso o mesmo não estivesse perfeitamente encaixado e imobilizado no interior da dita embalagem. Mesmo numa tal eventualidade, os danos poderiam resultar do movimento de componentes no interior do equipamento, no caso de acelerações e desacelerações bruscas, por exemplo.
[11] Neste documento, entre outros dizeres, constam os seguintes: “FedEx. International Air Waybill”, “Express For shipments originating in Europe, the Middle East, [Africa] and the Indian Subcontinent”. Escreveu-se “América” entre parênteses rectos porque o documento junto a folhas 46 é uma cópia com sinal de duas perfurações, apenas se detectando numa das perfurações aquilo que parece ser parte de um “a” maiúsculo, sendo lícito inferir pela contiguidade geográfica dos restantes dizeres de que poderá tratar-se de uma referência ao continente africano.
[12] Essas instalações, fazendo fé na carta de porte, situam-se na Calle Secoya, 29, 3º-1, Pol. Ind. Aguacate, Madrid.
[13] Aprovada inicialmente pelo decreto-lei nº 26.706, de 20 de Junho de 1936, alterado pelo decreto-lei nº 45.069, de 12 de Junho de 1963 e pelo decreto nº 96/81, de 24 de Julho.
[14] Aprovada pelo decreto nº 39/2002, de 27 de Novembro de 2002, publicado no nº 274, da primeira série do Diário da República desse dia.
[15] A Convenção de Montreal, aprovada pelo Decreto nº 39/2002, de 27 de Novembro de 2002, publicada no nº 274, da primeira série do Diário da República, refere-se a estas modalidades de contrato de transporte como transportes combinados (veja-se o artigo 38º da citada Convenção que no seu nº 1 ressalva o regime do nº 4, do artigo 18º, da mesma Convenção e que se irá analisar ulteriormente).
[16] Trata-se do artigo 18º, nº 5, da Convenção de Varsóvia de 12 de Outubro de 1929, aprovada pelo decreto-lei nº 26.706, de 20 de Junho de 1936, publicado no nº 143, da primeira série do Diário do Governo e sucessivas alterações aprovadas pelo decreto-lei nº 45.069, de 12 de Junho de 1963, publicado no nº 138, da primeira série do Diário do Governo e pelo Decreto nº 96/81, de 24 de Julho de 1981, publicado no nº 168, da primeira série do Diário da República, de 24 de Julho de 1981.
[17] In Do Contrato de Transporte Aéreo e da Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo, Almedina 2010, página 543.
[18] Uma vez que não resulta da previsão legal que a presunção é inilidível, por força do nº 2, do artigo 350º, do Código Civil, conclui-se, necessariamente, que se trata de uma presunção ilídivel, mediante alegação e prova em contrário.
[19] O conteúdo destes normativos é o seguinte: “3 – No transporte de mercadoria, a responsabilidade da transportadora em caso de destruição, perda, avaria ou atraso está limitada a 17 direitos de saque especiais por quilograma, salvo declaração especial de interesse na entrega no destino feita pelo expedidor no momento da entrega da mercadoria à transportadora e mediante o pagamento de um montante suplementar eventual. Nesse caso, a transportadora será responsável pelo pagamento de um montante igual ou inferior ao montante declarado, excepto se provar que tal montante é superior ao real interesse do expedidor na entrega no destino.”; “4 – Em caso de destruição, perda, avaria ou atraso na entrega de parte da mercadoria ou de qualquer objecto que faça parte da mesma, o peso a ter em consideração para determinação do montante ao qual se limita a responsabilidade da transportadora corresponderá exclusivamente ao peso total do volume ou volumes em causa. Não obstante, quando a destruição, perda, avaria ou atraso na entrega de parte da mercadoria ou de um objecto que dela faça parte afectar o valor dos outros volumes abrangidos pela mesma carta de porte ou, caso estes documentos não tenham sido emitidos, pelo mesmo registo conservador pelos meios alternativos referidos no nº 2 do artigo 4º, o peso total de tal volume ou volumes será igualmente tido em consideração na determinação do limite da responsabilidade.