Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3693/20.9T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RP202206273693/20.9T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 06/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A dedução de um pedido reconvencional fundado no mesmo facto que serve de fundamento à defesa, pressupõe que o facto invocado - como simultâneo fundamento da reconvenção -, a verificar-se, produza efeito defensivo útil, isto é, tenha virtualidade para impedir, modificar ou extinguir o pedido do autor (arts. 266º, nº 1 e nº 2, al, a), e do C.P.C.).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 3693/20.9T8AVR.P1

Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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Comarca de Aveiro Juízo Central Cível de Aveiro - Juiz 1
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.

I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - AA, BB e CC;
Recorrido: DD;
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DD veio instaurar a presente acção declarativa com a forma de processo comum contra AA, BB e CC, pedindo que:
a) Deverá ser reconhecido que são falsos os documentos e declarações complementares que foram a causa do registo das descrições e das inscrições de aquisição por dissolução conjugal e sucessão hereditária, dos 3 prédios, a favor dos R.R. e que são os registos na Conservatória do Registo Predial de Aveiro com o nº ... da freguesia ..., com o nº ... da freguesia ... e com o nº ... da freguesia ..., todos do concelho de Aveiro (cfr. rectificação)
b) Deverão assim ser declarados nulos os registos da descrição e da inscrição daqueles três prédios a favor dos R.R.
c) Deverá mandar-se cancelar na Conservatória do Registo Predial de Aveiro os registos das descrições e aquisições a favor dos R.R., mencionadas na alínea a) e, em consequência, todos e quaisquer registos que hajam sido feitos posteriormente sobre os mencionados bens.
Alega, para tanto, que:
- é o cabeça de casal na herança indivisa por óbito dos seus pais, EE e FF, tendo instaurado inventário judicial que se encontra pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, com o processo nº 2851/20.0T8AVR do Juízo Local Cível de Aveiro – Juiz 1. (doc.1)
- e que os ora R. R. são os restantes interessados na herança mencionada no artigo anterior.
- Sucede que, em 28 de Julho de 2020, GG, notário em representação dos ora R.R., apresentou na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo o requerimento nº ..., com o número de apresentação ..., para registo de aquisição a favor dos mesmos, em comum e sem determinação de parte ou direito, dos prédios identificados no item 3 da p. i.
- a acompanhar a referida participação, de 28 de Julho de 2020, consta um documento que é uma declaração subscrita pelo Réu, CC, dirigida ao Serviço de Finanças de Aveiro 1, datada de 21 de julho de 2020, na qual o mesmo consigna que “involuntariamente” omitira da relação de bens, por óbito do seu cônjuge, apresentada em 11 de junho de 2018, os bens com os artigos matriciais que acima se identificaram no artigo ...º e que se impunha a apresentação de uma relação de bens adicional integrando naquela herança os mesmos bens.( doc. 2 a fls. 4 e a fls 10). Assim, com a declaração mencionada no artigo anterior o Réu e interessado, CC, fez acreditar à Conservatória do Registo Predial que aqueles artigos matriciais faziam parte da herança do seu falecido cônjuge, HH. (doc. 2 a fls. 4 e a fls 10)
- alega que tal documento é falso por integrar uma declaração juridicamente relevante que é falsa.
- Os R.R., por falta de acordo com o Autor, quanto à partilha dos bens, por óbito dos pais deste, apresentaram documentos que contêm declarações falsas para conseguirem os registos de aquisição a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, dos mencionados 3 prédios, registos esses que vieram a ser concretizados em 28 de Julho de 2020.
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Regularmente citados para os termos da presente acção, os RR. apresentaram contestação, defendendo-se por impugnação.
Mais deduziram o seguinte pedido reconvencional:
“(…) deve a Reconvenção ser julgada procedente por provada, reconhecendo-se os RR. como únicos possuidores e legítimos proprietários dos imóveis inscritos nas matrizes sob os art. ..., da freguesia ..., art. ...... da freguesia ... e art. ... da União das freguesias ... e ..., condenando-se o A. a reconhecer isso mesmo”.
Alegaram, em síntese, que:
- há muito os RR. adquiriram aqueles três prédios através da usucapião (arts. 1293º e seguintes do Código Civil), tendo alegado os factos que alegadamente permitem tal conclusão (os prédios “foram comprados pelo 3º Réu, para este e a este pertencem; Para poder usufruir de benefícios fiscais, que então eram concedidos aos emigrantes, (condição que o 3º R não detinha) foi, com os pais do seu cônjuge (emigrantes na Venezuela), combinado que nas aquisições dos prédios figuraria o nome dos pais do A. com o propósito único e exclusivo de isentar as compras de SISA, lógica que presidiu também à contratação dos financiamentos, que à data tinham, para os emigrantes, taxas bastante mais reduzidas do que aquelas aplicadas aos clientes ditos normais. Quer o pagamento dos terrenos quer dos financiamentos contratados foram pagos única e exclusivamente pelo 3º R e sua cônjuge, embora neles figurassem o nome dos pais do A; Desde 1985, que o prédio infra identificado (2410 -U), vem sendo habitado exclusivamente pelos RR., os quais o usaram e utilizaram, vigiando-o e conservando-o e melhorando-o, diária, consecutiva e ininterruptamente, continuando a posse dos seus antepossuidores, mobilando-o, realizando nele obras e benfeitorias e dele retirando as demais utilidades de que é susceptível, praticando neles todos os actos que são legítimos de um verdadeiro proprietário, à vista de toda a gente e de boa-fé, de forma pacífica, sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos pais do A., e do próprio A., na convicção de serem os seus únicos e verdadeiros donos. O mesmo acontecendo em relação aos prédios rústicos ...... e ...... que os RR. vêm possuindo e fruindo, com boa fé, justo título, pública, pacífica e continuamente em nome próprio, há mais de 35 anos.
-Tendo a posse sido expressamente reconhecida pelos pais do A., em documento que subscreveram em 15/06/1993, reconhecimento que foi também feito pelo próprio A. no documento que constitui o doc. 8, em anexo.
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Apresentou ainda o Autor réplica, onde se defende por impugnação e termina pedindo que “a reconvenção seja julgada improcedente por não provada, concluindo-se como na p. i.”.
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Designada Audiência Prévia, veio o tribunal recorrido se pronunciar, entre outras questões, sobre a admissibilidade da dedução da reconvenção, no seguinte sentido:
“(…) Admissibilidade da reconvenção.
Os RR. deduzem reconvenção na qual pedem que o Tribunal os reconheça como os únicos possuidores e legítimos proprietários dos imóveis inscritos nas matrizes sob os artigos ...... da freguesia ..., 61-R da freguesia ... e ...... da União de Freguesias ... e ..., condenando-se o A. a reconhecer isso mesmo.
O A. apresentou réplica a defender a improcedência da reconvenção.
Antes, cumpre ver se é admissível. Com efeito, a nossa lei processual civil faculta ao réu a dedução de reconvenção. Mas, sujeita-a a restrições: a) a factores de conexão objectivos estabelecidos taxativamente nas alíneas do nº 2 do art. 266.º do CPC; b) adjectivos, de compatibilidade processual, exigidos no nº 3 do mesmo art. 266.º.
Não dizem os RR. de que factor de conexão se socorrem. De resto, as partes são módicas na citação das disposições legais, e, mesmo, das razões de direito, cumprindo muito escassamente o dever da segunda parte da alínea d) do nº 1 do art. 552.º do CPC.
Também se não vê qual possa ser.
A presente acção é uma acção de declaração de nulidade de registo: para aí aponta os pedidos das alíneas b) e c); e a causa de pedir da falsidade dos documentos que os suportam – fundamento ou causa da nulidade será, nos termos da petição, a alínea a) do art. 16.º do C. Registo Predial; a nulidade do registo predial exige, para ser invocada, decisão judicial com trânsito em julgado – nº 1 do art. 17.º do C. Registo Predial.
Sendo este o objecto da acção, a decisão só pode ser a de procedência ou improcedência, limitando-se a sua eficácia à subsistência ou declaração de nulidade do registo com os efeitos daí advenientes (em relação, obviamente, ao registo que, como se sabe, tem a finalidade de “dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário” – art. 1.º do C. Registo Predial). As acções de declaração de nulidade do registo têm uma finalidade especialíssima que não suporta reconvenção, por falta de pedido autónomo possível; isto é, não pode, se bem vemos, o pedido reconvencional visar coisa diferente da mera improcedência, do inverso do pedido do autor (1 - Sobre a necessidade da autonomia do pedido reconvencional, veja-se Miguel Mesquita – Reconvenção e Excepção no Processo Civil (2009, Colecção TESES da Almedina) – 129).
Julgo, em consequência, inadmissível o pedido reconvencional. (…).”
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É justamente desta decisão que a Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“.CONCLUSÕES:
1. Os Recorrentes vêm impugnar a decisão do Tribunal “a quo” de não admissão da reconvenção que entendeu que a acção de nulidade do registo não comporta reconvenção e bem assim por não estarem verificados os pressupostos de conexão do art. 266º do CPC.
2. Na respectiva fundamentação, a Mma. juíza “a quo” refere:
(…)
3. Foi intentada a presente acção de nulidade com base na alegada falsidade da relação de bens que serviu de base ao registo em nome dos actuais réus, ora recorrentes, e ainda com base na alegada falsidade das declarações complementares constantes do registo e relativas aos antepossuidores dos prédios em questão;
4. Pedindo, a final, o cancelamento dos registos que se encontrarem feitos a favor dos RR.
5. Relativamente a este segundo ponto, o Autor alega que os negócios efectuados relativamente a tais prédios tinham sido celebrados pelos seus pais e, por conseguinte, a omissão relativa à alegada posse exercida pelos mesmos importaria falsidade das declarações complementares que fundaria a causa de nulidade do registo;
6. Atente-se que tais declarações complementares se referem não aos titulares formais do direito, mas aos efectivos possuidores.
7. Os réus alegaram, em sua defesa, que a posse dos referidos prédios jamais foi exercida pelos pais do Autor.
8. Antes, pelo contrário, que a posse sempre foi exercida pelos ora recorrentes, porquanto sempre foram estes os verdadeiros e únicos possuidores de tais prédios.
Com efeito,
9. Nos termos do art. 266º nº 2 do CPC é admissível a reconvenção:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; b)… c) …
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
10. Encontra-se assim preenchido o requisito de conexão a que alude a alínea a) do art. 266 nº2 do CPC, na medida em que é o exercício da posse de forma ininterrupta, contínua e pacífica que serve de fundamento quer à defesa dos Réus quer ao seu pedido reconvencional de reconhecimento do direito de propriedade por usucapião.
11. E o requisito exigido pela al. d) do nº 2 do art. 266º do CPC, verifica-se também, porquanto o Autor pretende a nulidade do registo (uma vez que se arroga do direito de propriedade sobre os prédios em causa) e os Réus pretendem a manutenção do registo (uma vez que defendem serem os legítimos titulares do direito de propriedade).
12. Não tem qualquer fundamento legal dizer-se que a acção de nulidade não comporta qualquer pedido reconvencional por ser uma acção especialíssima, quando a lei apenas faz depender a sua admissibilidade da verificação dos factores de conexão daquele artigo.
13. Situação absolutamente similar foi já alvo de análise jurisprudencial de que se cita a título de exemplo o Acórdão do TR Porto de 20-05-2004, proferido no âmbito do processo 0432573, de que se transcreve, parcialmente, a respectiva fundamentação:
14. “…Razão cremos assistir ao apelante quando diz que ‘se o pedido do autor proceder, tal implicará necessariamente a invalidação do registo feito a favor do réu F................ Isto é, a procedência do pedido do autor implicará sempre a anulação da inscrição da propriedade do imóvel partilhado, a favor do réu F.............. e dos demais réus, pelo que deixarão de beneficiar de registo válido a seu favor’.
Por outro lado, procedendo a reconvenção, far-se-á a inscrição da sentença transitada que reconheceu o direito de propriedade a favor do reconvinte sobre o mesmo imóvel. Mas agora, portanto, a inscrição é feita com base em causa aquisitiva diferente e que ocorreu em momento muito posterior ao da aludida inscrição que vigora a favor do réu/reconvinte.”
15. Em conformidade, deve anular-se a decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue admissível a reconvenção do RR., ora recorrentes.
16. Ao decidir, como decidiu, violou a douta sentença recorrida a disposição legal do art. 266º, nomeadamente das alíneas a) e d) do nº 2, do Cód. Proc. Civil. (…)
Nos termos expostos deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida e julgando-se ser legal e admissível a Reconvenção dos RR reconvintes. (…)”
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Foram apresentadas contra-alegações pelos recorridos, onde pugnam pela improcedência do recurso.
Apresentam as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:
1-Não deve merecer censura o douto despacho, que fundamenta a improcedência do pedido reconvencional, pois efectivamente os R.R. não fundamentaram qual o factor de conexão que, no caso “sub judice”, lhes facultaria a dedução do pedido reconvencional, em conformidade com o disposto no artigo 266º nº 2 do CPC.
2-Em qualquer caso, não se verifica a legalmente exigida conexão, nomeadamente a prevista no artigo 266º nº 2 alíneas a) do CPC, pois o pedido dos R.R. não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção.
3 - E também o efeito jurídico que o Autor se propõe obter não é o mesmo que os R. R., com o seu pedido reconvencional, tendem a conseguir, que é a aquisição dos três imóveis por usucapião, que seria a hipótese prevista no artigo 266º nº 2 alíneas d) do CPC
4- Na verdade, a única consequência da declaração de nulidade dos registos prediais, devido à alegada falsificação, é a de repor a situação jurídica registral dos mencionados prédios ao estado em que se encontravam antes dos actos de registo praticados pelos R.R..
5- Não é assim verdadeira a alegação dos R.R. de que “o A. pretende a nulidade do registo uma vez que se arroga o direito de propriedade sobre os prédios em causa”.
6 – A presente acção não tem como fundamento a defesa particular de qualquer direito de propriedade ou outro do A. mas sim a defesa da herança da qual os R.R. também são interessados, pelo que, idealmente, no âmbito da partilha, os mesmos prédios podem vir a caber a qualquer dos R.R..
7 - Assim, o que está em causa, nestes autos, é uma alegada falsificação, ou seja, um acto ilícito praticado pelos R.R., através de falsas declarações, e a apreciação estrita de tal falsificação com as inerentes consequências legais.
8 – Acresce que não existe qualquer efeito jurídico imediato, relativo à propriedade dos três prédios em causa, em consequência da procedência do pedido do A. e da declaração de nulidade dos registos prediais, que não seja ao nível do próprio registo predial.
9 – A jurisprudência citada pelos R. R., consagrada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/05/2004, no processo nº 0432573, não tem aplicação ao caso sub- judice pois a mesma contempla um caso estrito em que o pedido reconvencional pode ser deduzido a título subsidiário. E, por outro lado, o mesmo respeita á apreciação, nessas circunstâncias, da sujeição ou não a registo do pedido reconvencional de aquisição por usucapião.
10 - Assim, não se verificam os pressupostos previstos no artigo 266º do CPC, nomeadamente no nº 2 alíneas a) e d), para que a reconvenção seja admissível, pelo que, com o douto suprimento de V. Excelências, não deverá merecer qualquer censura o despacho ora sob apelação”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a única a questão a decidir neste recurso, é a de saber se ocorrem ou não os pressupostos erigidos pelo artigo 266º, n.º 2, alíneas a) e d), do CPC, para efeitos de admissão da reconvenção deduzida pelos RR. e ora recorrentes contra o aqui Autor.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiu em cima qual é a questão que importa aqui decidir (saber se estão verificados os pressupostos da admissibilidade da reconvenção deduzida pelos recorrentes).
Preceitua o artigo 266º, n.º 1, do CPC, que o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
Através da reconvenção, e a título excepcional em face do princípio da estabilidade da instância (artigo 260º, do CPC), o réu/reconvinte introduz uma modificação no objecto da acção. Esta, em vez de ficar circunscrita ao pedido formulado pelo autor, passa a ter também por objecto um pedido autónomo formulado pelo réu. Trata-se, portanto, de um cruzamento de duas acções autónomas: com a acção proposta pelo autor contra o réu cruza-se uma outra proposta por este contra aquele.
Em suma, pela reconvenção, o réu faz valer, no seio de uma acção já introduzida em juízo, uma sua pretensão autónoma, ampliando o objecto do processo a uma relação em que ele figurará como autor (reconvinte) e em que o autor figurará como réu (reconvindo).
De facto, se o réu aproveitar o seu articulado de defesa para deduzir um pedido que se perfile em substância (que não apenas formalmente) como autónomo relativamente ao pedido principal (formulado pelo autor), visando através dele obter a condenação do autor nesse novo e distinto pedido, ultrapassará uma postura meramente defensiva, pois que acrescentará algo de inovatório relativamente ao pedido principal formulado pelo autor e à sua estrita improcedência, dizendo-se em tal eventualidade que, não se limitou a defender-se, mas que contra-atacou através de reconvenção.
Deste modo, quando o pedido formulado pelo réu na contestação constituir uma decorrência lógica e necessária da sua oposição e da consequente improcedência da acção, não pode ele ser considerado como reconvenção, mas como mera defesa; mas se esse pedido ultrapassar os efeitos da estrita improcedência da acção e consubstanciar uma verdadeira pretensão autónoma contra o autor, estar-se-á perante um pedido reconvencional.
Neste preciso sentido, refere o Prof. Alberto dos Reis “só há reconvenção quando o pedido do réu não é mera consequência necessária da defesa por ele deduzida. Por outras palavras, quando o pedido, fundado na defesa, é um pedido substancial e não um pedido meramente formal, isto é, um pedido que nada acrescenta à matéria alegada como defesa. “ [1]
De facto, através da reconvenção, o réu exercita um verdadeiro direito de acção (que não um simples direito de defesa ou de contraditório), “dirigindo contra o demandante um novo e distinto pedido, verificadas que sejam certas conexões com a acção contra ele (réu) movida”, assim assumindo a relação processual, por mor da reconvenção “um conteúdo novo”. [2]
No entanto, uma vez que a reconvenção se traduz no enxerto de uma acção numa outra acção já pendente interposta pelo autor (e cuja conformação objectiva depende da estrita opção e iniciativa deste último, por mor do princípio do dispositivo), a sua formulação não é, compreensivelmente, ilimitada, antes depende, como se assinalou, da existência de uma certa conexão com o objecto da acção, ou seja, com a pretensão/pedido formulado pelo autor.
Neste sentido, como refere ainda o Prof. Alberto dos Reis, op. cit., pág. 99, “todos os pedidos reconvencionais devem ser conexos com o pedido do autor, porque seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar na acção pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma. A questão é de grau ou de natureza da conexão: nuns casos o nexo é mais estreito, noutros é mais remoto.”
Portanto, em conclusão, independentemente desse grau, mais remoto ou mais próximo, essa conexão entre a reconvenção e os pedidos formulados pelo autor no processo pendente tem de existir, sob pena de a reconvenção conduzir a uma ampliação ilimitada do objecto do processo, definido pelo autor através da causa de pedir e dos pedidos invocados na acção pendente, com a inevitável perturbação grave da regular e ordenada tramitação do processo. [3]
A conexão exigida para efeitos de admissibilidade da reconvenção traduz-se, pois, no justo ponto de equilíbrio entre os interesses da economia processual e da economia de meios – que postula a resolução de todos os eventuais litígios entre as partes através de um único processo e de um único julgamento – e o interesse na regular e ordenada tramitação do processo – acautelando o interesse do autor e do próprio sistema judicial na obtenção tão célere quanto possível de uma decisão final quanto à pretensão formulada em juízo, tal como a mesma foi delineada pelo autor, em função da causa de pedir e do pedido invocados no processo.
Este ponto de equilíbrio entre os aludidos interesses, tal como definido pelo legislador, mostra-se expresso no artigo 266º, n.º 2, do CPC, que consagra o nível ou grau de conexão exigida entre a acção e a reconvenção através da verificação positiva de qualquer uma das hipóteses consignadas nas suas alíneas a) a d), ou seja, os denominados requisitos objectivos ou materiais para a admissibilidade da reconvenção[4].
Ou seja, “não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a acção inicial, o nº 2 estabelece os factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção que tornam esta admissível”[5].
Dito isto, no caso concreto dos autos, abreviando razões, apenas relevam as hipóteses das alíneas a) e d) do citado n.º 2 do artigo 266º, pois que as hipóteses das alíneas b) ou c) (direito a benfeitorias ou a despesas com a coisa cuja entrega é pedida; reconhecimento de um crédito, seja para obter a mera compensação/extinção do crédito do autor, seja ainda para obter a condenação do valor excedente) estão, face ao objecto do litígio, manifestamente, fora de cogitação.
Neste âmbito, o aludido artigo 266º, n.º 2, do CPC, preceitua o seguinte:
A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
(…)
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.”
Relativamente à hipótese contemplada na citada alínea a) do n.º 2 do artigo 266º, é posição pacífica na doutrina e na jurisprudência que a expressão “quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa” se reporta à causa de pedir da acção ou à causa de pedir ou fundamento da contestação, quer esta última se traduza numa impugnação indirecta da matéria alegada pelo autor, quer se traduza na invocação de uma excepção peremptória oposta à pretensão do autor.
Por conseguinte, de acordo com a primeira parte da enunciada previsão legal, admite-se a reconvenção quando o pedido reconvencional tem a mesma causa de pedir da acção, isto é, o mesmo facto jurídico (real, concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca. Já a segunda parte desse normativo tem o sentido de que ela só é admissível quando o réu invoque como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor. Nesta última vertente, embora o pedido reconvencional não decorra da própria causa de pedir da acção, ele emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta dos factos com os quais indirectamente se impugnam os alegados na petição inicial. [6]
Como assim, em primeiro lugar, pela alínea a), o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte da mesma causa de pedir – que sustenta o pedido do autor.
Em segundo lugar, pela mesma alínea a), o pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial, desde que tais factos tenham por efeito reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.
Com efeito, embora a reconvenção constitua uma pretensão autónoma, sendo ela formulada no contexto de uma acção já pendente, tem a mesma que possuir, como já se referiu, uma determinada conexão com o objecto do processo previamente definido pelo autor, conexão essa que resultará de a reconvenção ter (necessariamente) a sua génese na causa de pedir invocada pelo autor, ou no fundamento a partir da qual o réu/reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa mesma causa de pedir invocada pelo autor/reconvindo, visando, assim, o réu/reconvinte, em qualquer dos casos, por um lado, obter, não só, um efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pelo autor, como, ainda colher fundamento (substantivo) para a sua própria pretensão reconvencional.
Resulta, assim, do que ficou dito que para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da al. a), do n.º 2 do artigo 266º, do CPC, é necessário que o pedido reconvencional, enquanto pretensão material autónoma (e não meramente formal, isto é, como efeito necessário ou lógico da improcedência da acção) em face da pretensão do autor, tenha a mesma causa de pedir da acção ou decorra do acto ou facto jurídico que serve de fundamento (útil ou relevante) à defesa.
Neste sentido, como se refere no Acórdão da RP de 5.07.2011, antes citado, quando se exige que a reconvenção tenha por fundamento a causa de pedir invocada na acção pelo autor ou que tenha por fundamento o acto ou o facto jurídico que serve de fundamento à defesa, está-se a considerar, neste último segmento, a defesa permitida processualmente, isto é, a defesa a que se reporta o artigo 571º, seja por impugnação, seja por excepção, “apenas nela não cabendo a invocação de factos que se apresentem como totalmente alheios aos alegados na acção…”.
Por conseguinte, a alínea em análise (al. a) do n.º 2 do artigo 266º) “deve ser interpretada não apenas no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se fundamenta no mesmo facto jurídico que serve de fundamento ao pedido formulado na acção, mas também quando emerge do acto ou facto jurídico invocado como meio de defesa e que seja susceptível de modificar, reduzir ou extinguir o pedido do autor.
E isso ocorrerá sempre que se verifique uma coincidência parcial entre os factos que o réu, ao contestar a tese do autor, invocou para justificar os fundamentos da sua própria defesa, ainda que existam outros a exorbitar essa defesa, mas mantendo todos uma conexão entre si.”
Verifica-se, pois, a situação prevista na segunda parte desta alínea quando o pedido reconvencional se funda nos mesmos factos ou parcialmente nos mesmos factos em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial.
A este propósito tem-se entendido que o facto invocado, a verificar-se, deve produzir o chamado “efeito defensivo útil”, i. e., deve ter a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor[7].
Os recorrentes defendem ainda que essa admissibilidade do pedido reconvencional decorreria do preenchimento da al. d) do citado preceito legal.
Ora, na hipótese da al. d) do n.º 2 do artigo 266º, do CPC, a reconvenção também é admissível quando o réu pretende reverter, em seu favor, o mesmo efeito jurídico decorrente do pedido formulado pelo autor.
Como refere Paulo Pimenta[8], nesta hipótese, “instaurada a acção pelo autor com determinado objectivo, o réu não só se defende do pedido, impugnando ou excepcionando, como, em manifesta atitude de contra-ataque, formula uma pretensão autónoma cujo conteúdo corresponde precisamente ao pedido do autor, se bem que em sentido inverso.”
Em idêntico sentido refere José Lebre de Freitas que “… a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional tende ao mesmo efeito jurídico a que tende o pedido deduzido pelo autor: autor e réu pretendem, por exemplo, a declaração de propriedade sobre o mesmo bem, a anulação do mesmo contrato ou a obtenção do divórcio entre si.”
E ainda salienta o mesmo Autor, “A exigência da identidade do efeito não impede que um dos pedidos vise a sua constituição no processo, enquanto no outro se afirma que ele pré-existia, podendo, por exemplo, reconvir-se em acção de reivindicação com o pedido de execução específica do contrato-promessa de venda ao réu do bem reivindicado. A identidade do efeito pode ser meramente parcial: o réu pede a declaração de propriedade sobre uma parte do bem reivindicado ou o reconhecimento dum usufruto sobre ele, a anulação parcial do contrato ou a separação de pessoas e bens.” [9].
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Delimitados, assim, em termos teóricos, os requisitos da admissibilidade da reconvenção potencialmente aplicáveis (como defendem os recorrentes), resta-nos proceder à sua aplicação ao caso concreto dos autos, não deixando de salientar que, nesta fase liminar, se visa apenas a formulação de um juízo acerca da admissibilidade da reconvenção por forma a garantir a sua legalidade formal, sem que daí decorra, portanto, um qualquer juízo sobre o seu mérito, questão que só posteriormente se deve colocar. [10]
Compulsada a petição inicial é inequívoco que, tendo em conta o pedido formulado pelo Autor e a causa de pedir invocada, estamos perante uma acção de declaração de nulidade do registo (predial) relativo à inscrição dos três prédios identificados na petição inicial.
Como esclarece o Prof. Lebre de Freitas[11], segundo a teoria da substanciação (inequivocamente consagrada pelo nosso legislador), a afirmação da situação jurídica que se pretende submeter em juízo tem de ser fundada em factos (factos principais que constituem a causa de pedir) que exercem a função de individualizar a pretensão, para o efeito de conformação do objecto do processo.
Daí que a nossa lei tenha definido a causa de pedir como facto jurídico constitutivo do efeito pretendido pelo autor (art. 581º, nº 4), sendo tal conceito, como tal, contraposto aos factos impeditivos, modificativos e extintivos desse mesmo efeito.
Concordamos com o tribunal recorrido quando concluiu que a presente acção é uma acção de declaração de nulidade de registo: para aí aponta os pedidos das alíneas b) e c) que assenta na causa de pedir da falsidade dos documentos que os suportam; pelo que o fundamento ou causa da nulidade será, nos termos da petição, a alínea a) do art. 16.º do C. Registo Predial; Cfr. nº 1 do art. 17.º do Código do Registo Predial.
Estamos, pois, perante a arguição de uma nulidade do registo, por ter sido lavrado com base em título falso, nos termos do art. 16.º a) do CRP, sendo que o Autor peticionou a declaração de nulidade dos actos de inscrição no registo praticados pelos RR.[12].
Nessa medida, é inequívoco, a nosso ver, que a pretensão reconvencional deduzida pelos recorrentes não só não coincide em termos de causa de pedir (aquisição do direito de propriedade pela via da usucapião), como não coincide com o pedido formulado (pedido de reconhecimento do direito de propriedade) - nessa conformidade, pode-se liminarmente concluir que não está preenchida a al. d) do nº 2 do art. 266º do CPC.
Um outro tanto já não sucede, a nosso ver, com o preenchimento da 2ª parte da al. a) do nº 2 do art. 266º do CPC
Na verdade, afigura-se-nos que o tribunal recorrido apenas ponderou a aplicação da primeira parte deste preceito processual, pois que concluiu que “as acções de declaração de nulidade do registo têm uma finalidade especialíssima que não suporta reconvenção, por falta de pedido autónomo possível; isto é, não pode, se bem vemos, o pedido reconvencional visar coisa diferente da mera improcedência, do inverso do pedido do autor”.
Sucede que, conforme decorre do exposto, a defesa dos RR. perante o pedido do autor, fundamenta-se na invocação do direito de propriedade e da sua aquisição pela via da usucapião (impugnando a falsidade invocada pelo Autor), invocação essa que constitui um facto impeditivo do direito peticionado pelo Autor.
Daí que, atendendo à configuração da situação em análise e aos interesses em presença, persistindo o litígio (que acaba por ultrapassar a questão do registo arguido de nulo…), a necessidade, para aquele efeito, de recorrer à via judicial (imposta pelo CRPredial) mais se evidencia, na medida em que, além de subjacente à pretensão do Autor/impugnante dos registos estar a “defesa da herança da qual os R.R. também são interessados”, os próprios RR. invocam o direito de propriedade exclusiva sobre o correspondente bem imóvel (alegadamente adquirido pela via da usucapião), pelo que está, assim, (em ambas as acções) igualmente em causa a declaração da existência de um direito sobre os bens em discussão (cf. os arts. 3º, n.º 1, alíneas a) e b), 8º[13], 13º[14], 16º-B e 17º do Código do Registo Predial)[15].
Ora, sendo assim, como cremos emergir, de forma segura, da contestação oferecida nos autos pelos RR., com o devido respeito, não podemos acompanhar o despacho recorrido, quando no mesmo se sustenta que não intercede entre o pedido reconvencional acima elencado formulado pelos RR. e os fundamentos da defesa invocada pelos RR. a conexão exigida pelo citado artigo 266º, n.º 2, al. a), do CPC.
Com efeito, a nosso ver, o pedido reconvencional resulta dos fundamentos da própria defesa erigida pelos RR. contra a pretensão do autor, defesa esta que passa, no que diz respeito ao confronto entre o autor e RR, pelo pedido de reconhecimento do direito de propriedade (e, consequentemente, pela validade das inscrições do registo questionadas pelo Autor).
Como referimos, uma das hipóteses de conexão que o legislador exige para admitir a reconvenção nos termos da citada al. a), resulta de o pedido reconvencional ter (necessariamente) que ter a sua génese no fundamento a partir da qual os réus/reconvintes estribaram a sua defesa em relação à causa de pedir e pedidos invocados pelo autor/reconvindo, visando, assim, os réus/reconvintes, em qualquer dos casos, por um lado, obter, não só, um efeito impeditivo ou extintivo do direito invocado pelo autor, como, ainda colher fundamento (substantivo) para a sua própria pretensão reconvencional.
“Nestes casos, o Réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do Autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele”[16].
Ora, sendo assim, como julgamos dever ser, lógico e linear será também que a partir destes fundamentos que servem de lastro à defesa dos RR. perante a causa de pedir invocada pelo autor – com o fito de impedir/extinguir o direito invocado por este último -, seja lícito aos RR, em conformidade com o consignado no já citado artigo 266º, n.ºs 1 e 2 al. a) (2ª parte), do CPC, formular contra o autor/reconvindo, enquanto acção de reconhecimento da propriedade (cfr. artigo 1311º, n.º 1, do CC), a pretensão reconvencional que nos autos se mostra formulada[17].
Como referimos, ainda que acção inicial se mostrasse configurada em termos de corresponder a um pedido de declaração da nulidade do registo, por ter sido lavrado com base em título falso, a verdade é que não se pode deixar de reconhecer que, subjacente a esse pedido está também em causa a declaração da existência de um direito sobre os bens em discussão (e a impugnação judicial de factos registados).
Nessa medida, ainda que a acção primitiva esteja configurada como uma acção em que se pede a nulidade do registo, a verdade é que, até pelos fundamentos invocados (falsidade dos documentos que suportaram a inscrição no registo predial), o litígio, tendo em conta também os fundamentos da defesa, ultrapassa a questão da nulidade do registo arguido de nulo, pois que não se pode deixar de reconhecer que, subjacente a tal pretensão, o que está em causa acaba por ser, em boa verdade, a declaração da existência dos direitos inscritos no registo – como vimos salientando.
Aliás, esta admissibilidade do pedido reconvencional deduzido pode surgir, de uma forma mais evidente, se invertermos as posições das partes; ou seja, se colocarmos a hipótese de terem sido antes os RR. a intentar a presente acção (pedindo o reconhecimento como únicos possuidores e legítimos proprietários dos imóveis inscritos no registo predial, com os fundamentos invocados) e colocássemos o Autor na posição de Réu, a deduzir pedido reconvencional, onde peticionasse a nulidade das inscrições dos registos (com os mesmos fundamentos invocados na petição inicial).
Finalmente, importa referir que o próprio tribunal recorrido parece acabar por reconhecer isso mesmo (ou seja, que o litigio ultrapassa a questão da nulidade do registo e que o que está em causa é verdadeiramente a existência dos direitos controvertidos), pois que enunciou como temas de prova os factos invocados pelos RR. como fundamento de defesa (e do pedido reconvencional) – v. temas de prova 7 a 22.
E, assim sendo, à luz de todo o exposto, a apelação deve, em nosso julgamento, proceder, com a consequente revogação do despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que admita a reconvenção deduzida pelos RR. contra o Autor.
Procede, pois, a Apelação com este fundamento.
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IV-DECISÃO
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Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente, e, em consequência, decide-se:
- Revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que admita a reconvenção deduzida pelos RR. contra o Autor.
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Custas pelo apelado/A. (art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Porto, 27 de Junho de 2002
(assinado digitalmente)
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Prof. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 3º volume, pág. 102.
[2] Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, II volume, pág. 29, citado por Francisco Ferreira de Alemida, “Direito Processual Civil”, 2º volume, 2015, pág. 150.
[3] Vide, neste sentido, Francisco Ferreira de Almeida, op. cit., pág. 158 e Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2015, pág. 181.
[4] Como é sabido, para além destes factores objectivos ou materiais de conexão, exige-se, ainda, para efeitos de admissibilidade da reconvenção, a verificação de determinados requisitos processuais específicos, no sentido de requisitos que estão para além dos que são exigidos à reconvenção tal como são exigidos a qualquer acção autónoma proposta em separado, por ex. compatibilidade processual; competência do tribunal, etc.- no entanto, no caso concreto, não se levantam quaisquer problemas neste âmbito.
[5] Prof. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 517.
[6] Vide, neste sentido, Teixeira de Sousa, “As Partes, O Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, Lex, 1995, pág. 169-171 e, na jurisprudência, por todos, Ac. da RP de 9.11.2017 (relator Judite Pires), Ac. da RP de 6.03.2014, (relator Leonel Serôdio), Ac. da RP de 5.07.2011 (relator: Fernando Samões), todos in www.dgsi.pt
[7] Jacinto Rodrigues Basto, Notas ao Código de Processual Civil, Vol. II, Almedina, p. 77). Neste sentido vide, entre outros, Ac. da RG de 10/07/2018 (Maria João Matos) e Ac. da R.C. de 17/03/2020 (Jorge Arcanjo) e de 25.3.2021 (Margarida Sousa).
[8] op. cit., pág. 188
[9] Lebre de Freitas, J. Redinha, Rui Pinto,“CPC Anotado”, 1º volume, 1999, pág. 489.
[10] Vide, neste sentido, AC RP de 5.07.2011, já antes citado, assim como a doutrina e jurisprudência ali elencadas.
[11] In “Introdução ao processo civil –Conceitos e princípios gerais à luz do Novo Código”, págs. 66 e 67.
[12] Em termos do CRP: O registo é nulo: a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal o facto registado (art.º 16º, alíneas a) e b) do Código do Registo Predial. Os interessados podem, mediante apresentação de requerimento fundamentado, solicitar perante o serviço de registo que se proceda à anotação ao registo da invocação da falsidade dos documentos com base nos quais ele tenha sido efectuado (art.º 16º-B, n.º 1). Para os efeitos do disposto no número anterior, são interessados, para além das autoridades judiciárias e das entidades que prossigam fins de investigação criminal, as pessoas que figuram no documento como autor deste e como sujeitos do facto (n.º 2). A invocação da falsidade a que se refere o n.º 1 é anotada ao registo respectivo e comunicada ao Ministério Público, que promoverá, se assim o entender, a competente acção judicial de declaração de nulidade, cujo registo conserva a prioridade correspondente à anotação (n.º 3). A anotação da invocação de falsidade é inutilizada se a acção de declaração de nulidade do registo não for proposta e registada dentro de 60 dias a contar da comunicação a que se refere o n.º 3 (n.º 5). A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado (art.º 17º, n.º 1). A nulidade do registo não permite a rectificação deste, o qual se mantém com o vício que o inquina, e só pode ser invocada depois de ter sido declarada por decisão judicial transitada em julgado (art.º 17º, n.º 1)- v. sobre estes preceitos legais Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial, Anotado e Comentado, Almedina, 12ª edição, pág. 134.
[13] Onde se prescreve que “1 - A impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respectivo registo”.
[14] Que tem a seguinte redacção: “Os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos, em execução de decisão administrativa, nos casos previstos na lei, ou de decisão judicial transitada em julgado”.
[15] V. nesta argumentação, o ac. da RC de 21.11.2017 (Fonte Ramos), in dgsi.pt, onde se conclui que: “o recorrente invocou a nulidade do registo por falta e/ou falsidade do título (falsidade dos títulos que serviram de base ao registo de aquisição a favor de M (…)). Tal como o recorrente estruturou a sua pretensão - registo cancelado com base em título falso ou inexistente - não é correcta a sua subsunção ao art.º 18º, por não estarmos perante um título meramente deficiente, mas sim falso (na óptica do recorrente). O processo de rectificação previsto nos arts. 120º e seguintes não é o adequado ao cancelamento do registo de aquisição efectuado com base em documentos arguidos de nulos e/ou falsos; a declaração da nulidade do registo (e não a sua rectificação) apenas poderá ser obtida em acção judicial, nos termos do art.º 17º, n.º 1. Atendendo à configuração da situação em análise e aos interesses em presença, persistindo o litígio (que ultrapassará a questão do registo arguido de nulo…), a necessidade de recorrer à via judicial mais se evidencia na medida em que o requerente/impugnante invoca o direito de propriedade exclusiva sobre o correspondente bem imóvel (alegadamente adquirido, inclusive, pela via da usucapião), estando assim igualmente em causa a declaração da existência de um direito (cf. os arts. 3º, n.º 1, alíneas a) e b), 8º, 13º e 17º do Código do Registo Predial) (…)”.V. também com interesse o ac. da RC de 28.1.2009 (Emídio Costa), onde se concluiu: “1. Não sofre de inexactidão ou nulidade o registo cuja rectificação os apelantes requereram, já que não existem divergências entre ele e a declaração em que se baseou, sendo certo que não se demonstrou a falsidade do título que o suporta, sendo tal título suficiente para a prova legal do facto registado; 2. Os apelantes, para fazerem prevalecer o seu invocado direito de propriedade sobre o imóvel, alegadamente adquirido pela via da usucapião, terão de lançar mão da competente acção judicial, em que aleguem e comprovem os factos integradores daquela forma de aquisição originária do direito de propriedade, não sendo o processo de rectificação de registo, previsto nos artigos 120º e seguintes do C.R.P., o meio adequado para lograrem alcançar o seu desiderato”, - disponível na internet em dgsi.pt
[16] A. Geraldes/P. Pimenta/Luís Sousa, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 266.
[17] Como exemplos de acórdãos em que esta configuração da acção foi admitida (ainda que não tivesse havido pronúncia sobre a admissibilidade da reconvenção), v. por ex. o ac. da RE de 3.12.2020 (relator: Tomé Ramião) e o ac. da RL de 22.10.2020 (relator: Anabela Calafate), in dgsi.pt.