Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1210/19.2T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: SEGURO DE VIDA
DOLO
DEVER DE INFORMAR
Nº do Documento: RP202010261210/19.2T8MAI.P1
Data do Acordão: 10/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O termo «dolo» tem dois sentidos principais. Um, que se denomina ‘dolo-culpa». Outro, o «dolo-artimanha» ou «dolo negocial» que consiste na ação (incluindo omissões) intencional ou consciente de enganar outrem com vista à celebração pelo enganado de um negócio jurídico. O dolo do art. 253.º CC é o «dolo-artimanha» e é também este que está previsto no art. 25.º Lei do Contrato de Seguro.
II – No seguro de vida, provando-se que o segurado celebrou o contrato de seguro ao balcão do Banco porque este lho impôs como condição para obter mútuo bancário, não tendo o segurado sido perguntado pelo seu estado de saúde nem informado de que se não estivesse bem não deveria assinar a declaração em causa, acreditando aquele que o tratamento que seguia para a sua pneumonite era despiciendo porque não apresentava queixas e não foi aconselhado a deixar de trabalhar, continuando a fazer a sua vida normal, está afastado o dolo-artimanha do disposto no art. 25.º LCS, entendido este como a intenção do segurado de conscientemente faltar à verdade quanto às circunstâncias que conheça e razoavelmente devesse ter por significativas para apreciação do risco pela seguradora.
III – Restando a omissão negligente de informações ao segurador, este pode desonerar-se da obrigação de cobrir o risco seguro se demonstrar que, caso tivesse tido conhecimento da informação omitida, não teria coberto o sinistro decorrente dos factos omitidos (art. 26.º, n.º4 b) LCS).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1210/19.2T8MAI.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AUTORA: B…, viúva, residente na Rua …, .., rés-do-chão, na freguesia …, concelho da Maia, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de C….

RÉS: - D…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Av. …, …, 12.º, ….-… Lisboa
- E…, S.A., com sede na Rua …, nºs … a …, ….-…. Lisboa.

Por via da presente ação declarativa pretende a A. obter a condenação da primeira Ré a pagar à segunda a quantia de € 12.843,46; a pagar-lhe a si, A., as prestações mensais do crédito por ela pagas à segunda Ré desde a morte do autor da herança, a liquidar posteriormente; bem como a pagar-lhe € 3.000,00, por danos não patrimoniais (os restantes pedidos constituem - como se disse na sentença recorrida – antecedentes lógicos daqueles, não detendo autonomia enquanto petitório).
Para tanto alegou que, com o marido, entretanto falecido, contraiu empréstimo junto da segunda Ré, para o que lhes foi pedido que celebrassem contrato de seguro de vida, o que fizeram sem que, no entanto, ao balcão da segunda Ré, onde foi formalizado o negócio, tivessem sido questionados no sentido de esclarecerem se gozavam de boa saúde.
O marido da A. veio a falecer posteriormente, por doença, sendo que, no momento em que celebraram o contrato não vislumbravam que aquele sofresse de qualquer doença que pudesse evoluir para a situação fatal.
Pretendem, assim, considerar ilegítima a posição da seguradora Ré ao declinar responsabilidade na satisfação da prestação de seguro relativa ao empréstimo contraído.

Contestou a segunda Ré dizendo ter a A. e então marido subscrito uma proposta de seguro que garantia o pagamento do crédito em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva, tendo-lhes sido entregues aquando da subscrição as condições gerais e particulares e a nota informativa e tendo estes declarado gozar de boa saúde nos 12 meses anteriores ao início do contrato.

Por seu turno, a segunda Ré, em articulado de contestação, afirmou terem sido comunicadas aos subscritores do seguro as diversas cláusulas constantes do contrato, sendo que aqueles, ao invés, omitiram as circunstâncias relativas ao estado de saúde pré-existente quanto ao marido da A. que veio a falecer por condição determinada por doença de que já então padecida. A seguradora não teria celebrado o seguro de vida, caso tivesse conhecimento da realidade do contexto de saúde daquele segurado.
Invoca o disposto nos arts. 25.º e 26.º da LCS para a desobrigar de cobrir o sinistro.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença datada de 23.1.2020, julgando a ação parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo:
Do montante de €12.843,46 (doze mil oitocentos e quarenta e três euros e quarenta e seis cêntimos) em dívida à 2ª Ré E…, S.A, à data do óbito de C…, 7 de julho de 2018, a Primeira Ré D…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. é condenada a pagar:
- à Segunda Ré o que ainda permanecer em dívida;
- à Autora, as prestações mensais do crédito por ela pagas à Segunda Ré E…, S.A, bem como os juros de mora à taxa legal, contados dos diversos pagamentos, a quantificar em incidente de liquidação.
Do mais pedido, absolvem-se as rés.

Foram aí dados como provados os seguintes factos:
1 - A Autora e marido C… contraíram junto da Segunda Ré, Banco E… no Balcão … – Porto, em 21-11-2016, um empréstimo no montante de €15.995,43 (quinze mil, novecentos e noventa e cinco euros e quarenta e três cêntimos), por meio de contrato de crédito n.º …………….
2 - Simultaneamente, para garantia da cobertura do risco de morte ou invalidez absoluta e definitiva, Autora e seu marido celebraram com a Primeira Ré Companhia de Seguros D…, um contrato de seguro denominado Plano de Proteção ao Crédito Individual, sob a apólice de Seguro Vida n.º ...........
3 - Por virtude do referido contrato, a Primeira Ré obrigou-se a pagar à Segunda Ré o capital seguro verificado que fosse o evento respeitante ao risco coberto abrangido pela cobertura, designadamente a morte de algum dos referidos segurados, salvo alguma causa de exclusão.
4 - Tal contrato de seguro de vida denominado Plano de Proteção ao Crédito Individual encontra-se associado ao crédito individual celebrado entre a Segunda Ré e Autora e seu Marido.
5 - A Segunda Ré mantém uma relação de grupo com a Primeira Ré.
[1]
7 - O balcão da Segunda Ré promoveu e preparou o contrato de crédito, sem levantar qualquer questão quanto à sua saúde para efeitos de seguro de vida, nem foi dado a preencher questionário relacionado com a saúde de cada um deles.
8 - Tendo-lhes sido dito que para a obtenção do empréstimo iriam ter de ficar a pagar um seguro de vida, sem o que ficaria inviabilizada a possibilidade do crédito.
9 - Foi a Segunda ré que indicou seguradora para o seguro, o que foi tratado na sua agência.
10 – C… faleceu em 07 de Junho de 2018.
11 - Na sequência da morte do marido, a Autora participou à Primeira Ré, o óbito do seu marido, com vista ao pagamento por parte da Primeira à Segunda Ré da quantia mutuada ainda em falta, que à data do óbito se cifrava em €12.843,46.
12 - Ao que a Primeira Ré respondeu por carta datada de 20 de Julho de 2018 que refuta qualquer responsabilidade, recusando-se proceder ao pagamento da indemnização, alegando que quando foi subscrita a adesão que deu origem à apólice de seguro já existiam doenças e/ou deficiências físicas funcionais.
13 - Em finais de 2014, C… tinha queixas de rouquidão, difonia e dor na laringe. F… médica de família, encaminhado para as consultas de pulmões e otorrino.
15 - Em Agosto de 2015, teve consultas de pneumologia e de otorrino e fez RX.
16 - Em data não apurada de 2016, mas anterior a Julho, fez uma prova de esforço (marcha).
17 - Nessa sequência, o médico mandou fazer biopsia, a qual foi inconclusiva.
18 - Em Julho de 2016 fez nova biopsia, tendo-lhe sido dito que não tinha cancro, tratando-se de uma pneumonite, tendo-lhe sido prescrito tratamento, nomeadamente com cortisona.
19 - Tratamento que consistiu numa injecção mensal e que durou até ao final de 2016.
20 - O marido da Autora não foi aconselhado a deixar de trabalhar, continuando a fazer a sua vida normal, nomeadamente, a cantar em bares e restaurantes fechados, pois a sua profissão nisso consistia.
21 - A Autora e seu Marido estavam convencidos que se tratava de uma pneumonite curável com as injecções, não tendo nenhum deles dado grande importância ao assunto, até porque aquele continuava a fazer a sua vida normal, sem queixas.
22 - À data em que celebrou o contrato, C… não aparentava sinais de doença.
23- Em Maio de 2017 já tinha sido orientado para consultas de transplante pulmonar e reabilitação.
24 - O Marido da Autora faleceu no Centro Hospitalar … (Hospital …), em contexto de internamento, no seguimento de pós-transplante.
25 - A Autora sente-se angustiada e nervosa com toda esta situação
Da contestação da D1…
26 - No “Plano de Proteção ao Crédito Individual – Proposta de Seguro/Proposta de Adesão”, consta o seguinte texto:
“CONDIÇÕES DE SUBSCRIÇÃO
PLANO A
a) A(s) Pessoa(s) a Segurar titular(es) do contrato de crédito individual, declara(m) que goza(m) de boa saúde nos 12 meses anteriores ao início do contrato, não estando sob controlo médico regular devido a doença ou acidente.
(...).
d) “Declara(m) que antes da celebração do contrato de seguro, foi (foram) esclarecidos de forma clara, integral e pormenorizada sobre todos os direitos e deveres decorrentes da celebração. Declara(m) que foram entregues exemplares das Condições Gerais, Especiais e Particulares do seguro que constituem parte integrante deste contrato, cuja Proposta se seguro subscreve(m). Com a entrega de tais exemplares foram prestadas todas as informações e os esclarecimentos solicitados sobre o teor das cláusulas do contrato de seguro que subscreve(m). Assim, ao assinar esta declaração, confirma(m) a ausência de quaisquer dúvidas em relação ao produto em si e à forma como pode(m) ou não usufruir dos seus benefícios.”
27 - As assinaturas apostas pela autora e pelo seu falecido marido no “Plano de Proteção ao Crédito Individual – Proposta de Seguro/Proposta de Adesão” localizam-se imediatamente abaixo destas “Condições de Subscrição”.
28 - Aquando da subscrição da proposta de adesão, foram entregues ao falecido C… e à Autora, as Condições Gerais e Particulares da aludida apólice e bem assim uma “NOTA INFORMATIVA” com um resumo dos termos, condições, garantias, funcionamento, custos e vigência do contrato de seguro.”
29 - Os funcionários da Ré E… informaram a Autora e o falecido cônjuge das coberturas do contrato e de que o contrato não cobre doenças pré-existentes
30 - Mais tendo, no referido momento da subscrição do seguro, respondido às dúvidas que lhe foram colocadas pelo falecido C… e pela Autora.
31 - Do relatório médico junto como Doc. 2 à contestação da D1…, consta que a 2.ª Pessoa Segura “apresentava antecedentes pessoais de Diabetes Mellitus tipo 2, Hipertensão Arterial Essencial, Litíase Renal, Cardiopatia com fracção de ejecção diminuída e Hipertensão pulmonar”.
32 - No mesmo relatório declara a Sra. Dra. F… que C…, de 65 anos, “em 2015 inicia queixas de disfonia, tosse, expectoração, sendo por mim encaminhado para o Centro Hospitalar G…, consulta de Pneumologia Geral, tendo sido seguido por Pneumonite de Hipersensibilidade Crónica com evolução para insuficiência respiratória com necessidade de OLD.”
33 - A cardiopatia foi consequência da evolução da doença pulmonar e os diabetes estavam controlados.
34 - Se à data da subscrição do contrato de seguro de vida, a Ré D1… tivesse conhecimento da existência das citadas patologias, não teria celebrado este contrato de seguro de vida, podendo eventualmente celebrar outro tipo de seguro.

Foram dados como não provados os factos seguintes:
Aquando da celebração do contrato a colaboradora do E… de nome H… limitou-se a obter as assinaturas da Autora e do Marido desta, sem que lhes tenha explicado o seu sentido e alcance, nomeadamente, no âmbito da cobertura em caso de morte,
À data da celebração dos contratos de mútuo e de seguro, o marido da Autora apenas apresentava queixas junto da sua médica de família por tosse e secreções, a qual o havia encaminhado para consulta médica no hospital G….
O problema que causou a sua morte, surgiu depois da celebração do contrato de mútuo e do plano de protecção ao crédito, em 21-11-2016
A médica de família disse-lhe que as suas queixas da garganta eram de cantar em sítios fechados.
E quanto às queixas de dores nas costas, a mesma disse-lhe que podia ser da coluna uma vez que o mesmo não fazia exercício físico.
Devido às dores nas costas, o falecido C… referiu que também queria saber dos pulmões.
Decorrido algum tempo, recebeu carta para consulta com a referida Dra. I…, a qual ocorreu em janeiro de 2016.
Na referida consulta a Dra. I… diz-lhe que já ter consigo o resultado do raio x, e que na sua opinião não existia nenhum problema pulmonar, devendo-se os sintomas de que se queixava, ao facto de trabalhar em locais fechados, sendo também da opinião que poderia tratar-se de um problema de otorrino.
Logo após o pedido a Autora e seu marido receberam um telefonema à hora de almoço, a solicitar-lhes que se deslocassem ao balcão para assinarem o contrato de crédito.
Ali chegados assinaram de cruz por indicação de uma colaboradora de nome H…, o referido contrato de crédito com plano de Proteção ao mesmo. Nesse dia, somente lhes foi entregue o Plano de Protecção ao Crédito Individual - Condições Particulares /Certificado Individual.
Do contrato subscrito pela Autora e seu Marido, não lhes foi dada cópia.
Só em Maio de 2017 é que os médicos ficaram a saber que a simples pneumonite havia progredido para doença crónica.
A Dra. F… nunca falou de doença pulmonar anteriormente a 2017.
Não foi diagnosticado antes de novembro de 2016, ou antes do preenchimento de qualquer adesão pneumonite de hipersensibilidade crónica, o que só veio a acontecer em maio de 2017.
Com excepção do que se deu como provado em 29, que foram explicadas á autora e seu falecido marido, as condições gerais que regulam o contrato de seguro e às exclusões contratadas e ainda às obrigações e direitos em caso de sinistro.

Desta sentença recorre a Ré D1…, visando a sua revogação e a absolvição do pedido, com base nos argumentos que assim conclui:
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Contra-alegou a A., pugnando pela manutenção da sentença recorrida, alinhando os seguintes argumentos conclusivos:
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Os autos correram vistos legais.

Objeto do recurso:
a) Se devem alterar-se os factos dados como provados em consequência da circunstância de a A., notificada por despacho de 16.9.2019, não ter apresentado nenhum articulado de impugnação à matéria vertida na contestação da segunda Ré;
b) Se o dolo previsto no art. 25.º, n.º1, da LCS é o dolo simples ou se é o dolo-artimanha previsto no art. 253.º CC;
c) Subsidiariamente, se a omissão negligente afasta a responsabilidade do segurador, nos termos do art. 26.º, n.º 4, LCS.

Fundamentos de facto:
Os factos supra descritos e consignados em primeira instância como sendo os provados e não provados são aqui de manter.
Diz a Ré seguradora ter-se defendido por exceção quando invocou a anulabilidade do contrato de seguro por omissão, por parte do tomador, de informações necessárias a dar cumprimento ao seu dever de comunicar à seguradora todas as circunstâncias indispensáveis à celebração do contrato.
Todavia, a defesa assim erigida, ao invés de excetiva deverá qualificar-se como defesa por impugnação motivada ou impugnação de direito.
Na defesa por exceção, o R. defende-se arguindo factos novos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do A.
Há defesa por impugnação quando se contradizem os factos alegados pelo autor ou quando se nega o efeito jurídico que deles se pretende extrair. E há defesa por excepção quando se defende a impossibilidade de ser apreciado o mérito da causa ou quando se alegam factos que sirvam de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito do autor, assim conduzindo à improcedência, total ou parcial, da acção, mas por decisão que aprecie o seu mérito; no primeiro caso a excepção é dilatória, no segundo é peremptória.
Na defesa por impugnação motivada ou defesa de direito, o R. não invoca factos novos, limitando-se a afirmar que os factos invocados pelo A. como constitutivos de um direito o não são por este motivo ou por aquele (art. 571.º, n.º 2 CPC), podendo tal motivo consistir na própria nulidade do contrato (o facto assim, não é novo, o facto continua a ser o contrato, o efeito a dele extrair é que não será já possível por esta ou por aquela razão motivada na impugnação do facto).
Como se expõe no ac. STJ, de 25.1.98[2]:
Se é mais ou menos intuitivo o conceito de factos modificativos - o prazo para cumprir, inicialmente de 30 dias, foi alargado para 90 - e extintivos - obriguei-me a pagar 100, mas já o fiz, ou quanto à totalidade, ou quanto a uma simples parte -, já o conceito de factos impeditivos pode oferecer maior dificuldade na sua definição, especialmente por confronto com a defesa por impugnação em que o réu, não se limitando a negar a verdade dos factos alegados pelo autor, vem dar, ele próprio, a sua versão alternativa do que se passou; é a chamada defesa por impugnação qualificada - Antunes Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição. pág. 288, e Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, pág. 213.
Como explicita este último autor, "... a negação motivada, ainda que contendo aceitação de parte dos factos alegados, envolve sempre negação do facto constitutivo da acção como um todo ..."
Assim, a diferença entre a defesa por impugnação motivada e a defesa por excepção peremptória está em que esta, pressupondo e aceitando, ao menos para efeito de raciocínio - já que é cumulável com a defesa por impugnação -, os factos constitutivos alegados pelo autor, acrescenta algo que obsta a que os mesmos produzam o efeito jurídico que lhes seria próprio.
A defesa dos autos é por motivação de direito ou motivada porque a A. invoca um contrato de seguro do qual pretende extrair efeitos jurídicos (o direito que se arroga), o que pressupõe que o contrato exista na ordem jurídica (é válido e eficaz) e a Ré alega que os efeitos pretendidos não podem ser dele extraídos porque o contrato não existe na ordem jurídica (é inválido).
Sendo assim, é duvidosa a alegação de que cabia à A. responder a qualquer exceção. A alegação da nulidade ou anulabilidade do contrato invocado pelo A. como constitutivo do seu direito não constitui defesa por exceção, mas defesa por impugnação motivada ou impugnação de direito.
Mas, ainda que se considerasse assistir direito à A. a responder a qualquer defesa excetiva, no decêndio do despacho que a instou a tanto ou na própria audiência preliminar, como resulta do disposto no art. 3.º, n.º 4 CPC, a solução final seria a mesma.
Com efeito, a solução sempre seria a da não admissão como confessados dos factos articulados pela Ré uma vez que a A., logo na petição inicial, expôs a sua versão quanto ao modo como diz terem os contraentes sido atendidos ao balcão do banco R. e o que era a sua posição quanto às patologias que afetaram o contraente marido. Fê-lo em termos de dispensar articulado posterior de resposta a qualquer defesa por impugnação motivada ou defesa excetiva.
Termos em que se consideram como provados apenas os factos que como tal já foram considerados na sentença de primeira instância.

Fundamentação de Direito
Está em causa a interpretação a dar aos arts. 25.º e 26.º LCS[3], normativos que determinam o significado jurídico do dever de informação, isto é, determinam os efeitos jurídicos do seu incumprimento.
Dispõe o art. 24.º do DL n.º 72/2008, de 16/04 (LCS), o seguinte:
1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
3 - O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:
a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário;
b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;
c) De incoerência ou contradição evidentes nas respostas ao questionário;
d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça;
e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.
4 - O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.
Neste normativo estatui-se um dever geral de informação pelo tomador quanto a circunstâncias relevantes para a apreciação do risco.
Como salienta Arnaldo Costa Oliveira em anotação a este artigo[4], “No conjunto dos n.ºs 1 a 3 do art. 24.º houve claramente um propósito de especial facilitação da preclusão da relevância in casu da declaração inexacta ou omissão sem dolo especialmente grave (não bastando para o efeito o mero dolo).
(…)
(No caso de um seguro de vida ou de saúde, é dolo simples, p. ex., omitir umas dores no peito que se sentiu variadas vezes e se não afasta poder ser algo grave – tanto assim que se está a pensar em marcar uma consulta de checkagem -, mas já é dolo especialmente grave conhecer-se o diagnóstico terrível dessas dores e omiti-lo.
Continua o autor[5], quanto às circunstâncias a declarar, que «há agora um argumento adicional: o pressuposto lógico do elevado grau de exigência fixado ao segurador para a recepção da declaração do n.º 3 não pode deixar de ser a exigência de uma diligência mínima da parte do declarante, sendo que, “nos termos ainda da 2.ª parte do n.º 1 do art. 24.º, já ao declarante é exigível uma diligência média no sentido de figurar a essencialidade para o segurador do facto a declarar – quanto a este aspecto já a letra da lei emprega um “razoavelmente”, o qual não pode deixar de ser tomado como importando tal diligência».
Também Pedro Romano Martinez[6], discorrendo sobre o conteúdo do art. 24.º, afirma que o requisito do dever de informação a cargo do tomador pressupõe que este «compreende o sentido do contrato a celebrar e, nessa medida, que percebe que o segurador se vincula e exige certo prémio como contrapartida de uma avaliação do risco em face de toda a informação disponível. Se o tomador, por ignorância ou pouca reflexão, não compreende bem o sentido do contrato que pretende celebrar, nem por isso deixa de ter o mesmo dever de informação. A lei refere-se a uma leitura “razoável”, não só dos riscos existentes e da sua relevância, mas, por identidade de razão, do próprio contrato. Quer neste uso do advérbio “razoavelmente”, quer na referência ao que é “significativo” para a apreciação do risco, a lei estabelece um critério «abstracto», ou seja, um critério de normalidade, e não um critério dependente das concretas capacidades do tomador.»
Na mesma linha de pensamento – adotando um critério de normalidade – a jurisprudência que afirma:
I Tendo o contrato de seguro como função a transferência do risco de um determinado sinistro para a seguradora, mediante uma contrapartida, assume óbvia relevância a declaração inicial do risco, nomeadamente, no que à correspondente validade ou invalidade respeita (cfr. art. 24.º e ss. do Regime Jurídico do Contrato de Seguro – RJCS). II - Diz-se frequentemente que essa especial relevância resulta, desde logo, de ser o tomador do seguro ou o segurado quem melhor conhece o risco de que se quer proteger, assim se compreendendo quer o significativo ónus de revelar completamente e com verdade o risco a segurar, quer as severas consequências de declarações falsas ou omissivas, determinantes para a celebração do contrato. III - O conteúdo da declaração inicial do risco do tomador do seguro ou do segurado encontra-se definido no art. 24.º do RJCS, segundo o qual lhes cabe declarar: (1) com exactidão (2) todas as circunstâncias que conheçam e (3) que razoavelmente devam ter por significativas para a avaliação do risco pelo segurador, não havendo que distinguir entre declarações inexactas ou omissões. IV - Entende-se que o tomador ou o segurado a que a lei se refere é o contraente concreto e não um contraente médio; é essa consideração do concreto e real tomador ou segurado que melhor se harmoniza com a exigência da revelação das circunstâncias que conheça e não das circunstâncias meramente cognoscíveis. V - A figura do contraente medianamente diligente, expedito e informado releva para o efeito de determinar com objectividade quais as informações que se espera que sejam significativas para o segurador, do ponto de vista da apreciação do risco. VI - Nos seguros de saúde, o que o n.º 1 do art. 24.º do RJCS exige ao tomador ou ao segurado é que revele as circunstâncias relativas à saúde do segurado que conhecem no momento da declaração e que, para um segurador medianamente cuidadoso na avaliação dos riscos que assume, são objectivamente de considerar relevantes para a decisão de contratar, ou para a definição concreta do conteúdo dos contratos. VIII - Tendo resultado provado que, quando subscreveu a declaração de saúde constante do boletim de adesão, o segurado sabia que “sofria de hipertensão desde 20-08-2008, de insuficiência cardíaco congestiva desde 24-12-2008, e de obesidade desde 24-12-2008” e que omitiu intencionalmente que sofria de hipertensão, embora controlada, e de insuficiência cardíaca, não se pode deixar de concluir no sentido de que o segurado omitiu dolosamente informações sobre a sua saúde que foram relevantes para a apreciação do risco pela seguradora. IX - Uma omissão dolosa determinante da celebração do contrato confere à seguradora o direito de opor a anulabilidade do contrato, nos termos do art. 25.º, n.º 1 do RJCS. Trata-se, no fundo, de uma particularização do regime da anulabilidade do erro causada por dolo, previsto em geral no art. 254.º do CC, cabendo à seguradora o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência do dolo (art. 342.º, n.º 2, do CC)[7].
Sobre o dever de informar as cláusulas do contrato a cargo da seguradora para que, de seu lado, o segurado possa cumprir o dever de a informar das circunstâncias que conheça e que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, fala Maria Inês de Oliveira Martins[8]: “O segurador tem o dever de informar o aderente do conteúdo do clausulado (arts. 5.º do RJCCG, que designa este dever como de comunicação, e 18.º a 21 do RJCS, designando este dever como de informação), levando-o ao seu conhecimento por escrito (art. 21.º, n.º 1) e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (art. 5.º, n.º 2, RJCCG). Tal implica a comunicação individualizada e integral do clausulado e a sua redacção com clareza e lisura”.
Por seu turno, quando ao dever a cargo do segurado, continua aquela autora: “O RJCS contém um regime da declaração inicial do risco, que a generalidade da doutrina entende afastar nesta sede a aplicação das regras gerais sobre dolo ou erro na formação do negócio jurídico. Vale o sistema do "questionário aberto" ou "declaração espontânea", encontrando-se o segurado obrigado a declarar todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, ainda que não especificamente perguntadas por este (art. 24.º, n.ºs 1 e 2). Trata-se de circunstâncias conhecidas até ao início da produção de efeitos pelo contrato; e exige-se o conhecimento efectivo da circunstância em causa, não bastando a cognoscibilidade. A adopção de um sistema de declaração espontânea surge em contra-corrente face à evolução da generalidade dos ordenamentos europeus, surgindo, pois, vários expedientes de limitação do seu alcance. Parte-se de que o critério da relevância se refere àquele segurador em concreto, considerando-se nessa base que a redacção do questionário fornece pelo menos orientação ao segurado quanto às matérias que são relevadas para o segurador; ou que apenas podem ser relevadas as circunstâncias em cujo conteúdo, ao menos de um modo implícito, o segurador tenha mostrado interesse durante o processo de formação do contrato”.
Na situação vertente, o tribunal recorrido não deixou de considerar ter havido omissão do dever de informar.
Com efeito, lê-se na sentença:
«Pois bem, a seguradora invoca declarações falsas ou inexactas dos segurados que são também tomadores do seguro. E provou-se que a autora e o seu cônjuge assinaram a seguinte declaração: “a) A(s) Pessoa(s) a Segurar titular(es) do contrato de crédito individual, declara(m) que goza(m) de boa saúde nos 12 meses anteriores ao início do contrato, não estando sob controlo médico regular devido a doença ou acidente.”
Esta declaração, assinada em 21/11/2016, como comprovado, não correspondia à verdade. Pois, não só C… não gozava de boa saúde como estava sujeito a controlo médico regular devido a doença nos 12 meses anteriores à celebração do contrato.
Demonstram-no os seguintes factos provados:
- Em finais de 2014, C… tinha queixas de rouquidão, difonia e dor na laringe. Tendo a Dra. F… médica de família, encaminhado para as consultas de pulmões e otorrino.
- Em Agosto de 2015, teve consultas de pneumologia e de otorrino e fez RX.
- Em data não apurada de 2016, anterior a Julho, fez uma prova de esforço (marcha).
- Nessa sequência, o médico mandou fazer biopsia, a qual foi inconclusiva.
- Em Julho de 2016 fez nova biopsia, tendo-lhe sido dito que não tinha cancro, tratando-se de uma pneumonite, tendo-lhe sido prescrito tratamento, nomeadamente com cortisona. - Tratamento que consistiu numa injecção mensal e que durou até ao final do ano de 2016.
Estes são os factos relacionados com a doença pulmonar que o levou ao transplante e subsequentemente morte já em 2018. Para além disso, tinha ainda Diabetes Mellitus tipo 2, (controlados) Hipertensão Arterial Essencial, Litíase Renal (pedra nos rins).
De nada disto foi a seguradora informada. Pelo contrário, foi assinada declaração de que gozava de boa saúde e não estava sujeito a acompanhamento médico. Pelo que foi violado o disposto no art. 21º, 1, RJCS.
Pode argumentar-se que a autora e o seu cônjuge não foram informados do dever de declararem o seu estado de saúde e de que não deveriam assinar a declaração de serem saudáveis.
Certo é que nada lhes foi perguntado sobre o seu estado de saúde. Os funcionários da Ré E… informaram a Autora e o falecido cônjuge apenas que o contrato não cobre doenças pré-existentes. Estamos perante a violação da obrigação prevista no art. 24º, 4, fazendo incorrer a seguradora em responsabilidade civil. Mas tal não contende com a validade ou não do contrato.»
Porém, caminhando no raciocínio, o tribunal entendeu não ter existido dolo dos segurados, no sentido previsto no art. 253.º CC, porquanto “a autora e o seu marido celebraram o contrato de seguro porque este lhes foi imposto como condição para obterem o empréstimo. Portanto, eles não procuraram um seguro de vida para obter determinados proveitos. O banco (que é do mesmo grupo da seguradora) é que os levou a celebrá-lo para se assegurar de que o dinheiro que emprestou lhe era restituído.
Depois, porque autora e marido não foram nem perguntados pelo seu estado de saúde nem informados de que se não estivessem bem não deveriam assinar a declaração em causa. Portanto, a subscrição do seguro surge como uma formalidade para obter o empréstimo.
Finalmente, é crível que com o tratamento, C…, sentisse que estava melhor.
Ele não foi aconselhado a deixar de trabalhar, continuando a fazer a sua vida normal, nomeadamente, a cantar em bares e restaurantes fechados, pois a sua profissão nisso consistia.
A Autora e seu Marido estavam convencidos que se tratava de uma pneumonite curável com as injecções, não tendo nenhum deles dado grande importância ao assunto, até porque aquele continuava a fazer a sua vida normal, sem queixas.
À data em que celebrou o contrato, C… não aparentava sinais de doença.
Por tudo isto, dos factos provados não resulta que houve por parte da autora e marido a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro a seguradora sobre o estado de saúde de C…”.
Aqui chegados, a questão que se coloca é a de saber se o dolo do art. 25.º, aquele que subjaz ao incumprimento do dever de informar a cargo do segurado, é um dolo malus ou fraudulento ou basta o dolo simples, consciência da omissão sem intenção de obter vantagem ilegítima.
Afirma P. Romano Martinez[9], “Pode parecer estranho que se aluda a dolo (simples) e a dolo com o propósito de obter uma vantagem, pois, por via de regra, o comportamento doloso de um contraente – no caso o tomador de seguro – seria com um propósito de obter uma vantagem; de facto, do dolo previsto no art. 253.º do CC assim se poderia concluir. Todavia, mesmo no citado preceito nada obsta a que possa haver uma situação de dolo (eventual ou mesmo indireto) em que o agente agiu conscientemente de modo incorrecto, induzindo ou mantendo em erro a contraparte, sem pretender retirar uma vantagem; apesar de esta situação não ser usual, da contraposição constante do preceito em anotação entre duas manifestações de dolo decorre que se atende a todas as situação de dolo, mesmo que não se demonstre que havia um interesse direto do tomador de seguro.
Em direito português, o termo «dolo» tem dois sentidos principais que convém distinguir (…). Ao «dolo» no primeiro sentido, podemos chamar ‘dolo-culpa»: é o «dolo» do art. 483.º do CC. No segundo sentido, o «dolo» é a ação (incluindo omissões) intencional ou consciente (cfr. art. 253.º, n.º1, do CC) de enganar outrem com vista à celebração pelo enganado de um negócio jurídico. Este dolo do art. 253.º é o «dolo-artimanha», a que também podemos chamar (…) «dolo negocial». Neste sentido, o dolo, rectius, o erro causado por dolo contrapõe-se ao erro negocial simples. (…). (…) o art. 25.º dispõe sobre um caso de dolo-artimanha, de dolo negocial. Ou seja, dispõe sobre um caso de erro negocial qualificado pela existência de dolo. (…) Juntamente com o disposto no art. 24.º, isto é suficiente para concluir sem espaço para dúvidas que o art. 25.º regula o erro do segurador qualificado por dolo negocial do tomador ou segurado. A epígrafe do art. 25.º reforça a conclusão. Ao referir-se a «omissões e inexatidões», a lei usa um eufemismo discutível, mas tradicional, para abranger omissões e falsidades.
No mesmo sentido, Vanessa Louro[10] e doutrina que cita, para quem: “No que concerne ao dolo aludido pela norma em apreço, é entendimento generalizado da doutrina[11], que se trata do “dolus malus”, ou seja, que estamos perante um Tomador do seguro/Segurado que usa artifícios e sugestões para induzir em erro o Segurador, o que, de resto, corresponde à definição de dolo prevista no art. 253.º do CCivil, em contraposição com o “dolus bonus” previsto no n.º 2 do art. referido e que não merece reprovação jurídica.
(…)
Há, contudo, quem defenda que o sentido de dolo presente no art. 25.º, n.º 1, é referente apenas ao estado subjectivo do Tomador do Seguro/Segurado[12]. Em favor desta posição, argumenta-se que, se estivéssemos perante o “dolus malus” (dolo definido pelo art. 253.º do CCivil), teriam de concorrer duas condições indispensáveis: o erro do segurador e a essencialidade do facto omitido[13], sendo que poderão existir hipóteses em que um desses elementos falhe. É o caso do Segurador não estar em erro por ter concorrido para a situação com dolo ou negligência grosseira (o que, de resto, é previsto no n.º 4 do art. 25.º). Sob outro prisma, mas favorecendo a posição tomada, argumenta-se que a este dolo não correspondem as situações, também elas possíveis, em que o Tomador do Seguro/Segurado não usou de artifícios nem sugestões, limitou-se, simplesmente, a omitir factos. Em suma, de acordo com esta visão, o dolo que resulta do art. 25.º é um dolo ligado à consciência e vontade de mentir ou omitir, independentemente do propósito de prejudicar o Segurador (e obter com isso uma vantagem) ou da acção artificiosa levada cabo pelo Tomador do seguro/Segurado. A este propósito, e trazendo à colação um exemplo a que já nos referimos anteriormente, o Tomador do seguro/Segurado poderá mentir por questões pessoais, como a vergonha em admitir um facto. Neste caso, está consciente de que está a incumprir com o seu dever e a enganar o Segurador, mas não pretende obter uma vantagem com isso. Embora a nossa opinião vá de encontro a esta última posição, que considera estarmos perante o dolo enquanto modalidade de culpa, não podemos concordar com a exposição argumentativa que a sustenta[14]. (…)
(…)
Por todo o exposto, acreditamos que a referência ao dolo subjectivo, enquanto modalidade de culpa, está antes relacionada com outros argumentos. Mormente, a intenção legislativa de fazer relevar a culpa neste contexto, tendo essencialmente objectivos punitivos, que se prendem com o grau de censura à conduta do Tomador do seguro/Segurado. Tanto mais que no preâmbulo do RJCS se pode ler “(…) distingue-se entre comportamento negligente e doloso do tomador do seguro ou segurado, com consequências diversas quanto à validade do contrato”[15], a nosso ver, numa clara alusão ao dolo por contraposição à negligência, ou seja, enquanto modalidade de culpa com reflexos na escolha das consequências consagradas para cada uma das situações».
Do exposto resulta estar correta a afirmação contida na sentença recorrida segundo a qual “o dolo aqui em causa é o previsto no art. 253.º, 1, do Código Civil”.
Sendo assim, a intenção de defraudar a posição da seguradora não se verifica da matéria de facto dada como provada.
É certo que, cerca de meio ano após a subscrição do contrato de seguro, o segurado foi orientado para transplante pulmonar e reabilitação, mas também é verdade que, antes disso, não lhe fora traçado um quadro patológico já com essa configuração.
Avultam, por isso, as considerações contidas na sentença:
“a autora e o seu marido celebraram o contrato de seguro porque este lhes foi imposto como condição para obterem o empréstimo. Portanto, eles não procuraram um seguro de vida para obter determinados proveitos. O banco (que é do mesmo grupo da seguradora) é que os levou a celebrá-lo para se assegurar de que o dinheiro que emprestou lhe era restituído.
Depois, porque autora e marido não foram nem perguntados pelo seu estado de saúde nem informados de que se não estivessem bem não deveriam assinar a declaração em causa. Portanto, a subscrição do seguro surge como uma formalidade para obter o empréstimo.
Finalmente, é crível que com o tratamento, C…, sentisse que estava melhor.
Ele não foi aconselhado a deixar de trabalhar, continuando a fazer a sua vida normal, nomeadamente, a cantar em bares e restaurantes fechados, pois a sua profissão nisso consistia.
A Autora e seu Marido estavam convencidos que se tratava de uma pneumonite curável com as injecções, não tendo nenhum deles dado grande importância ao assunto, até porque aquele continuava a fazer a sua vida normal, sem queixas.
À data em que celebrou o contrato, C… não aparentava sinais de doença”.
Tanto basta para afastar o dolo do disposto no art. 25.º LCS, entendido este como a intenção do segurado de conscientemente faltar à verdade quanto às circunstâncias que conheça e razoavelmente devesse ter por significativas para apreciação do risco pela seguradora com vista a celebrar o contrato de seguro com os contornos concretos com que foi celebrado.

Resta a apreciação das omissões negligentes.
Neste capítulo dispõe o art. 26.º, n.º 4 LCS[16]:
Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes:
a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente;
b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.

O regime é distinto consoante as informações incorretas ou falsas defluam de uma conduta dolosa - caso em que o contrato é anulável (art. 25.º) – ou de uma conduta negligente, situação em que “As soluções associadas ao incumprimento negligente apenas visam o reequilíbrio das prestações e (…) pretendem, assim, sem favorecer ou compensar o segurador, colocá-lo na posição em que estaria se o risco tivesse sido correctamente declarado (….)”[17].
Isto porque “Estamos perante casos em que o Tomador do seguro/Segurado deve ser censurado, pois não agiu com o cuidado e a diligência que devia, mas ainda assim não agiu dolosamente, com o intuito de induzir o Segurador em erro, querendo ou não, obter com isso uma vantagem[18].”
Segundo Vanessa Louro, este preceito contém uma das grandes novidades do Regime Jurídico do Contrato de Seguro: a introdução do nexo de causalidade entre o sinistro ocorrido e os factos omitidos ou inexactamente declarados, como exigência para se fazer cessar o contrato[19]. Logo se depreende que, no caso de ocorrência de sinistro que em nada se relacione com essas circunstâncias, o Segurador será obrigado a cobrir, independentemente do incumprimento do Tomador do seguro/Segurado.
Ainda que se entendesse o contrário, provou-se na situação vertente que a doença omitida – Pneumonite de Hipersensibilidade Crónica – evoluiu para o transplante pulmonar no âmbito do qual (pós-operatório) o segurado veio a falecer.
Não está em causa a solução constante do art. 26º, nº 4 a), que admite uma redução proporcional da responsabilidade em função da diferença de prémios que seriam cobrados se acaso as omissões ou inexatidões fossem conhecidas da seguradora.
De modo que existe aquele nexo de causalidade entre a omissão e o sinistro.
Aqui chegados, não aceitamos já a posição defendida na sentença recorrida segundo a qual «provou-se que “se à data da subscrição do contrato de seguro de vida, a Ré D1… tivesse conhecimento da existência das citadas patologias, não teria celebrado este contrato de seguro de vida, podendo eventualmente celebrar outro tipo de seguro.”
Logo, havendo a hipótese da D1… celebrar outro tipo de contrato, fica arredada a aplicação da alínea b), a qual exige a demonstração de que em caso algum a seguradora celebraria um contrato.
Resta a da alínea a). Pelo que a seguradora está obrigada a cobrir o sinistro. E na totalidade.»
Na verdade, afigura-se-nos suficiente ter a Ré demonstrado que, acaso tivesse tido conhecimento da real situação de saúde do segurado não celebraria o contrato em apreço. A situação é simples: não cobriria, claro está, o risco que estivesse associado às doenças pré-existentes e que culminaram no transplante em cujo pós-operatório ocorreu o decesso do segurado.
Assim, embora se possa admitir que teria celebrado um qualquer outro contrato, o certo é não teria coberto o risco em análise, isto é, o dano morte tendo como causa a patologia já existente à data da celebração do negócio.
Desta forma, cabendo à seguradora a devolução dos prémios de seguro recebidos, já não lhe cabe responder pelo sinistro por força do disposto no art. 26.º, n.º4, al. b) LCS.
Neste segmento, o recurso deverá, pois, proceder.

Dispositivo

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação revogar a sentença recorrida, absolvendo-se a Ré do pedido.
Custas pela A.

Porto, 26.10.2020
Fernanda Almeida
António Eleutério
Maria José Simões
______________
[1] Foi omitido na sentença o ponto 6.
[2] Proc. 98A459, assim sumariado: I - Qualificada no saneador a defesa do réu como excepção e decidindo-se ser a mesma improcedente e ininvocáveis os factos em que assentou, a falta de reacção do réu contra esta decisão dá lugar a caso julgado impeditivo da sua consideração posterior em recurso para o STJ. II - A diferença entre a defesa por impugnação motivada e a defesa por excepção está em que esta, pressupondo e aceitando, ao menos para efeito de raciocínio, os factos constitutivos alegados pelo autor, acrescenta algo que obsta a que os mesmos produzam o efeito jurídico que lhes seria próprio. III - As regras sobre ónus de prova não excluem a possível conveniência de ser levada ao questionário ou à base instrutória a versão alegada pelo réu em defesa por impugnação motivada. IV - A falta da sua averiguação pode traduzir insuficiência da matéria de facto apurada, susceptível de levar o STJ a ordenar a ampliação da matéria de facto. Entre outros, no mesmo sentido, Ac. RL, de 11.1.2011, Proc. 5039/08.5TBSXL.L1-1
[3] Este apenas em termos subsidiários, só para o caso de ser improcedente a alegação baseada numa diferente interpretação do art. 25.º.
[4] Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2016, 3.ª Ed., p. 130.
[5] P. 138 e 139.
[6] Ob. Cit, p. 143.
[7] Ac. STJ, de 29.6.2017, Proc. 225/14.1TBTND.C1.S1.
[8] REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO EM PORTUGAL INSURANCE CONTRACT LAW IN PORTUGAL, Actualidad Jurídica Iberoamericana, ISSN 2386-4567, IDIBE, núm. 5 ter, dic. 2016, p. 206 e ss., disponível em http://www.revista-aji.com/articulos/2016/num6-ter/199-231.pdf
[9] Ob. Cit, p. 153 e ss.
[10] Declaração Inicial do Risco no contrato de seguro: Análise do regime jurídico e breve comentário à jurisprudência recente dos Tribunais Superiores, REVISTA ELECTRÓNICA DE DIREITO – JUNHO 2016 – N.º 2, p. 22, disponível em https://cije.up.pt//client/files/0000000001/3_651.pdf
[11] Assim ARNALDO OLIVEIRA, Lei do Contrato de Seguro Anotada, pp. 156 e 157, bem como, JOANA GALVÃO TELES, “Deveres de informação do tomador do seguro …”, cit., p. 268.
[12] Assim LUÍS POÇAS, O dever de declaração inicial do risco.…, cit., pp. 468-469. O A. adianta que os requisitos do ilícito civil em causa são os estabelecidos no art. 24.º, norma geral que consagra a obrigação de declarar e seus contornos, limitando-se os arts. 25.º e 26.º a definir as consequências aplicáveis em função do grau de censurabilidade da conduta do Tomador do seguro/Segurado. No qual se ancorou o ac. RG citado nas alegações recursivas (datado de 9.11.2017, Proc. 4317/13.6TBBRG.G1).
[13] PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, cit., p. 578, Sobre o dolo negocial explicita: “Para que tenha relevância anulatória, é necessário que o dolo cause erro e que esse erro seja essencial. (…) Se o artifício doloso, seja ele activo ou omissivo, não lograr induzir ou manter o declarante em erro, ou dissimular esse erro, porque o declarante se apercebeu dele mas, não obstante, quis celebrar o negócio, ou se se concluir que o declarante não deixaria de celebrar o negócio ainda que soubesse do erro, não haverá então razão para proceder à sua anulação, porque o processo decisório e volitivo não foi verdadeiramente perturbado.”.
[14] LUÍS POÇAS, O dever de declaração inicial do risco.…, cit., pp. 468-469.
[15] Preâmbulo do DL 72/2008 de 16 de Abril (ponto V).
[16] Uma vez que, à data do sinistro, não decorreram 2 anos sobre a celebração do contrato, o que afastaria este regime, nos termos do art. 188.º LCS.
[17] Luís Poças, O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro. Almedina. Teses, p. 533 e s.
[18] Vanessa Louro, cit, p. 28.
[19] No mesmo sentido, ac. RP, de 21.11.2019, Proc. 765/17.0T8AMT.P1: - Ao contrário do incumprimento doloso, no incumprimento negligente do dever de informação, previsto no art.º 26º da LCS, a que se refere o anterior art.º 24º, é exigível nexo de causalidade entre a informação omitida ou inexata e o sinistro ocorrido ou as suas consequências, havendo assim um desagravamento da posição jurídica pré-contratual do segurado ditado pela menor censurabilidade da sua conduta