Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21568/16.4T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
INEXEQUIBILIDADE PARCIAL DO TÍTULO
JUROS DE MORA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP2018092721568/16.4T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º145, FLS.222-228)
Área Temática: .
Sumário: I - Esta Relação pode e deve suprir a nulidade de omissão de pronúncia da sentença, dado que tem todos os elementos para decidir e sem necessidade de nova audição da apelada pois já teve a oportunidade de se pronunciar em contra alegações.
II - O acórdão proferido e que serve de título executivo não condenou a executada em mais do que o pedido, relativamente ao valor das rendas em bruto, ou seja sem dedução do IRS devido ao Estado e que é obrigação fiscal da arrendatária, ora exequente. Há, pois, uma manifesta inexequibilidade do título executivo, quanto a esse montante da quantia exequenda e juros de mora.
III - A obrigação de pagamento de juros de mora, quanto à executada M…, iniciou-se após a data da notificação da sentença proferida nestes embargos a esta executada, dado que dela não interpôs recurso e, desde a data da notificação deste acórdão, quanto à executada A... (apelante), pois foi com estas decisões judiciais que as respectivas quantias de capital se tornaram líquidas e exigíveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 21568/16.4T8PRT-C.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
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Sumário:
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I - RELATÓRIO:
No apenso C à execução para pagamento de quantia certa com base em sentença condenatória transitada em julgado, em que é exequente “B…, S.A.”, a executada, C…, com os sinais nos autos, veio opor-se à execução por embargos de executado, em 20.03.2017, pedindo o indeferimento liminar do requerimento executivo por a execução ter sido directamente instaurada no Juízo de Execução e a extinção da execução porque com o requerimento executivo não foi junto o título executivo, mormente a sentença ou acórdão em causa e a exequente não tem direito aos juros e honorários reclamados.
No apenso D, a executada D…, também em 20.03.2017, veio instaurar embargos de executado, onde invocou os mesmos argumentos tecidos pela outra executada e, ainda, a inexiquibilidade parcial do título executivo quanto à quantia de €17.300,00, pedindo a procedência dos mesmos e a extinção da execução.
Foi proferido despacho em 04.04.2017, a determinar que os dois embargos corressem termos neste único apenso C.
Notificada a exequente veio contestar, concluindo pela improcedência total de ambos os embargos, entendendo que o tribunal a quo é o competente; a execução corre termos nos próprios autos, pelo que é dos próprios autos que resulta o título executivo; é certo que não resulta da sentença e acórdão que a alterou a condenação em juros de mora mas estes são devidos porque nessas decisões foram proferidas condenações no pagamento de determinadas quantias.
Após ter sido proferido despacho nos autos a informar as partes que o processo já reunia os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito e para auscultar as partes quanto a prescindirem da realização da audiência prévia e dado que estas não prescindiram dessa diligência processual, foi realizada a audiência prévia.
Na audiência prévia não foi possível obter a conciliação entre as partes, tendo os ilustres mandatários das mesmas prescindido da continuação da audiência prévia (como consta da acta respectiva), pelo que, em 08.03.2018, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos de ambas as executadas e determinou a redução da execução nos seguintes termos:
a) Relativamente à executada, C…, a execução prosseguirá para satisfação da quantia de €4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação da mesma para a presente execução e até integral e efectivo pagamento;
b) Relativamente à executada, D…, a execução prosseguirá para satisfação da quantia de € 69.200,00 (sessenta e nove mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação da mesma para a presente execução e até integral e efectivo pagamento.
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Desta decisão foi interposto recurso pela exequente/embargada, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto de sentença que decidiu: "Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes os presentes embargos de executado, em consequência do que determino a redução da execução de que estes autos constituem um apenso nos seguintes termos: a) Relativamente à executada, C…, a execução prosseguirá para satisfação da n quantia de €4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação da mesma para a presente execução e até integral e efectivo pagamento; b) Relativamente ã executada, D…, a execução prosseguirá para satisfação da quantia de €69.200,00 (sessenta e nove mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação da mesma para a presente execução e até integral e efectivo pagamento;"
2. No requerimento executivo, foi solicitado que C… pagasse, além do valor anteriormente referido - €4.950,00 - a quantia de €1.062,73 (mil sessenta e dois euros e setenta e três cêntimos), a título de juros de mora, contados desde a citação, ocorrida no processo de condenação que deu origem ao título executivo da quantia exequenda, a 05.10.2013.
3. Ainda, foi peticionado o pagamento a D… dos juros de mora vencidos que somam o valor de €10.816,19, contados desde a citação, ocorrida no processo de condenação que deu origem ao título executivo da quantia exequenda, a 26.09.2013, além do valor definido na sentença recorrida - €69.200,00.
4. A verdade é que, a douta sentença só concedeu juros à exequente a contabilizar a partir da data em que ocorreu a citação nos presentes autos.
5. Em face do exposto, entende-se que a quantia devida a título de juros moratórios por parte das executadas é devida desde a citação ocorrida no processo n.° 549/13.5TVPRT, da Comarca do Porto, Porto - Inst. Central - Ia Secção Cível - J2.
6. Mas, ainda que assim se não entenda, sempre se dirá que tal quantia é devida desde a notificação da sentença proferida naqueles autos - no caso de C… desde 26.05.2015, e no caso de D… desde 04.02.2016.
7. Em face do exposto, a douta sentença proferida violou ou deu errada interpretação ao disposto nos arts. 804° e 805°, ambos do CCiv., o que desencadeia a nulidade da douta sentença, nulidade essa que expressamente se invoca.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado com as demais consequências legais.
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Por sua vez, a embargante D… interpôs recurso independente tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso de apelação vem interposto da douta sentença, proferida pelo Meritíssimo Juiz “a quo” a fls. do processo que julga parcialmente procedentes os embargos de executado apresentados, determinando em consequência a redução da execução, sendo que, relativamente à ora Recorrente, determina o prosseguimento para satisfação da quantia de €69.200,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação da mesma para a execução e até efectivo e integral pagamento.
2. A douta sentença proferida padece de erro na sua formulação, com a omissão de pronúncia sobre questões/ pretensões cuja apreciação foi suscitada pela ora Recorrente em sede de embargos e que deveriam ter sido alvo de apreciação pelo Meritíssimo Juiz, consubstanciando a nulidade da douta sentença proferida.
3. Por entender não existir razão à Exequente para reclamar a cobrança coerciva de valores indicados no requerimento, deduziu os competentes embargos de executado, constante de fls. dos autos.
4. Nos mencionados embargos à execução, a ora Recorrente alegou, entre outras questões, a “Inexistência de Titulo Executivo – Das rendas reclamadas, a exequente não tem direito a receber o valor correspondente às retenções efectuadas e entregues ao Estado”;
5. Acontece que, admitimos por mero lapso, a douta sentença proferida não se pronunciou sobre a questão suscitada pela Embargante, relativa à impossibilidade da Embargante receber nos presentes autos o valor de €17.300,00, relativo às retenções efectuadas pela mesma e entregues ao Estado.
6. A Exequente reclamou o pagamento da quantia de €17.300,00, a título de valor entregue a como retenção na fonte em sede de IRS/IRC.
7. No entanto, nunca reclamou a condenação da ora Recorrente na restituição de tal valor em sede de acção declarativa, sendo que que a douta sentença proferida em 1ª Instância e o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que serviriam de titulo executivo nos presentes autos, não condenam a Executada, ora Recorrente na restituição do imposto alegadamente entregue pela Exequente ao Estado, até por que não o poderiam fazer sob pena de violação do Principio do Pedido.
8. Face ao exposto, a ora Recorrente, em sede de embargos de executado, suscitou esta questão e apresentou a sua pretensão, in casu, requereu que fosse ordenada a extinção do processo executivo relativamente ao valor reclamado a título de Imposto, no montante de €17.300,00, por o mesmo não constar de título executivo e não ser exigível, com consequente libertação da penhora relativa a esse montante.
9. Esta questão e pretensão foram devidamente apresentadas nos artigos 39º a 81º inclusive, dos embargos de executada, bem como no respectivo pedido final, conforme adiante se transcreve e consta dos próprios autos.
10. No entanto na douta sentença, o Meritíssimo Juiz, omitiu qualquer pronúncia sobre esta questão/ pretensão suscitada pela Embargante, admitindo que por mero lapso e confusão com os outros embargos apresentados nos autos pela outra Executada, C….
11. Admitimos que, face à semelhança das matérias suscitadas nos embargos apresentados, bem como a junção dos dois embargos num só apenso, terá ocorrido confusão no processo e um lapso por parte do tribunal “a quo”, na análise dos embargos, não se pronunciando sobre matérias invocadas pela ora Recorrente.
12. Acresce ainda que, relativamente a esta matéria, a ora Recorrente apresentou requerimento de prova com os embargos de executado,
13. No entanto, também quanto a este pedido, o tribunal “ a quo” não se pronunciou.
14. Da leitura da sentença deduz-se que o tribunal “ a quo” pronunciou-se apenas sobre a matéria contante dos embargos de executado apresentadas pela ora Recorrente que também constavam dos embargos apresentados pela Embargante C…, olvidando e não se pronunciando sobre toda a matéria alegada pela ora Recorrente nos seus embargos, nomeadamente quanto à questão da exigência de pagamento do valor relativo às retenções na fonte efectuadas e entregues ao Estado.
15. Ora, a Recorrente alegou factos e questões que considerava essenciais para a boa decisão dos presentes autos, nomeadamente, de que a Exequente não teria direito a receber a quantia de €17.300,00 a titulo de retenções na fonte, por a mesma não ser exigível e não constar de titulo executivo apresentado nos autos.
16. O Tribunal a quo desatendeu tal facto essencial que, se analisado e considerado como provado, implicaria uma decisão diversa da proferida quanto ao valor devido à Exequente, bem como ao valor de juros de mora que viessem a ser calculados.
17. A alínea a) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., por sua vez, impõe que é nula a sentença onde “O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
18. A nulidade referida na alínea a) do nº 1 do art. 615º do C.P.C ocorre quando o Juiz, na Sentença proferida, não resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, omitindo a pronúncia relativamente a essas questões e pretensões.
19. Com o devido respeito, entende a Recorrente que a sentença, sendo omissa quanto aos factos, questões e pretensões essenciais alegados nos embargos de executado, e nomeadamente no que à questão do suscitada quanto ao valor de €17.300,00 relativo a retenções na fonte diz respeito, violou o art. 607º do C.P.C. e está ferida de nulidade nos termos do art. 615º nº 1) alínea d) do mesmo Código porque deixou de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar e que fora devidamente invocada nos autos, nulidade esta que expressamente se invoca e requer seja reconhecida com as devidas consequências legais.
NESTES TERMOS, deverá ser declarada nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos do art. 615º nº 1) alínea d) do C.PC. fazendo-se desta forma a costumada JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra alegações.
Admitido o recurso na primeira instância e pelo ora relator e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO RECURSO:
Os recursos são balizados pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e no recurso não se apreciam razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 639º, nºs 1 e 2, CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06.2013, aplicável ao presente processo face ao disposto no artº 8º desta Lei.
Não vem impugnada por qualquer dos apelantes a matéria de facto fixada na sentença recorrida nos termos do artº 640º, NCPC, nem há fundamento para esta Relação a alterar oficiosamente, nos termos do artº 662º, nº1 ou usar algum dos mecanismos processuais previstos no nº 2 desta norma legal.
II.1 - Fixa-se definitivamente a seguinte matéria de facto:
1. A exequente apresentou à execução a sentença proferida na acção declarativa que correu termos sob o nº 549/13.5TVPRT, que correu termos na 1ª Secção da Instância Central Cível do Porto da Comarca do Porto, em que foi proferida a seguinte decisão:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção, em consequência do que:
. se reconhece à autora o direito de haver para si, em virtude de gozar do direito de preferência, o ajuizado imóvel, e, em consequência, ordenar a substituição da 2ª ré pela adquirente pela preferente, aqui autora;
. e ordena o cancelamento de quaisquer registos prediais que tenham sido feitos a favor da adquirente, bem como do cancelamento de quaisquer inscrições e/ou averbamentos que tenham sido efectuadas na Repartição de Finanças relativas ao mesmo prédio, executadas com base na escritura de compra e venda;
. se condena a 1º ré a pagar á autora a quantia de €4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), a título de responsabilidade civil, pelo incumprimento da obrigação imposta pelo art. 416º do Cód. Civil;
. se absolve a 1ª ré dos pedidos formulados nas als. e) e f) na conclusão da petição inicial;
. se absolve a 2ª ré do pedido formulado na al. c) na conclusão da petição inicial…” (vide doc. de fls. 46 a 54 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
2. Da sentença referida em 2 foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto pela aqui exequente (aí autora), restrito apenas à absolvição da aí 2ª ré, tendo sido proferido acórdão, transitado em julgado em 14-03-2016, cujo teor decisório é o seguinte:
Nos termos e com os fundamentos expostos, ACORDAM OS JUÍZES NESTA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO, EM ALTERAR A SENTENÇA RECORRIDA, CONDENANDO A 2ª RÉ, D…, A RESTITUIR Á AUTORA AS RENDAS RELATIVAS AO PRÉDIO URBANO REFERIDO NOS AUTOS, E POR ELA RECEBIDAS A PARTIR DA CITAÇÃO PARA A ORESENTE ACÇÃO” (vide certidão de fls. 94 verso a 98 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
3. Do despacho judicial proferido na acção declarativa referida em 1, em que foi autorizado a que a aí 2ª ré, D… a levantar a quantia depositada a título de preço, no valor de €375.000,00, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto pela aqui exequente (aí autora), tendo sido proferido acórdão, transitado em julgado em 08-09-2016, que confirmou a decisão recorrida e julgou improcedente o recurso de apelação em causa (vide certidão de fls. 105 a 115 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. A execução de que estes autos constituem um apenso foi instaurada na 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca do Porto, tendo sido remetida posteriormente para a distribuição para este Juízo de Execução da mesma comarca (vide fls. 56 a 58 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
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II.2- Questões de direito a decidir no recurso da embargante D…:
II.2.1- Nulidade da sentença:
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artº 615º do CPC.
Nos termos daquele preceito, é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada[1].
Refere o ilustre Prof. Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 308), que uma sentença nula “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.
Por seu turno, o Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, pg. 686), no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artº 668º do Código de Processo Civil (actual artº 615º), salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.
A única questão de direito levantada pela ora apelante nas suas conclusões de recurso consiste em imputar à sentença recorrida o vício previsto na al. d) do citado nº 1 do artº 615º do CPC, ou seja que ocorreu omissão de pronúncia, porquanto “6.A Exequente reclamou o pagamento da quantia de € 17.300,00, a título de valor entregue a como retenção na fonte em sede de IRS/IRC.
7. No entanto, nunca reclamou a condenação da ora Recorrente na restituição de tal valor em sede de acção declarativa, sendo que que a douta sentença proferida em 1ª Instância e o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que serviriam de titulo executivo nos presentes autos, não condenam a Executada, ora Recorrente na restituição do imposto alegadamente entregue pela Exequente ao Estado, até por que não o poderiam fazer sob pena de violação do Principio do Pedido.
8. Face ao exposto, a ora Recorrente, em sede de embargos de executado, suscitou esta questão e apresentou a sua pretensão, in casu, requereu que fosse ordenada a extinção do processo executivo relativamente ao valor reclamado a título de Imposto, no montante de €17.300,00, por o mesmo não constar de título executivo e não ser exigível, com consequente libertação da penhora relativa a esse montante.
9. Esta questão e pretensão foram devidamente apresentadas nos artigos 39º a 81º inclusive, dos embargos de executada, bem como no respectivo pedido final, conforme adiante se transcreve e consta dos próprios autos.
10. No entanto na douta sentença, o Meritíssimo Juiz, omitiu qualquer pronúncia sobre esta questão/ pretensão suscitada pela Embargante, admitindo que por mero lapso e confusão com os outros embargos apresentados nos autos pela outra Executada, C….
14. Da leitura da sentença deduz-se que o tribunal “ a quo” pronunciou-se apenas sobre a matéria contante dos embargos de executado apresentadas pela ora Recorrente que também constavam dos embargos apresentados pela Embargante C…, olvidando e não se pronunciando sobre toda a matéria alegada pela ora Recorrente nos seus embargos, nomeadamente quanto à questão da exigência de pagamento do valor relativo às retenções na fonte efectuadas e entregues ao Estado.
15. Ora, a Recorrente alegou factos e questões que considerava essenciais para a boa decisão dos presentes autos, nomeadamente, de que a Exequente não teria direito a receber a quantia de €17.300,00 a titulo de retenções na fonte, por a mesma não ser exigível e não constar de titulo executivo apresentado nos autos.
16. O Tribunal a quo desatendeu tal facto essencial que, se analisado e considerado como provado, implicaria uma decisão diversa da proferida quanto ao valor devido à Exequente, bem como ao valor de juros de mora que viessem a ser calculados”.
A doutrina e a jurisprudência distinguem “questões” de “razões” ou “argumentos” e concluem que só a falta ou a apreciação das primeiras integra a nulidade, respectivamente, de omissão ou de excesso de pronúncia; já não a integra a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões, bem como a explanação de razões ou argumentos jurídicos que justificam a decisão das questões submeteram ao veredicto judicial. E, essas questões são o(s) pedido(s) formulado pelo autor e a(s) excepções ou a reconvenção (em sede de acção declarativa), deduzidos pelo réu, nos termos dos artºs 3º, nº1, 552º, nº 1, al. e), 572º, al. c), 576º266º e 583º, todos do NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06.
Tais normas processuais são aplicáveis com as devidas adaptações aos presentes embargos de executado, dado que, no fundo, se trata de contestação do executado ao processo executivo, em que não é admissível o pedido reconvencional e em que, em primeiro lugar, regem as regras próprias previstas nos artºs 730º a 734º NCPC.
Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis[2]:
« (…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.
(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer
Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.
Ora, transpondo estes ensinamentos para o saneador sentença sob recurso, o senhor juiz a quo efectivamente não conheceu concretamente dessa questão levantada na petição inicial de embargos da ora recorrente, relativa ao montante da quantia exequenda de €17.300,00, correspondente ao valor de retenção na fonte a título de Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares das rendas objecto da execução e deveria fazê-lo, de acordo com o disposto nos artºs 729º, al. a), 3º, nº 1, 607º, nº 2 e 608º, nº2, NCPC. Ocorreu erro-vício que gera a nulidade da decisão nessa parte.
Esta Relação pode e deve suprir a nulidade de omissão de pronúncia da sentença, dado que tem todos os elementos para decidir e sem necessidade de nova audição da apelada pois já teve a oportunidade de se pronunciar em contra alegações - artº 665º, nºs 1 e 3, NCPC.
Ora, o acórdão desta Relação de 04.02.2016, transitado em julgado, que é o título executivo relativamente ao pedido exequendo quanto à co-executada D…, condenou esta a restituir as rendas relativas ao prédio urbano referido nos autos e por ela recebidas a partir da citação para a acção onde foi proferido[3].
Esta executada foi citada naquela acção em 26.09.2013, pelo que são devidas à exequente as rendas recebidas por esta executada desde esta data. Evidentemente que apenas lhe são devidos os valores das rendas deduzidos do IRS obrigatório por lei, dado que este montante, porque a devedora é uma sociedade comercial e, por isso, entidade sujeita a contabilidade organizada, deve ser entregue por aquela à Autoridade Tributária portuguesa após retenção na fonte do respectivo valor aquando do pagamento das rendas e assim emitidos os respectivos recibos de renda- artº 8º do Regime Jurídico de Retenção na Fonte e artº 101º, nº1 e artº 8º, nº 1, al. a) do Código do Imposto Sobre o rendimento das Pessoas Singulares. Era, aliás nesse sentido o pedido formulado pela ora exequente naquela acção sob a alínea c) da petição inicial, conforme resulta da respectiva alegação em sede de causa de pedir.
O acórdão proferido e que serve de título executivo não condenou a ora apelante em mais do que o pedido, relativamente ao valor das rendas em bruto, ou seja sem dedução do IRS devido ao Estado e que é obrigação fiscal da arrendatária, ora exequente.
Ora, a exequente no requerimento executivo alega que é credora da executada D… da quantia global de €69.200,00, relativa a rendas alegadamente pagas pela exequente à executada.
A Exequente alega e apresenta documentos onde demonstra que procedeu ao pagamento à Executada da quantia total de €51.900,00, a título de rendas liquidas,
Juntando ainda documentos que comprovam a alegada entrega ao Estado, através de pagamento de IRS/IRC a quantia total de €17.300,00.
A Exequente reclamou o pagamento da quantia de €17.300,00, a título de valor entregue a como retenção na fonte em sede de IRS/IRC.
No entanto, nunca reclamou a condenação da ora Recorrente na restituição de tal valor em sede de acção declarativa, sendo que que a douta sentença proferida em 1ª Instância e o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que serviriam de titulo executivo nos presentes autos, não condenam a Executada, ora Recorrente na restituição do imposto alegadamente entregue pela Exequente ao Estado, até por que não o poderiam fazer sob pena de violação do principio do pedido.
Nos termos do artº 10º, n5, NCPC “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
Há, pois, uma manifesta inexequibilidade do título executivo, o acórdão de 04.02.2016, quanto ao montante de €17.300,00, bem como os juros de mora pedidos sobre essa quantia, pelo que, nessa parte, os embargos desta executada deveriam proceder.
Em substituição do decidido globalmente pelo tribunal a quo e suprindo a apontada nulidade da sentença recorrida que não se pronunciou sobre esta questão concreta suscitada nos embargos da executada D…, procedem em conformidade as conclusões do seu recurso.
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II.2.3- Apelação da embargada/exequente B…, S.A.
A questão colocada em recurso diz apenas respeito à data em que se inicia a contagem de juros de mora devidos à exequente pelas executadas.
Antes de mais, face ao atrás decidido, o capital da quantia exequenda quanto à apelante D… é apenas de €51.900,00, a título de rendas liquidas.
Pretende a apelante/exequente que a este capital e ao montante em que a executada C… foi condenada pela sentença dada à execução, de €4.950,00, acresçam juros de mora à taxa legal de 4%, não desde a citação das executadas na execução até integral pagamento, como foi decidido na sentença recorrida, mas desde a citação de cada uma das executadas na acção declarativa nº 549/13.5TVPRT, onde foram proferidas as decisões que servem de títulos executivos (sentença e acórdão), ou seja, desde 05.10.2013, quanto à executada C… e, desde 26.09.2013, quanto à executada D….
Se assim não se entender, pretende que tais juros de mora sejam devidos desde a data da notificação da sentença proferida naqueles autos, ou seja 26.05.2015, quanto à C…, e desde 04.02.2016, quanto à D….
Relativamente à inexigibilidade na presente execução dos juros de mora devidos na execução da sentença de 26.05.2015, quanto à executada C… e do acórdão desta Relação de 04.02.2016, quanto à executada D…, nos termos formulados no requerimento executivo, damos aqui por reproduzida esta fundamentação da sentença recorrida:
No que tange aos juros, e como bem confessa a exequente na contestação, estes não foram fixados nem na sentença nem no referido acórdão.
Ora, neste caso e por apelo ao nº 2 do art. 703º, do CPC, temos de decidir se os juros de mora reclamados no requerimento executivo são ou não devidos.
O citador normativo estabelece que são «consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dela constante».
Ora, este preceito processual tem de ser interpretado à luz do princípio do pedido (e à luz do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 9/2015, de 14-05-2015, que estabeleceu a seguinte doutrina:” Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros »), na medida em que não tido sido peticionado, em sede de acção declarativa, o pagamento dos juros vencidos e vincendos, por força do citado art. 703º, nº 2, do CPC, só são devidos os juros que se venceram após a data da prolação da sentença ou da citação – conforme os casos.
No caso vertente, e dado que a exequente não provou que peticionou o pagamento desses juros e, sobretudo, esse pagamento não foi fixado pelas decisões judiciais que aqui servem de título executivo não pode proceder o pagamento dos juros nos termos pedidos no requerimento executivo”. Isto é verdade face aos temos que foi formulado o pagamento de juros de mora vencidos no requerimento executivo”.
Acrescentamos, em reforço deste entendimento, este excerto daquele AU, que constitui jurisprudência em princípio obrigatória para os Tribunais Judiciais, “O tribunal estava vinculado ao pedido, tal como foi formulado, com o conteúdo delimitado pelos autores; não poderia decretar um efeito, apesar de legalmente previsto, que não estivesse abrangido por esse pedido. Para mais, estando em causa interesses meramente patrimoniais dos lesados e, por isso, na inteira disponibilidade destes.
Assim, não tendo sido formulado pedido de condenação em juros de mora (arts. 3.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, e), do CPC), o tribunal não poderia, oficiosamente, condenar nesses juros, pois tal traduz uma condenação para além do pedido, isto é, em quantidade superior ao que foi pedido (artigo 609.º, n.º 1, do CPC)”.
Não concordamos com o entendimento da sentença de que “Assim sendo, e por força do funcionamento do referido princípio do pedido, temos de concluir que apenas são devidos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano e a contar da citação das aqui executadas para o efeito da presente execução”.
A obrigação de pagamento de juros de mora tornou-se líquida e exigível, quanto à executada C…, após a data da notificação da sentença proferida nestes embargos a esta executada, dado que dela não interpôs recurso e, desde a data da notificação deste acórdão, quanto à executada D…, pois foi com estas decisões judiciais que as respectivas dívidas se tornaram líquidas e exigíveis e se iniciou a mora das devedoras no pagamento das quantias de capital que são devidas por cada uma, por força do disposto nos artºs 804º a 806º do Código Civil de 1966 e artº 703º, nº 2, NCPC[4].
Esta última norma prescreve que “Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”. Foi aditada como número 2, ao artigo 40º do anterior Código de Processo Civil, pelo Decreto-Lei nº38/03, de 8/03. Não há razão alguma para que se não aplique às sentenças ou acórdãos condenatórios[5].
Do exposto resulta que improcede a conclusão 5. do recurso da apelante/exequente.
E procede parcialmente a conclusão de recurso 6. quanto aos juros de mora à taxa legal de 4% fixada na sentença recorrida que decidiu dos embargos da executada C…, mas contados desde a notificação aquela da sentença exequenda, e não desde a data de 26.05.2015, como refere nas alegações de recurso e que é a data da prolação da sentença.
Procede também parcialmente essa conclusão de recurso relativamente aos juros de mora devidos pela executada D…, mas apenas quanto à quantia exequenda agora fixada de €51.900,00 pela qual a execução deve prosseguir e desde a notificação aquela deste acórdão.
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III- DECISÃO:
Nestes termos ACORDAM ao juízes nesta Relação em:
-Julgar parcialmente procedentes ambas as apelações da exequente/embargada B…, S.A. e da executada D… e alterar a sentença recorrida, fixando a quantia de €51.900,00 pela qual a execução deve prosseguir quanto a esta executada, sendo devidos os juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da notificação da sentença proferida nestes embargos à executada C… e desde a data da notificação deste acórdão quanto à executada D….
Custas da apelação da executada D… pela apelada/exequente e da apelação da exequente/embargada por esta e pelas apeladas/executadas C… e D… na proporção, respectivamente, de 17/20, 1/20 e 2/20.
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Porto, 27 de Setembro de 2018
Madeira Pinto
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
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[1] Abílio Neto, CPC Anotado, 22ª ed., pág. 948.
[2] Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146.
[3] Procº nº 549/13.5TVPRT
[4] Ver Acórdão TRL de 22.06.20014,
[5] Ver Acordão desta Relação do Porto de 02-03-2010.