Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3880/17.7T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ELEMENTOS CARACTERIZADORES
ACTIVIDADE FUTEBOLÍSTICA
FORMA ESCRITA
CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
OMISSÃO DE FORMALIDADES
NULIDADE E CONSEQUÊNCIAS
Nº do Documento: RP201907103880/17.7T8VFR.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º296, FLS.286-309)
Área Temática: .
Sumário: I - As especificidades próprias do contrato de trabalho desportivo, designadamente no âmbito da actividade futebolística, não excluem a verificação, e aplicação à actividade em causa, dos elementos próprios caracterizadores da existência do contrato de trabalho existentes para as demais actividades.
II - Ainda que um contrato de trabalho desportivo esteja sujeito à forma escrita [art. 5º, nº 2, da Lei 28/98], da omissão dessa formalidade apenas decorre a sua nulidade, com as consequências previstas no art. 122º, nº 1, do CT/2009, não impedindo a produção dos seus efeitos quanto aos créditos laborais relativos ao período de execução do contrato de trabalho, estes os únicos que estão em causa nos presentes autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 3880/17.7T8VFR.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1120)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra “C…”, litigando este com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pedindo o A. a condenação do Réu:
- a reconhecer o contrato de trabalho desportivo do A. para a época desportiva 2016/2017;
- a pagar ao A. as retribuições referentes ao mês de julho de 2016 (€530) e aos meses de janeiro a junho de 2017 (€530 mensais);
- a pagar ao A. as diferenças salariais respeitantes aos meses de agosto de 2016 (€380), setembro de 2016(€180), outubro de 2016(€180), novembro de 2016(€180) e dezembro de 2016(€180);
- a pagar ao A. a retribuição referente ao subsídio de Natal (€530) e a retribuição referente ao subsídio de férias (€530), tudo acrescido de juros, desde a citação até efetivo pagamento.
Alega, para tanto e em síntese que: foi admitido ao serviço do Réu através de um contrato de trabalho, para a época desportiva 2016/2017, com início em 01.07.2016 e terminus em 30.06.2017, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de jogador de futebol, o que fez até à cessação do contrato; o Réu não pagou a retribuição a que o mesmo tinha direito, que é estabelecida no artigo 32º do CCT entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, pela qual os jogadores deveriam receber com base na remuneração mínima mensal de €530, sendo que o Réu apenas procedeu ao pagamento da quantia de €350 mensais, não tendo contudo pago as retribuições dos meses de julho de 2016 e janeiro a junho de 2017, assim como férias e subsídio de férias.
Reclama, pois, o pagamento dessas retribuições e diferenças salariais em dívida.

Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, o Réu contestou a acção invocando a incompetência absoluta do tribunal do trabalho.
Sem prescindir, alegou em síntese que: entre A. e R. não foi celebrado qualquer contrato de trabalho; o A., que nem sequer é jogador profissional de futebol, sendo a sua categoria de jogador amador, não obedecia a qualquer horário pré-determinado e rígido, nem obedecia a ordens e direção do Réu, nem estava sujeito ao poder disciplinar deste, não auferindo quaisquer rendimentos de natureza retributiva.
Mais refere que o A. se limitou a participar nos treinos que a equipa realizava normalmente entre as 19h30 e as 21h00, às terças, quintas e sextas, assim como foi (quando convocado) aos jogos que normalmente decorreram aos domingos, mas tal participação nos campeonatos distritais de futebol não pode enquadrar-se num contrato de trabalho, nos termos pretendidos pelo A.
Pede a condenação do A. como litigante de má fé.

O A. respondeu, pugnando pela improcedência da exceção de incompetência absoluta e, no mais, concluiu como na p.i.

Fixado à acção o valor de €5.870,00, proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção da incompetência material do Tribunal do Trabalho, dispensada a selecção da matéria de facto e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu a acção nos seguintes termos:
“julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a presente ação, e consequentemente, decide-se:
A - 1-Condenar o Réu a reconhecer a existência de um contrato de trabalho celebrado com o A. para a época desportiva de 2016/2017, com início em 01.07.2016 e termo a 31.06.2017;
2 - Condenar o Réu a pagar ao A. a quantia global de 2.450,00 (dois mil, quatrocentos e cinquenta euros), respeitante aos retribuições dos meses de Julho de 2016 e Janeiro de 2017 a Junho de 2017, no valor mensal de €350,00 cada;
3 - Condenar o Réu a pagar ao A. a quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de subsídio de férias e €350,00 (trezentos e cinquenta euros), a título de subsídio de Natal.
4 - Sobre tais quantias são devidos juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4% (artºs. 804.º, 805.º/2/a) e 3, 806.º/1 e 2, todos do C. Civil).
B - Absolver o Réu do demais peticionado.
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Não se vislumbra má fé das partes.
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Custas da ação por A. e R, na proporção do respectivo decaimento, nos termos sobreditos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza o R.”

Inconformado, veio o Réu recorrer,
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O Recorrido contra-alegou,
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A 1ª instância, aquando do despacho de admissão do recurso, pronunciou-se no sentido da inexistência da invocada nulidade de sentença.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.
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Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“1 - FACTOS PROVADOS:
1º- A Ré é uma Associação desportiva que tem por projeto o fomento e a prática de atividades desportivas, entre as quais, a modalidade de futebol.
2º- O A. foi admitido ao serviço da Ré, para a época desportiva 2016/2017, com início em 01.07.2016 e terminus em 30.06.2017, para trabalhar sob as ordens, direção, fiscalização e instrução da Ré ou de quem legitimamente a represente, mediante retribuição, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de jogador de futebol sénior. [adiante alterado]
3º- O A. prestou trabalho desde o início na sede da Ré ou em local indicado por esta, com equipamentos e utensílios de propriedade da Ré.
4º- Como contrapartida, acordaram que a Ré pagaria ao A. da quantia mensal de €350,00.
5º- O trabalho prestado pelo A., caracterizado pela representação do clube em jogos oficiais e particulares e ainda por toda a atividade desenvolvida por este na preparação daqueles jogos, foi executado sob a autoridade e direção do clube da Ré. [adiante alterado]

6º- O A. obrigou-se a cumprir, sob a autoridade da Ré, os treinos, jogos, exames e tratamentos médicos. [adiante alterado]
7º- Submeteu-se, por ordem da Ré, ao regime de treinos estabelecidos pelo treinador do clube deste ou pelos seus serviços clínicos.
8º- E obrigou-se a comparecer pontualmente, não só para as deslocações e efetuar nos jogos a realizar fora, bem como em todas as atividades do clube e referentes à prática do futebol.
9º- Submeteu-se a um horário de trabalho, elaborado e fixado pela Ré e ao seu poder disciplinar. [adiante alterado]
10º- O A. prestou a sua atividade de jogador de futebol perante a Ré, com zelo e assiduidade até à cessação do contrato, final da época desportiva 2016/2017.
11º- A Ré não pagou ao A. as retribuições acordadas referentes ao mês de julho de 2016 e janeiro a junho de 2017, assim como férias e subsídio de férias.
12º- O A. na data da cessação do contrato não recebeu quaisquer quantias, nem posteriormente apesar diversas vezes a Ré para o fazer.
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13º- A Ré é uma instituição de utilidade pública, sem fins lucrativos, que tem por ideal o fomento da prática desportiva desde as camadas mais jovens, sendo que no seu seio se joga futebol amador, para além de matraquilhos e BTT.
14º- No Art. 1º dos Estatutos da R. refere-se que esta entidade “tem por fim a promoção cultural, desportiva e recreativa dos seus associados.”
15º- No artigo 9º dos mesmos Estatutos refere-se que “As receitas económicas deste clube provirão do pagamento das quotas dos associados, quaisquer donativos, receitas de qualquer atividade por ela promovida dentro dos seus fins sociais e de subsídios que eventualmente lhe venham a ser concedidos.”
16º- A Ré participa nos campeonatos distritais organizados pela Associação de Futebol D… (doravante abreviadamente designada por D…).
17º- Por imposição da Federação Portuguesa de Futebol (doravante FPF), toda e qualquer instituição que pretenda participar nos jogos oficiais dos campeonatos distritais não profissionais, obriga-se a registar junto de si todos os jogadores inscritos no clube, ainda que meramente amadores.
18º- Por forma a ter a possibilidade de competir, a Ré inscreveu todos os seus atletas, junto da FPF, submetendo o respetivo boletim de inscrição do jogador amador.
19º- No inicio da época desportiva 2016/2017, a Ré efetivamente integrou na sua equipa amadora de futebol e na qualidade de praticante de futebol, o Autor.
20º- O A. durante os anos de 2016 e 2017 era prestador serviços num lar de idosos em Santa Maria da Feira, onde lecionava aulas de condição física.
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21º- A época não termina nem terminou aquando do campeonato, mas sim em 30 de Junho de 2017, sendo previamente definida pela Federação Portuguesa de Futebol.
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Não se demonstraram quaisquer outros factos não incluídos nos factos acima transcritos, designadamente não se provou que:
- a Ré nunca até há data, teve um único jogador inscrito na FPF na qualidade de profissional;
- todos os seus atletas são simples praticantes e amantes do desporto que, pelo amor à prática do futebol e à camisola, se inscrevem como jogadores amadores por forma a poderem participar nos campeonatos distritais – entenda-se não profissionais - em que a R compete.
- nenhum dos jogadores da R, atuais ou passados, é ou foi alguma vez contratado como trabalhador e, consequentemente, remunerado pela prática de futebol, nunca tendo existido até então a celebração de um único contrato de trabalho desportivo em que a R. outorgasse na qualidade de entidade empregadora, ou qualquer outra.
- nunca a R, com as receitas que gera, poderia alguma vez ter jogadores profissionais e remunerados a representá-la nos campeonatos distritais.
- Tal integração do A na equipa ocorreu na pré-época em 2016, que se iniciou em meados de Setembro e terminou no final da época em finais de Maio de 2017.
- o A limitou-se a participar nos treinos que a equipa realizava normalmente entre as 19h30 e as 21h, às terças, quintas e sextas (ressalvando-se eventuais ausências), assim como foi (quando convocado) aos jogos que normalmente decorreram aos domingos.
- a atuação do A. é incentivadora dos demais jogadores da equipa amadora tentarem a mesma sorte e assim se despoletar uma onda de ações como a presente, numa tentativa desavergonhada de enriquecimento à custa do clube.”
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IV. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
São, assim, as questões suscitadas no recurso:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Da inexistência de um contrato de trabalho entre A. e Réu e, bem assim, da sua nulidade;
2. Da nulidade de sentença
Invoca o Recorrente a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC/2013) por esta não se ter pronunciado sobre a questão da nulidade do contrato de trabalho por preterição da forma escrita na sua celebração.
O Recorrente, no requerimento de interposição do recurso, referiu, a final do mesmo, o seguinte:
Junta:
- Alegacão da nulidade da sentença perante o Tribunal a quo.
- Alegações de recurso perante o Tribunal da Relação.”
E, imediatamente após, junta “requerimento”, dirigido à Mmª Juíza bem como a esta Relação onde refere o seguinte:
“1) Da nulidade da sentença por falta de pronúncia
1.1) Sobre a nulidade do contrato de trabalho desportivo não escrito”,
Passando a fundamentar a invocada nulidade. Após, volta a endereçar o recurso a esta Relação e enumera como ponto 1 “1) Objeto do recurso e remissão para a alegação da nulidade da sentença”, passando às alegações que tem por pertinentes quanto ao objecto do recurso.
O Recorrente dá suficiente cumprimento ao ónus previsto no art. 77º, nº 1, do CPT, tendo feito referência, no requerimento de interposição do recurso, à arguida nulidade de sentença e, logo após, juntou “requerimento” dirigido à 1ª instância onde arguiu expressa e separadamente a mencionada nulidade [cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional 304/2005, de 08.06.2005, Processo 413/04, in DR II S, de 05.08.2005].

2.1. Aquando do despacho de admissão do recurso, a Mmª Juíza pronunciou-se sobre a arguida nulidade referindo o seguinte:
“Quanto à nulidade invocada pelo R. a fls. 162, consistente em omissão de pronúncia, subsumível à alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC:
À luz da parte final do nº3 do artigo 77º do CPT, impõe-se tomar posição.
Ressalvado o devido respeito por diferente opinião, não se nos afigura que ocorra tal nulidade, pois que, à luz do disposto no artigo 5º, nº3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito e como resulta da sentença proferida o tribunal qualificou o contrato celebrado entre A. e R. como um contrato de trabalho, ao qual são aplicáveis as regras previstas no Código do Trabalho, em momento algum tendo qualificado o contrato como contrato de trabalho desportivo, sujeito à lei especial convocada pelo recorrente, que justificasse a apreciação da nulidade consistente na falta de redução a escrito do mesmo.”.

2.2. Dispõe o art. 615º, nº 1, al. d) do CPC/2013, que é nula a sentença quando “d) [o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
A omissão e excesso de pronúncia consistem em, respetivamente, o juiz não se pronunciar sobre questões (que não argumentos) sobre as quais se devesse pronunciar ou conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento. Tais vícios prendem-se com o disposto no art. 608º, nº 2, do CPC/2013, nos termos do qual, por um lado, o juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, salvo aquelas cuja decisão se encontre prejudicada pela solução dada a outras e, por outro, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo as que sejam de conhecimento oficioso.
O A., na petição inicial, pediu que o Réu fosse condenado a reconhecer a existência, entre ambos, de um contrato de trabalho desportivo, tendo o este, na contestação, impugnado a sua existência e aludido à não redução a escrito de qualquer contrato, o que determinaria a sua nulidade (cfr. art. 23º da contestação).
Como adiante melhor se dirá, a eventual nulidade do contrato de trabalho desportivo não tem qualquer relevância no mérito da ação e nos pedidos formulados pelo A. Não obstante, o Réu invocou tal nulidade, o que consubstancia questão, e não mera argumentação, sobre a qual a Mmª Juíza deveria, nos termos do art. 608º, nº 2, do CPC, ter-se pronunciado.
Por outro lado, entendendo a Mª Juíza [como parece entender face ao referido no despacho transcrito para justificar não se ter pronunciado sobre tal questão] que em lado algum da sentença concluiu no sentido da existência de um contrato de trabalho desportivo, mas apenas no sentido da existência de um contrato de trabalho, deveria então e também ter-se pronunciado, na sentença, sobre a questão da invocada nulidade, dizendo o que veio a dizer posteriormente e/ou que a mesma ficaria prejudicada e/ou que ela não se verificaria por não ser exigida a forma escrita [isto na lógica da justificação apresentada], o que não fez, limitando-se a concluir no sentido da existência de um contrato de trabalho.
Incorreu pois a sentença na mencionada nulidade de sentença por omissão de pronúncia.
Nos termos do disposto no art. 665º, nº 1, do CPC/2013, ainda que a decisão seja declarada nula, compete ao tribunal de recurso conhecer do objeto da apelação. Compete, assim, a esta Relação conhecer da alegada nulidade do contrato de trabalho, o que adiante se apreciará, questão que, aliás, constitui também objecto das demais questões suscitadas do recurso, nelas tendo sido igualmente invocada a nulidade do contrato de trabalho.
3. Da impugnação da decisão da matéria de facto
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3.2.6. Em conclusão, é o seguinte o teor dos nºs 2, 5, 6, 9 e 22 [este aditado] dos factos provados resultante das alterações introduzidas à decisão da matéria de facto:
2º- O A. foi admitido ao serviço da Ré, para a época desportiva 2016/2017, com início em 01.07.2016 e terminus em 30.06.2017, para exercer a sua actividade de jogador de futebol sénior.
5º- O trabalho prestado pelo A. caracterizava-se pela representação do clube em jogos oficiais e particulares e ainda por toda a atividade desenvolvida por este na preparação daqueles jogos.
6º- O A. obrigou-se a cumprir os treinos, jogos, exames e tratamentos médicos.
9º - O A. submeteu-se a um horário de treinos, elaborado e fixado pelo Réu.
22º. Os treinos eram realizados três vezes por semana, com a duração de cerca de 1h30, começando, umas vezes, cerca das 19h00, outras, cerca das 19h30 e terminando entre as 20h30 e as 21h00 e sendo os jogos, por regra, aos domingos.
4. Da inexistência de um contrato de trabalho entre A. e Réu e, bem assim, da sua nulidade
Na sentença recorrida, para além de outras considerações jurídicas sobre o contrato de trabalho e sua distinção do contrato de prestação de serviços e sobre a presunção de laboralidade do art. 12º do CT/2009, com as quais se está, no essencial, de acordo, referiu-se o seguinte:
“Feitas estas considerações e revertendo ao caso dos autos, é evidente que os factos provados integram e preenchem a mencionada presunção, pois que estão verificadas as «características» expressamente previstas no art. 12.º do CT.
De facto, mostram-se inequivocamente reunidos quatro elementos indiciários de presunção de laboralidade enunciados no referido artigo 12°:
- A atividade ser realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; - os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencerem ao beneficiário da atividade;
- a existência de um horário de trabalho e
- o carácter periódico da retribuição paga como contrapartida da actividade.
Operando a presunção legal, cumpria ao Réu lograr ilidi-la nos termos previstos no n.º 2 do art. 350º do Código Civil, o que manifestamente não fez. De facto, competia ao R. provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é naturalmente mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
Efetivamente, não obsta à qualificação como contrato de trabalho, a inscrição do A. como praticante desportivo amador, nem o facto de o R. ser uma instituição de utilidade pública, sem fins lucrativos, nos termos pretendidos pelo Réu, tanto mais que, no caso, se demonstrou que o A. auferia uma retribuição mensal como contrapartida da atividade que prestava para o Réu, não se tendo demonstrado (e competia ao Réu demonstrá-lo), que a quantia paga respeitava a ajudas de custo destinadas a suportar despesas tidas pelo A.
Operando a presunção legal, o Réu não logrou ilidi-la nos termos previstos no n.º 2 do art. 350º do Código Civil, bem pelo contrário, podendo concluir-se que o quadro factual apurado se traduz inequivocamente numa situação de subordinação jurídica, apontando no sentido do A. estar sujeito aos deveres de obediência (às ordens da equipa técnica, designadamente quanto à forma de treinar e periodicidade dos treinos e jogos), e, por conseguinte, ao poder disciplinar, correlacionado com tais exigências.
O manancial fáctico atrás descrito permite concluir pela qualificação do contrato em causa como de trabalho, porquanto, nomeadamente, treinava no campo do Clube; quanto aos equipamentos, embora pertencendo as chuteiras ao A. B…, tudo o mais eram pertença do C…; quanto ao horário dos treinos, provou-se que se encontrava determinado pelo clube, estando o A. B… obrigado a cumpri-lo, e, quando à retribuição, muito embora o clube alegue que não foi acordada, o certo é que se apurou que foi e que se tratava de uma quantia certa e se revestia de determinada periodicidade, no caso, mensal.
E a tal não obsta o facto de o A. B… ser desportista meramente amador e a jogar em equipa de clube amador de uma associação sem fins lucrativos, uma vez que a qualificação jurídica de um contrato celebrado entre um praticante desportivo e um clube é independente disso. O qualificativo de jogador de amador, em nada afecta a qualificação jurídica do contrato, assim como não afeta a forma jurídica do Clube R.
Neste sentido e com toda a pertinência, pode ver-se o Acórdão do TRP de 08.01.2007, publicado in www.dgsi.pt, onde se aprecia precisamente esta questão relativa à qualificação da relação entre um jogador amador e um clube de futebol, onde se refere “…E, nesta sede, releva a matéria assente, no sentido de que o contrato é de qualificar como de trabalho – o A. integra a equipa de futebol da R., onde participa, o local de trabalho é o campo de jogos do clube empregador, os instrumentos de trabalho – equipamentos, bolas, toalhas, fatos de treino – pertencem à entidade empregadora, o A. tem horário para cumprir, obedece à equipa técnica, recebe retribuição em função do tempo – ao mês – e está sujeito a regulamento interno. Os elementos de sentido contrário, que a R. pretende que existiam, não se provaram, como claramente resulta da matéria de facto assente e da decisão da 1.ª questão: provou-se que o A. auferia mensalmente a retribuição de €400,00, que havia horário e convocatórias para os jogos, multas para as infracções disciplinares e que a actividade era prestada inserida em equipa.
Daí que não possa ser feita a qualificação do contrato dos autos como contrato de prestação de serviços.
E não se diga que sendo o A. um jogador amador [7] de futebol e a jogar em equipa de clube amador, a qualificação jurídica do contrato dos autos tenha de ser efectuada como contrato de prestação de serviços.
Na verdade, está hoje adquirido que a qualificação jurídica do contrato celebrado entre um praticante desportivo e um clube é independente - de o jogador se encontrar inscrito como amador ou como profissional na Federação Portuguesa de Futebol e, in casu também, na Associação de Futebol do Porto, - de o clube participar em competições – estatuto jurídico-desportivo – amadoras ou profissionais, - bem como da forma jurídica do clube: associação sem fim lucrativo, sociedade anónima desportiva, associação com vocação desportiva ou outra, relevando apenas – tanto para efeitos laborais [Lei n.º 28/98, de 26 de Junho], como para efeitos comunitários [Tratado de Roma][8] – a circunstância de – estatuto jurídico-laboral – entre as partes existir um vínculo jurídico pelo qual o praticante desportivo preste a sua actividade de jogador ao clube, mediante subordinação jurídica e mediante subordinação económica, independentemente do montante da retribuição ser diminuto ou de grande valor.
Daí que o qualificativo do jogador, do clube ou das competições em que ambos participam, de amador, em nada afecta a qualificação jurídica do contrato[9] que efectivamente as partes celebraram e executaram, sendo destarte irrelevante o nomen juris nele aposto[10]. Na verdade, é ponto assente entre nós, como na Espanha, França ou Alemanha que o status federativo do praticante desportivo não pode prevalecer sobre o status juslaboral[11].
Por isso, apesar da sensibilidade desportiva[12] que o caso demanda, concluímos que o contrato existente entre as partes é um contrato de trabalho, pelo que não sendo de prestação de serviço(…).” (itálico e negrito nossos).
E ainda no mesmo sentido pode ver-se, mais recente, o Acórdão do TRP de 14.12.2017, in www. dgsi.pt, que citando aquele de 08.01.2007, refere também a propósito de jogador amador e da qualificação da sua relação com o clube onde joga, o seguinte “Como assim, só não procederá a pretensão do autor quanto à qualificação do contrato se a ré lograr provar factos susceptíveis de elidir aquela presunção, demonstrando a ré – positivamente – que o contrato celebrado foi outro que não de trabalho.
“(…) por via da referida presunção de laboralidade e verificados que sejam os pressupostos de base de atuação da mesa [cuja prova compete ao trabalhador ou, em tais acções, ao MP], caberá ao alegado empregador a prova do contrário [art. 350.º, n.º 2, do Cód. Civil], não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.” – Ac. do TRP de 26.09.2016, Proc. 40/16.8T8PNF.P1 (in Boletim de Sumários de Jurisprudência da Relação do Porto n.º 51, no sítio da internet do TRP).
Com o devido respeito por diverso entendimento, a ré não provou factos que infirmem que entre ela e o autor foi celebrado, e vigorou, um verdadeiro contrato de trabalho.
Aliás, e independentemente dessa conclusão, como resulta da acima exposta noção de contrato de trabalho, é consabido, e tem sido reiteradamente afirmado pelos nossos Tribunais Superiores, o contrato de trabalho tem como elemento distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou (consequentemente, a subordinação jurídica reconduz-se ao dever de obediência do trabalhador, no que concerne à execução e disciplina da prestação de trabalho fixados pelo empregador), e contrato de trabalho que, assim, se apreende, determina, através de um conjunto de indícios – assumindo cada um deles um valor relativo, pelo que o juízo a fazer deve ser de globalidade face à situação concreta apurada – como sejam a vinculação a horário de trabalho, a prestação da actividade em local definido pelo empregador, a actividade exercida sob as ordens deste, a sujeição do trabalhador à disciplina da empresa, a modalidade da retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho e a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem – cfr Ac. do STJ de 13/09/2006, de que foi Relatora A Sr.ª Conselheira Maria Laura Leonardo, in www.gde.mj.pt/jstj, Proc. 06S891 (apesar de o douto acórdão não se reportar ao actual CT, afigura-se que a doutrina naquele expendida permanece inteiramente válida face à similitude das correspondentes no Código actual). Sucede, sopesados a essa luz os factos dados como provados, particularmente, desses factos estar o autor adstrito à direcção da ré, v.g. quanto ao horário de trabalho a observar, e o dever de observar as regras estipuladas pela ré, sujeitando-se ao regulamento da mesma -, também por esta via (subsunção da pertinente factualidade à noção legal) se encontra demonstrado que o autor celebrou com a ré um contrato de trabalho.
Contra o que se vem de dizer de nada vale, salvo melhor opinião, o que alega a ré no que tange, em suma, à incompatibilidade do estatuto do autor de atleta amador com a sua pretensão ao reconhecimento da existência de um contrato de trabalho com a ré.
Concordamos antes, diga-se, com o expendido pelo autor em 25.º e 26.º da petição inicial, citando João Leal Amado, de que o status federativo do praticante desportivo não pode prevalecer sob o status Juslaboral, e de que no que toca, aliás, a comportamentos dos atletas que constituam actos de indisciplina que tenham a ver com a sua preparação – faltas aos treinos, pouco empenho no trabalho, não acatamento das instruções dos técnicos -, não compete às Federações mas aos Clubes o exercício de poderes disciplinares.
Desde logo esta última afirmação resulta, a nosso ver, clara, da conjugação do prescrito nos artigos 52.º e 54.º do DL 248-B/2008 de 31.12, que contém o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva (alterado pelo DL 93/2014 de 23.6, vigente à data dos factos), estabelecendo o art. 54.º/1 que “No âmbito desportivo, o poder disciplinar das federações desportivas exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário, nos termos do respetivo regime disciplinar”, bem como do estipulado no art. 6.º/1 do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (disponível no respectivo sítio da internet), que prevê: “O regime disciplinar desportivo é independente da responsabilidade civil ou penal, assim como do regime emergente das relações laborais ou estatuto profissional.(…)”.
Estamos, no essencial, de acordo com as considerações transcritas, sendo que, no caso e tendo em conta os nºs 4, 5, 6 e 9 dos factos provados, se encontram preenchidos quatro dos cinco pressupostos previstos no art. 12º, nº 1, do CT/2009, quais sejam os constantes das suas als. a), b), c) e d), sendo que, atualmente e conforme uniformemente entendido, não são todos eles de verificação cumulativa, bastando a verificação de, pelo menos, dois, para que a presunção atue.
Dispõe o art. 350º do Cód. Civil que: “1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. 2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, (…)”.
Ora, a referida presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é naturalmente mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
E a Recorrente não fez prova de facto ou factos que, conjugadamente, contrariem a referida presunção legal (…).
E à qualificação do contrato como contrato de trabalho também não obsta a inscrição do A. como praticante desportivo amador, sendo que, no caso, o A. auferia uma retribuição mensal como contrapartida da atividade que prestava para a Ré e não tendo esta feita prova de que a quantia paga mais não constituísse do que ajudas de custo destinadas a suportar despesas tidas pelo A., que aliás nem foram alegadas.” (itálico e negrito nossos)
Conclui-se, pois, atenta a materialidade fáctica dada como provada, que é indubitável a existência de um contrato de trabalho entre o A e o Réu, devendo a relação negocial existente entre os dois na época desportiva de 2016/2017, ser qualificada como uma verdadeira relação laboral.” [fim de transcrição].
Do assim decidido discorda o Réu/Recorrente, pelas razões que longamente invoca.
Porém, e desde já se dirá, sem razão.

4.1. Tendo o A. sido contratado pelo Réu para a prestação da sua actividade de jogador de futebol na equipe de futebol sénior apreciemos da questão da existência, ou não, de um contrato de trabalho tendo em conta o disposto na Lei 28/98, de 26.06, que aprovou o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva [tal Lei foi revogada pela Lei 54/2017, de 14.07, a qual não é contudo aplicável ao caso dada a data dos factos em causa nos autos, ocorridos no domínio da Lei 28/98], bem como no CT/2009, realçando-se ainda que o art. 3º daquela dispõe que às relações emergentes do contrato de trabalho desportivo aplicam-se, subsidiariamente, as regras aplicáveis ao contrato de trabalho.
Nos termos do art. 2º, al. a), da Lei 28/98, entende-se por contrato de trabalho desportivo “aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e direcção desta.”.
E, no essencial e pese embora a alteração a que se procedeu à decisão da matéria de facto, estamos, no essencial, de acordo com o aduzido na sentença recorrida, sendo que, ao contrário do que refere o Recorrente, as especificidades próprias do contrato de trabalho desportivo, designadamente no âmbito da actividade futebolística, não excluem a verificação, e aplicação à actividade em causa, dos elementos próprios caracterizadores da existência do contrato de trabalho existentes para as demais actividades, incluindo a aplicabilidade da presunção de laboralidade.
E, diga-se, nem necessário seria sequer recorrer à presunção de laboralidade para se concluir no sentido da existência de um contrato de trabalho, pois que da matéria de facto provada decorre que: o A. foi contratado pelo Réu para exercer uma actividade – de jogador de futebol -, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de (€350,00), estando sujeito à disciplina e orientação do Ré, como decorre dos nºs 3 [prestação da actividade na sede do Réu ou em local por este indicado, com equipamentos e utensílios deste], 6º [obrigação de cumprir os treinos, jogos, exames e tratamentos médicos], 7º [sujeição ao regime de treinos estabelecido pelo Réu ou pelos serviços clínicos deste], 8º [obrigação de comparência pontual quer para os jogos, quer para todas as actividades do clube referentes à pratica do futebol], 9º [sujeição aos horários dos treinos] dos factos provados, donde, tudo conjugado, decorre a subordinação jurídica ao Réu.
Com pertinência, refere João Leal Amando, in Contrato de Trabalho Desportivo, Lei nº 54/2017, de 14 de Julho-Anotada, 2017, Almedina, pág. 17, considerações que embora tecidas em anotação a nova Lei do Contrato de trabalho Desportivo, são todavia e também aplicáveis no âmbito da Lei 28/98: “a figura do praticante/trabalhador subordinado é, pelo contrário, característica dos desportos de equipa (futebol, basquetebol, andebol, voleibol, basebol, hóquei, râguebi, etc).Com efeito, pode dizer-se que o âmbito natural da subordinação, no trabalho desportivo, coincide com os desportos de equipa. (…). Tudo, portanto, jogos de equipa, nos quais a actividade desportiva do praticante carece de ser articulada com a dos restantes elementos do conjunto, vindo aquele a integrar-se numa estrutura organizada e dirigida por outrem.”,
De todo modo, aplicação da presunção de laboralidade do art. 12º do CT/2009 não é afastada no âmbito do exercício da atividade desportiva, concretamente a de jogador de futebol, sendo que, no caso, verificadas que estão as als. a), b) e c) do art. 12º do CT/209 e, quanto à al. d), verifica-se a existência de acordo quanto ao pagamento de uma retribuição certa mensal de €350,00, não fez o Ré prova de qualquer facto susceptível, muito menos fundadamente, de afastar tal presunção.
No Acórdão desta Relação de 14.12.2017 Relatado pela ora relatora e em que intervieram os mesmos adjuntos., proferido no Proc. 1694/16.0T8VLG.P1, in www.dgsi.pt, referiu-se o seguinte, considerações que são transponíveis para o caso m apreço:
Estamos, no essencial, de acordo com as considerações transcritas, sendo que, no caso e tendo em conta os nºs 4, 5, 6 e 9 dos factos provados, se encontram preenchidos quatro dos cinco pressupostos previstos no art. 12º, nº 1, do CT/2009, quais sejam os constantes das suas als. a), b), c) e d), sendo que, atualmente e conforme uniformemente entendido, não são todos eles de verificação cumulativa, bastando a verificação de, pelo menos, dois, para que a presunção atue.
Dispõe o art. 350º do Cód. Civil que: “1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. 2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, (…)”.
Ora, a referida presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é naturalmente mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
E a Recorrente não fez prova de facto ou factos que, conjugadamente, contrariem a referida presunção legal, sendo que para tanto não basta, manifestamente, o facto de o A. não ter recebido os subsídios de férias e de Natal, facto este que tem que ser apreciado com a parcimónia devida uma vez que, podendo embora em determinadas circunstâncias apontar no sentido da inexistência de vínculo laboral, poderá todavia consubstanciar incumprimento contratual.
E à qualificação do contrato como contrato de trabalho também não obsta a inscrição do A. como praticante desportivo amador, sendo que, no caso, o A. auferia uma retribuição mensal como contrapartida da atividade que prestava para a Ré e não tendo esta feita prova de que a quantia paga mais não constituísse do que ajudas de custo destinadas a suportar despesas tidas pelo A., que aliás nem foram alegadas.
Mas e ainda a este propósito, chama-se à colação o Acórdão desta Relação de 08.01.2007, Proc. 0612342, in www.dgsi.pt, aresto esse citado e transcrito na sentença recorrida e que também aqui se transcreve:
“(…)E, nesta sede, releva a matéria assente, no sentido de que o contrato é de qualificar como de trabalho – o A. integra a equipa de futebol da R., onde participa, o local de trabalho é o campo de jogos do clube empregador, os instrumentos de trabalho – equipamentos, bolas, toalhas, fatos de treino – pertencem à entidade empregadora, o A. tem horário para cumprir, obedece à equipa técnica, recebe retribuição em função do tempo – ao mês – e está sujeito a regulamento interno. Os elementos de sentido contrário, que a R. pretende que existiam, não se provaram, como claramente resulta da matéria de facto assente e da decisão da 1.ª questão: provou-se que o A. auferia mensalmente a retribuição de € 400,00, que havia horário e convocatórias para os jogos, multas para as infracções disciplinares e que a actividade era prestada inserida em equipa.
Daí que não possa ser feita a qualificação do contrato dos autos como contrato de prestação de serviços.
E não se diga que sendo o A. um jogador amador[7] de futebol e a jogar em equipa de clube amador, a qualificação jurídica do contrato dos autos tenha de ser efectuada como contrato de prestação de serviços.
Na verdade, está hoje adquirido que a qualificação jurídica do contrato celebrado entre um praticante desportivo e um clube é independente - de o jogador se encontrar inscrito como amador ou como profissional na Federação Portuguesa de Futebol e, in casu também, na Associação de Futebol do Porto, - de o clube participar em competições – estatuto jurídico-desportivo – amadoras ou profissionais, - bem como da forma jurídica do clube: associação sem fim lucrativo, sociedade anónima desportiva, associação com vocação desportiva ou outra, relevando apenas – tanto para efeitos laborais [Lei n.º 28/98, de 26 de Junho], como para efeitos comunitários [Tratado de Roma][8] – a circunstância de – estatuto jurídico-laboral – entre as partes existir um vínculo jurídico pelo qual o praticante desportivo preste a sua actividade de jogador ao clube, mediante subordinação jurídica e mediante subordinação económica, independentemente do montante da retribuição ser diminuto ou de grande valor. Daí que o qualificativo do jogador, do clube ou das competições em que ambos participam, de amador, em nada afecta a qualificação jurídica do contrato[9] que efectivamente as partes celebraram e executaram, sendo destarte irrelevante o nomen juris nele aposto[10]. Na verdade, é ponto assente entre nós, como na Espanha, França ou Alemanha que o status federativo do praticante desportivo não pode prevalecer sobre o status juslaboral[11].
Por isso, apesar da sensibilidade desportiva[12] que o caso demanda, concluímos que o contrato existente entre as partes é um contrato de trabalho, pelo que não sendo de prestação de serviços, improcedem as restantes conclusões da apelação.”.
Deste modo, improcedendo a impugnação da decisão da matéria de facto e tendo em conta as demais considerações acima expostas, improcedem as conclusões do recurso, sendo que a questão da inexistência do despedimento passava pela procedência da questão relativa à qualificação do contrato como contrato de prestação de serviços.[fim de transcrição].

Quanto à irrelevância da qualificação federativa do jogador como amador ou não profissional refere João Leal Amado, in ob. citada, pág. 22 e 23, o seguinte: “XII. O praticante desportivo federativamente classificado como amador ou não profissional, pode ser considerado um trabalhador por conta de outrem? Sim. (…) é óbvio que o rótulo federativo pode não corresponder ao conteúdo laboral, quer dizer, também aqui o estatuto jurídico-laboral de profissional, conquanto, na prática, aquele estatuto possa representar uma autêntica cortina de fumo sobre a relação em causa, obscurecendo a visão do intérprete-aplicador do direito («falso amadorismo», “profissionalismo encapotado», etc e dificultando o processo de laboralização de tais relações. (…) XIV. Em todo o caso, uma coisa é certa: do ponto de vista jurídico, a etiqueta de «amador» não basta para evitar a aplicabilidade da legislação do trabalho a um praticante desportivo que seja, na verdade, um profissional, rectius, um trabalhador, sob pena do direito laboral desportivo ficar como que refém da regulamentação federativa, situação esta a todos os títulos inaceitável.”.
Diz ainda o Recorrente que o praticante desportivo profissional é aquele que exerce a actividade desportiva como profissão exclusiva ou principal, o que não é o caso do A., que tinha outra actividade profissional, esta a principal, e que a actividade desportiva desempenhada ao serviço do Réu o era após aquela.
Nos termos do art. 34º, nº 1 da LBAFD e do art. 2º, al. b), da Lei 28/98, praticante desportivo profissional é aquele que, através de contrato de trabalho desportivo, pratica uma modalidade desportiva como profissão exclusiva ou principal, auferindo por via dela uma retribuição.
A este propósito, refere o autor e ob. citada, a pág. 19, que:
VII. A noção de praticante desportivo profissional, contida no art. 34º/1 da LBAFD, suscita-nos, em todo o caso, algumas reservas quanto aos seus méritos e, sobre tudo, bastantes dúvidas quanto à sua serventia. Na verdade, o que interessa, para efeito das leis do trabalho, é averiguar se o praticante exerce a sua actividade desportiva ao abrigo de um contrato de trabalho, isto é, mediante retribuição e em regime de subordinação. Se não há subordinação jurídica, ele não é um trabalhador por conta de outrem; s enão há retribuição, ele não é um profissional. Se ambas existem, pouco interessa saber se essa é a sua profissão exclusiva, principal ou secundária – em qualquer caso, ser-lhe –á aplicável a presente lei. VIII. Nesta matéria, tudo depende, afinal, da perspectiva que adotarmos: caso perfilhemos uma conceção lata de praticante profissional, concluiremos que a celebração de um contrato de trabalho desportivo confere a qualidade de profissional ao praticante em causa; se, ao invés, nos ativermos a uma conceção mais restrita do que seja um praticante profissional, então poderemos negar aquela asserção, mas logo deveremos acrescentar que a qualidade de trabalhador e a correspondente aplicabilidade do direito laboral não requerem o exercício da actividade desportiva a título profissional.”.
Seja como for, no caso, a circunstância do A. exercer outra actividade profissional não exclui a aplicabilidade do CT/2009 e a existência de um contrato de trabalho.
Refere também o Recorrente que, por se tratar de um contrato de trabalho desportivo, estava o mesmo sujeito à forma escrita [art. 5º, nº 2, da Lei 28/98], pelo que, no caso, não tendo sido celebrado por escrito é o mesmo nulo.
Ainda que se entendesse que o contrato de trabalho entre o A. e o Réu deveria, por via da aplicabilidade da citada Lei, ser celebrado por escrito, a omissão dessa formalidade apenas conduziria à nulidade do contrato, mas não à sua inexistência. E a nulidade não teria, no caso, qualquer repercussão, pois que, nos termos do art. 122º, nº 1, do CT/2009 “1. O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado”. Ora, no caso, estão apenas em causa créditos laborais relativos ao período de execução do contrato de trabalho que sempre serão devidos mesmo que nulo fosse o contrato de trabalho.
Mais uma vez citando João Leal Amado, in ob. mencionada, a pág. 46/46: “III. Em caso de inobservância da forma legal, quid juris? No nº 1-c) do seu art. 147º, do CT considera contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito, bem como a identificação ou a assinatura das partes. Contrato de trabalho desportivo de duração indeterminada é, porém, como veremos infra, algo de liminarmente excluído pela presente lei, Assim, a preterição da forma legal implicará a invalidade do contrato de trabalho desportivo, na senda do disposto no art. 220º do C.Civil. De todo o modo, verificando-se a existência de uma relação laboral desportiva sem que o respetivo contrato de trabalho tenha sido reduzido a escrito – hipótese pouco verosímil na área do «profissionalismo oficializado» -, mas pensa-se, nada rara na área do «profissionalismo encapotado» -, importa não esquecer que a declaração de invalidade deste contrato não produzirá efeitos retroactivos, operando apenas ex nunc, em virtude do disposto no art. 122º/1 do CT.”.
Tendo em conta tudo quanto ficou referido, improcedem, pois, as conclusões do recurso, sendo que outras questões nele não foram suscitadas.
***
V. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em, considerando embora procedente a existência da invocada nulidade de sentença, negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Réu/Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 10.07.2019
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas