Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2388/17.5T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PROVA
LIMITES DO CASO JULGADO
ACÇÃO COMUM
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP201906032388/17.5T8VLG.P1
Data do Acordão: 06/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º294, FLS.257-270)
Área Temática: .
Sumário: I - A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior, cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
II - Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.
III - Assim, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior - em acção de insolvência - definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em acção posterior – acção comum - no quadro da relação material controvertida aqui invocada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2388/17.5T8VLG.P1
Origem: Comarca Porto - Valongo - Juízo Trabalho - J1
Relator - Domingos Morais - registo 814
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
IRelatório
1. - B… intentou acção com processo comum, na Comarca Porto-Valongo-Juízo Trabalho-J1, contra C…, Lda, ambos nos autos identificados, alegando, em resumo, que:
O autor foi admitido ao serviço da ré em 05 de junho de 2002, mediante a retribuição mensal de €2.177,00.
Em 18 de outubro de 2017, o autor comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho com justa causa, invocando o não pagamento dos salários dos meses de junho, julho, agosto, setembro e do subsídio de férias de 2017.
Terminou, concluindo:
Deve a presenta acção ser julgada provada e procedente e a ré condenada a pagar ao autor a quantia global de 49.801,92 euros, nos exactos termos peticionados, relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação por resolução fundada em justa causa, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.”.
2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, por excepção de compensação de créditos, alegando que “Foi o A. quem, por sua livre vontade, desde o início de Maio de 2017, não mais compareceu no local de trabalho, abandonando assim as suas funções a título definitivo”, e impugnando os factos essenciais da causa de pedir, concluindo: “deve ser declarada a rescisão do contrato de trabalho do A. por iniciativa deste, com efeitos a partir de Junho de 2017 e, a presente acção ser julgada improcedente por não provada, decidindo-se por sua vez pela procedência da excepção de compensação de créditos, com a consequente absolvição total do pedido, tudo com as legais consequências.”.
3. - O autor respondeu pela improcedência da excepção deduzida pela ré.
4. - No despacho saneador foi fixado o valor da acção em €49.801,92.
5. - A ré apresentou articulado superveniente, alegando, em resumo:
“POR EXECEPÇÃO
I – DA INEXISTÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR
O Autor do processo supra mencionado, intentou acção de insolvência contra a requerente, alegando, em síntese, que foi funcionário da requerida e que, nessa sequência, detém um crédito sobre esta no montante de 49.801,92€ que não lhe foi pago.
Por sua vez, a requerente deduziu oposição, alegando que o crédito do requerido não é devido e que não se encontra em situação de insolvência, uma vez que inexiste qualquer dívida da requerente para com terceiros que se encontre em mora ou incumprimento e pediu a condenação do ora requerido em litigância de má-fé.
Da acção de insolvência supra mencionada, com o número de processo 4158/17.1T8STS – que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Santo Tirso – Juiz 2 ficou provado os seguintes factos: Vide doc. 1.
1. “O requerido foi trabalhador da ora requerente;
2. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 18 de Outubro de 2017, o ora requerido promoveu a resolução do contrato de trabalho celebrado entre ambos, com fundamento na falta reiterada do pagamento da retribuição;
3. O ora requerido intentou, no Juízo de Trabalho de Valongo, a supra mencionada acção judicial, no âmbito da qual peticiona a condenação da ora requerente no pagamento de créditos laborais emergentes da resolução do contrato de trabalho acima referido:
4. A ora requerente cessou a sua actividade para efeitos fiscais em Dezembro de 2017.”
Com relevância para a decisão da causa da acção de insolvência, não se provou que:
1. “A ora requerente deve ao ora requerido a quantia global de 49.801,92€, que se discrimina da seguinte forma:
32.655,00€, a título de indemnização calculada com base na retribuição e antiguidade;
9.796,50€, a título de retribuições referentes aos meses de Junho a Outubro de 2017;
1.726,50€, correspondente aos proporcionais do subsídio de Natal do ano 2017;
3.446,92€, correspondente aos proporcionais das férias e subsídio de férias do ano de 2017.”
Pelo douto Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no Juízo de Comércio de Santo Tirso, foi decidido o seguinte:
“A. Julgar improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolver a ora requerente do pedido de insolvência formulado pelo ora requerido;
B. Julgar improcedente o pedido de condenação do ora requerido como litigante de má fé.”.
No caso em apreço, é evidente que inexiste causa de pedir.
Por esse motivo,
Nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 186º do Código de Processo Civil verifica-se a ineptidão da petição inicial por manifesta falta da causa de pedir.
Pelo exposto;
Deve-se considerar inepta a petição inicial, e ser nulo todo o processo, absolvendo-se assim a instância nos termos do disposto nos artigos 576º e 577º do Código de Processo Civil.
II - CASO JULGADO –
Torna-se, também, necessário salientar a questão do Caso Julgado.
Isto porque;
Estamos perante caso julgado, quando se propões uma acção, estando pendente, no mesmo ou tribunal diferente, outra acção entre os mesmos sujeitos, com o mesmo pedido ou causa de pedir, tendo numa já havido decisão já transitada em julgado.
Assim,
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Na presente acção, é Autor B… e Ré C…, Lda.
No processo 4158/17.1T8STS é Requerente B… e Devedora C…, Lda.
Posto isto;
O ora requerido procura nas duas acções obter a mesma providência jurisdicional, ou o mesmo direito, ou, ainda, idêntico benefício judicial.
Sem perder num lado, poderá ganhar em outro.
Assim;
O ora requerido, em ambas as acções, ainda que disfarçando, tem a mesma pretensão.
Sem dúvida, o ora requerido aproveitou-se do carácter urgente do regime jurídico das insolvências.
Dada a visível identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir,
Não restando dúvidas da existência de caso julgado.
O seu comportamento deverá determinar-lhe a condenação como litigante de má-fé, com as devias consequências legais.
Pelo acima exposto, o ora requerente vem, mui respeitosamente requer a V.Exa., a junção aos autos da certidão do processo 4158/17.1T8STS, com as devidas consequências legais para o ora requerido.”.
6. - O autor respondeu pela inadmissibilidade do articulado superveniente, por extemporâneo, infundado e ilegal.
7. - O Mmo Juiz proferiu o seguinte despacho:
Dado que poderá estar em causa nos autos a exceção da autoridade do caso julgado, que não se confunde com a alegada exceção do caso julgado, ambas do conhecimento oficioso do tribunal, notifique as partes para querendo, em 10 dias, se pronunciarem relativamente a tal exceção.”.
8. - O autor respondeu pela “inexistência de fundamentos para que se possa considerar verificada a exceção da autoridade do caso julgado”.
9. - A ré respondeu, dizendo “Dúvidas não restam da existência de autoridade de caso julgado, absolvendo-se a requerida da instância no presente processo”.
10. – O Mmo Juiz proferiu o seguinte despacho:
Da excepção inominada da autoridade do caso julgado.
A questão que se coloca é a da relevância jurídica da sentença transitada em julgado na acção de insolvência que correu termos no Juízo do Comércio de Santo Tirso, Juiz 2, com o número 4158/17.1T8STS, proferida no processo de insolvência que o aqui Autor instaurou contra a aqui Ré, nomeadamente na vertente da existência da excepção da autoridade do caso julgado, a qual é do conhecimento oficioso do Tribunal.
Nessa ação o Autor alegava a existência do mesmo crédito de €40.801,92, fundada na resolução do contrato de trabalho e créditos salariais.
Foi aí realizada audiência de julgamento e proferida sentença a qual julgou improcedente por não provada a referida ação.
Na presente ação o Autor reclama precisamente os mesmos créditos, fundados nos mesmos factos alegados na referida ação: falta de pagamento dos vencimentos dos meses de Junho a Outubro de 2017, indemnização por antiguidade fundada na resolução do contrato de trabalho e subsídio de férias vencidas em 1 de janeiro de 2017 e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal.
Como bem se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.12.2007 1, «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão.»
Temos assim que a “força e autoridade do caso julgado”, pressupõe uma decisão (transitada) de determinadas questões que já não podem voltar a ser discutidas e, diversamente da excepção do caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação de tal tríplice identidade.
Ensina Miguel Teixeira de Sousa “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, in BMJ, 325-49 e seguintes, que «[…]A excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal). [...] Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente.
A fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes factores: i) com a “excepção do caso julgado” visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da “autoridade do caso julgado” tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida; ii) com a “excepção do caso julgado” visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na “autoridade do caso julgado”, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada”.
Por sua vez, como bem se refere no Ac. S.T.J. de 17/6/2014 “a limitação dos poderes cognitivos do Tribunal, impedido de conhecer do mérito relativamente a questões decididas por sentença transitada em julgado, respeita o juízo de proporcionalidade na ponderação de bens ou valores em conflito e não é incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça.
Com efeito, a força obrigatória reconhecida ao caso julgado material repousa na necessidade de assegurar estabilidade às relações jurídicas, não permitindo que litígios, entre as mesmas partes e com o mesmo objecto, se repitam indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica, que ao Estado, como defensor do interesse público, compete assegurar. Sendo, precisamente, pela imposição, aos litigantes, desse comando jurídico indiscutível – a decisão transitada sobre o mérito da causa – que o Estado prossegue essa finalidade, assegurando o prestígio dos tribunais e garantindo a certeza e segurança jurídicas nas relações interpessoais.».
Como se realça no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 21/11/2016 “a força e autoridade do caso julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal e que possui também um valor enunciativo, que exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada e afasta todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada”.
Verifica-se que todos os fundamentos da presente acção foram já apreciados e decididos na anterior, em cujo âmbito o Tribunal do Comércio julgou como não verificado o peticionado pelo Autor.
Não pode pois este Tribunal voltar a apreciar a mesma questão sob pena de ofensa da autoridade do caso julgado e a segurança jurídica que o trânsito da sentença absolutória proferida no âmbito do referido processo de insolvência confere à Ré.
Decisão
Pelo exposto, julgo verificada a excepção da autoridade do caso julgado e consequentemente absolvo a Ré da instância.”
Custas pelo Autor”.
11. - O autor, inconformado, apresentou recurso de apelação,
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12. – A ré contra-alegou,
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13. - O M. Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se pela improcedência do recurso de apelação.
14. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. – A factualidade relevante para a apreciação do recurso é a que consta do Relatório que antecede e do teor da certidão de sentença proferida na acção de insolvência n.º 4158/2017.1T8STS, junta a fls. 40-46 dos autos.
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3.Objecto do recurso: da (não)verificação da excepção da autoridade do caso julgado.
3.1. - O autor/recorrente refuta a verificação da excepção da autoridade do caso julgado, defendida na sentença recorrida – cf. alíneas a) a d) das conclusões de recurso.
3.2. - Quid iuris?
3.2.1. - O artigo 621.º do actual CPC corresponde ao anterior artigo 673.º, sobre o qual a doutrina entendia que os limites do caso julgado eram traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto, e a fonte ou título constitutivo. Por outro lado, era preciso atender aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tinha autoridade - fazia lei - para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo. Não podia, portanto, impedir que em novo processo se discutisse e dirimisse aquilo que ela mesma não definira.
(cf., por exemplo, M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 285); Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil (s/d., 1968); e M. Teixeira de Sousa, Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Rev. Dir. Est. Sociais, XXIV, 1977, págs. 309 a 316).
O caso julgado – regulado, actualmente, nos artigos 619.º a 625.º do CPC - visa, essencialmente, “obstar à contradição prática” entre duas decisões – “decisões contraditórias concretamente incompatíveis” –, ou seja, que o tribunal decida de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta, já definida por decisão anterior, isto é, desconheça de todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados.
Trata-se de um corolário, do conhecido princípio dos praxistas, enunciado na fórmula latina tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, taxativamente, consagrado no artigo 621.º do CPC, nos termos do qual a sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que julga: e os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença, a saber, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.
Quanto ao seu fundamento, ele reside em imperativos de certeza e segurança jurídica e na necessidade de salvaguardar o prestígio dos tribunais, os quais se desenvolvem numa dupla vertente: uma vertente negativa (excepção do caso julgado) e uma vertente positiva (autoridade do caso julgado).
A função negativa do caso julgado é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artigo 580.º n.ºs 1 e 2 do CPC), implicando a tríplice identidade a que se reporta o artigo 581.º, n.º 1 do CPC, a saber, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.
Por via dela, o caso julgado material pode mesmo produzir efeitos num processo distinto daquele em que foi proferida a sentença transitada, aí valendo como excepção de caso julgado.
a autoridade do caso julgado, por via da qual é exercida a sua função positiva, pode funcionar, independentemente, da verificação da aludida tríplice identidade, pressupondo, todavia, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 2014.06.18, «A autoridade de caso julgado é um conceito que tem sido usado para extrair efeitos de uma sentença em determinadas situações em que não se verifica a conjugação dos três elementos de identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.
Ainda assim, Manuel de Andrade excluía da eficácia externa do caso julgado os terceiros interessados, isto é, os terceiros relativamente aos quais a sentença determina um “prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito”, exclusão ainda mais absoluta tratando-se de “terceiros que são sujeitos de uma relação ou posição jurídica independente e incompatível” (Noções Elementares de Processo Civil, págs. 311 e 312).
Noutros casos, a afirmação da “autoridade de caso julgado” é usada para atribuir relevo não apenas ao segmento decisório mas também aos fundamentos da decisão ou aos pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação do resultado declarado.
Tal pode ocorrer, segundo Teixeira de Sousa, quando os “fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado”, o que sucede quando “haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e outro objecto”, mencionando uma diversidade de arestos que têm relevado para o efeito as questões que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. Ainda assim, acrescenta o mesmo autor, “a extensão de caso julgado a relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas apenas se pode verificar quando no processo em que a decisão foi proferida forem concedidas, pelo menos, as mesmas garantias às partes que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., págs. 580 e 581). Acresce que todos os exemplos apresentados acerca dos efeitos da sentença relativamente a terceiros (efeitos directos ou efeitos reflexos) não encontram qualquer paralelo com a concreta situação dos autos.
O cuidado com que é tratada a eficácia externa do caso julgado também é bem visível em Antunes Varela que, depois de abordar a problemática dos efeitos da sentença relativamente a terceiros juridicamente indiferentes, acrescentou, relativamente aos terceiros titulares de uma relação jurídica incompatível com a litigada, que “nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada” (Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 727). Nas demais situações cobertas pelas regras gerais, a invocação da “autoridade de caso julgado” formado num processo não pode conduzir a que se produzam na esfera de terceiros efeitos com que este não poderia contar, pelo facto de emergirem de um processo em que não teve qualquer intervenção».
(cf. processo 209/09.1PTPTL.G1.S1, Abrantes Geraldes (relator), disponível in www.igjef.pt.).
Mais recentemente, no acórdão de 2018.11.08, Tomé Gomes (relator), disponível in www.dgsi.pt, após citação de doutrina vária, o STJ concluiu:
Em suma, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.” (No sentido exposto, vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 20/06/2012, relatado pelo Juiz Cons. Sampaio Gomes, no processo 241/07.0TLSB.L1.S1, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.).
Nesta linha, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada”. (negrito nosso).
Um dos autores citados, no referido acórdão do STJ, foi Teixeira de Sousa, nos seguintes termos: “no respeitante aos limites objetivos do caso julgado, Teixeira de Sousa escreve o seguinte: «O caso julgado abrange a parte decisória …, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (…).
Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão. (…)
O caso julgado da decisão também possui valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada.
E quanto à extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, o mesmo Autor esclarece que:
«Em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Esta solução justifica o disposto no artº 96.º, n.º 2 [correspondente ao atual art.º 91.º, n.º 2, do CPC], sobre a apreciação incidental: pode inferir-se desse preceito que, se só a apreciação incidental possibilita que os fundamentos da decisão adquiram valor de caso julgado fora do processo respectivo, é porque tais fundamentos não possuem em si mesmos esse valor (…)
Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressupostos, valor de caso julgado (…). Esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta. (…)
A regra acabada de enunciar comporta algumas excepções, isto é, também se verificam situações em que os fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto, desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado. Esses fundamentos possuem um valor próprio de caso julgado sempre que haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto (ou entre o efeito produzido e um outro efeito). Essas conexões podem ser várias: sem excluir outras possíveis, analisam-se em seguida as relações de prejudicialidade entre objectos e as relações sinalagmáticas entre prestações (…)
Importa acrescentar, no entanto, que essas relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas só podem conduzir à extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão quando o processo no qual ela foi proferida fornecer às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos.
(…)
A atribuição do valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade verifica-se quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto de uma acção posterior».
(cf. M. Teixeira de Sousa, In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579).
3.2.2. - No caso sub judice, não só os sujeitos e as causas de pedir são os mesmos, como, na prática, são idênticos os objectos das duas acções.
Senão vejamos:
- Na acção com processo comum n.º 2388/2017.5T8VLG.P1 a causa de pedir é a resolução do contrato de trabalho com justa causa, fundada na falta do pagamento atempado dos salários dos meses de junho a 18 de outrubro de 2017 e respectivo subsídio de férias e o pedido foi formulado nos seguintes termos: “Deve a presenta acção ser julgada provada e procedente e a ré condenada a pagar ao autor a quantia global de 49.801,92 euros, nos exactos termos peticionados, relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação por resolução fundada em justa causa, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.”.
- Na acção de insolvência n.º 4158/2017.1T8STS a causa de pedir eram “os créditos emergentes da resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa, peticionados no processo n.º 2388/2017.5T8VLG.P1”, com o seguinte pedido: “Deve o presente requerimento ser recebido, autuado e, em consequência ser declarada a insolvência da requerida, seguindo-se os demais termos legais, tudo com as legais consequências”.
Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do DL n.º 53/2004, de 18 de Março - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - CIRE -, “1 - O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.”.
E o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma, prevê que podem ser objecto de processo de insolvência, quaisquer pessoas singulares ou colectivas, estatuindo o artigo 3.º, n.º 1, que “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”.
Por sua vez, o artigo 18.º - Dever de apresentação à insolvência – n.º 1, dispõe: “O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.
Sob a epígrafe “Outros legitimados”, o artigo 20.º estabelece:
1 - A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.”. (negrito nosso).
Dos elementos existentes nos autos, verifica-se que o pedido de insolvência se baseou, unicamente, na alegada dívida, por parte da ré, ao autor.
Resulta, pois, à evidência, que o autor tentou dois diferentes regimes processuais para atingir o mesmo objectivo: o reconhecimento judicial do direito a receber da ré a “quantia global de 49.801,92 euros, relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação por resolução fundada em justa causa.”.
3.2.2.1. - Na referida acção de insolvência foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Com relevância para a boa decisão da causa – excluindo-se os factos inócuos, de direito e conclusivos e considerando, ainda, os temas da prova – resultam provados os seguintes factos:
1. “O requerido foi trabalhador da ora requerente;
2. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 18 de Outubro de 2017, o ora requerido promoveu a resolução do contrato de trabalho celebrado entre ambos, com fundamento na falta reiterada do pagamento da retribuição;
3. O ora requerido intentou, no Juízo de Trabalho de Valongo, a supra mencionada acção judicial, no âmbito da qual peticiona a condenação da ora requerente no pagamento de créditos laborais emergentes da resolução do contrato de trabalho acima referido:
4. A ora requerente cessou a sua actividade para efeitos fiscais em Dezembro de 2017.”
Com relevância para a decisão da causa da acção de insolvência, não se provou que:
1. “A ora requerente deve ao ora requerido a quantia global de 49.801,92€, que se discrimina da seguinte forma:
32.655,00€, a título de indemnização calculada com base na retribuição e antiguidade;
9.796,50€, a título de retribuições referentes aos meses de Junho a Outubro de 2017;
1.726,50€, correspondente aos proporcionais do subsídio de Natal do ano 2017;
3.446,92€, correspondente aos proporcionais das férias e subsídio de férias do ano de 2017.”.
[Certamente, por lapso, não foi referida a seguinte parcela:
- 2.177,00€, a título de subsídio de férias, referente às férias vencidas em 01 de janeiro de 2017, o que dá a soma total de 49.801,92€.]
E da “Motivação da resposta à matéria de facto” consta:
A título prévio, importa referir que o facto descrito em 1) resultou provado por acordo/confissão das partes.
No mais, o Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e constante dos autos, mormente da livre apreciação da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como da prova documental junto aos autos, tudo analisado de uma forma crítica e de acordo com as regras da experiência comum e de repartição do ónus de prova.
No que concerne à prova documental, foi tomada em consideração, desde logo, a cópia da carta remetida pelo requerente à requerida e o respectivo registo (cfr. tis. 517), relevantes para prova do facto 2).
Foi também considerada a petição inicial de fls. 100/113, respeitante à acção judicial de índole laboral intentada pelo aqui requerente contra a requerida, para prova do facto descrito em 3).
Por fim, atendeu ainda o Tribunal ao comprovativo de entrega da declaração de cessação de actividade da requerida, constante de fls. 60 verso, o qual permitiu comprovar o facto 4).
No que tange à prova testemunhal produzida, importa referir que as testemunhas D…, E… e F… - amigos e antigos colegas de trabalho do requerente junto da sociedade requerida - nenhum conhecimento directo demonstraram possuir sobre os factos concretamente em discussão nos presentes autos, limitando-se a referir, de forma vaga e imprecisa, que o requerente deixou de trabalhar na sociedade requerida por ter salários em atraso, nada mais sendo capazes de concretizar.
O mesmo se diga no que respeita à testemunha G…, também ele trabalhador da sociedade requerida, que nenhum facto com relevo para a questão que ora se aprecia transmitiu a este Tribunal.
Por sua vez, a testemunha K…, que exerceu funções de escriturária da requerida, corroborou o facto atinente à data da cessação da actividade por parte desta, sendo que, no mais, revelou desconhecer a existência de quaisquer quantias em dívida para com o requerente.
Quanto à factualidade consignada por não provada, ínsita no facto 5), o Tribunal entendeu que não foi carreada para os autos prova suficiente e idónea para sustentar a sua convicção no sentido da sua verificação.
Com efeito, a par das considerações acima expandidas a respeito da prova testemunhal, inexiste nos autos qualquer prova documental do alegado pelo requerente.
Importa, a este propósito, salientar que os extractos bancários do requerente constantes de fls. 108/113 não se afiguram, de todo, suficientes para considerar tal factualidade apurada, uma vez que dos mesmos apenas se retira que a requerida não efectuou qualquer transferência para o requerente desde o dia 31/05/2017 até ao dia 30/06/2017, nada mais se extraindo que nos permita concluir que o requerente é titular de tais créditos laborais.”.
3.2.2.2. - Na petição inicial da acção comum n.º 2388/2017.5T8VLG.P1, a quantia global de 49.801,92€ é composta pelas seguintes parcelas:
- 32.655,00€, a título de indemnização calculada com base na retribuição e antiguidade;
- 9.796,50€, a título de retribuições referentes aos meses de Junho a Outubro de 2017;
- 2.177,00€, a título de subsídio de férias, referente às férias vencidas em 01 de janeiro de 2017;
- 1.726,50€, correspondente aos proporcionais do subsídio de Natal do ano 2017;
- 3.446,92€, correspondente aos proporcionais das férias e subsídio de férias do ano de 2017.
Grosso modo, a quantia de 49.801,92€ engloba retribuições (salários, subsídios e proporcionais) e a indemnização prevista no artigo 396.º do CT, a qual só é, judicialmente, reconhecida se verificado qualquer “facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º” do mesmo diploma.
Um dos factos do n.º 2 do artigo 394.º do CT é a “Falta culposa de pagamento pontual da retribuição”.
O fundamento para a justa causa de resolução, alegado pelo autor, é, precisamente, a falta de pagamento dos salários dos meses de junho a 18 de outubro de 2017.
No entanto, na versão da ré, tal pagamento não é devido, porque “Foi o A. quem, por sua livre vontade, desde o início de Maio de 2017, não mais compareceu no local de trabalho, abandonando assim as suas funções a título definitivo”, “…, motivo pelo qual lhe foi liquidado o mês de Maio de 2017” – cf. os artigos 10.º e 19.º da contestação.
Como resulta da noção de contrato de trabalho, prevista no artigo 11.º do CT, o trabalhador só tem direito a ser remunerado se tiver prestado trabalho para o empregador, isto é, a retribuição é a contrapartida pelo trabalho prestado.
Nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do C. Civil, cabe ao trabalhador provar que compareceu no local de trabalho, prestando as funções a que estava obrigado.
Assim, só o autor provando que tinha prestado as suas funções, no período em causa, poderia beneficiar do regime probatório previsto no n.º 2 do artigo 342,º do C. Civil e da presunção de culpa do empregador, que decorre do artigo 799.º do Cód. Civil, no âmbito do processo de resolução com justa causa.
Atento o teor do despacho de “Motivação da resposta à matéria de facto” proferido na acção de insolvência, supra transcrito, o autor não cumpriu tal ónus probatório e, mais, conformou-se com tal decisão, pois, não consta dos autos que tenha apresentado qualquer reclamação ou recurso de apelação da mesma.
Ora, sendo a efectiva prestação de funções, no período de junho a 18 de outubro de 2017, o cerne da questão subjacente ao objecto das duas acções – o pagamento da quantia global de 49.801,92 euros -, e não tendo o autor feito a prova de tal prestação, na acção de insolvência, funciona o efeito do caso julgado na presente acção, sob pena de eventuais decisões contraditórias.
A falta de prova dos factos alegados pelo autor foi o fundamento da decisão proferida na acção de insolvência: “(...). A este respeito, é entendimento deste Tribunal que a questão de saber se o requerente é ou não credor do devedor requerido prende-se com o mérito ou com o fundo da causa e não com a questão da legitimidade para deduzir o pedido de insolvência, em harmonia, assim, com a segunda posição acima apresentada.
Deste modo, não se apurando a existência do crédito invocado, a consequência, é, em nosso entender, não a absolvição da instância do demandado, por ilegitimidade do requerente, mas a absolvição daquele do pedido.
Ora, no caso em apreço não se colocaram quaisquer entraves ao desencadeamento do presente processo pelo requerente com base num crédito litigioso, atentas as considerações supra expandidas.
Todavia, não pode deixar de se notar que, finda a instrução da causa, o requerente não logrou fazer prova de tal crédito.
Não resultou, de facto, provado que a requerida devesse ao requerente a quantia global de 49.801,92€ (cfr. facto 5)), conforme este invoca no seu requerimento inicial.
Nesta medida, falecendo este pressuposto indispensável à declaração da insolvência da requerida, cumpre concluir pela improcedência da presente acção.”.
Citando, de novo, Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579: “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
Concluímos, pois, pela verificação da excepção da autoridade do caso julgado, com a consequente improcedência do recurso de apelação.
IV – Decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social, julgar improcedente o recurso do autor e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do autor.

Porto, 2019.06.03
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha