Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
170/10.0PBLMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP20120201170/10.0PBLMG.P1
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não constando, da acusação, a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, dos n°s 4 e 5 do art° 152° do Cód. Penal, não podem ser aplicadas as penas acessórias ali previstas sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n°s 1 e 3 do artigo 358° do CPP, a alteração da qua­lificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista no alínea b) do n.° 1 do artigo 379º deste último diploma legal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 170/10.0PBLMG.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego com o nº 170/10.0PBLMG, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferida sentença que condenou o arguido:
- pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. no artº 152º nºs. 1 al. a) e 2 do Cód. Penal, na pena de 36 meses de prisão;
- pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. no artº 152º nºs. 1 al. d) e 2 do Cód. Penal, na pena de 30 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e ainda na pena acessória de obrigação de afastamento da residência e de proibição de contacto com os ofendidos durante 24 meses, nos termos do artº 154º nºs 4 e 5 do Cód. Penal.
Inconformado com a sentença condenatória, dela veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nestes autos por se entender que se impõe a modificação da decisão do Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto e de direito a qual se impugna;
2. Ora, versando também o presente recurso sobre matéria de direito, nos termos do artº 410º nº 1 e 2, e artº 412º nº 2, foram violadas as normas jurídicas constantes do artº 152º nº 1 al. d) nº 2 e nº 4 e 5 e do artº 71º do C.Penal;
3. Concretamente, o Recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos nºs. 3, 4, 5, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados;
4. No que diz respeito aos factos supra identificados a decisão padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada referido no artº 410º nº 2 al. a) do C.P.Penal e não tendo sido valoradas e apreciadas as provas em conformidade com a sua produção, em sede de audiência de julgamento, foram violadas as disposições do artº 410º nº 1 e 2 al. a) e artº 412º nº 3 al. a, b) e c) do CPP;
5. Face à prova produzida em audiência, os factos constantes do nº 3, 4, 5, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, não retratam a realidade apurada, devendo alguns deles ser considerados como não provados e outros provados apenas em parte, pelo que reapreciada a prova produzida em audiência de discussão de julgamento, que se encontra gravada em CD do programa “Habilus Media Studio” deve esse Venerando Tribunal proceder à alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo como requerido pelo Recorrente, ou seja,
6. Dar como provado dos factos constantes no nº 3 dos factos provados da douta sentença a quo, tendo em conta as declarações da ofendida C…, apenas o seguinte: “Que numa ocasião, na residência de ambos, também em data e por motivos não concretamente apurados, a ofendida C… quando saiu do banho e estava de robe, o arguido agarrou-a contra o muro e depois empurrou-a;
7. Dar como não provado os factos constantes do nº 4 dos factos provados da douta sentença recorrida, em virtude da total ausência de prova quanto aos mesmos, conforme resulta das declarações das testemunhas C…, D…, E… e F…;
8. Dar como provado dos factos constantes da nº 5 dos factos provados que: “Amiúde o arguido diz também para C… que a vai deixar sem nada” tendo em conta as declarações da ofendida C… e o depoimento da Testemunha D…;
9. Dar como não provado os factos provados no nº 7 dos factos provados da sentença recorrida, em virtude dos depoimentos das testemunhas C…, D…, E… e F… em que não foi evidenciada ou relatada qualquer agressão perpetrada pelo arguido contra os ofendidos C…, G… e D…, das quais tenha resultado para aqueles quaisquer hematomas e dores;
10. Dar como provados dos factos constantes do nº 8 dos factos provados da sentença recorrida apenas que: “Em data não concretamente apurada, na residência de ambos, o arguido agarrou a ofendida C…, e deu-lhe uma cabeçada no peito esquerdo, tendo ficado estendida no chão e levantada pelo seu filho G…, o que resultou das declarações conjugadas prestadas pela ofendida C… e pela testemunha D…”;
11. Pois dos factos elencados no nº 8 dos factos provados, não resultou provado que o arguido tenha desferido murros, pontapés e cabeçadas (no plural) em C… e que por via disso sofreu hematomas e dores por todo o corpo, tal como foi considerado nos factos constantes do nº 8 dos factos provados;
12. Dar como não provado os factos constantes do nº 10 dos factos provados da sentença recorrida, devido à total ausência de prova quanto a tais factos, sendo que com relevo acerca desta matéria prestaram depoimento a ofendida C… e a testemunha D…, sendo que do depoimento prestado por ambos, em momento algum foram relatados tais factos, dai ter de se dar como não provado tal facto. Para lém de que o ofendido G… não pretendeu prestar declarações, tendo exercido o seu direito ao silêncio na qualidade de filho do arguido;
13. Dos factos constantes do nº 11 dos factos provados o tribunal a quo apenas deveria dar como provados parte de tais factos, sendo que apenas poderia dar como provados que: “Em data não concretamente apurada, pelas 22h30, a ofendida acordou com os gritos entre o pai e filho, ouvindo o pai dizer ao filho: “ó corno do caralho, até te arranco os pelos da piça”, o que resultou das declarações prestadas pela ofendida C…, que explicou de forma coerente tais factos. Não havendo qualquer outro meio de prova em virtude da testemunha G… não ter prestado declarações tendo exercido o seu direito ao silêncio;
14. Relativamente aos factos dados como provados constantes do nº 12 dos factos provados da sentença recorrida, o tribunal a quo apenas poderia dar como provado que: “No dia seguinte, aos factos ocorridos em 11, mas em data não concretamente apurada, pela manhã, o arguido dirigiu-se à sua esposa as seguintes expressões: “ó puta chama quem tu quiseres que eu não tenho medo, nem de ti nem de quem tu quiseres”;
15. Para a alteração dos factos dado como provados constantes do nº 12 deve ter-se em conta o depoimento da ofendida C… e não outro devido à ausência de qualquer outra prova quanto a tais factos;
16. Deverá dar-se como não provados os factos elencados no nº 13 dos factos provados, devido à total ausência de prova quanto a tais factos, pois em momento algum, a ofendida C… descreve que a 12 de Agosto de 2010, o arguido lhe tenha dirigido as expressões dadas como provadas no ponto 13 dos factos provados, o mesmo se dizendo relativamente a todas as restantes testemunhas inquiridas;
17. Dos factos constantes no nº 14 dos factos provados, apenas dever constar como provado que: “O arguido recebe uma pensão de invalidez na Suíça, de aproximadamente € 2.000,00, tendo sempre contribuído para o sustento da casa, mas não obstante tal facto, a ofendida pretendendo não estar dependente do arguido requereu o rendimento social de inserção”;
18. Tal alteração resulta das declarações conjugadas das testemunhas C… e D…;
19. No que diz respeito aos factos constantes do nº 15 dos factos provados, deve ser considerado como não provados, face à ausência total de prova quanto a estes factos;
20. Ora, alterada que se mostre a matéria de facto nos termos referenciados supra, entendemos que o arguido deve beneficiar de uma atenuação na medida da pena que o tribunal a quo entendeu aplicar de 36 meses de prisão relativamente à prática do crime de violência doméstica p. e p. nos termos do disposto no artº 152º nº 1 al. a) e nº 2 do C.Penal;
21. Devendo tal alteração ser considerada na determinação da medida concreta da pena, nos termos previstos no artº 71º do Código Penal;
22. Pelo que a pena concreta a aplicar ao arguido deverá situar-se no mínimo legal, de dois anos de pena de prisão e não nos 36 meses como decidiu o tribunal a quo;
23. Alterada, também que se mostre a matéria de facto dada como provada deverá o arguido ser absolvido do crime de violência doméstica p. e p. nos termos do disposto no artº 152º nº 1 al. d) e nº 2 do C.Penal, na medida em que os factos a considerar como provados sobre a pessoa do filho menor do arguido, G…, não são subsumíveis na qualificação jurídica do crime de violência doméstica, porquanto
24. O arguido, no decurso de uma discussão com o filho, por via de pretender que aquele fosse dormir quando já eram 22h30m e este persistir em continuar a ver televisão, ao dirigir ao filho menor de 15 anos, a seguinte expressão: “ó corno do caralho, até te arranco os pelos da piça”, por si só, não revela tratar-se de uma conduta excepcionalmente violenta e grave na medida em que tal facto isolado, apreciado à luz da intimidade do lar não é susceptível de colocar a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, e de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente do seio familiar;
25. Pelo que tal conduta seria apenas susceptível de integrar um crime de injúrias p. e p. no art. 181 do C.Penal, pelo que tratando-se de um crime de natureza particular o Ministério Público não tem legitimidade para deduzir a acusação, logo deverá considerar-se extinto o respectivo procedimento criminal quanto a este crime;
26. Pelo que deverá assim o arguido ser condenado apenas pelo crime de violência doméstica p. e p. nos termos do disposto no artº 152º nº 1 al. a) e nº 2 do C.P., na pena de 2 anos, suspensa por igual período, cuja suspensão deverá continuar condicionada a regime de prova assente em plano individual de readaptação social, executado com apoio e vigilância dos serviços de reinserção social, nos termos do art. 53º do C.Penal;
27. A pena acessória aplicada ao arguido – de obrigação de afastamento da residência, ou seja da casa de morada de família e, sita no …, ., Lamego, e ainda a proibição de contacto com os ofendidos, durante 24 meses, nos termos do nº 4 e 5 do art. 152º do C.Penal, mostra-se desajustada e desproporcional, e merece censura por ser excessiva, porquanto
28. Deverá ter-se em conta a factualidade dada como provada e aquela que venha a ser alterada por via deste recurso, a média ilicitude dos factos praticados sobre a ofendida C…, a total ausência de antecedentes criminais do arguido, quer da mesma natureza dos ilícitos criminais que lhe são imputados quer de outros, a absolvição da prática do crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152 nº 1 al. d) e nº 2, e ainda que quanto a este tipo de crime assim não se entenda, deverá considerar-se a ilicitude deste diminuta, a integração social do arguido, a estabilidade sócio económica do agregado familiar, a personalidade do arguido, a ausência de quaisquer perturbações susceptíveis de expor as vítimas a um perigo eminente e grave de forma a ser imperiosa a aplicação de tal sanção acessória;
29. Sendo que, conjugadas todas estas circunstâncias consideramos que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, condicionada ao regime de prova, com vista a promover o controle do arguido e a sua integração social, impedindo-o de comportamentos de violência satisfazendo dessa forma as exigências de prevenção geral e especiais que se fazem sentir;
30. Pelo que deve o arguido ser absolvido da aplicação das sanções acessórias de obrigação de afastamento da residência, ou seja da casa de morada de família e, sita no …, ., Lamego, e ainda a proibição de contacto com os ofendidos, durante 24 meses, nos termos do nº 4 e 5 do art. 152º do C.Penal.
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Na 1ª instância o Mº Público respondeu às motivações de recurso, concluindo pela respectiva procedência.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
1. O arguido é casado com C… há cerca de 30 anos, sendo filhos deste casal G… e D…, nascidos a 20-06-1995 e 19-11-1984, respectivamente.
2. O arguido, durante a constância do matrimónio, em datas e por motivos não concretamente determinados, e em regra em casa do agregado familiar, sita no …, ., Lamego, desferiu bofetadas, murros e cabeçadas na ofendida e dirigiu-lhe as seguintes expressões: "Puta", "Vaca", "Bruxa", "Porca", "Cabra", "Mentirosa", "Vens de famílias de ciganos".
3. Noutras ocasiões, na residência de ambos, também em data e por motivos não concretamente apurados, o arguido comprimiu a ofendida contra a parede, deixando-a depois cair, quando se encontrava com ela agarrada, chegando a haver ocasiões em que a forçava a manter consigo relações sexuais;
4. Também em data e por motivos não concretamente apurados, o arguido trancou a porta de casa por forma a impedir que a sua esposa nela entrasse, forçando-a a permanecer na rua por largo tempo, também não concretamente determinado;
5. Amiúde o arguido diz também para C… que a irá matar e que a vai deixar sem nada;
6. Não raras vezes o arguido destrói objectos que se encontram no interior da sua casa, sendo que também os filhos do casal, em datas não concretamente apuradas, foram alvo de agressões físicas e verbais, não concretamente determinadas;
7. Em consequência destas relatadas condutas do arguido sofreram os ofendidos C…, G… e D… hematomas e dores;
8. No dia 15 de Junho de 2010, a hora e por motivos não concretamente apurados, na residência de ambos, o arguido desferiu murros, pontapés e cabeçadas em C… que a atingiram por todo o corpo, sendo que, em consequência de tal conduta, sofreu a ofendida hematomas e dores por todo o corpo. E apesar da ofendida ter ficado estendida no chão, o arguido saiu de casa, pelo que foi o seu filho G… quem a socorreu;
9. No dia 2 de Julho de 2010, pelas 8HSS a ofendida telefonou para a PSP de Lamego e em gritos de desespero solicitou a intervenção daquela força policial com urgência porque "já não aguentava mais".
10. Na verdade o arguido pelas 20HOO do dia anterior entrou no quarto do seu filho G… e questionou o mesmo acerca de uma carta, mas porque este retorquiu que não sabia da mesma o arguido dirigiu a este seu filho as seguintes expressões: "és um filho da puta, cabrão, uma besta rebento-te todo e arranco-te os pêlos todos que tens na piça";
11. Pelas 22H30 do dia agora em causa, a ofendida C… acordou com os gritos entre pai e filho, sendo que nesta ocasião o arguido repetia para o menor as expressões acima referidas, sendo que, o arguido, só cessou esta sua conduta, quando C… lhe pediu para terminar com aquele tipo de comportamento, já que, caso contrário solicitaria a intervenção da protecção de menores;
12. Todavia, pelas 8H5O do dia seguinte (2-07-2010), o arguido dirigiu à sua esposa as seguintes expressões: "ó puta vai viver para casa das putas das tuas irmãs. Chama quem tu quiseres que eu não tenho medo. Sai o mais rápido possível. Vai ter com os teus amantes polícias e da GNR e com o chinês de … e todos os outros que eu já sou corno”;
13. No dia 12 de Agosto de 2010, a hora não concretamente apurada, também na residência a que vimos fazendo referência, o arguido dirigiu a C… as seguintes expressões: “ó puta dou-te três murros nos cornos que ficas estendida onde estás";
14. O arguido apesar de receber uma pensão de invalidez da Suíça, de aproximadamente @ 2.000, em nada contribui para o sustento da casa, pelo que actualmente estão dependentes do RSI que C… recebe e da ajuda de alguns familiares desta;
15. Contudo, ocasiões há, em datas não apuradas, que o arguido deita fora a comida que lhes é oferecida por familiares, dizendo, de seguida, que tem dinheiro para sustentar a casa apesar de com nada contribuir;
16. Ainda em consequência das mencionadas condutas tidas pelo arguido sofreu a ofendida as lesões descritas e examinadas no relatório de exame médico-legal de fls. 13 a 16, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente: crânio - hematoma na região fronto-parietal esquerda; tórax - equimose amarelada com sete por três centímetros, situada na face anterior do tórax esquerdo. Equimose avermelhada, com dez por oito centímetros, situada na face posterior do hemitórax esquerdo: membro superior direito - equimose amarelada com seis por quatro centímetros, situada na face posterior do terço médio do braço; membro inferior esquerdo - pequenas equimoses amareladas, arredondadas, com cerca de dois centímetros de diâmetro dispersas pela face anterior da coxa, além de dores, sendo que, tais lesões, determinaram um período de doença fixável em 10 dias, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e sem afectação para o trabalho profissional;
17. O arguido agiu, em todas as circunstâncias atrás descritas, com o propósito concretizado de humilhar, ofender a honra, o bom nome e a sensibilidade da sua mulher C… e do seu filho G.., de os molestar fisicamente, e lhes provocar sofrimento físico e psíquico;
18. Nas ocasiões relatadas, e quando não eram estes, eles próprios, vítimas o arguido agia conforme o descrito relativamente à sua mulher apesar de nessas ocasiões se encontrarem presentes os seus filhos, ainda quando o seu filho D… era menor, sendo ainda menor o seu filho G…;
19. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que todas as suas relatadas condutas eram proibidas e punidas por lei.
20. A ofendida C… foi admitida no Serviço de Urgência da Unidade de … do Centro Hospitalar de …, E.P.E no dia 22.06.2010.
21. A assistência que lhe foi prestada orçou a quantia de 147,00 euros.
22. O arguido não tem antecedentes criminais.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
A convicção do tribunal formou-se com base na conjugação de toda a prova produzida, designadamente:
- as declarações da ofendida C… que apresentou em audiência de discussão uma versão dos acontecimentos que se coaduna com a narrativa da acusação; esclareceu o tribunal de forma coerente e credível quando é que começaram as discussões e agressões por parte do arguido; quando é que o arguido se começou a dirigir verbalmente e a agredir o filho G…; como é que elas começavam e a frequência com que se repetiam; as lesões com que ficaram, o que sofreram ao longo dos anos e como se sentiram;
- conjugado com o depoimento das testemunhas D…, filho do arguido e da ofendida, apresentou em audiência de discussão uma versão dos acontecimentos que se coaduna com a narrativa da acusação; esclareceu o tribunal de forma coerente e credível do que presenciou, quando é que começaram as discussões e agressões por parte do arguido à ofendida e ao irmão G…; como é que elas começavam e a frequência com que se repetiam; as lesões com que ficaram, o que sofreram ao longo dos anos e como se sentiram.
- E…, pessoa que afirmou de forma coerente ter presenciado alguns dos factos ocorridos no Verão de 2010, tendo descrito como viu a ofendida sair de casa, e as expressões que ouviu serem proferidas, por quem e a quem se dirigiam.
- F…, agente da PSP de Lamego, pessoa que atendeu a chamada efectuada pela ofendida para a Esquadra, esclareceu como é que esta se apresentava ao telefone e as palavras que proferiu.
Ajudaram a formar a convicção do Tribunal os documentos de fls. 12 a 16, 61, 62, 115, 117, 121, 124.
Quanto aos antecedentes criminais atendeu-se ao certificado de registo criminal do arguido junto aos autos.
O arguido e a testemunha G… no exercício de um direito que a lei lhes concede declararam em sede de audiência que não pretendiam prestar declarações.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
O recorrente invoca o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410º nº 2 als. a) do CPP, alegando que “face à prova produzida em audiência, os factos constantes dos nºs. 3, 4, 5, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, devem alguns deles ser considerados não provados, uma vez que não retratam a realidade apurada”.
Dispõe o art. 410 nº 2 do CPP:
“Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Assim, os vícios do art. 410º nº 2 do CPP, têm forçosamente de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão, “designadamente, a declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento”.
Tais vícios não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no art. 127º do CPP.
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só existe quando se faz a formulação incorreta de um juízo em que a conclusão extravasa as premissas ou quando há omissão de pronúncia pelo tribunal, sobre os factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.
Como se observou no Ac. do S.T.J. de 20.04.2006[3]: “A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão de ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ser apurados na audiência vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.”
Como fundadamente se afirmou no Ac. da Rel. de Lisboa de 18.01.2008[4] «A ‘insuficiência para a decisão da matéria de facto provada’, vício previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, refere-se à possibilidade de se basear na matéria de facto assente uma decisão jurídica, ou seja, relaciona a matéria de facto com a de direito e não [como pretende o aqui recorrente] a prova produzida e valorada em audiência com a decisão de facto proferida. A ‘insuficiência para a decisão da matéria de facto provada’ não significa, de forma alguma, insuficiência da prova produzida e valorada em audiência para a decisão de considerar provados determinados factos».
Ora, não obstante a alegação do vício de ‘insuficiência para a decisão da matéria de facto provada’, resulta das motivações de recurso que o que o recorrente pretende é, efetivamente, impugnar a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada, ou seja, pretende invocar erros de julgamento e não vícios da decisão.
O erro de julgamento, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recorrente pretende reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância. Nesse caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Analisada a decisão recorrida, não se vislumbra a existência do apontado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, considerando a noção que acima referimos quanto a tal vício.
O que acontece é que o recorrente confunde, como aliás vendo sendo habitual, os vícios da decisão com o erro de julgamento. Como acima concluímos, o recorrente pretende, efetivamente, atacar a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido.
Mas, para se apurar da apreciação da prova na sentença recorrida há-de saber-se dos motivos da convicção do julgador.
Assim é exigido pela lei nos termos do art. 374º nº 2 do CPP.
Este preceito, que dispõe sobre os “requisitos da sentença” (relatório – nº1; fundamentação – nº 2; e dispositivo ou decisão stricto sensu), indica no nº 2 os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
Como salienta Germano Marques da Silva[5] “As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz”.
A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.
Em matéria de facto, a fundamentação remete, como refere o segmento final do nº 2 do artigo 374º do CPP (acrescentado pela Reforma do processo penal com a Lei nº 58/98, de 25 de Agosto), para a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A lei impõe, pois, como critério e base essencial da fundamentação da decisão em matéria de facto, o «exame crítico das provas», mas não define, nem expressa elementos sobre algum modelo de integração da noção.
O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projeção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto - , mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspetiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.
Só assim não será quando se trate de decidir questões que têm a ver com a legalidade das provas ou de decisão sobre a nulidade, e consequente exclusão, de algum meio de prova.
O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção[6].
O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte[7].
No que respeita à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a que se refere especificamente a exigência da parte final do artigo 374º, nº 2 do CPP, o exame crítico das provas permite (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o artigo 410º, nº 2 do CPP; o n° 2 do artigo 374° impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal recorrido, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório[8].
A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
Para cumprimento daquele requisito não se satisfaz a lei com a mera enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença[9].
É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá, além do mais, para convencer os interessados e a comunidade em geral, da correta aplicação da justiça no caso concreto.
A este respeito, refere Marques Ferreira[10] “Estes motivos de facto que fundamentam a decisão, não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados.
A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível[11].
Exige-se, porém, que – em caso de condenação - o tribunal explicite as razões que o levaram a convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados ou – em caso de absolvição –, os motivos pelos quais, não obstante a produção de prova, não conseguiu apurar factos suficientes para imputar ao arguido o ilícito de que vinha acusado.
Voltando ao caso concreto e analisando a motivação de facto da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido se refere às declarações prestadas pela ofendida e ao depoimento do seu filho D…, mas efetuando praticamente uma cópia quanto ao conteúdo de tais declarações.
Ora, do teor da motivação de facto, é imperioso extrair a conclusão de que as restantes testemunhas inquiridas – E… e F… – apenas se pronunciaram quanto aos factos descritos nos pontos 8 e 9 da matéria de facto provada.
Assim, as declarações da ofendida e o depoimento do seu filho D… terão fundado a convicção do tribunal recorrido relativamente à restante matéria de facto.
Considerando, porém, o que consta da motivação relativamente a estes dois intervenientes, conclui-se que o que se refere no ponto 3 (quanto ao arguido forçar a ofendida a manter consigo relações sexuais), no ponto 4, nos pontos 6 e 7 (quanto às agressões físicas e verbais na pessoa de ambos os filhos do casal), nos pontos 14 e 15 não tem o necessário suporte naquela motivação.
Com efeito, relativamente aos referidos pontos de facto, a fundamentação da decisão não reflete o percurso lógico seguido pelo julgador, a ponderação que integrou o juízo decisório, em suma, a valoração da prova, efetuada através da inter-relação das provas relevantes com os elementos constantes dos autos, de forma que este tribunal possa perceber como é que o tribunal recorrido chegou à conclusão que fez constar dos referidos pontos da matéria de facto provada.
Como se salienta no Ac. do Tribunal Constitucional nº 573/98[12] a decisão, sobre a matéria de facto tem de «estar substancialmente fundamentada ou motivada – não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado»."
Antes da vigência da Lei nº 59/98 de 15 de Agosto, entendia-se que o artigo 374º nº 2 do CPP não exigia a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não impondo a lei a menção das inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas, nem impondo que o julgador expusesse pormenorizadamente o raciocínio lógico que se encontrava na base da sua convicção, pelo que somente a ausência total da referência às provas que constituíram a fonte da convicção do tribunal constituía violação do artº 374º nº 2 do CPP, a acarretar nulidade da decisão nos termos do artº 379º do CPP.
Atualmente, face à nova redacção do nº 2 do artº 374º do CPP, - aditamento à redacção do preceito: exame crítico das provas - é indiscutível que tem de ser feito um exame crítico das provas.
Foi a referida Lei nº 59/98 de 25 de Agosto que aditou a exigência do exame crítico das provas, e que se manteve inalterada na revisão de 2007 pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto.
Como recentemente decidiu o STJ no seu acórdão de 09.05.2007[13] “A fundamentação decisória não tem que preencher uma extensão épica, sem embargo de dever permitir ao seu destinatário directo e à comunidade mais vasta de cidadãos, que sobre o julgado exerce um controle indirecto, apreender o raciocínio que conduziu o juiz a proferir tal decisão. Para além da enumeração das razões de facto e de direito, a sentença, nos termos do art. 374.º, n.º 2, do CPP, reclama do juiz o exame crítico das provas, que é a sua descrição e o juízo de valor que elas oferecem em termos de suporte decisório, ou seja a crítica por que umas merecem credibilidade e outras não, impondo que o juiz indique todas as provas, a favor ou contra, que constituem a decisão e diga as razões pelas quais não atendeu às provas contrárias à decisão tomada.
No que ao caso concreto respeita, o tribunal deveria ter explicitado porque razão as provas produzidas, devidamente inter-relacionadas e conjugadas de acordo com as regras da experiência comum, foram suficientes para se poderem considerar provados os factos, designadamente os pontos acima referidos.
Com efeito, baseando-se o tribunal nas declarações da ofendida, pode ler-se na motivação: «as declarações da ofendida C… que apresentou em audiência de discussão uma versão dos acontecimentos que se coaduna com a narrativa da acusação; esclareceu o tribunal de forma coerente e credível quando é que começaram as discussões e agressões por parte do arguido; quando é que o arguido se começou a dirigir verbalmente e a agredir o filho G…; como é que elas começavam e a frequência com que se repetiam; as lesões com que ficaram, o que sofreram ao longo dos anos e como se sentiram».
Ora, deste trecho da motivação, não se percebe como é que o tribunal pode concluir que “chegou a haver ocasiões em que o arguido a forçava a manter consigo relações sexuais”; “o arguido trancou a porta de casa por forma a impedir que a sua esposa nela entrasse, forçando-a a permanecer na rua por largo tempo”; “os filhos do casal foram alvo de lesões físicas e verbais, incluindo o filho D…, que sofreu hematomas e dores (sendo certo que na motivação, apenas se refere que a ofendida aludiu ao filho G…), bem como os factos descritos nos pontos 14 e 15.
E o mesmo se diga quanto à referência ao depoimento da testemunha D… – que aliás não passa de uma cópia do que se escreveu relativamente às declarações da ofendida.
Feitas estas considerações, estamos em condições de concluir que o acórdão recorrido se limitou a elencar as provas produzidas em audiência, mas a fundamentação de facto é omissa quer quanto a grande parte dos factos cuja prática imputa ao arguido, quer quanto à apreciação crítica de todas essas provas, sendo certo que, como se disse, as mesmas devem ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas.
Tal omissão determina a nulidade da sentença, nos termos dos artº 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2 do C.P.Penal, prejudicando consequentemente as restantes questões suscitadas no recurso.
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Existe, porém, uma outra nulidade que importa conhecer:
O tribunal recorrido condenou o arguido, além do mais, na pena acessória de obrigação de afastamento da residência e ainda de proibição de contato com os ofendidos durante 24 meses, nos termos do artº 152º nºs 4 e 5 do Cód. Penal.
Contudo, na acusação pública deduzida, o Mº Público não requereu a aplicação daquelas penas acessórias. Ora, tendo a acusação fixado o objeto do processo, quaisquer alterações que o tribunal entenda efetuar só poderão ocorrer com observância do formalismo previsto nos artºs. 358º e 359º do C.P.P., só pena de violação do princípio do acusatório, das garantias de defesa e do contraditório.
Acresce que, em conformidade com o disposto no artº 65º nº 1 do Cód. Penal “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”, pelo que a aplicação das penas acessórias que o nº 2 do mesmo preceito admite, não pode ocorrer de forma automática, por mero efeito da condenação numa pena principal, sem que previamente se tenha dado oportunidade ao arguido de, sobre ela, se pronunciar.
Aplicando ao caso em apreço, dada a similitude das situações em causa, a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 7/2008, não constando do acusação a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, dos nºs 4 e 5 do artº 152º do Cód. Penal, não podem ser aplicadas as penas acessórias ali previstas sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 358º do CPP, a alteração do qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer no nulidade prevista no alínea b) do n.º 1 do artigo 379 deste último diploma legal.
Assim, tendo o tribunal aplicado ao arguido as penas acessórias previstas no citado preceito legal, sem que às mesmas se aludisse na acusação e omitindo-se a comunicação imposta pelo artº 358º do C.P.P., ocorre a nulidade da sentença nos termos do artº 379º nº 1 al. b) do C.P.P., impondo-se que se proceda à reabertura da audiência na 1ª instância, a fim de ser feita a comunicação em falta, seguida do formalismo processual prescrito.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em declarar nula a sentença recorrida, por inobservância do disposto nos artºs. 374º nº 2, 379º nº 1 als. a) e b) do C.P.P., a qual deverá ser reformulada pelo mesmo Tribunal, de forma a suprir o apontado vício de falta de fundamentação, após proceder à reabertura da audiência a fim de efetuar a comunicação prevista no artº 358º do C.P.P. relativamente às penas acessórias aplicadas.
Sem tributação.
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Porto, 01 de fevereiro de 2012
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
António José Alves Duarte
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Proferido no Proc. nº 363/03, relatado pelo Cons. Rodrigues da Costa.
[4] Proferido no Proc.º n.º 7071/2005-3, relatado pelo Des. Carlos Almeida, disponível em www. dgsi.pt:
[5] In Curso de Processo Penal, III Vol, pág. 289.
[6] V., neste sentido, Ac. do S.T.J. de 30.01.2002, proferido no Proc. nº 3063/01.
[7] Cfr. Acs. do STJ de 17.03.2004, Proc. nº 4026/03; de 07.02.2002, Proc. nº 3998/00 e de 12.04.2000, Proc. nº 141/00.
[8] Cfr., nesta perspectiva o Ac. do Tribunal Constitucional de 02 de Dezembro de 1998.
[9] Como já se pronunciaram os Acs. do Tribunal Constitucional nºs 680/98 e 636/99: “é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal”.
[10] In Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229-230.
[11] Como decidiu o Ac. do Tribunal Constitucional nº - nº 258/2001: “não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente”.
[12] Publicado no DR. 2ª Série de 13 de Novembro de 1998.
[13] Proferido no Proc. nº 247/07 da 3ª secção