Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
72/21.4T8OBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA GRAÇA MIRA
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
ALTERAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RP2021110972/21.4T8OBR.P1
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O julgador apenas está constituído no dever de observar a contraditoriedade quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha, de todo, sido perspetivada pelos litigantes de acordo com um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão.
II - A decisão surpresa ocorre quando o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, surgindo, pois, a sua imprevisibilidade como marca definidora.
III - O tribunal português é internacionalmente incompetente para a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a uma criança que viajou para França com a sua mãe, com autorização do pai, país e onde já viviam há vários meses há vários meses quando o processo de alteração do ERP foi instaurado em Portugal, frequentando criança uma escola onde está bem integrada, aí tendo amigos, não pretendendo a mãe regressar a Portugal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 72/21.4T8OBR.P1

Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:
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I – B… instaurou, a 3 de Fevereiro de 2021, a presente acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa à criança C… contra D…, indicando todos terem residência em Portugal e pedindo a alteração da residência habitual do filho de Portugal para França e do regime de convívios entre filho e pai.
Em sede de conferência de pais constatou-se, perante as declarações prestadas pela Requerente, que esta e o filho já estão a residir em França, com autorização do Requerido, desde o dia 5 de Outubro de 2020, que não pondera regressar a Portugal e que o C… frequenta uma escola privada em França, onde está bem integrado e tem amigos.
Posto isto, o Tribunal a quo proferiu decisão da qual consta o seguinte: “… ao abrigo do disposto nos art.º 96.º al. a), 97.º n.º 1 e 99.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art.º 33.º n.º 1 do RGPTC e no art.º 17.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, julgo este Juízo de Família e Menores internacionalmente incompetente para a presente acção, sendo competente o tribunal francês e, consequentemente, absolvo o requerido da instância.
Custas pela requerente.”
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Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação e apresentou as correspondentes alegações, cujas conclusões têm o conteúdo que segue:

3. Sempre com o devido respeito pelas opiniões em contrário, o Tribunal A QUO cometeu um erro quanto à matéria de facto apurada em articulado e em sede de conferência de pais, bem como quanto à matéria de direito.
4. Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que declarou-se incompetente sem que tivesse havido lugar à observância e respeito pelo princípio do contraditório constante do artigo 3.º do CPC, conforme resulta dos autos.
5. Quanto à matéria de exceção de competência dos Tribunais Portugueses para a apreciação da ação, após realização de conferência de pais, foi aberta vista com promoção do Ministério Público sem ter sido dada a possibilidade à Requerente de se pronunciar quanto a ela, e alegar os fundamentos que entendia serem oponíveis à procedência da invocada exceção, bem como eventualmente proceder à junção de documentos que entendesse por convenientes para a boa decisão da causa.
6. Impõe o artigo 3.º do CPC, que nenhuma providência ou decisão deve ser proferida sem que as partes sejam previamente ouvidas sobre o assunto, evitando-se, assim, decisões surpresa.
7. A inobservância do contraditório tem sido entendida como uma omissão grave, que representa uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico.
8. Efetivamente não se mostra cumprido nos presentes autos o aludido princípio do contraditório, pelo que a violação deste princípio constante no artigo 3.º do CPC gera a nulidade processual prevista no artigo 195º nº 1 do CPC sempre que influi na decisão proferida, como acontece in casu.
9. A decisão recorrida violou o artigo 3.º, n.º2 e 3 do CPC, constituindo a nulidade processual prevista no artigo 195º nº 1 do CPC, motivo pelo qual deverá ser dado provimento ao recurso, declarando-se a nulidade da sentença por omissão de ato legalmente previsto, anulando-se a decisão, devendo providenciar pela notificação da Requerente para que possa pronunciar-se sobre a invocada exceção, seguindo-se os ulteriores termos legais.
10. Sem prescindir, e não sendo esse o douto entendimento de V. Excelências, sempre se diz que, o Tribunal A Quo baseia a sua incompetência no facto de à data de instauração do processo a Requerente e o menor já se encontrarem a residir em França, com autorização do Requerido, desde o dia 5 de Outubro de 2020, que esta não pretende regressar a Portugal e que o menor frequenta uma escola privada em França onde está integrado e onde tem amigos, concluindo a partir das declarações prestadas pela Requerente ser evidente que o menor já tem a sua residência habitual no referido país, tendo aí o seu centro de vida.
11. Se é verdade que quando a Requerente interpôs a ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, a 3 de Fevereiro de 2021, já se encontrava a residir em França com o menor, também é verdade e conforme consta dos autos, quer por referência na petição inicial quer através da junção de documento à mesma sob o nº4 que, em 18 de Setembro de 2020, a Requerente solicitou, junto do Instituto de Segurança Social, o benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono.
12. Nos autos é possível ainda constatar sob os documentos n.º3 e 4 a data de decisão de deferimento de apoio judiciário pela Segurança Social, em 13 de Outubro de 2020, bem como da nomeação do patrono nomeado.
13. A Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais veio consagrar um sistema de acesso ao direito e aos tribunais destinado assegurar que ninguém seja dificultado ou impedido em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência económica, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
14. Da leitura do artigo 16º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º34/2004 de 29 de Julho) o apoio judiciário compreende diversas seguintes modalidades.
15. Quando se trate da modalidade de nomeação de Patrono para a propositura da acção dispõe o artigo 33.º n.º4 da citada lei que, “A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.”
16. A lei prevê o pedido de nomeação de patrono e pagamento da compensação de patrono como constituindo a entrada da petição inicial em juízo, para salvaguardar a posição do requerente de apoio judiciário, tratando-se de um mecanismo legal que visa assegurar o exercício tempestivo do direito, respeitando e garantindo que o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais bem como o princípio da segurança jurídica.
17. A este respeito preceitua também o artigo 16.º do Regulamento (CE) nº2201/2003, de 27 de Novembro que, considera-se o processo instaurado na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou acto equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido.
18. Deste modo, a presente ação considera-se proposta em 18 de Setembro de 2020, data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono.
19. Na referida data (18 de Setembro de 2020) a Requerente e o filho ainda não se tinham deslocado para França, encontrando-se em Portugal, conforme resultam dos factos articulados na petição inicial, artigos 3.º a contrario, e 16.º, tendo sido igualmente dado como assente tal facto em sentença, “Em sede de conferência de pais constatou-se, perante as declarações prestadas pela requerente, que esta e o filho já estão a residir em França, com autorização do requerido, desde o dia 5 de Outubro de 2020 …”
20. As regras de competência territorial em matérias de providências tutelares cíveis encontram-se definidas no artigo 9.º do RGPTC, dispondo o n.º1 que é competente o Tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
21. Preceitua ainda o artigo 8.º, nº1 do Regulamento nº2201/2003, de 27 de Novembro de 2003 que, os Tribunais de um Estado-membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que reside habitualmente nesse Estado- membro à data em que o processo seja instaurado no Tribunal.
22. O facto de o menor à data de 18 de Setembro de 2020 encontrar-se a residir em Portugal é fundamento da competência do Tribunal A Quo, pelo que se conclui que, considerando ter sido interposta a ação nessa data o tribunal competente é indubitavelmente o Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro.
23. Caso contrário, o acesso ao direito e aos Tribunais seria denegado à Requerente, por força do seu pedido de apoio judiciário, violando desta forma o artigo 2.º do CPC e o princípio constitucional ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que jamais poderia a Requerente ser prejudicada face à sua condição social, cultural e económica.
24. Além do mais, sempre o Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro manteria a sua competência para a demanda e designadamente para alterar a decisão sobre o direito de visita com o progenitor por aplicação do artigo 9.º do indicado regulamento atento que este artigo prolonga a competência de Portugal durante o período de três meses após deslocação e apenas para alteração de uma decisão relativa ao regime de convívios com o progenitor que continue a residir nesse Estado-Membro.
25. Tal prazo é de caducidade, pelo que o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono constitui a data de entrada da petição inicial em juízo e por força disso tem a virtualidade de fazer operar a sua interrupção e salvaguardar a posição do requerente de apoio judiciário.
26. A Decisão recorrida violou deste modo os artigos 33.º, n.º4 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais - Lei n.º34/2004 de 29 de Julho, artigo 2.º do CPC, artigo 20.º e 8.º da Constituição da República Portuguesa, 9.º n.º1 do RGPTC.º, 8.º nº1 e 9.º n.º1 e 16.º nº1, al.a) do Regulamento nº2201/2003, de 27 de Novembro de 2003.
27. Não obstante, o Tribunal A Quo baseou ainda a sua decisão, julgando o Juízo de Família e Menores incompetente, no conjunto de elementos probatórios carreados para os autos, destacando-se as declarações prestadas pela Requerente.
28. Salvo devido respeito o Douto Tribunal deveria ter decidido de forma diversa atentos os elementos probatórios existentes.
29. A Requerente prestou declarações, em sede de conferência de pais, realizada a 25 de Março de 2021, tendo as suas declarações sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal.
30. Das declarações prestadas não resultou que a Requerente não ponderasse regressar a Portugal, aliás a Requerente referiu caso não houvesse nenhum inconveniente continuaria em França se calhar, pelo que resulta das suas declarações que não regressaria para já a Portugal.
31. A palavra “se calhar” proferida pela Requerente quer dizer muito, pois atento o carácter transitório e temporário da sua deslocação e revisão permanente da sua situação laboral à data das declarações a Requerente desconhecia quando regressaria a Portugal.
32.Ora, naturalmente que a resposta da Requerente, aqui Apelante, à questão colocada pelo Tribunal A Quo (J: E é para continuar aí a viver dona B… com o seu filho? R:Sim Dra., caso não haja nenhum inconveniente se calhar) - não poderia ser outra, pois tendo sido destacada por uma empresa Portuguesa em França para satisfazer necessidades temporárias dessa empresa e acabada de chegar ao país naturalmente que não estaria a contar que a entidade patronal a mandasse regressar no dia seguinte.
33. Do teor da petição inicial, designadamente artigos 3.º e 5,º resulta que por motivos profissionais a Requerente deslocou-se para França, lá se encontrando a trabalhar por conta de uma empresa portuguesa e que por força disso (do trabalho) previa ficar em França por mais algum tempo.
34. O caráter transitório da sua permanência em França encontra-se assim versado na petição inicial e, ainda que, por ventura se entenda não expressada sempre se encontra subentendida.
35. Dos factos alegados e dados como provados na petição inicial resultam límpidas revelações exteriorizadas da presença temporária da Requerente e do menor em França
36. Acresce que, das declarações prestadas pela Requerente não resulta ser evidente que o C… tenha a sua residência habitual em França e que por esse motivo é naquele país que se situa o seu centro de vida, tão pouco o facto do menor lá frequentar uma escola e ter amigos é por si só revelador da transferência da residência habitual do menor para aquele país.
37. Com efeito, a residência habitual distingue-se de uma simples presença temporária.
38. A competência em matéria de responsabilidades parentais do citado Regulamento é definida em função do superior interesse do menor e deverá ser apurada nas circunstâncias factuais concretas e não somente na presença física num determinado Estado-Membro.
39. Na fixação da residência habitual do menor o Tribunal deve ter sempre em consideração a duração, a regularidade, as condições e as razões de permanência no território do Estado-Membro e da mudança da família, a nacionalidade do menor, o local e as condições que o menor tiver no referido Estado.
40. Em sede de conferência de pais não foi possível apurar as circunstâncias factuais concretas que conduzissem o Douto Tribunal a quo concluir com segurança jurídica da forma que fez que a residência habitual do menor se situava em França.
41. Limitou-se o Tribunal A Quo a questionar desde quando é que a Requerente se encontra em França, se pretende continuar a viver lá, se o menor fez amigos e se a deslocação foi consentida pelo progenitor, o que é manifestamente insuficiente para se concluir que a residência habitual do menor havia sido transferida para aquele país.
42. Por outro lado e para o apuramento de residência habitual do menor o Tribunal A Quo não considerou a suficiente factualidade que se encontra versada na petição inicial, nomeadamente que o menor se encontra em França hà escassos meses (desde 5 de Outubro de 2020) por motivos profissionais da Requerente, que a nacionalidade da Requerente, do menor e do requerido, é Portuguesa, sendo certo que quanto ao menor encontra-se junta prova documental (certidão de nascimento junta à petição sob o documento n.º 1), do fato de que o menor sempre viveu em Portugal desde o nascimento, de que foi em Portugal regulado oexercício das responsabilidades parentais, encontrando-se junta à petição inicial, sob o documento nº2, a respetiva homologação do acordo do exercício das responsabilidades parentais, que a deslocação da Requerente ficou a dever-se a motivos laborais e que se encontra lá a prestar trabalho temporariamente por conta de uma empresa Portuguesa, continuando a fazer os seus descontos (pagamento de contribuições) e pagando os seus impostos em Portugal, justificando o seu destaque em França e indicando ser em Portugal o centro permanente e habitual de interesses, que o pai (requerido) continua a residir em Portugal, que os familiares do menor dos lados materno e paterno são Portugueses, inclusivamente alguns deles residem no concelho de Oliveira do Bairro, mantendo com o menor relacionamento pessoal e para além disso, que a Requerente indicou aquando da interposição da ação o seu domicílio em Portugal, encontrando-se tal facto confirmado na Douta Sentença, pois é em Portugal efetivamente que Requerente e menor têm o seu domicílio, onde têm a casa morada de família, onde rececionam a sua correspondência, onde vão ao médico, onde são tributados os impostos familiares, onde têm o ciclo de amizades e familiar.
43. Sendo todos estes factos supra narrados reveladores que é em Portugal que se mantém o centro social, cultural e familiar e com o qual o menor tem maior vínculo, sendo portanto de concluir que é em Portugal que se mantém a sua residência habitual.
44. Não tendo indagado nem questionado a Requerente de factos essenciais para aferir da sua competência deveria o Tribunal A Quo ter-se socorrido dos factos alegados pela mesma e constantes da petição inicial.
45. Factos esses aceites pelo requerido que citado para alegar o que tivesse por conveniente nada disse.
46. Com o devido respeito deveria o Tribunal A Quo interpretar e aplicar as regras de direito de acordo com os factos alegados pelas partes.
47. Assim, salvo o devido respeito, existiu erro na apreciação da prova produzida, devendo dar-se como não provado que o C… tenha a sua residência habitual em França, tendo aí o seu centro de vida (cultural, social e familiar), bem como que a mãe não pretende regressar a Portugal e, em substituição e em face à prova produzida deve dar-se como provado que o C… tem a sua residência habitual em Portugal, tendo aí o seu centro de vida e que a alteração de residência ficou a dever-se a razões profissionais da Requerente e como tal de caráter transitório, pelo que regressará a Portugal.
48.Face ao exposto, conclui-se que a residência habitual do menor mantém-se em Portugal e sempre será o Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro o Tribunal competente para a presente ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, por força dos artigos 9.º nº1 do RGPTC e 8.º nº1 do Regulamento n.º2201/2003, de 27 de Novembro de 2003.
49.Contudo e caso não seja esse o Douto entendimento de V. Excelências, sempre será de aplicar outros mecanismos.
50. Por referência ao n.º2 do artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º2201/2003, quanto à extensão da competência de acordo com o n.º3 do artigo 12.º constata-se que, os tribunais de um Estado-Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.º 1, quando a criança tenha uma ligação particular com esse Estado-Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro ou de a criança ser nacional desse Estado-Membro e a sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.
51. Atendendo à nota do considerando (12) do referido Regulamento verifica-se ainda que, “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.”
52. O artigo 15.º do identificado Regulamento (Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação), do Regulamento dispõe a título excecional, a possibilidade de um Tribunal de um Estado-Membro competente para conhecer do mérito pedir ao tribunal de outro Estado-Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, que se declare competente se considerar que este se encontra mais bem colocado para conhecer do processo, e se a tal servir o interesse da criança.
53. O nº3 do artigo 15.º do citado Regulamento considera e aqui com relevância para a causa que a criança tem uma ligação particular com um Estado-Membro, quando a criança tiver tido a sua residência habitual nesse Estado-Membro (al.b), quando a criança for nacional desse Estado-Membro (al.c), ou um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência habitual nesse Estado-Membro (al.d).
54. Tem sido entendimento dos Tribunais que as regras comunitárias não devem ser aplicadas de uma forma mecânica, simplista, antes se impõe que a regra geral do nº 1, do artº 8º, seja aplicada sob reserva (como o refere o nº 2, do artº 8º), não olvidando nunca o superior interesse da criança e o critério da proximidade.
55. Resulta dos autos e da alegação produzida que a criança é Portuguesa, bem como os seus progenitores, que o pai tem a sua residência em Portugal, que a criança sempre viveu em Portugal até 5 de Outubro de 2020, que foi em Portugal que desenvolveu a envolvente social e educacional, que foi em Portugal regulado o exercício das responsabilidades parentais, cabendo em conjunto aos pais esse exercício, que o menor acompanhou a Requerente para França onde se encontra há escassos meses por razões laborais de carácter temporário desta, que esta presta trabalho para empresa Portuguesa, fazendo os seus descontos e pagando os seus impostos em Portugal, que os familiares do menor quer do lado materno quer paterno são igualmente Portugueses, residindo alguns deles no concelho de Oliveira do Bairro com quem o menor mantém relacionamento.
56. Ainda que o menor tenha atual permanência em França é evidente que a sua ligação (familiar, social e cultural) e proximidade é bem mais estreita e forte com Portugal.
57. Para além disso, o requerido não pôs em causa nos autos, em momento algum que o Tribunal Português não fosse competente para decidir da presente causa, pelo contrário aceitou e concordou com as alegações da Requerente na petição inicial, uma vez que citado para alegar o que tivesse por conveniente nada respondeu, não se vislumbrando ainda que tal competência comprometa o superior interesse do menor.
58. Pelo contrário, os Tribunais Franceses é que certamente não estarão em condições de acautelar esse superior interesse, pois será, por referência às condições de vida do menor e requerido (sociais, familiares e económicas) que se discutirá, no essencial a matéria que justifica a pretendida alteração, sendo escassos os elementos à disposição do Tribunal Francês para proferir uma decisão que abrange toda uma realidade social, familiar e económica que envolve o menor.
59. Por conseguinte, será o Tribunal A Quo aquele que com mais facilidade terá em instruir e apreciar as questões abordadas no presente processo, averiguando e coligindo os elementos indispensáveis a proferir uma decisão em conformidade com o interesse do menor.
60. A competência encontra-se assim definida em função do superior interesse do menor e em particular do critério de proximidade, justificando-se que o mérito do processo seja julgado pelo Tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma especial e particular ligação, pois que prima facie estará ele melhor preparado para conhecer do processo.
61.A competência está dependente do critério de maior utilidade para a boa decisão da causa, visando a proteção do superior interesse do menor.
62.Face às manifestas circunstâncias excecionais presentes e tendo em conta o critério da proximidade à ordem jurídica nacional deverá o Tribunal A Quo assumir competência tendo em conta o efetivo interesse do menor e a melhor possibilidade de composição ou decisão do litígio.
63.Em virtude da deslocação do menor para França mostra-se necessário adequar e alterar os precisos termos do existente acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (alterar a morada indicada e regime de contatos com o pai) que regulará a vida do menor enquanto tiver presença naquele país.
64. O Tribunal A Quo desconsiderou o critério de proximidade e a ligação particular do menor com Portugal e fez errada aplicação do Regulamento (CE) nº 2201/ 2003 de 27 de Novembro de 2003, quando afirmou não ter aplicação o artigo 12.º e ignorou o seu artigo 15.º, tendo efetuado incorreta aplicação do direito, violando também os artigos 9.º nº7 do RGPTC e 8.º nº2, 12.º n.º3 e 15 n.º3, al. b), c) e d) do Regulamento n.º2201/2003, de 27 de Novembro de 2003.
65. Encontrando-se efetivamente reunidos os pressupostos da circunstância excepcional prevista no artigo 15.º, n.º3 e 12.º, n.º3 do Regulamento (CE) nº 2201/ 2003 de 27 de Novembro de 2003, é o Tribunal A Quo o Tribunal competente para conhecer da ação.
66. Por conseguinte, o Tribunal Ad Quo, perante todos estes argumentos, bem demonstrativos do que está em discussão e das circunstâncias concretas aplicáveis nos presentes autos, deveria, ter proporcionado às partes e, nomeadamente à aqui Requerente a discussão de facto e direito sobre a matéria de exceção da competência dos Tribunais Portugueses para apreciação da ação e consequentemente ter proferido decisão distinta, considerando sempre que o Tribunal da Comarca de Aveiro- Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro é competente para conhecer a presente ação.
67. Assim, por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram correctamente observados e, por isso a Douta sentença proferida violou o disposto nos artigos 33.º, n.º4 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais - Lei n.º34/2004 de 29 de Julho, artigo 3.º, nº2 e 3, 2.º e 7.º do CPC, artigo 20.º e 8.º da Constituição da República Portuguesa, 9.º, n.º1 e nº7 do RGPTC.º, 8.º, nº1 e n.º2 e 9.º, n.º1 e 16.º, nº1, al. a), 12.º, n.º3, 15.º, n.º3, al. a), b), c) e d) do Regulamento nº2201/2003, de 27 de Novembro de 2003.
68. Pelo que deverá ser dado provimento ao recurso,
- declarando-se a nulidade da sentença por omissão do ato legalmente previsto, anulando-se a decisão, devendo providenciar pela notificação da Requerente para que se possa pronunciar sobre a exceção de incompetência dos Tribunais Portugueses, seguindo-se os posteriores termos legais;
- sem prescindir, e assim não se entendendo, deverá revogar-se a sentença e, em sua substituição, ser proferida outra que julgue o Tribunal recorrido o Tribunal competente ordenando-se o prosseguimento dos autos de alteração do exercício das responsabilidades parentais, assim resultando melhor interpretada e aplicada a LEI e realizada a JUSTIÇA.
Termos em que, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente,
a) declarando-se a nulidade da sentença por omissão do ato legalmente previsto, anulando-se a decisão, devendo providenciar pela notificação da Requerente para que se possa pronunciar sobre a exceção de incompetência dos Tribunais Portugueses, seguindo-se os posteriores termos legais;
b) sem prescindir, e assim não entendendo V. Excelências, deverá revogar-se a Douta sentença recorrida e, substituída por acórdão a julgar o Tribunal da Comarca de Aveiro- Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro competente para conhecer a presente ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais, com o que farão
Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.

O Ministério Público juntou resposta, da qual consta o seguinte:
não se nos afigura assistir razão ao recorrente na argumentação expendida.
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Senão vejamos:
No que toca à alegada “decisão supresa”, é de salientar que a recorrente tomou logo na petição inicial posição quanto à questão, que sabia controvertida, da competência internacional dos tribunais portugueses, pelo que não teria cabimento o exercício do contraditório relativamente a esta questão quanto à recorrente.
De qualquer forma, na conferência realizada ficou claro que havia dúvidas sobre a competência internacional e que a mesma se destinava a esclarecê-las, pelo que a recorrente poderia, se o quisesse, pronunciar-se novamente sobre a questão, sabendo que a mesma iria ser objecto de pronúncia pelo ministério público e de decisão pelo tribunal.
Inexiste, assim, qualquer nulidade na sentença recorrida, devendo pois improceder, nesta parte, a argumentação da recorrente.
*
Quanto à data ficionada para a propositura da acção no art. 33º nº 4 da Lei de acesso ao direito e aos tribunais, como a recorrente aliás reconhece, o seu escopo tem apenas a ver com a necessidade de salvaguardar o exercício do direito de acção, bem como assegurar aos cidadãos menos favorecidos o exercício tempestivo dos seus direito, introduzindo até o citado normativo, no seu número 1, um prazo que o patrono nomeado instaurar a acção, e que, no caso dos autos, nem sequer foi respeitado.
Não podemos, salvo o devido respeito, equiparar a necessidade de ficcionar uma data para a propositura da acção com vista à salvaguarda de direitos que, de outro modo, se não poderiam exercer, por caducidade, à situação concreta de fazer operar esta ficção para além da propositura da acção, única a que se destina, e estendê-la a todos os actos processuais, com consequências naturalmente não previstas pelo legislador, e importantes, por exemplo, a nível de cálculo de indemnizações.
E não se afigura igualmente cabível chamar à colação o “acto equivalente” previsto no art. 16º do Regulamento (CE) 2201/2003, cuja interpretação sugere que se trate de um acto judicial (como por exemplo, a citação prévia), e não um acto ou decisão administrativa.
*
Finalmente, parece a recorrente alegar, no ponto 30 das suas conclusões, que não resultou do seu depoimento que não ponderasse regressar a Portugal, para, no mesmo ponto, afirmar que resulta das suas declarações que não regressaria, para já, a Portugal.
Mal se compreende esta confusão porquanto as declarações prestadas são claras e inequívocas, salvaguardadas, naturalmente, as circunstâncias imprevistas que o futuro sempre nos reserva. A eventual transitoriedade de todas as situações da vida num determinado momento é facto notório e conhecido do tribunal, não podendo no entanto justificar mais uma ficção que a recorrente apresenta no ponto 36 e ss. das suas conclusões, em que afirma que, não obstante resida e trabalhe com o filho em França, e ali pretenda manter-se a residir e trabalhar, como já vimos, a sua residência e o centro da vida do menor e da própria recorrente é em Portugal.
Se assim fosse, não haveria necessidade de regulamentar a competência internacional dos tribunais, uma vez que todas as questões referentes a nacionais de um país seriam resolvidas nesse mesmo país e segundo as suas leis, independente do local de residência efectiva dos intervenientes.
Não podemos sequer vislumbrar qualquer correspondência entre as declarações prestadas em sede de conferência pela recorrente - que deixou claro que, no dia 5 de Outubro de 2020, com autorização do pai do seu filho, foi residir e trabalhar com ele para França, que ali residem e ali o menor tem escola e amigos, que não tem planos para alterar a residência para Portugal - e as conclusões a que já se aludiu, em especial nos pontos 47 e 48, do recurso apresentado.
Igualmente se nos afigura dever soçobrar a restante argumentação desde logo em nome do princípio ordenador nestas matérias, o do superior interesse da criança, e cuja melhor interpretação e aplicação prática sugere a proximidade da decisão relativamente à criança. É este o entendimento que está presenta na nossa legislação nacional no que toca à competência territorial, havendo várias normas que impõem que os processos “sigam” as crianças a que respeitam quando estas mudam de residência.
Vejam-se, a título de exemplo, os arts. 41º e 42º do RGPTC e o art. 79º da LPCJP.
E bem se compreende que assim seja, uma vez que as decisões a tomar nestes processos, designadamente de alteração da regulação das responsabilidades parentais, envolvem uma investigação das circunstâncias da criança, de forma a habilitar o tribunal a garantir o seu superior interesse, que se torna bastante difícil quando, designadamente, a decisão tem que ser tomada num país diferente do da residência do menor.
E que é esta a interpretação que melhor se coaduna com a garantia do superior interesse dos menores torna-se ainda mais evidente se pensarmos que estas decisões assumem sempre um carácter urgente, que não se compadece com grandes delongas processuais e indefinições, que impactam de forma muito negativa na vida das crianças.
Assim, e por todo o exposto, deverá o presente recurso ser julgado
improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
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II – Cumpre decidir.
Como é sabido, o âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do/a recorrente. Logo, só as questões colocadas em tais conclusões há que conhecer, uma vez ressalvadas as de conhecimento oficioso (cfr. arts. 608º, n.º 2, 635º, n.º 4 e 639º, todos do C.P.C. - diploma a que pertencem os demais normativos a citar, uma vez desacompanhados de outra identificação).
Assim, temos para conhecer:
- da invocada nulidade processual, por violação do princípio do contraditório;
- da modificação da factualidade dada por assente, na decisão recorrida;
- verificar se o Tribunal a quo andou mal, ou não, ao declarar a sua incompetência internacional.
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Os factos a atender são os relatados acima, aqui dados por reproduzidos, dados por assentes pela 1ª instância, designadamente, que
- A Requerente e o filho, C…, já estão a residir em França, com autorização do Requerido, desde o dia 5 de Outubro de 2020;
- A Requerente não pondera regressar a Portugal;
- O filho C… frequenta uma escola privada em França, onde está bem integrado e tem amigos.
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Apreciando.
Quanto à 1ª das questões elencadas, sustentada na violação do disposto no artº 3º, n.º 3, segundo o qual - “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, é manifesta a falta de razão da Recorrente, como passamos a explicar:
O “entendimento amplo da regra da contraditoriedade, nos moldes afirmados na citada dimensão normativa, não pretende, obviamente, significar a limitação da liberdade de subsunção ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que, por mor da regra enunciada no nº 3 do art. 5º do Cód. Processo Civil, continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Significa isto, portanto, que o sentido útil do nº 3 do art. 3º é o de que, previamente ao exercício dessa liberdade subsuntiva, o julgador deve facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de excepções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar, ou seja, sob o enfoque da referida normatividade, o julgador apenas está constituído no dever de observar a contraditoriedade quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha, de todo, sido perspectivada pelos litigantes de acordo com um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão [neste sentido, LOPES DO REGO, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, vol. I, pág. 33, onde afirma que «a audição excepcional e complementar das partes, precedendo a decisão do pleito e realizada fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela», acrescentando, mais adiante (pág. 34), que «não deverá “banalizar-se” a audição atípica e complementar das partes, ao abrigo do [artigo 3º, nº 3 do Cód. Processo Civil], de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela actuação do preceituado no art. 3º, nº 3».].
Ora, in casu, não pode considerar-se estar em presença de uma questão jurídica inesperada ou surpreendente no apontado sentido”, desde logo por tal ter sido já abordado nos autos, nomeadamente, na conferência de pais, à qual tivemos acesso através da gravação constante do CITIUS.
“Destarte, tal questão não surge, neste contexto, como uma nova questão jurídica que justifique uma prévia intervenção jurisdicional de observância do disposto no nº 3 do art. 3º do Cód. Processo Civil, não consubstanciando, pois, a decisão recorrida uma decisão-surpresa (a propósito do conceito de decisão-surpresa (também denominada de decisão solitária do juiz), a jurisprudência tem considerado que a mesma ocorre se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, surgindo, pois, a sua imprevisibilidade como marca definidora – cfr., por todos, acórdãos do STJ de 27.09.2011 (processo nº 2005/03.0TVLSB.L1.S1) e de 4.06.2009 (processo nº 09B0523), acessíveis em www.dgsi.pt]” (cit. e fazendo nosso o entendimento expresso no Acórdão 15335/17.5T8PRT.P1, Relator - Estelita de Mendonça, subscrito pelas presentes Adjuntas).
Por conseguinte, somos levados a concluir como começámos, esta questão carece de sustentação, sendo, pois, improcedente.
Relativamente ao mal apontado pela Recorrente à factualidade considerada assente, temos a dizer que ouvimos, na íntegra (6m e 36s), a gravação constante dos autos, da qual consta a parte relativa ao que foi dito na conferência de pais pela Requerente e pelo Requerido, do que resulta, sem réstia de dúvida, toda a factualidade considerada assente pela 1ª instância, aqui, por isso, mantida como tal.
Naufraga, sem necessidade de mais considerações, nesta parte a pretensão da Recorrente.
Assim, no mais é como diz o Tribunal a quo: “Segundo dispõe o art.º 9.º n.º 1 do Regime Jurídico do Processo Tutelar Cível (RGPTC) aprovado pela Lei n.º 141/2015 de 08/09, alterada pela Lei n.º 24/2017 de 24/05, “para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo for instaurado”.
No caso de a criança residir no estrangeiro, importa ainda ter em consideração o disposto nos n.º 7 e 8 do mesmo preceito legal.
Sucede, porém, que para que os mesmos tenham aplicação é pressuposto que o tribunal português seja internacionalmente competente, aliás, em consonância com o disposto no art.º 59.º do Código de Processo Civil, que faz prevalecer o estatuído em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais, sobre as disposições internas, a respeito.
Assim sendo, importa ter em consideração, no caso concreto, o disposto no art.º 8.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de Novembro de 2003, segundo o qual, “os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidades parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.
A tal norma geral, aliás, idêntica à prevista no n.º 1 do art.º 9.º do RGPTC, admitem-se as excepções previstas nos art.º 9.º, 10.º e 12.º do mesmo Regulamento.
Contudo, nenhum deles tem aplicação no caso concreto, sendo evidente que o C… já tem a sua residência habitual em França, conforme resulta das declarações prestadas pela mãe, tendo aí o seu centro de vida, frequentando uma escola onde está bem integrado e onde tem amigos, sendo certo que vive com a mãe em tal país e esta não pretende regressar a Portugal.
Acresce que conforme confirmou o progenitor, a criança alterou a sua residência de Portugal para França com a autorização daquele, de onde resulta, que a deslocação do menino foi lícita, o que, desde logo, afasta, aplicação do disposto no art.º 10.º do Regulamento em análise.
Ora o art.º 9.º n.º 1 do Regulamento apenas prolonga a competência do Estado Membro da anterior residência habitual da criança – no caso concreto, Portugal – durante um período de três meses após a deslocação e apenas para alteração de uma decisão relativa ao regime de convívios com o progenitor que continue a residir nesse Estado-Membro.
No caso concreto, verifica-se que a acção foi instaurada após o decurso do prazo de três meses após a deslocação pelo que, forçoso é de concluir que também não tem aplicação do disposto no preceito em análise.
Finalmente, o art.º 12.º do Regulamento também não tem aplicação, uma vez que prevê a extensão de competência em matéria de responsabilidade parental em processos que não, naturalmente, de responsabilidade parental em si mesmo, como o presente.
Assim sendo, é evidente que o tribunal português é internacionalmente incompetente para a presente acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo competente o tribunal francês.”
De onde, nada haver a censurar ao decidido pela primeira instância, dado o estabelecido nos normativos que cita, e bem, i.e., para além dos supra referidos, os artigos art.ºs 96.º al. a), 97.º n.º 1 e 99.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art.º 33.º n.º 1 do RGPTC e no art.º 17.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003.
Em suma, o presente recurso carece de fundamentos.

III – Face ao exposto, acordamos em julgar a apelação improcedente em função do que confirmamos nos seus exactos termos a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Porto, 9 de Novembro de 2021
Maria Graça Mira
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues