Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
557/17.7T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: DECISÃO IMPLÍCITA
TÍTULO EXECUTIVO
NOVAÇÃO
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
DATIO PRO SOLVENDO
Nº do Documento: RP20190710557/17.7T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 904, FLS 62-79)
Área Temática: .
Sumário: I - Uma decisão é implícita quando está subentendida noutra que foi expressamente tomada.
II - Ao julgar comprovado que o crédito exequendo existe, com base na documentação apresentada para o cobrar coercivamente, e ao ordenar o prosseguimento da execução para essa cobrança, a decisão assim tomada não só reconhece a existência de tal crédito, como, implicitamente, comporta a resolução de que o título apresentado é suficiente para tal finalidade.
III - Aceitando os outorgantes de um contrato de abertura de crédito que o montante mutuado foi, na altura da celebração desse contrato, colocado à disposição do mutuário, é título executivo suficiente para desencadear a cobrança coerciva desse crédito a escritura pública na qual o mesmo foi convencionado.
IV - A novação implica a simultânea constituição de uma nova obrigação em substituição de um vínculo anterior essencial, mediante expressa vontade de novar.
V - Por sua vez, na dação em cumprimento não há a constituição de qualquer vínculo com efeito liberatório, mas apenas a extinção da obrigação através de uma prestação diferente daquela que era inicialmente devida, mediante acordo das partes, que tem de ser contemporâneo do cumprimento.
VI - Já na dação em função do pagamento (datio pro solvendo), o credor também aceita uma prestação diversa da devida, mas a extinção desta última só ocorre se, quando e na medida em que aquele vir satisfeito o seu crédito.
VII - Aceitando uma instituição de crédito, no âmbito das negociações com o seu devedor, que, para a extinção do seu crédito, aquele, mediante escritura de dação, venha a transferir para o seu domínio de facto e de direito, uma casa de habitação, desde que devidamente concluída e legalizada no prazo de 2 meses, e não tendo sido observados esses pressupostos, não está preenchida nenhuma das referidas figuras.
VIII - Estes pressupostos são apenas critérios de decisão da referida instituição para a aceitação futura do aludido contrato de dação e não declarações de vontade contratual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 557/17.7T8OVR-A.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- A B…, entretanto substituída pela sociedade, C…, S.A., intentou, no Juízo de Execução de Ovar, execução na forma sumária, do processo comum para pagamento de quantia certa, fundada no contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, ao qual foi atribuído o n.º ………….-., subscrito pela mutuária, D…, Ldª, e pelos fiadores, E…, F…, e G…, pedindo que estes sejam compelidos a pagar-lhe a quantia, já liquidada, de 244.147,59€, acrescida, a partir de 24/03/2017, de juros de mora vencidos e vincendos calculados nos termos exarados no referido contrato, até integral pagamento; de uma sobretaxa de 3% ao ano, a título de cláusula penal; e demais despesas judiciais, suportadas pela exequente, bem como as demais custas judiciais e extrajudiciais.
2- Os executados deduziram oposição sustentando, em síntese, que o crédito exequendo se encontra extinto, por novação, tal como extintas se encontram as garantias prestadas relativamente a esse crédito.
Por tal motivo, pedem a sua absolvição do pedido e a condenação da exequente como litigante de má-fé.
3- A exequente respondeu refutando estes pedidos, uma vez que, ao contrário do sustentado pelos executados, não houve novação do crédito exequendo, mas apenas a possibilidade de dação em cumprimento, o que não foi concretizado por incumprimento das obrigações estabelecidas, por parte dos embargantes. Nessa medida, a obrigação exequenda deve ser cumprida por estes últimos, recusando ainda a má-fé que lhe é imputada.
4- Terminados os articulados, teve lugar a audiência prévia, na qual, entre o mais, foi conferida a validade e regularidade da instância, fixado o valor da causa, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
5- Prosseguiram, depois, os autos para a audiência final. E nela, na sessão ocorrida no dia 09/05/2018, a exequente obrigou-se a juntar aos autos, no prazo de 15 dias, que lhe foi concedido, o “extrato da conta empréstimo referente ao contrato nº ………….-. para comprovar as libertações de capital”.
6- Para cumprimento desta obrigação, a exequente juntou aos autos, no dia 18/05/2018, para além do mais, o extrato de conta do referido contrato nº ………….-., o que os embargantes, em subsequente contraditório, impugnaram.
7- Terminado o julgamento, foi proferida sentença que julgou os presentes embargos improcedentes e ordenou o prosseguimento da execução para pagamento da quantia liquidada no requerimento executivo.
8- Posteriormente, em 14/01/2019, os embargantes requereram, no processo principal, a extinção da execução por, em suma, entenderem que a documentação junta pela exequente não comprova a entrega do capital cujo reembolso reclama na mesma execução.
9- A exequente respondeu pugnando pelo desentranhamento de tal requerimento ou, subsidiariamente, a improcedência do que nele é requerido.
10- No dia 11/02/2019, sobre o requerimento dos embargantes (mencionado em 7), recaiu o seguinte despacho:
“Remete-se para a fundamentação de facto e de direito exposta na decisão final de mérito proferida nos embargos de executado (Apenso A).
11- Inconformados com este despacho, dele interpõem recurso os executados, terminando-o com as seguintes conclusões:
“1. No despacho recorrido há omissão de pronúncia das questões suscitadas pelos Recorrentes pelo que o mesmo enferma da nulidade prevista no artº 615º nº 1 al. d) do C.P.Civil.
2. Mesmo que se entenda que não há omissão de pronúncia, o despacho recorrido é nulo por falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que o justifiquem.
Sem prescindir;
3. Nos comuns contratos de abertura de crédito o banco não se constitui, desde logo, credor de uma prestação pecuniária;
4. A constituição do crédito só vem a verificar-se com a posterior mobilização pelo creditado das importâncias disponibilizadas pelo banco;
5. O documento onde sejam exaradas as quantias mobilizadas ou libertadas para servir de base à execução, deve revestir requisitos de exequibilidade.
6. Até ao acto de transmissão dos bens penhorados podem e devem ser conhecidas as questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
7. Tendo o exequente, ainda que informalmente, sido interpelado para suprir a insuficiência de título, e não o tendo feito devidamente, deve a execução ser extinta.
8. Foi violado o disposto nos artºs 615º nº 1 als b) e d), 726º e 734º do C.P.Civil”.
Por estes motivos, pedem que se conceda provimento ao presente recurso.
12- Também inconformados com a sentença proferida nos embargos pelos mesmos deduzidos, recorrem os executados dessa sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:
“1. O que consta do ponto 1. dos Factos não Provados corresponde ao que, em Audiência Prévia, foi fixado como objecto do litígio.
2. A al. c) dos Factos Provados é matéria que tem de ser aferida à vista do título executivo que está na base da execução instaurada, sendo que é questão controvertida no processo de execução e que ainda se encontra pendente de decisão.
3. Deve assim, a decisão da matéria de facto quanto àqueles pontos ter-se por não escrita.
Sem prescindir;
4. A decisão quanto à al. c) dos Factos Provados não tem o mínimo de sustentação na prova produzida.
5. Deve ser ainda revogada a decisão da matéria de facto relativamente às als. g), j), t) e v) dos Factos Provados, porque, para além de não estar fundamentada, é carecida de concretos elementos de prova que a sustentem.
Concretizando;
6. Na al. g) foi vertido um facto admitido por acordo na audiência prévia introduzido com a expressão “…desde que fossem cumpridas as obrigações impostas pela Embargada…”
7. Tal expressão, para além de não resultar de qualquer concreto elemento de prova, constitui uma pura redundância face ao que consta na al. j) dos Factos Provados.
8. A decisão da matéria de facto quanto à al. j) é conclusiva carecendo também de concretos elemento de prova que a sustente.
9. Quanto às als. t) e v) dos Factos Provados, a decisão encerra conclusões de facto assentes em premissas não demonstradas.
10. Está provado que a Embargante celebrou com a Embargada um acordo nos termos do qual, para liquidação das obrigações pecuniárias decorrentes do contrato de financiamento, era dado em pagamento uma moradia unifamiliar.
11. Com a menção de não mais ser retirado, a Embargada aceitou que a partir da data da celebração do acordo, a Embargante deixou de estar vinculada ao pagamento das quantias pecuniárias para liquidação dos valores financiados, ficando apenas com a obrigação de concluir a construção e obter a licença de utilização com vista à realização da escritura de dação. (…)
12. A factualidade provada integra a previsão no disposto no artº 857º do C.Civil: dá-se novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.
13. A novação, na sistematização da lei civil, constitui causa de extinção das obrigações além do cumprimento.
14. Por consequência, facto extintivo da obrigação exequenda.
15. A sentença recorrida, considerando que a factualidade apurada não se configura na figura da novação, concluiu que a Embargante nunca ficou desvinculada da obrigação primitiva.
16. E por aí se ficou e nesse pressuposto julgou improcedente a Oposição por Embargos.
17. Mesmo que não se configure como novação, nos termos do acordo celebrado, a Embargada consentiu que a liquidação da obrigação exequenda fosse efectuada mediante prestação diversa de dinheiro.
18. Mantendo a sua eficácia à data da instauração da execução, o acordo celebrado entre Embargante e Embargada, constitui um facto impeditivo de obrigação exequenda.
19. A sentença recorrida não se pronunciou sobre esta questão sendo que o conhecimento da mesma é fundamental para a ponderação da decisão da causa na perspectiva de solução plausível de direito.
20. Porque não denunciado ou resolvido por qualquer das partes que nele intervieram, o acordo mantinha a sua plena eficácia à data da instauração de execução da execução embargada.
21. O prazo de 2 meses fixado pela Embargada no documento onde expressa a sua declaração de vontade, não configura um prazo resolutivo (condição resolutiva), não só porque não foi expressamente declarado, como também, e sobretudo, a conduta da Embargada no âmbito da relação contratual depois de decorrido aquele prazo, denuncia precisamente o contrário.
22. É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. cfr artº 334º do C.Civil.
23. Invocar a resolução automática do contrato em consequência do decurso daquele prazo 2 meses sem que a Embargante tivesse conseguido obter a licença de utilização da moradia, nas particulares circunstâncias do caso dos autos, para além de configurar o exercício de um direito para além do seu fim económico, atenta contra os mais elementares princípios da boa fé.
24. Foi violado o disposto nos artºs 607º nº 4 do C.P.Civil e artºs 857º e 837º do C.Civil”.
Daí concluir que ao presente recurso deve ser concedido provimento.
13- A exequente respondeu pugnando pela confirmação do julgado.
14- Recebidos os recursos nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito dos recursos
1- Definição do seu objeto
Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto dos recursos em apreço, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações dos recorrentes (artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do CPC), resume-se a saber se:
a) O despacho proferido no dia 11/02/2019, é nulo, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação;
b) Há insuficiência ou inexistência do título executivo;
c) Deve haver lugar à modificação da matéria de facto, nos termos pretendidos pelos Apelantes;
d) A quantia exequenda não é exigível pelas razões invocadas pelos Apelantes;
e) A exequente deve ser condenada como litigante de má-fé.
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2- Fundamentação
A- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
a) No dia 21 de Maio de 2008, os executados outorgaram com a exequente um contrato de abertura de crédito - fomento à construção - com hipoteca e fiança, sendo a embargante, D…, Ldª, na qualidade de devedora, e os restantes executados na qualidade de fiadores;
b) Ao tal contrato foi atribuído pela exequente o nº ………….-..
c) O credor originário (B…) disponibilizou à embargante, D…, Ldª, por conta da celebração, no dia 21.05.2008, do contrato n.º ………….-., na modalidade de abertura de crédito, os seguintes montantes:
- 122.328,00€, disponibilizados no dia 21.05.2008;
- 48.227,40€, disponibilizados no dia 13.06.2008.
d) No ano de 2014, atravessando graves dificuldades económicas, para regularização de todas as responsabilidades emergentes dos contratos de financiamento nºs ………….-., …………...-., ………….-. e ………….-., a embargante, D…, Ldª, propôs entregar à embargada a parcela de terreno destinada a construção, designada por lote .., sita na freguesia e concelho de Ovar, inscrito na matriz predial sob o artigo 11100.º e descrito na Conservatória do registo Predial sob o nº 5666 da freguesia de Ovar.
e) No mencionado lote .. estava em construção uma casa de habitação.
f) Por carta de 3 de Junho de 2014, a embargada formalizou por escrito a sua aceitação da dação em cumprimento proposta pelos embargantes, na qual foi estabelecido que a referida dação regularizava o contrato objeto do requerimento executivo, entre outros, no montante global de 220.625,28€.
g) A partir desse momento, a embargante, D…, Ldª, deixou de estar vinculada, desde que fossem cumpridas as condições impostas pela embargada, ao pagamento das quantias pecuniárias para a liquidação dos valores financiados, ficando apenas com a obrigação de concluir a construção e obter a licença de utilização com vista à realização da escritura pública de dação em pagamento da dita moradia, livre de quaisquer ónus ou encargos.
h) A embargada aceitou a proposta na condição da embargante, D…, Ldª, concluir a construção da casa de habitação e obter a licença de utilização.
i) Aquando da aceitação, em 3 de Junho de 2014, a embargada referiu o seguinte:
- “as escrituras referentes às dações, deverão ser realizadas num prazo máximo de 2 meses, nas seguintes condições:
- As chaves do imóvel devem ser entregues até à realização da escritura de dação em pagamento;
- O imóvel deve apresentar-se livre de ónus ou encargos e de pessoas e bens”;
j) A embargada apenas aceitou a dação nas condições mencionadas na alínea anterior, sendo estas consideradas condições sem as quais a dação não se realizaria.
k) A embargante, D…, Ldª, deu início à execução das obras de construção.
l) Uma vez concluídas as obras de construção, aquela embargante requereu a emissão da licença de utilização e tratou da inscrição da casa de habitação já construída na matriz predial e no registo predial.
m) Em 16 de Julho de 2015, o representante legal da embargante, D…, Ldª, comunicou à exequente a aprovação da licença de construção, sendo o seu levantamento efetuado logo que fossem emitidas as guias para pagamento.
n) Em 2 de Setembro de 2015, por solicitação da embargada, a embargante, D…, Ldª, enviou-lhe a licença de utilização.
o) No início de 2016, o representante legal da embargante, D…, Ldª, foi contactada por um funcionário da exequente, comunicando-lhe que, para além da transmissão da propriedade do imóvel, teria de pagar uma determinada quantia em dinheiro.
p) A executada, D…, Ldª, não aceitou pagar qualquer quantia, e através de carta de 4 de Fevereiro de 2016, comunicou ao embargado que a controvérsia sobre o valor pretendido não impedia que fosse outorgada a escritura de dação em pagamento.
q) Em 8 de Fevereiro de 2016, a embargada enviou missiva à sociedade embargante a informar que efetivamente havia um acordo de dação entre ambas as partes, ressalvando que foi estabelecido um prazo de 2 meses para a outorga da escritura, o que não ocorreu no tempo estipulado.
r) Em 10 de Março de 2016, a embargada reitera as condições em que aceita a regularização das responsabilidades vencidas nos contratos nºs ………….-., ………….-.., ………….-. e ………….-., desde que, para além da dação da casa de habitação, fosse paga mais a quantia de 27.000,00€, ressalvando que, caso os embargantes entendam que a mesma proposta não respeita os seus desejos, deverão proceder a uma regularização imediata das responsabilidades vencidas.
s) A sociedade embargante não aceitou, e, através das cartas datadas de 16 de Março de 2016 e 1 de Abril de 2016, reiterou a sua total disponibilidade para outorgar a escritura de dação em pagamento.
t) Da avaliação realizada em 10 de Setembro de 2015 resultava um valor inferior à realizada em 2014, considerando que o acesso ao terraço, inicialmente previsto na cobertura foi anulado /fechado e, consequentemente houve uma diminuição da área habitável.
u) Em consequência da avaliação feita em 10 de Setembro de 2015, foi proposto aos embargantes a entrega do imóvel acrescido da quantia de 27.000,00€, o que não foi aceite pelos mesmos.
v) O depósito prévio de tal quantia era condição essencial para a liquidação da responsabilidade dos embargantes.
w) Os embargantes tinham pleno conhecimento de tal condição, pois receberam a referida missiva.
x) A extinção das responsabilidades emergentes do contrato de financiamento nº ………….-. estava dependente da celebração da escritura de dação em pagamento.
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B- Na mesma sentença não se julgaram provados os factos seguintes:
1- O documento de folhas 9vº destes autos manifesta uma vontade expressa de a embargada aceitar, sem a verificação de qualquer condição, a substituição de obrigações – da obrigação pecuniária que para a sociedade embargante advinha do cumprimento do contrato com o nº …-.........–. (conforme instrumento de contrato junto a fls. 4vº a 10vº dos autos principais) pela obrigação de concluir a construção da casa de habitação no lote .., inscrito na matriz predial com o artigo 11100.º e descrito na CRP de Ovar com o n.º 5666, da freguesia de Ovar, bem como a obrigação obter a licença de utilização e ainda a obrigação de realização da escritura pública de dação em pagamento, com a consequente transferência do direito de propriedade sobre aquele imóvel, já construído, para a embragada, livre de ónus e encargos –, pelo que os efeitos da novação deveriam operar com a receção pelos embargantes, e nomeadamente pela sociedade embargante, do referido documento de folhas 9vº destes autos.
2- Em resultado da nova avaliação do imóvel construído foi atribuído o valor de 210.000,00€ a esse imóvel.
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C- Análise dos fundamentos dos recursos
1- Da alegada nulidade do despacho proferido no dia 11/02/2019
Decorre essa nulidade, na perspetiva dos Apelantes, da omissão de pronúncia e da falta de fundamentação do referido despacho. Isto porque, em suma, embora nele se tenha remetido para os fundamentos de facto e de direito constantes da sentença recorrida, não se tomou posição sobre a inexistência ou insuficiência do título, que os mesmos haviam suscitado na ação executiva.
Mas, do nosso ponto de vista, não é assim. Ou seja, não ocorrem os apontados vícios.
Com efeito, deixando de lado o facto da ausência ou insuficiência do título dever ser suscitada pelo executado na oposição à execução e não nesta última [artigos 729.º, al. a), e 731.º, do CPC], – como sucedeu neste caso-, verificamos, ainda assim, que no aludido despacho se incorporaram, por via de remessa, as razões exaradas na sentença recorrida. E, entre elas, constam, claramente, aquelas que levaram o Tribunal recorrido a julgar demonstrado o crédito exequendo e a sua exequibilidade; particularmente, por ter entendido que esse crédito resulta, para além do mais, dos documentos juntos aos autos pelo exequente no dia 01/06/2018, que são, justamente, aqueles que os Apelantes questionam no seu valor probatório.
Ora, perante esta constatação não se pode afirmar que o despacho em causa padeça das nulidades que os Apelantes lhe imputam.
Não padece de omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º1, al. d), do CPC) porque incorpora as razões de facto e de direito expressas, ainda que implicitamente, na sentença recorrida. E não padece de falta de fundamentação (artigo 615.º, n.º1, al. b), do CPC) porque essas razões, sobretudo em termos de facto, foram descritas nessa mesma sentença, sendo que a ordem de prosseguimento da execução com base na disponibilização do crédito documentado e mutuado pela primitiva exequente, como se julgou provado [ponto c)], tem implícito o entendimento de que o título dado à execução existe e é suficiente para esse efeito.
Nessa medida, essa questão foi decidida.
Recorde-se, para melhor compreensão, que uma decisão é implícita quando está subentendida noutra que foi expressamente tomada; ou seja, quando está tacitamente contida noutra decisão expressa. “E sendo assim, para que se possa falar de decisão implícita é necessário que a solução da questão sobre que recaiu a decisão expressa pressuponha a resolução prévia de uma outra questão, ou seja, é necessário que a resolução de determinada questão esteja dependente da resolução dada a outra que constitui um seu antecedente lógico”[1].
Ora, foi, justamente, isso que se passou no caso em apreço. Ao julgar comprovado que o crédito exequendo existe, com base na documentação apresentada para o cobrar coercivamente, e ao ordenar o prosseguimento da execução para essa cobrança, a decisão assim tomada não só reconhece a existência de tal crédito, como, implicitamente, comporta a resolução de que o título apresentado é suficiente para o referido fim.
Daí que a dita decisão recorrida não seja, sob os aludidos pontos de vista, nula.
2- Passemos à análise da questão seguinte; ou seja, saber se o título executivo é inexistente ou insuficiente.
Para a resposta afirmativa a esta questão, partem os Apelantes do pressuposto que o crédito exequendo devia ser titulado, na ação executiva, não só pelo contrato de abertura de crédito e documento complementar apresentados pela primitiva exequente, mas também por outros documentos que comprovassem a efetiva disponibilização desse crédito.
E, em relação às prestações futuras convencionadas em documentos autênticos ou autenticados por notário ou por outras entidades equiparadas, nos quais de estabeleçam esse tipo de prestações, efetivamente assim é.
Como decorre do disposto no artigo 707.º do CPC, “[o]s documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.
Mas nem sempre nos contratos de abertura de crédito se estabelecem prestações futuras. Podem ser contemporâneas do próprio contrato.
Senão, vejamos:
No seu núcleo essencial, o contrato de abertura de crédito é, tal como o mútuo ou o desconto bancário, um contrato de concessão de crédito; ou seja, um convénio mediante o qual uma entidade, que, por regra, é bancária, coloca à disposição de outra, temporariamente, determinada quantia em dinheiro.
Mas, ao contrário do mútuo, em que a entrega do dinheiro (ou outra coisa fungível) é seu elemento constitutivo (artigo 1142.º do Código Civil)[2], no contrato de abertura de crédito essa entrega, de dinheiro necessariamente, pode, ou não, ocorrer e, ocorrendo, pode ser feita em diferentes modalidades.
Assim, por exemplo, no contrato de abertura de crédito simples, quando bancário, o cliente, embora possa utilizar parcialmente o capital, nunca o reutiliza depois de devolvido ao banco.
Já no contrato de abertura de crédito em conta-corrente passa-se, justamente, o contrário. O cliente, para além de poder fazer utilizações parciais do crédito, pode ainda reutilizar os seus próprios reembolsos, desde que não ultrapasse, em cada momento, a diferença entre o capital em dívida e o limite máximo de crédito concedido, conforme acordado entre as partes[3].
Por sua vez, no contrato de abertura de crédito documentário, o banco abre, a pedido do respectivo cliente, um crédito a favor do fornecedor deste último, assumindo o banco o compromisso de pagar àquele mesmo fornecedor o preço dos bens e/ou serviços fornecidos, contra a entrega dos documentos estipulados no contrato. É uma modalidade muito utilizada no comércio internacional, mas o que lhe é característico é que a entrega do capital mutuado é sempre feita a um terceiro, ou seja, ao fornecedor do cliente do banco, a pedido desse mesmo cliente, servindo o contrato de abertura de crédito também como garantia de pagamento do fornecimento. Até porque “[o] crédito é, em princípio, irrevogável, nos termos do nº 2, do artº 1170º, CC, por se tratar de um contrato em benefício de terceiro, sem prejuízo de as partes convencionarem uma cláusula específica sobre a revogabilidade ou a irrevogabilidade. E é transferível, sempre que o beneficiário fique com o direito de instruir o banco encarregado do pagamento (que tanto pode ser o emitente como um banco intermediário) de tornar o crédito utilizável por terceiro. Na modalidade irrevogável, o crédito documentário é, além disso, autónomo em relação ao negócio subjacente, sendo-lhe indiferentes as excepções que o ordenante-importador e o beneficiário-exportador poderiam opor um ao outro”[4].
Numa outra modalidade, o contrato em causa pode ser configurado também como contrato de abertura de crédito garantido; ou seja, um contrato mediante o qual o creditante se assegura, previamente, regra geral, do reembolso do capital mutuado, através de garantias, pessoais e/ou reais, prestadas pelo creditado. O que lhe é característico é que o risco garantido não está associado à abertura de crédito em si mesma, mas aos créditos dela emergentes.
E poderíamos continuar a equacionar outros tipos de contratos de abertura de crédito. Dentro dos limites da lei, as partes podem ordenar e tutelar livremente os seus interesses (artigos 398.º e 405.º, do Código Civil). Podem, assim, celebrar contratos de abertura de crédito escolhendo alguma das modalidades já indicadas, misturar características dessas modalidades ou mesmo estabelecer um clausulado distinto. Mas já não podem, sob pena de desvirtuar o modelo contratual, alterar o objeto do próprio contrato, que é, sem dúvida, uma prestação de disponibilidade de crédito. Como contrato preliminar que é, o contrato de abertura de crédito tem por objeto essa prestação de disponibilidade e não, propriamente, a utilização efetiva do crédito[5]. Por isso se diz que não é um contrato real; ou seja, um contrato que exija para a sua formação a entrega efetiva do capital cujo mútuo foi prometido. Além disso, como já vimos também, essa entrega pode, ou não, ter lugar em conta corrente; não é absolutamente necessário que seja feita diretamente ao mutuário; e, por regra, só essa entrega é garantida pelos reforços suplementares em relação ao património do devedor.
Ora, partindo destes pressupostos e analisando o contrato de abertura de crédito dado à execução, verificamos que nele se estipulou o seguinte:
“A B… abre um crédito em conta corrente à PARTE DEVEDORA até ao montante de CENTO E OITENTA MIL EUROS, que desde já se considera colocado à sua disposição e que se destina, segundo declaração da PARTE DEVEDORA, à construção de uma moradia no imóvel hipotecado” (cláusula 1ª, n.º 1).
Ou seja, a disponibilidade do dinheiro, por parte da mutuária, foi contemporânea e não relegada para o futuro.
Neste sentido, não se crê que outro documento fosse necessário para titular o crédito exequendo, uma vez que do dito contrato já resultava a constituição e o reconhecimento desse crédito (artigo 703.º, n.º 1, al. b), do CPC). Isto, naturalmente, sem prejuízo dos embargantes alegarem e provarem, nos embargos de executado, que esse crédito era de menor dimensão (artigo 731.º do CPC)
Mas, mesmo que assim não se entenda, sempre foram juntos aos autos os extratos da conta corrente onde foi disponibilizado semelhante crédito e, portanto, para efeitos executivos, sempre estariam preenchidos os pressupostos para a sua cobrança coerciva.
Em resumo, pois, não se verifica a arguida ausência ou insuficiência do título executivo.
3- Passemos, agora, à análise da requerida modificação da matéria de facto.
Começa por estar em causa o ponto 1 dos Factos não Provados.
Nele se afirma o seguinte: “O documento de folhas 9vº destes autos manifesta uma vontade expressa de a embargada aceitar, sem a verificação de qualquer condição, a substituição de obrigações – da obrigação pecuniária que para a sociedade embargante advinha do cumprimento do contrato com o nº …-.........–. (conforme instrumento de contrato junto a fls. 4vº a 10vº dos autos principais) pela obrigação de concluir a construção da casa de habitação no lote .., inscrito na matriz predial com o artigo 11100.º e descrito na CRP de Ovar com o n.º 5666, da freguesia de Ovar, bem como a obrigação obter a licença de utilização e ainda a obrigação de realização da escritura pública de dação em pagamento, com a consequente transferência do direito de propriedade sobre aquele imóvel, já construído, para a embragada, livre de ónus e encargos –, pelo que os efeitos da novação deveriam operar com a receção pelos embargantes, e nomeadamente pela sociedade embargante, do referido documento de folhas 9vº destes autos”.
Sustentam os Apelantes que este ponto reproduz o que na audiência prévia foi fixado como objeto do litígio. Como tal, deve ser dado como não escrito.
Em rigor, no entanto, não é assim.
O objeto do litígio foi assim estabelecido na dita audiência: “Saber se, a embargada declarou de forma expressa perante os executados, e nomeadamente perante a sociedade executada, aceitar a substituição da obrigação pecuniária que para a sociedade embargante advinha do cumprimento do contrato com o nº …-.........–. (conforme instrumento de contrato junto a fls. 8 a 15 e 18 a 20 todas dos autos principais) pelas obrigações de a mesma embargante concluir a construção da casa de habitação no lote .., inscrito na matriz predial com o artigo 11100 e descrito na CRP de Ovar com o n.º 5666, da freguesia de Ovar, bem como a obrigação obter a licença de utilização e ainda a obrigação de realização da escritura pública de dação em cumprimento, com a consequente transferência do direito de propriedade sobre aquele imóvel, já construído, para a embragada, livre de ónus e encargos”.
Ora, como é fácil de concluir, há uma diferença entre as duas afirmações em apreço. Na fixação do objeto do litígio questiona-se se, da parte da exequente, houve, no fundo, expressa aceitação de substituição das obrigações em causa. Já no ponto de facto questionado pelos Apelantes, afirma-se que não se provou que essa aceitação tenha sido dada através do documento de fls. 9v.º. O que, além de mais concreto, é também mais restrito.
De qualquer modo, sempre se dirá que não se tendo provado esta afirmação, também não se vê qualquer interesse em retirá-la da factualidade não provada, pois que, nessa qualidade, nenhuma influência pode ter na decisão da causa.
Nessa medida, não se atenderá a pretensão dos Apelantes de dar tal afirmação como não escrita.
Num outro capítulo – o dos factos provados – começam os Apelantes por questionar o destino probatório da afirmação contida na alínea c), e que é a seguinte: “O credor originário (B…) disponibilizou à embargante, D…, Ldª, por conta da celebração, no dia 21.05.2008, do contrato n.º ………….-., na modalidade de abertura de crédito, os seguintes montantes:
- 122.328,00€, disponibilizados no dia 21.05.2008;
- 48.227,40€, disponibilizados no dia 13.06.2008”.
Segundo os Apelantes, nem esta disponibilização devia ter sido dirimida nos embargos de executado, nem a mesma foi, neste caso, comprovada.
Mas, não é assim.
Com efeito, como já vimos, estamos perante um contrato de abertura de crédito através do qual a primitiva exequente, ou seja, a B…, se obrigou a colocar à disposição da sociedade, D…, Ldª, a quantia de 180.000,00€. Mas não só se obrigou, como nesse mesmo contrato ficou a constar que essa quantia era considerada, de imediato, como colocada à disposição da referida sociedade (cláusula 1ª).
Neste contexto, como também já dissemos, não havia fundamento legal para o juiz exigir, liminarmente, na execução, outra prova da realização dessa prestação, posto que ambas as partes nesse contrato reconhecem esse facto como verdadeiro.
E é esta circunstância, aliada à ausência de qualquer impugnação na petição de embargos, a esse propósito, que torna, nalguma medida, a alegação recursiva dos Apelantes insustentável.
Efetivamente, nunca os Apelantes, antes de ter sido junto aos autos o extrato da conta bancária na qual foi disponibilizado o capital exequendo contestaram o facto desse capital ter sido entregue à mutuária pela primitiva exequente. Só depois se envolveram nesse tipo de argumentação, que, nalguma medida, não pode deixar de se considerar como tardia, face ao princípio da concentração da defesa previsto no artigo 573.º, n.º 1, do CPC, que aqui também vigora[7].
Seja como for, certo é que esse extrato, associado ao primitivo silêncio e inércia probatória dos embargantes, não podem deixar de se considerar como suficientes para julgar comprovada a disponibilização de tal capital.
É que, como é sabido, o exequente beneficia, até prova em contrário, da presunção da existência do direito nos termos estipulados no título executivo[8].
Como tal, os embargantes tinham o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil)[9] e não o fizeram.
Por conseguinte, deve manter-se como certa a disponibilização do capital exequendo à mutuária.
Mas essa disponibilização, de acordo com o extrato da conta bancária já referenciada (……………), não foi apenas das quantias de 122.328,00€, em dia 21.05.2008, e 48.227,40€, no dia 13.06.2008, como se afirma no ponto de facto em apreço. Foi também de 7.500,00€, em 04.09.2008 (fls. 75), o que, somado às quantias anteriores, perfaz o montante de capital exequendo de 178.055,40€, que a exequente reclama e a sentença recorrida sancionou.
Nessa medida, porque se trata de um facto que emerge da documentação já referenciada, usando da faculdade prevista no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, alterar-se-á a redação da alínea c) da factualidade provada, que passa a ser a seguinte:
“O credor originário (B…) disponibilizou à embargante, D…, Ldª, por conta da celebração, no dia 21.05.2008, do contrato n.º ………….-., na modalidade de abertura de crédito, os seguintes montantes:
- 122.328,00€, disponibilizados no dia 21.05.2008;
- 48.227,40€, disponibilizados no dia 13.06.2008;
- 7.500,00€, em 04.09.2008”.
Prosseguindo na nossa análise, vemos que os Apelantes se insurgem contra a redação da alínea g) dos Factos Provados.
É o seguinte o seu teor:
“A partir desse momento, a embargante, D…, Ldª, deixou de estar vinculada, desde que fossem cumpridas as condições impostas pela embargada, ao pagamento das quantias pecuniárias para a liquidação dos valores financiados, ficando apenas com a obrigação de concluir a construção e obter a licença de utilização com vista à realização da escritura pública de dação em pagamento da dita moradia, livre de quaisquer ónus ou encargos”.
Defendem os Apelantes que a ressalva relativa ao cumprimento das condições impostas pela embargada deve ser retirada. Isto, porque não corresponde à alegação por eles feita na petição inicial, expressamente aceite pela embargada na contestação, além de que é uma redundância em relação ao que já consta da alínea j) dos Factos Provados.
Esta acusação é infundada. No artigo 3.º da contestação, efetivamente, a primitiva exequente disse aceitar, entre outros, os factos descritos no artigo 7.º da petição inicial, do qual, excecionada a dita ressalva, foi extraído o teor do ponto de facto em apreço. Mas, não disse só isso. Referiu igualmente que essa aceitação era feita “com as ressalvas infra descritas”. E, entre essas ressalvas, constam, justamente, as ditas condições, que são mencionadas, por exemplo, nos artigos 5.º, 6.º e 7.º da contestação, extraídas da sua resposta constante da carta que dirigiu à mutuária no dia 03/06/2014.
Assim, não se pode afirmar, como fazem os embargantes, que a embargada aceitou, sem mais, a proposta da mutuária ou que essa aceitação não foi precedida de condições. Pelo contrário, essas condições foram, claramente, estabelecidas pela embargada, pelo que não se pode retirar a menção identificada pelos embargantes.
De tudo o exposto resulta, assim, que a afirmação em apreço se deve manter inalterada, exceto no modo verbal da aceitação, que deve ser o condicional. Isto é, a alínea g) dos Factos Provados, passará a ter a seguinte redação:
“A partir desse momento, a embargante, D…, Ldª, deixaria de estar vinculada, desde que fossem cumpridas as condições impostas pela embargada, ao pagamento das quantias pecuniárias para a liquidação dos valores financiados, ficando apenas com a obrigação de concluir a construção e obter a licença de utilização com vista à realização da escritura pública de dação em pagamento da dita moradia, livre de quaisquer ónus ou encargos”.
Também a propósito das mesmas condições, impugnam os Apelantes o teor da alínea j).
Mas, igualmente, sem razão.
Com efeito, como resulta da já referida resposta, datada de 03/06/2014 (fls. 9v.º), “a embargada apenas aceitou a dação nas condições mencionadas na alínea anterior (i), sendo estas consideradas condições sem as quais a dação não se realizaria”.
Como se refere nessa mesma resposta, a “dação fica condicionada à legalização junto da Conservatória do Registo Predial e Finanças da Moradia construída no imóvel” referenciado nessa missiva, sendo que “as escrituras referentes às dações, deverão ser realizadas num prazo máximo de 2 meses, nas seguintes condições:
-As chaves do imóvel devem ser entregues até à realização da escritura de dação em pagamento;
- O imóvel deve apresentar-se livre de ónus ou encargos e de pessoas e bens”.
Deste modo, entende-se que, também nesta parte, não se pode atender a pretensão dos Apelantes.
Subsequentemente, impugnam os Apelantes o teor da alínea t) dos Factos Provados, que se transcreve:
“Da avaliação realizada em 10 de Setembro de 2015 resultava um valor inferior à realizada em 2014, considerando que o acesso ao terraço, inicialmente previsto na cobertura foi anulado/fechado e, consequentemente houve uma diminuição da área habitável”.
Para justificar a prova desta afirmação, refere o Tribunal recorrido que “teve em conta o depoimento prestado pela testemunha H…, quando disse que, após a reavaliação da operação bancária referente ao documento de fls. 9v’ destes autos, nomeadamente em virtude de nova avaliação do imóvel dado em garantia, se verificou que este imóvel tinha um valor inferior àquele que o mesmo imóvel tinha no momento em que foi elaborado o documento junto a fls. 9v’ destes autos, dado que tinha havido uma diminuição da área habitável por imposição da câmara”.
Além disso, faz notar “que no relatório da perícia de avaliação da mesma moradia que foi determinada no âmbito dos autos de execução (processo principal), a sr.ª perita descreve a composição do prédio como tendo um terraço na cobertura (cf. certidão junta a fls. 87 e ss. destes autos). Como esta perita se deslocou ao local para uma visita técnica, é possível concluir que existe, de novo, acesso ao terraço. Com base nisso, é possível concluir que, para efeitos de legalização da obra, tiveram que realizar-se alterações ao projeto de arquitetura da habitação.
Em outros termos: a emissão da licença de utilização implicou a desconsideração do terraço, o que esteve na origem da diminuição da área útil da habitação. Esta inferência fáctica é corroborada pelo documento junto a fls. 23 v’ a 27 destes autos, cuja falsidade e inexatidão da reprodução mecânica não foram arguidas pelos embargantes. Trata-se de uma ficha técnica da habitação elaborada com base na emissão da licença de utilização, o que pressupõe que seja datada de um período posterior a 24.07.2015”.
Os Apelantes não aceitam, todavia, que julgue a referida afirmação como provada. Por um lado, porque encerra dois juízos conclusivos; e, por outro, porque carece de qualquer fundamento de facto. E desvalorizam os depoimentos prestados por duas testemunhas arroladas pela embargada, além de que se dizem incomodados com o facto de não ter sido tomado em consideração o relatório de avaliação do imóvel produzido no processo executivo.
Ora, como acabamos de ver, assim não sucedeu. O Tribunal recorrido levou em consideração esse relatório.
Por outro lado, no que diz respeito à prova testemunhal indicada pelos embargantes, os mesmos nem sequer se deram ao trabalho de a identificar e, menos ainda, de dar cumprimento aos ónus previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC, sendo certo que essa falta implica a rejeição do recurso, no segmento em apreço.
De qualquer modo, sabendo nós que a primitiva exequente se propôs receber o imóvel em causa, no dia 03/06/2014, para liquidar uma dívida de 220.625,28€ (fls. 9v.º), e que esse mesmo imóvel foi avaliado posteriormente pela embargada, em 210.000,00€ (fls.23v.º a 25), e pelo perito nomeado pelo tribunal, em 177.000,00€ (isto, em 04/04/2018 – fls. 88 a 100), é evidente que temos termos de comparação que comprovam uma diminuição do valor desse mesmo imóvel.
Por outro lado, resulta também das regras da experiência comum que, sendo anulada uma determina área habitável, seja qual for a sua dimensão, há também uma diminuição dessa mesma área. O que, aliado a outros meios de prova, como os referidos na decisão recorrida, podem determinar a prova desse facto.
Por tais motivos, assim, não cremos que sejam de julgar procedentes as críticas dos Apelantes.
Por fim, resta a afirmação contida na alínea v) dos Factos Provados; ou seja, que “[o] depósito prévio de tal quantia [27.000,00€] era condição essencial para a liquidação da responsabilidade dos embargantes”.
Sustentam os embargantes que esta afirmação é conclusiva, além de que a referência à “responsabilidade dos embargantes” tem como pressuposto estarem estes obrigados ao pagamento da referida quantia de 27.000,00€.
Ora, não é assim. A dita responsabilidade reporta-se à dívida que os embargantes tinham para com a primitiva embargada e não ao referido valor de 27.000,00€. É esse o sentido que um declaratário normal, observando as regras interpretativas previstas nos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, extrai da referenciada afirmação[10]. Até porque não tendo os embargantes aceitado o pagamento do último montante referido, não se pode concluir que os mesmos estivessem obrigados a pagá-lo.
Por outro lado, a condição a que se alude na mesma afirmação não é aqui empregue em termos jurídicos (artigo 270.º do Código Civil), mas no seu sentido corrente de requisito sem o qual a primitiva exequente não aceitava realizar a escritura de dação mencionada na sua resposta de 03/06/2014. Ou seja, era um pressuposto de facto necessário para a celebração dessa escritura e, nessa medida, podia ser, como foi, julgado provado.
Daí que não mereça também acolhimento a pretensão dos Apelantes neste domínio. Ou seja, em resumo, só as alíneas c) e g) dos Factos Provados devem ser, como já foram, alteradas, mantendo-se toda a restante factualidade impugnada com o teor e destino probatório que lhe foi atribuído na sentença recorrida.
4- Vejamos, agora, a questão da alegada inexigibilidade da quantia exequenda
Neste capítulo, pretendem os Apelantes que se reconheça eficácia ao acordo celebrado entre a primitiva exequente e a mutuária, no sentido de tornar inexigível o pagamento da quantia exequenda; seja por via da novação, seja da dação em cumprimento, seja mesmo pela via do abuso de direito.
Importa, assim, neste contexto, verificar se alguma destas figuras é passível de assegurar o resultado almejado pelos Apelantes.
Quanto à novação, dá-se ela, como é sabido, quando se constitui uma nova obrigação em substituição de um vínculo anterior.
Se for novação objetiva, “o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga” – artigo 857.º, do Código Civil.
Se for novação subjetiva, mesma pode dar-se por substituição do credor “quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o devedor para com ele por uma nova obrigação”; ou por substituição do devedor “quando um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor” – artigo 858.º, do Código Civil.
Em qualquer caso, a novação não se presume. Tem de ser expressamente manifestada a vontade de a realizar (artigo 859.º, do Código Civil); isto é, tem de haver uma declaração negocial com essa finalidade, seja por meio de palavras, escrita ou outro modo direto de manifestação da vontade (artigo 217.º, nº. 1, do Código Civil).
Mas, uma vez constituída a nova obrigação, a antiga extingue-se imediatamente. Por isso se diz que este contrato envolve, simultaneamente, um acordo constitutivo e extintivo de obrigações. Na primeira vertente, relativamente à obrigação nova, e, na segunda, quanto à obrigação originária.
Em qualquer caso, a novação, para assim ser considerada, deve ter por objeto um elemento essencial da relação obrigacional. Se assim não for e a modificação contratual incidir apenas sobre um dos seus elementos acessórios, não há novação[11].
Por sua vez, na dação em cumprimento há também uma modificação contratual. Mas, ao contrário da novação, não há a constituição de qualquer vínculo com efeito liberatório, mas apenas a extinção da obrigação através de uma prestação diferente daquela que era inicialmente devida. Prestação que, “embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento” – artigo 837.º, do Código Civil. Isto é, sem o assentimento do credor não se concretiza a extinção da relação obrigacional, por este meio[12].
Por outro lado, na dação de que estamos a tratar, o acordo das partes tem de ser contemporâneo do cumprimento. Ou seja, este não pode ser deferido em relação àquele. Se o for, já não estamos perante a mesma figura jurídica, posto que, na dação em pagamento, “não se chega a criar uma nova obrigação; extingue-se a existente mediante a entrega de uma outra prestação (cfr. art.837.º)[13]”.
O acordo do credor, pois, deve incidir sobre a dupla vertente da aceitação de prestação diversa da devida e na extinção imediata do seu direito de crédito.
Distinta, mas ao mesmo tempo conceptualmente próxima das duas figuras que acabamos de abordar, é a dação em função do pagamento (datio pro solvendo).
Nela, também o credor aceita uma prestação diversa da devida, mas a extinção desta última só ocorre se, quando e na medida em que aquele vir satisfeito o seu crédito. O artigo 840.º, n.º 1, do Código Civil, é bem claro a esse propósito: “Se o devedor efetuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respetiva” – artigo 840.º, n.º 1, do Código Civil.
Por conseguinte, a prestação que é objeto desta dação não tem, por regra, efeito liberatório imediato em relação à obrigação inicialmente devida, mas esta subsiste até à satisfação integral do direito de crédito correspondente. No fundo, como “se tratasse de um mandato conferido ao credor pelo devedor de se pagar por via da coisa ou do crédito em causa”[14]. Desta característica se depreende que o seu objetivo é facilitar o cumprimento, harmonizando, na medida do possível, os interesses do credor e devedor.
Todos estas modalidades têm em comum o facto de terem por objeto uma prestação diferente da que é devida, sendo a finalidade última e prática, ainda que nem sempre a imediata, a extinção da obrigação originária por causa diversa do seu cumprimento.
Ora, munidos destas noções, é altura de averiguar o que quiseram as partes com o acordo entre elas celebrado.
E, para o efeito, é indispensável proceder à sua interpretação. Só depois de estar definido o sentido das declarações negociais produzidas por cada uma das partes é possível, em conjugação com as regras legais pertinentes, determinar os direitos e obrigações nascidos com esse acordo e quais as suas consequências jurídicas e patrimoniais.
Como é sabido, vigoram nesta matéria as regras estipuladas nos artigos 236.º e 238.º, do Código Civil.
De acordo com o primeiro preceito legal indicado[15], ressalvando a hipótese do declaratário conhecer a vontade real do declarante, deve a declaração negocial ser sempre entendida a partir da posição do real declaratário, com o sentido que um declaratário normal, ou seja, de qualidades e diligência médias, colocado naquela posição, pudesse deduzir, salvo se não fosse razoável contar com esse sentido.
Como se assinalou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/04/2013 [16]; “[o] declaratário é obrigado a investigar, num plano de boa fé e tendo em consideração todas as circunstâncias por ele sabidas ou cognoscíveis, o que o declarante quis; este, por seu lado, é também obrigado pela boa fé a deixar valer a declaração no sentido que o declaratário, mediante cuidadosa verificação, tinha de atribuir-lhe.
Todavia, na interpretação de um contrato deve buscar-se não apenas o sentido de declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, “mas antes o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo, como acção de autonomia privada e como globalidade da matéria negociada ou contratada”.
A normalidade do declaratário legalmente apontada implica, por um lado, a capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, e, por outro lado, o zelo para acolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, contribuam para a descoberta da vontade real do declarante.
Nesses elementos inserem-se: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a sua celebração ou são contemporâneas destas; as negociações entabuladas; a finalidade prosseguida pelas partes; o próprio tipo negocial; a lei, os usos e os costumes por ela recebidos. Para além destes elementos, também releva a posição assumida pelas partes na concretização do negócio. Esta não pode, na verdade, deixar de, razoavelmente, corresponder ao que as partes entendem ser os direitos e as vinculações que para cada uma delas emergem do negócio”.
Em qualquer caso, tendo sido observada a forma escrita, como sucedeu no caso presente em relação à primitiva embargada, não podem as declarações negociais “valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” – artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil.
E, “em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio de prestações” – artigo 237.º do Código Civil. A menos que se trate de uma dação em função do pagamento (datio pro solvendo), que tenha por objeto a cessão de um crédito ou a assunção de uma dívida, em que se presume ter sido feita para facultar ao credor uma prestação diferente da devida, de modo a que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito – artigo 840.º, n.º 2, do Código Civil. Mas, não é esse o caso presente. Por conseguinte, devem aplicar-se as regras gerais já referenciadas.
Ora, tendo presentes essas regras, o que verificamos, pelos factos provados, é que a sociedade embargante, no ano de 2014, se propôs extinguir todas as suas responsabilidades derivadas dos contratos de financiamento nºs ………….-., …………..-., ………….-. e ………….-., mediante a entrega à primitiva embargada de uma parcela de terreno na qual estava a ser edificada uma casa de habitação.
A referida embargada aceitou esta proposta, mas aditou-lhe alguns elementos que para si eram importantes para a decisão de contratar, a saber:
Em primeiro lugar, a conclusão da construção da casa de habitação e a obtenção da licença da sua utilização;
Em segundo lugar, a “dação [ficou] condicionada à legalização junto da Conservatória do Registo Predial e Finanças da Moradia construída no imóvel acima, bem como à entrega da documentação necessária à realização da escritura”, que identifica.
E, por fim, “[a]s escrituras referentes às dações, deverão ser realizadas num prazo máximo de 2 meses, nas seguintes condições:
-As chaves do imóvel devem ser entregues até à realização da escritura de dação em pagamento;
- O imóvel deve apresentar-se livre de ónus ou encargos e de pessoas e bens”.
Neste contexto, não se pode afirmar que houve qualquer novação da obrigação contraída ou garantida pelos embargantes.
Como já vimos, a novação envolve, em simultâneo, a constituição de uma nova obrigação e a extinção da antiga e, no caso, não se deu este fenómeno. A primitiva embargada só aceitou extinguir a obrigação exequenda se e quando recebesse o imóvel que a sociedade embargante se propôs entregar-lhe, nas condições pela mesma estipuladas.
Portanto, está fora de questão que o pagamento da dívida exequenda não seja exigível por este motivo.
Mas também não obsta à exigibilidade desse pagamento a dação em cumprimento prevista, pois que essa figura, como vimos, exige a realização de uma prestação diversa da devida, no caso a entrega do imóvel, e essa entrega não chegou sequer a ocorrer.
Por conseguinte, também por esta via não pode legitimar-se a pretensão dos embargantes de ficarem desonerados do cumprimento da obrigação exequenda.
Resta saber se o acordo já aflorado mantinha plena eficácia à data da instauração da execução e se esta última comporta o exercício abusivo de um direito, por parte da embargada.
Pois bem, quanto ao primeiro aspeto, sustentam os Apelantes que não tendo havido extinção consensual ou unilateral do dito acordo, o mesmo mantem-se plenamente em vigor. Isto, porque o prazo nele estipulado para o cumprimento das obrigações previstas não se traduz em qualquer condição resolutiva.
E, efetivamente, não é. Designadamente, o prazo de 2 meses para a conclusão e legalização da obra e a celebração da escritura de dação da mesma à embargada, não é um prazo que tenha implicações resolutivas.
A condição, como resulta do disposto no artigo 270.º, do Código Civil, implica a subordinação dos efeitos de um negócio jurídico a um acontecimento futuro e incerto; ou seja, “caracteriza-se (…) por estabelecer uma relação de dependência entre a eficácia de um negócio jurídico, perfeito e válido, e um evento futuro e incerto, originando uma dissociação entre o momento de assunção de um vínculo jurídico-negocial, irrevogável e intangível, e o momento da respetiva eficácia”[17].
Ora, não é isso que se observa no caso em apreço. Aquilo que se deteta, dando por certa a aceitação da contraproposta da primitiva embargada pela sociedade embargante, é a conclusão de um processo negocial, mediante o qual as partes se entenderam sobre os critérios de decisão para contratar[18]. Designadamente, sobre os critérios de decisão da primitiva exequente, que se traduziam, no fundo, na transferência para o seu domínio de facto e de direito, da casa de habitação supra descrita, devidamente concluída e legalizada, no prazo de 2 meses. Não estamos, assim, ainda na fase contratual, mas pré-contratual.
Sucede, que os referidos critérios não foram respeitados pela sociedade embargante. Nomeadamente, não foi concluída e legalizada a obra no referido prazo.
Neste enquadramento, não se pode concluir que a exequente seja obrigada a contratar ou mesmo que os embargantes estão dispensados do pagamento da quantia exequenda, por a mesma ser inexigível.
E é, justamente, porque assim é que a atitude da exequente não configura qualquer abuso de direito.
Abuso de direito existiria se essa atitude fosse ilegítima, do ponto de vista jurídico. Isto é, se o direito em que se baseia – de não contratar – excedesse “manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”- artigo 334º do Código Civil.
A ilegitimidade aqui em causa, na verdade, não reveste o sentido técnico comum – como a falta de qualidade para o exercício de um direito -, mas é, antes, o sinónimo da proibição de uma conduta[19]. É essa antijuricidade relacional, ou exercício disfuncional de uma posição jurídica, que permite o seu controlo jurisdicional oficioso[20].
Ora, como acabámos de ver, a embargada não só nunca se obrigou a contratar fora dos parâmetros por si definidos, como foi a sociedade embargada que não cumpriu esses parâmetros.
Daí que não se possa concluir que, por este fundamento, a obrigação exequenda seja inexigível.
Em resumo: toda a defesa dos embargantes em tal sentido deve ser julgada improcedente.
5- Por fim, resta analisar e decidir a questão da má fé
Como é sabido e resulta do disposto no artigo 8.º do CPC, as partes estão obrigadas a agir de boa-fé em juízo. E agir de boa-fé pressupõe, como estabelece o artigo 542.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, que não se deduza pretensão ou oposição sem fundamento cognoscível; que não se altere a verdade dos factos ou omitam factos relevantes para a decisão da causa; que não se pratique omissão grave do dever de cooperação; e que não se use o processo ou os meios processuais de modo reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Mas não só. Pressupõe igualmente que estas condutas típicas sejam adotadas com dolo ou negligência grave; isto é, com consciência e vontade de as realizar ou mesmo, de forma temerária, com culpa grave ou erro grosseiro[21].
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/09/2012 [22], “a litigância de má fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma, tem a consciência de não ter razão”.
Ora, no caso presente, não sendo, como dissemos, ilegítima a recusa da exequente em contratar, posto que os critérios por ela definidos não foram observados, legítima se deve ter a sua pretensão de cobrar a quantia exequenda, e, portanto, jamais aquela pode ser condenada como litigante de má-fé. Ou seja, em suma, a pretensão dos embargantes, também neste domínio, deve soçobrar.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento aos recursos em apreço e, consequentemente, confirmam-se as decisões recorridas.
*
Porque decaíram nas suas pretensões recursivas, as custas de ambos os recursos serão suportadas pelos Apelantes – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
*
Porto, 10/07/2019
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
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[1] Ac. STJ de 12/09/2007, Processo n.º 07S923, consultável em www.dgsi.pt.
A decisão implícita pode, inclusive, formar caso julgado, como se decidiu, entre outros, no Ac. STJ de 14/05/2014, Processo n.º 120/13.1TTGRD-A.C1S1, consultável no mesmo endereço eletrónico.
[2] Cfr. neste sentido, por exemplo, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Reimpressão, Wolter Klumer Portugal/Coimbra Editora, pág. 90.
[3] O que, note-se, nada tem a ver com o contrato de conta-corrente previsto no artigo 344.º do Código Comercial, uma vez que o banco, além de só estar a obrigado a fazer a entrega do capital mutuado se e quando o cliente o solicitar, também tem direito ao reembolso integral desse capital e não apenas ao saldo da conta-corrente, pois, em rigor, não há lugar a qualquer compensação com o valor do crédito que não foi utilizado, por o banco dele não ser devedor.
[4] Ac. STJ de 03/04/2003, Proc.º 03B910, consultável em www.dgsi.pt
[5] No sentido de que o contrato de abertura de crédito é um contrato preliminar, pronunciou-se o Ac. STJ de 08/06/1993, CJ, ano I, tomo III, pág.3, Ac. STJ de 10/12/1997, Proc. 97B671, consultável em www.dgsi.pt.
[6] O sublinhado é da nossa responsabilidade.
[7] Neste sentido, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, pág. 409.
[8] Como refere, José Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, pag. 164, o título executivo, mesmo após o decurso do prazo para embargar, continua, como até aí, “a incorporar a obrigação exequenda, com dispensa, em princípio de qualquer indagação prévia sobre a sua real existência”.
[9] Neste sentido, entre outros, Acs. STJ de 30/09/2004, Proc. 04B2538, e de 10/07/2007, Proc. 07B2330, ambos consultáveis em www.dgsi.pt
[10] No sentido de que estas regras são aplicáveis à interpretação das decisões judiciais, pronunciaram-se, entre outros, o Ac. do STJ, de 05/12/2002, Processo nº 02B3349, Ac. do STJ, de 05/11/2009, Processo nº 4800/05.TBAMD-A.S1, Ac. do STJ de 08/06/2010, Processo nº 25.163/05.5YYLSB.L1.S1 Ac. do STJ, de 03/02/2011, Processo nº 190-A/1999.E1.S1, Ac. do STJ, de 26/04/2012, Processo nº 289/10.7TBPTB.G1.S1, Ac. do STJ, de 20/03/2014, Processo nº 392/10.3TBBRG.G1.S1, Ac. da RC, de 22/03/2011, Processo nº 243/06.3TBFND-B.C1, Ac. RP de 14/01/2013, Processo n.º 2192/08.1TBAVR-A.P1, Ac. da RC, de 15/01/2013, Processo nº 1500/03.6TBGRD-B.C1, Ac. RG de 14/01/2017, Processo n.º 426/11.4TBPTL-A.G1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[11] Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 3ª edição Revista e actualizada, Coimbra Editora, pág.149.
[12] E compreende-se que assim seja. “A relação obrigacional está colimada à satisfação do interesse do credor, nela encontrando o seu sentido final e existencial. Nasce para satisfazer o mais completa e adequadamente o interesse do credor na prestação e extingue-se no momento em que essa satisfação for alcançada” - João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, Almedina, pág.67.
[13] Neste sentido, pronunciam-se, entre outros, Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, pág.791; e, na jurisprudência, Ac. STJ de 17/03/2005, Processo n.º 05B499, consultável em www.dgsi.pt
[14] Ac. STJ de 17/03/2005, já referido.
[15] Que consagra a teoria da impressão do declaratário, segundo uma conceção objetivista. Neste sentido, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª Ed., págs. 447e 448 e Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed. Revista e atualizada, pág.447 e 448.
[16] Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt
[17] Ana Afonso, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP, pág. 573.
[18] Sobre o processo negocial, nele incluindo a concretização dos critérios de decisão, pronuncia-se António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, 4ª edição, Almedina, pág. 159.
[19] Cfr. neste sentido, António Menezes Cordeiro, “O abuso de direito: estado das questões e perspectivas”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Vol II, consultável em www.oa.pt.
[20] Cfr. neste sentido, entre muitos outros, Ac. do STJ 18/10/2012, Processo n.º 660/04.3TBPTM.E1.S1, e Ac. STJ de 11/12/2012, Processo n.º 116/07.2TBMCN.P1.S1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[21] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3ª Ed., Almedina, pág.456.
[22] Processo n.º 2326/11.09TBLLE.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt