Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1/08.0GAVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: ARMA PROIBIDA
Nº do Documento: RP201107061/08.0GAVRL.P1
Data do Acordão: 07/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A Lei das Armas (Lei 5/2006) na referência a engenho explosivo civil não abrange os artefactos pirotécnicos destinados a uso lúdico e enquadrados por regulamentação específica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 1./08.0GAVRL.P1.

Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I
1.
Nos autos de processo comum nº 1./08.0GAVRL do Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, em que é arguido
B…, casado, nascido a 17 de Fevereiro de 1935, em …, Vila Pouca de Aguiar, filho de C… e de D…, e residente na Rua …, …, …, Vila Pouca de Aguiar.

A quem é imputada a prática de factos susceptíveis de integrar em autoria material e na forma consumada um crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data da prática dos factos pelo art. 86º, n.º1, al. a), da Lei 5/2006 de 23/02, por referência ao art. 2º, n.º5, al. j), da mesma lei, e ao Decreto-lei 376/84 de 30/11 com as alterações do Decreto-lei 474/88 de 22/12, e actualmente pelos arts. 86º, n.º1, al. a), da Lei 5/2006 de 23/02 por referência ao art. 2º, n.º5, al. m), e n) da Lei n.º 5/2006 na redacção dada pela lei 17/2009 de 06/05; um crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data da prática dos factos pelo art. 86º, n.º1, al. c), da Lei 5/2006 de 23/02, por referência aos arts. 2º, n.º1, al. a), 3º, n.º4, al. a), da mesma lei, e actualmente pelo art. 86º, n.º1, al. c), da Lei 5/2006 de 23/02 por referência ao art. 2º, n.º1, al. az), e 3º, n.º4, al. a) da Lei n.º 5/2006 na redacção dada pela lei 17/2009 de 06/05; e um crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data da prática dos factos pelo art. 86º, n.º1, al. d), da Lei 5/2006 de 23/02, por referência ao art. 2º, n.º1, al. a), n.º3, als. l) e o), e art. 3º, n.º7, al. a) da mesma lei e actualmente pelos arts. 86º, n.º1, al. d), da Lei 5/2006 de 23/02 por referência ao art. 2º, n.º1, al. a), n.º3, als. p) e r) e 3º, n.º7 al. a) da Lei n.º 5/2006 na redacção dada pela lei 17/2009 de 06/05

Procedeu-se a julgamento e a final foi decidido:
Pelo exposto julgo a acusação pública procedente por provada e, em consequência:
a) Condeno B… na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., pelo art. 86º, n.º1, als. a), c) e d), da Lei 5/2006 de 23/02.
b) Suspendo a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 3 (três) anos e 2 (dois) meses, sujeita essa suspensão a regime de prova de acordo com o disposto nos arts. 50º, n.ºs 1, e 5, e 53º, n.º3, ambos do Cód. Penal.
*
Declaro perdidos a favor do Estado os objectos descritos no auto de apreensão de fls. 24, à excepção da pistola de calibre 6.35mm, marca Browning, com o n.º ……, o respectivo livrete e manifesto de arma, a autorização n.º …/200 da PSP de Vila Real e a nota de venda de arma de defesa.
Remeta os objectos declarados perdidos a favor do Estado ao Comando Geral da PSP.
Restituam-se ao arguido os demais objectos.
2. O arguido B… não se conformou com a decisão, dela recorrendo, pelo que formula as seguintes conclusões:
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3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu, formulando também as seguintes conclusões:
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4. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, onde diz, em síntese[1]:
- Andou bem o tribunal ao dar como provados os factos que deu, incluindo o elemento subjectivo da prática do crime, tendo em conta as regras da experiência e de presunções naturais.
- não deve ser considerada como punível, a detenção, pelo arguido, de artefactos pirotécnicos, como aqueles que efectivamente detinha.
5. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
II
São os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida:
II. Os Factos.
Instruída e discutida a causa resultou provado que:
1. No dia 19 de Fevereiro de 2008, cerca das 7h45m, o arguido no interior da sua residência na Rua …, …, …, Vila Pouca de Aguiar, trazia no bolso do lado direito do casaco que trazia vestido, uma pistola calibre 6,35mm, Browning, de marca Pietro Bareta, modelo …, com o n.º ……, com carregador e seis munições daquele calibre.
2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar o arguido tinha ainda na sua posse:
● No seu quarto – uma pistola calibre 6,35mm Browning, de marca FN, modelo …, com o número ……, com um carregador de seis munições; um carregador de pistola calibre 6,35mm com quatro munições e várias munições calibre 6,35mm.
● Num outro quarto: uma embalagem de aerossol com mecanismo de pulverização.
● Na cozinha: uma caixa de munições 6,35 mm, diversas munições enroladas em panos e 45 cartuchos pirotécnicos artesanais.
● Na sala: uma embalagem de aerossol com mecanismo de pulverização, duas caixas de munições 6.35mm
3. As munições referidas em 2 correspondiam a 130 munições de calibre 6.35mm Browning, 42 munições de calibre .22 Long Rifle, 5 munições de calibre 7.65mm Browning, 1 munição de calibre 7.62mm e 18 munições calibre .38 Smith & Wesson Special.
4. O aerossol encontrado no quarto do arguido é lacrimogéneo, tendo como princípio activo a oleoresina de capsicum (gás pimenta)
5. O aerossol encontrando na sala do arguido é lacrimogéneo, tendo como princípio activo o 2-clorobenzalmalononitrilo.
6. Os cartuchos pirotécnicos são constituídos por um corpo em papel contendo uma mistura pirotécnica à base de clorato de potássio, enxofre e alumínio, tendo como iniciador um pedaço de cordão lento.
7. Em datas não concretamente apuradas mas situadas em Maio de 2006, em …, e em duas ocasiões distintas o arguido apontou a E… e exibiu a F… uma pistola de características não apuradas.
8. O arguido é titular de licença de detenção no domicílio com o n.º ../00 emitida em 20/01/2000, relativa à pistola de defesa, calibre 6.35mm Browning, de marca FN, modelo …, n.º …….
9. O arguido em relação à pistola de calibre 6.35mm Browning, de marca Pietro Bareta, modelo …, com o n.º …… não é titular de licença de uso e porte de arma.
10. O arguido tinha em seu poder a arma referida em 8, que, pelas suas características, sabia ser de detenção e uso proibidos por lei, uma vez que não possuía licença de uso e porte da mesma.
11. O arguido sabia que os aerossóis identificados em 4. e 5, pelas suas características eram de aquisição, detenção e uso proibidos por lei.
12. O arguido sabia que não podia ter em seu poder as munições que sabia serem de aquisição proibida a quem não fosse legítimo proprietário de armas a que as mesmas respeitassem.
13. O arguido sabia que não estava autorizado a adquiri, utilizar, guardar ou ter consigo os explosivos, conhecendo as características das substâncias que tinha na sua posse.
14. O arguido sabia que não podia utilizar ou exibir as armas de fogo.
15. O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
16. Em sede de audiência de julgamento o arguido reconheceu que os objectos referidos em 2 se encontravam na sua residência.
17. O arguido vive só.
18. Aufere cerca de € 600,00 mensais.
19. O arguido é tido pelas pessoas que com ele convivem como boa pessoa, sério e trabalhador.
20. Não causando conflitos e sendo uma pessoa pacifica e amiga do seu amigo.
21. Esteve oito anos na guerra.
22. O arguido não tem antecedentes criminais.
*
Com relevância para a decisão nada mais se provou, designadamente que:
a) A arma referida em 6 seja alguma das descritas em 2.
III
Questões suscitadas pelo recorrente:
1. Impugnação de matéria de facto.
2. A integração jurídico-penal dos 45 cartuchos encontrados na posse do recorrente.
3. A atenuação especial da pena
4. A medida da pena.
IV
Apreciando:
1ª Questão: impugnação da matéria de facto.
1. Alega o recorrente na conclusão II que “não se conforma com a apreciação da prova realizada pelo Tribunal “a quo”, relativamente aos pontos 6, 11 e 13, dados como provados, por considerar que houve factos que foram incorrectamente julgados, padecendo do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova e falta de exame crítico da mesma”.
Pelo teor da motivação e conclusões de recurso, verifica-se que o que o recorrente pretende é efectivamente impugnar o teor dos factos dados como provados naqueles itens com base essencialmente num erro de julgamento[2] e numa diferente convicção ou valoração da prova produzida em audiência.

Como se refere no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 1.6.2006, proferido no processo nº 06P1614, consultável em www.dgsi.pt.jstj:
I - O vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso.
E para Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, Editorial Verbo, 2ª edição, fls. 339 e 340:
“Consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada.

Para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito”.

Por sua vez,
o erro notório na apreciação da prova verifica-se “quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida” - Simas Santos e Leal Henriques, CPP, 2ª ed. V. II, pág. 740.
Por sua vez, segundo o disposto no Ac. do STJ de 24/3/99, C.J. ano VII, t. I, p. 247:
“…o erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º, nº 2, al. c) do CPP, como se vem reafirmando constantemente, não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente (carecendo esta de qualquer relevância jurídica, é óbvio que aquela desconformidade não pode deixar de ser, também ela, juridicamente, irrelevante), e só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal.”

2. Destas breves noções se conclui, pois, que o acento tónico da impugnação do recorrente se situa na base da valoração/convicção em que o julgador se apoiou para dar aqueles factos como provados.
2.1. Começando exactamente pelo facto do item nº 6[3], diz o recorrente que não foi feito um exame, uma perícia, ao conteúdo ou composição dos referidos cartuchos antes se baseou o tribunal em meras suposições para afirmar que “…Os cartuchos pirotécnicos são usualmente compostos por uma mistura pirotécnica…”.
Pelo que face à ausência de prova sobre as características de tais cartuchos, especificadamente, sobre a composição, e perigosidade dos mesmos, não pode o Tribunal dar como provado o Ponto 6, dos Factos Dados como Provados.
Não tem razão o recorrente.
Sem prejuízo da irrelevância jurídica que representará a detenção pelo recorrente destes cartuchos, conforme se especificará mais adiante a propósito da sua incriminação legal[4], não se suscitam dúvidas quanto a este facto que é dado como assente.

Compulsado o teor do exame e relatório pericial realizado nos autos a fls. 91 a 95 pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, do mesmo resulta, para o que de momento interessa à questão em apreço, que tais cartuchos (45) são constituídos por um corpo em plástico ou papel contendo uma mistura pirotécnica à base de Clorato de Potássio, Enxofre e Alumínio, tendo como iniciador um pedaço de cordão lento.

É verdade que nesse mesmo relatório também se afirma que “os cartuchos pirotécnicos são normalmente utilizados nas demonstrações de fogo de artifício e em festas populares ...encontrando-se à venda no mercado de forma condicionada”.

Mas esta observação, de natureza informativa e utilitária, não retira qualquer rigor à composição exacta dos ditos cartuchos, que se mantém inalterável.
Pode, pois, afirmar-se, que do exame dos autos resulta que foram observados os referidos cartuchos e analisadas as suas características e composição, não sendo abalada a convicção depositada pelo julgador naquele facto nº 6.

2.2. Quanto aos aerossóis a que se refere o item nº 11, contesta o recorrente não só a sua pertença como o exacto conhecimento da sua composição e uso e consequente proibição. Manifesta-se contra o facto de o tribunal a quo não relevar as suas declarações sobre a matéria.
O julgador, na motivação, justifica e fundamenta o local onde tais embalagens foram encontradas e a sua relação com o recorrente. E sendo até admissível ou aceitável a versão do recorrente quando diz que os aerossóis foram adquiridos/comprados pelo seu genro, no estrangeiro, não é menos verdade que a aceitação e conformidade da sua permanência e disponibilidade dos mesmos pelo recorrente, em sua casa, o tornam responsável por tais aerossóis.
E não abala a convicção e valoração do julgador, a alegação do recorrente de que não tinha conhecimento das características dos aerossóis nem da sua proibição.
Como afirma o Ministério Público na sua resposta, “não se deve ignorar o facto de o arguido ter nascido em 17/02/1935, pelo que à data da prática dos factos tinha 73 anos, ter “andado na guerra”, como afirmou o próprio arguido, não se tendo apurado qualquer circunstância que permitisse concluir que o arguido estivesse alheado das potencialidades dos referidos…aerossóis, conhecidas pelo cidadão comum, considerando ainda o arsenal de armas que possuía na sua residência”.
A que acresce a oportuna consideração do Exmº PGA que no seu parecer diz sobre este elemento subjectivo:
“O elemento subjectivo (no que concerne ao conteúdo da vontade que regeu a detenção dos ditos objectos, à consciência e à determinação de tê-los na sua posse, ao conhecimento das características dos aerossóis e dos cartuchos pirotécnicos e da ilicitude da detenção, na medida em que tal ilicitude exista) não tem que resultar das declarações do próprio arguido, podendo resultar da livre apreciação da prova, segundo as regras da experiência (art.º 127º do CPP), que permite aquilatar dos factos psicológicos em função do exame dos factos provados.
As presunções naturais são o produto das regras de experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro ou outros [Ac. do STJ de 9/02/2005, proferido no Proc. n.º 04P4721, Rel. Henriques Gaspar, www.dgsi.pt].
Considerando-se admissíveis todas as provas não proibidas pela lei, poderá o Tribunal, por dedução lógica de factos concludentes, formar livremente a sua convicção relativa a factos conclusivos; dado que o dolo pertence à vida interior e afectiva de cada um e, é portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção; pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao principio da normalidade ou da regra geral de experiência. [Ac. de 1/04/1993, proferido no Proc. n.º 043320 Rel. Guerra Pires, www.dgsi.pt].

No caso vertente, é também de lançar mão de presunção natural quanto aos factos subjectivos constantes do item 11, porquanto os factos objectivos provados, de acordo com as regras da experiência comum, permitem inferir estes factos subjectivos.
Designadamente no que toca aos aerossóis (tal como no que respeita às pistolas), o conhecimento das características e da ilicitude da posse nas descritas circunstâncias existe no comum das pessoas”.

Consideração que tem a nossa plena concordância e que nos remete para a conclusão de dar como assente este efectivo facto ou conhecimento pelo recorrente quer da posse dos aerossóis quer das suas características e proibição.

2ª Questão: a integração jurídico-penal dos 45 cartuchos encontrados na posse do recorrente.
Suscita o recorrente a questão do enquadramento penal dos cartuchos pirotécnicos,
pugnando pela sua absolvição por não ser ilegal e punível a sua detenção e, a entender-se que deve ser punida, deve a mesma posse ser qualificada nos termos do disposto no artigo 86º al. d), do nº1, da Lei nº 5/2006, onde refere “(…) outras armas brancas ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justificar a sua posse (..)”, sendo neste caso punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias – v. conclusão XXIII.
Sobre esta concreta questão não podemos deixar de nos louvar na elaborada apreciação do parecer emitido pelo Exmº Sr. PGA, que faz uma resenha da evolução legislativa sobre os “explosivos” em causa e onde conclui por uma solução que se afigura correcta e conforme a actual lei em vigor, merecendo, pois, o nosso acolhimento.
Aí se afirma/pondera sobre a matéria em causa:

“Por outro lado (quanto a isso não temos dúvidas) o carácter explosivo dos cartuchos está claramente afirmado no relatório pericial de fls. 91-95.

Subsiste, mesmo assim, a questão de saber se o comportamento do arguido relativamente à posse dos mesmos cartuchos é punível segundo o disposto no art.º 86º, nº 1, al. a) da Lei n.º 5/2006.

O Recorrente dá nota do desconforto que pode suscitar a ideia de colocar a detenção dos ditos cartuchos no mesmo patamar mais grave de punição (al. a) do art.º 86º da Lei nº 5/2006). E, realmente, dá que pensar que a mera detenção de coisas que têm uma concreta utilização em actividades lúdicas seja encarada do ponto de vista de um eventual sancionamento penal ao mesmo nível de uma arma nuclear ou biológica.

Há uma questão que se nos depara e que decorre das alterações da Lei nº 5/2006, de 23/2.
Vamo-nos ater aos explosivos e engenhos explosivos (sendo por isso irrelevantes as alterações introduzidas pelas Leis 59/97, de 4/9 e 26/2010, de 30/8).

Na versão inicial da Lei nº 5/2006, no art.º 2º, nº 5, al. j) e l) surgiam dois conceitos, respectivamente:
j) «Engenho explosivo civil» os artefactos que utilizem produtos explosivos cuja importação, fabrico e comercialização está sujeito a autorização concedida pela autoridade competente;
l) «Engenho explosivo ou incendiário improvisado» os artefactos que utilizem produtos ou substâncias explosivas ou incendiários de fabrico artesanal não autorizado;

E no art.º 86º, nº 1, al. a), punia-se:
Detenção de arma proibida1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) (…) engenho explosivo civil, ou engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;

Na versão da Lei nº 5/2006 resultante da alteração introduzida pela Lei nº 17/2009, [e que entrou em vigor em 5/6/2009], no art.º 2º, nº 5, al. l), m) e n), figuram três definições – em que a definição inserida na al. l) («explosivo civil») surge elencada pela primeira vez; a da alínea m) é referida como correspondente à antiga alínea j) (ou seja, «engenho explosivo civil»); e a al. n) redefine o «engenho explosivo ou incendiário improvisado». Assim:
l) 'Explosivo civil' todas as substâncias ou produtos explosivos cujo fabrico, comércio, transferência, importação e utilização estejam sujeitos a autorização concedida pela autoridade competente;
m) [Anterior alínea j).]
n) 'Engenho explosivo ou incendiário improvisado' todos aqueles que utilizam substâncias ou produtos explosivos ou incendiários de fabrico artesanal não autorizado;
Republicada em anexo à Lei nº 17/2009, como parte integrante desta, o texto integral corresponde ao teor legislado:
l) «Explosivo civil» todas as substâncias ou produtos explosivos cujo fabrico, comércio, transferência, importação e utilização estejam sujeitos a autorização concedida pela autoridade competente;
m) «Engenho explosivo civil» os artefactos que utilizem produtos explosivos cuja importação, fabrico e comercialização está sujeito a autorização concedida pela autoridade competente;
n) «Engenho explosivo ou incendiário improvisado» todos aqueles que utilizem substâncias ou produtos explosivos ou incendiários de fabrico artesanal não autorizado;

No art.º 86º, nº 1, al. a), passou a punir-se, conforme a redacção resultante da Lei nº 17/2009 (sublinhado nosso).
Artigo 86.º
Detenção de arma proibida e crime cometido com arma
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
(Este é o texto que igualmente figura na republicação anexa à Lei nº 17/2009, como parte integrante desta.)
Vê-se assim que no artigo 86º, da primeira versão para a actual, deixou de aparecer o «engenho explosivo civil», surgindo em seu lugar o «engenho explosivo», a par do «engenho explosivo ou incendiário improvisado». Lapso de escrita do legislador? «Explosivo civil» é um conceito autónomo do de «engenho explosivo civil», tendo sido introduzido pela Lei nº 17/2009. Porém, manteve-se na lei a definição de «engenho explosivo civil», ainda que não figurando expressamente na punição do art.º 86º. Mesmo assim, o «engenho explosivo civil» continua a caber na previsão da al. a) do nº 1 do art.º 86º em termos mediatos, por via da referência ao «explosivo civil», na medida em que a detenção ilícita deste engloba a daquele. Ou seja, o «engenho explosivo civil» é punido quando detido ilicitamente por ser um artefacto que contém o próprio «explosivo civil».
Põe-se, no entanto, a questão de saber se era intenção do legislador abranger na Lei 5/2006 os artigos pirotécnicos como o dos autos.
Quanto ao enquadramento jurídico-penal em causa há a considerar que os artefactos pirotécnicos com finalidade lúdica são tratados em legislação específica.
O DL 34/21010, de 15/4 veio proceder à «definição das regras que permitem a livre circulação de artigos de pirotecnia e estabelece os requisitos essenciais de segurança que esses artigos devem satisfazer tendo em vista a sua colocação no mercado, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2007/23/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Maio.»
Do âmbito de aplicação do referido DL ficaram excluídos os artigos referidos no respectivo do art.º 2º, nº 2 (entre os quais os explosivos para utilização civil abrangidos pelo DL nº 265/94, de 25.
Os ditos artigos de pirotecnia encontram-se classificados de acordo com o tipo de utilização, a finalidade e o nível de risco sonoro (art.º 6º). A aplicação da lei no tempo encontra-se deferida nalguns casos para 2013, encontrando-se vigente no caso de três das categorias de fogo-de-artifício (art.º 23º).
O DL 34/21010 estabelece, no entanto (art.º 5º), uma regra de livre circulação (colocação no mercado), em que (nº 1) a colocação no mercado dos artigos de pirotecnia que satisfaçam os requisitos do presente decreto-lei não pode ser proibida ou restringida, embora (nº 2) sem prejuízo das disposições legais, justificadas por razões de ordem pública, de segurança pública ou de protecção ambiental, destinadas a proibir ou restringir a posse, a utilização ou a venda ao grande público de diversas categorias de fogos-de-artifício e artigos de pirotecnia. Sobre a disponibilização de produtos no mercado e, designadamente, quanto à venda, o mesmo diploma estabelece (art.º 13º) limites de idade quanto à venda e disponibilização a consumidores – 16 e 18 anos, consoante as classificações dos produtos – e, no caso de alguns artigos, também restrições em função do requisito de conhecimentos especializados.
Ou seja, o princípio geral é, sem prejuízos das restrições, o da livre circulação, sendo permitida em vários casos a venda e a disponibilização a escalões etários acima dos 16 anos.
Do exposto é de concluir que nem todos os engenhos que utilizam substâncias explosivas são, em termos de mera detenção, enquadráveis na Lei das armas, por força de legislação que trata especificamente a circulação e posse – aquisição e disponibilização a consumidores – desses artigos, como são actualmente os artigos de pirotecnia, entre os quais aqueles que se destinam a finalidades lúdicas.
É esse o caso dos cartuchos pirotécnicos em causa, a julgar pela única prova pericial que os autos facultam e atenta a descrição constante do respectivo relatório (cf. fls. 94). Isto num caso de mera posse, em que os objectos apreendidos possuem uma aplicação lúdica a que, em princípio, se destinam.
Aliás, o próprio lançamento de foguetes e de outros artefactos pirotécnicos nos espaços rurais tem um regime sancionatório próprio (a título de contra-ordenação), no âmbito do DL 156/2004, de 30/6 (cf. art.º 22º e 29º) e das medidas e acções a desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Prevenção e Protecção da Floresta contra Incêndios que ali são preconizadas.
Assim, quanto aos “cartuchos pirotécnicos”, verifica-se que pelas características técnicas destes poderiam integrar-se na definição de “engenho explosivo civil” prevista na alínea j), do nº 5, do art.º 2º da Lei 5/2006.
Contudo, dada a especificidade e características lúdicas dos artigos em causa, estes eram objecto de regulamentações específicas – e já o eram no âmbito do Decreto-Lei n.º 521/71, de 24/11[5] (que estabeleceu o regime de polícia da produção, comércio, detenção, armazenagem e emprego de armamento, munições e substâncias explosivas), do Decreto-Lei 376/84, de 30/11[6] (que aprovou o Regulamento sobre o Licenciamento dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos, o Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos e o Regulamento sobre Fiscalização de Produtos Explosivos) e do Decreto-Lei 303/90 de 27/9 (que aprovou o regime de fabrico, armazenagem, comércio e uso de artifícios pirotécnicos destinados a sinalização, nos quais estão incluídos os very-lights) – diplomas onde foram sendo previstas responsabilidades apenas a nível contra-ordenacional para a violação de algumas das normas ali constantes.
Aliás, o preâmbulo do acima mencionado DL 34/2010 faz expressa menção a que este diploma se harmoniza «com a legislação nacional que regula o fabrico, a armazenagem, o comércio e o emprego de artigos de pirotecnia, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, e o Decreto-Lei n.º 521/71, de 24 de Novembro, sem descurar no entanto os objectivos preconizados pela Directiva n.º 2007/23/CE, nomeadamente no que se refere à garantia da protecção da saúde e segurança humanas, à defesa dos consumidores, à protecção do ambiente e à salvaguarda dos costumes e tradições culturais existentes, sem nunca perder o controlo sobre o fabrico, o comércio, a importação e o emprego desses artigos».[7]
Não deixa de se ter presente que o DL 34/2010, transpondo embora uma Directiva de 2007, não influiu no pensamento legislativo que norteou a «lei das armas» (Lei 5/2006), porque esta lhe é anterior. Mas os dois diplomas sempre se hão-de harmonizar em função da coerência do sistema.
E, segundo o que expusemos, somos levados a concluir que o legislador da actual «lei das armas», ao referir-se a engenho explosivo civil, não teve em mente os artefactos pirotécnicos destinados a uso lúdico e enquadrados por regulamentação específica (ainda que se tenha igualmente presente que a mera detenção por particulares não encontra praticamente regulamentação nos diplomas citados).
Por todo o exposto e salvo melhor opinião, parece-nos que a incriminação prevista no art.º 86º, nº 1, al. a) da Lei nº 5/2006 não abrange a mera detenção dos artefactos pirotécnicos a que, tanto quanto do relatório de fls. 91-95, se referem os autos”.
Opinião que, como se disse no início desta transcrição de fundamentação, se partilha, o que nos leva a retirar da incriminação imputada ao recorrente, os ditos cartuchos pirotécnicos, com as consequências que, na questão seguinte, se desenvolverão.

3ª Questão: a atenuação especial da pena:
1. Reivindica o recorrente, essencialmente pelo teor da conclusão XXIX, a atenuação especial da pena, com o fundamento de que, “face ao circunstancialismo considerado como provado, designadamente, a óptima conduta, quer anterior quer posterior ao cometimento do crime, o arrependimento do recorrente e a confissão dos factos, demonstrando capacidade de autocensura, em particular através da expressão “Não sei, fui tolo”, quando inquirido sobre a razão de deter a pistola para a qual não tinha licença, deveria ter sido tomado em linha de conta na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao Recorrente, designadamente, para lhe ver ser aplicada a atenuação especial da pena, nos termos do nº1 e al. d) do nº2 do art.72º do C.P.”.

2. Não se nos afigura que se mostrem preenchidos os necessários pressupostos para que se possa atenuar especialmente a pena conforme pretendido pelo recorrente.
Os pressupostos para a atenuação são os mencionados no nº 1, do citado artigo 72º, ao dizer:
“O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
Sobre esta matéria diz Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, fls. 306:
“A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue -, quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios”.

Por um lado, a dita diminuição da culpa e as exigências de prevenção, têm de ser aferidas ao momento em que são valorados os factos e é fixada a pena do crime. E, manifestamente, esta diminuição acentuada não se verificava.
Por outro, atento os limites mínimo e máximo previsto para o crime – 2 a 8 anos de prisão – esta moldura penal abstracta permite perfeitamente ao julgador aplicar uma pena adequada a todo o circunstancialismo fáctico provado bem como ao grau de culpa, ilicitude e prevenção.

E sempre se dirá ainda que o circunstancialismo fáctico provado não aponta para que o arguido deva beneficiar de uma atenuação especial da pena: não existem as designadas circunstâncias extraordinárias ou excepcionais que justifiquem uma moldura penal diferente da “ normal “.

4ª Questão: a medida da pena.
1. Entende o recorrente que, na determinação da medida da pena deve ser levado em conta o seguinte circunstancialismo:

Para os efeitos do disposto no citado artigo há pois que atender “in casu”:
- Ao grau médio de ilicitude da conduta do arguido, que desconhecia que podia deter a maior parte das armas que lhe foram apreendidas (os aerossóis e os cartuchos);
- O facto de, a sua conduta nunca ter causado qualquer dano, quer a terceiros quer ao próprio;
- O agente estar em erro acerca da factualidade típica, ignorando a qualidade e composição dos cartuchos e dos aerossóis;
- A situação económica do agente, estável, reformado, vivendo da sua pensão de 600€, e dedicando os seus dias a uma agricultura de sustento, em que explora três vacas – Cfr. ponto 18 dos factos dados como provados;
- O arguido encontra-se bem inserido no meio onde vive e trabalha, cfr. ponto 19 e 20 dos factos dados como provados (“É tido pelas pessoas que com ele convivem como uma boa pessoa, sério e trabalhador”, “Não causando conflitos e sendo uma pessoa pacifica e amiga do seu amigo”);
- Manteve toda a sua vida um percurso estruturado e orientado, tendo emigrado muito cedo para a Alemanha, onde viveu até se reformar;
- Vive só;
- Esteve oito anos, ao serviço militar, na Índia e em Angola (vide ponto 21);
- Não possui antecedentes criminais, cfr. resulta dos factos dados como provados no ponto 22;
- E, por fim, a sua atitude em sede de julgamento, que foi de admissão dos factos, confessando a detenção das armas, o que revelou ao Tribunal capacidade de autocensura, sendo de somar a sua idade, 75 anos”.
2. São efectivamente circunstâncias que devem ser ponderadas e relevadas pelo tribunal na fixação da medida concreta da pena a aplicar, maxime as referentes à idade do arguido (75 anos), aos seus não antecedentes criminais - face à idade que tem - e à sua inserção social, sendo considerado sério e trabalhador, auferindo 600€ mensais.
Personalidade e comportamento não muito compatível com os factos em causa, diga-se, pois a detenção das armas – embora uma delas legalizada e com licença do seu uso -, e várias munições e carregadores, indicia, à partida, uma certa apetência para o ilícito, a “transgressão”, de onde muitas vezes emerge o envolvimento em factos mais ou menos violentos.
De todo o modo, está mais que demonstrado que o uso indevido e ilícito de armas, sobretudo de fogo, é cada vez mais, nos tempos que correm, uma conduta grave, propiciadora de insegurança e actos violentos.
No concreto caso dos autos, o recorrente não se limitou a manter consigo apenas a arma para a qual se encontra licenciado. Detinha consigo – aliás era a que no momento da busca trazia no bolso – uma arma de fogo (pistola 6,35mm) não legalizada.
Como é normal e natural, quando se trás uma arma no bolso, sem razão aparente para o fazer, fazendo deste uso um hábito ou habitualidade, tudo é possível e de esperar de um momento para o outro: num qualquer conflito, o recorrente poderia fazer uso dela.
Pelo que, pode-se afirmar que a gravidade normal e habitual dos factos se encontra mitigada pelo comportamento anterior do arguido e a ausência de antecedentes criminais, mas não se pode concluir que o uso e detenção da arma e outras munições e aerossóis, pelo arguido, é desprovido de qualquer insegurança e perigo para a comunidade.

3. No entanto, cumpre dizer que, a não qualificação dos cartuchos pirotécnicos como crime subsumível no disposto no artigo 86º, nº 1, al. a) da Lei nº 5/2006, cuja moldura penal é de 2 a 8 anos e na qual o julgador em 1ª instância considerou para fixar a pena ao recorrente, altera de um modo substancial, os dados da punição.
Assim, com os únicos factos provados e relevantes nesta matéria, a conduta do arguido deve agora ser punida apenas pelo disposto no art.º 86º, nº 1, al. c) e d) da Lei nº 5/2006, de 23/2, no que concerne apenas à detenção da pistola de calibre 6,35 mm, com carregador e munições, e 2 aerossóis.
E mantendo-se a lógica de condenação levada a cabo na primeira instância, porque correcta, de não existir um crime por cada arma[8] detida pelo arguido, devendo antes ser apenas punido pela incriminação mais grave, resulta que a pena abstracta legalmente prevista é a da alínea c), do nº1, do artigo 86º, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro à data da prática dos factos, ou seja, de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias[9].
Com efeito, com a redacção dada a este preceito com a Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, a pena abstracta passou para a de prisão de 1 a 5 anos, ou seja, o limite mínimo foi alterado e passou a ter o mínimo de um ano.
Pelo que aquela moldura penal é, à partida, mais favorável.
4. Perante a moldura penal prevista para a conduta do arguido, de uma pena de prisão até cinco anos ou de multa até 600 dias, coloca-se desde já a opção por uma destas duas penas, nos termos do artigo 70º, do Código Penal.
Segundo este preceito, deve o julgador dar preferência à pena de multa sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, definidas estas no artigo 40º, do CP: protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

4.1. No que concerne à reintegração do agente, esta afigura-se assegurada senão mesmo concretizada, na medida em que trabalha, tem rendimentos fixos mensais do trabalho suficientes para o seu sustento, é considerado pessoa pacífica no meio, convive com amigos e vizinhos, é considerado sério.
Quanto à protecção dos bens jurídicos, entende-se que a conduta do arguido não reveste uma acuidade especial pela circunstância deste, com a idade que já tem, ser delinquente primário e não ser conhecido que se tenha envolvido em qualquer acto violento nem feito uso das armas que detém.
Sendo um perigo sempre potencial, concretamente este não se revela iminente.
Estes factores levam-nos a, com alguma segurança, a optar pela aplicação de uma simples pena de multa.

4.2. Pena de multa que deve ser graduada segundo o disposto no artigo 71º, do CPenal, com relevo para o grau de culpa e ilicitude e as exigências de prevenção.
Perante todo o circunstancialismo descrito e provado, pode afirmar-se que nem a culpa nem a ilicitude se distanciam dos padrões regra nem a prevenção especial se afigura particularmente relevante, antes denotando que o arguido se ajusta ao comportamento médio de um cidadão, quiçá com um gosto ou tendência pela detenção de armas[10]. Personalidade que, mesmo assim, não extravasa o razoável e o aceitável, pois não está em causa, nem pela quantidade nem pela natureza, nenhum “arsenal de guerra”.

A prevenção geral é, neste caso, a exigência que mais deve ser levada em conta, na medida em que ultrapassa a própria personalidade do arguido e as demais circunstâncias verificadas.
Pelo que, numa moldura cuja pena é a de multa até 600 dias, afigura-se como adequada e proporcionada a pena de 350 dias.
4.3. Fixada a pena quanto aos dias, cumpre agora determinar a taxa diária da multa, ao abrigo do disposto no artigo 47º, nº 2, do CPenal, que tem por base a situação económica do condenado e os seus encargos pessoais.
O que os autos revelam é que o arguido vive só e aufere 600,00 € mensais.
Sendo um vencimento pouco acima do SMN, é no entanto um vencimento modesto que praticamente é consumido com os encargos normais, também sempre modestos do arguido.
Pelo que se considera equilibrada a taxa diária de 6,00€.
4.4. Conjugando o número de dias de multa coma taxa, resulta uma multa global de 2 100,00€, o que indicia uma multa avultada face à situação económica do arguido.
Acontece que a aplicação de uma pena representa sempre um sacrifício para o condenado, só assim se atingindo a eficácia e fim pretendidos.
E como é facultado pelo artigo 47º, nº 3, do CPenal, pode sempre o arguido requerer, se a sua situação económica o justificar – o recorrente pode ter um “pé-de-meia” que lhe permita pagar de uma só vez a multa – o pagamento da pena em prestações, o que tornará o cumprimento mais suave, sem lhe retirar o fim visado.
V
Decisão
Por todo o exposto, decide-se:
1. Negar provimento ao recurso quanto à impugnação da matéria de facto bem como à atenuação especial da pena.
2. Julgar procedente o recurso quanto à não qualificação como crime dos 45 cartuchos encontrados na posse do recorrente.
3. Consequentemente, altera-se a condenação do recorrente-arguido apenas para a prática dos crimes pp. e pp. pelo disposto no art.º 86º, nº 1, al. c) e d) da Lei nº 5/2006, de 23/2, no que concerne à detenção da pistola de calibre 6,35 mm, com carregador e munições, e 2 aerossóis, sendo que o mesmo apenas será punido pela incriminação mais grave à data da prática dos factos, ou seja, pela alínea c), do nº1, do artigo 86º, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com pena de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
4. Nestes termos, condena-se o recorrente na pena de 350 dias (trezentos e cinquenta dias) de multa à taxa diária de 6,00€ 8seis euros), o que perfaz o montante da multa de 2 100,00€ (dois mil e cem euros).

Custas a cargo do recorrente, pelo seu decaimento parcial fixando-se a taxa de justiça de 3 (três) UCs.

Porto, 6.7.2011
Luís Augusto Teixeira
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição
___________________
[1] Sem prejuízo de maiores desenvolvimentos, do teor deste parecer, mais adiante, a quando da fundamentação do acórdão.
[2] Referindo-se a propósito deste, no Ac. RG 5/6/06, proc. nº 765/05-1, o seguinte:
“o erro de julgamento verifica-se:
- ou quando é dado como provado um facto sobre o qual não tenha sido feita qualquer prova e que, por isso, deveria ser dado como não provado;
- ou quando é dado como não provado um facto que, perante a prova produzida, deveria ser dado como provado.
Dito de outro modo, há erro de julgamento quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei expressa.”
[3] Com o seguinte teor:
“Os cartuchos pirotécnicos são constituídos por um corpo em papel contendo uma mistura pirotécnica à base de clorato de potássio, enxofre e alumínio, tendo como iniciador um pedaço de cordão lento”.
[4] Razão por que também não se apreciará a matéria impugnada sob o item nº 13.
[5] Rectificado pela declaração. DG 304/71, DR I, de 31/12/1971
[6] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 474/88, de 22/12
[7] Colateralmente, veja-se que a Lei n.º 39/2009, de 30/7 e que estabelece o regime jurídico do combate à violência nos espectáculos desportivos, qualifica como contra-ordenação (art.º 39º, nº 1, al. g) a introdução ou utilização nos recintos de substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos ou objectos que produzam efeitos similares (e aqui temos mais do que uma mera detenção), embora sem prejuízo de outras sanções aplicáveis (o que, não obstante, inculca a ideia de que o legislador não quis consagrar a solução de que uma tal detenção se enquadrasse na «Lei das armas» e, por conseguinte, fosse sempre crime – hipótese que tornaria desnecessário o sancionamento contra-ordenacional, pois no caso de concurso de infracções – art.º 20º do DL 433/82, de 27/10 - apenas subsiste a punição pelo crime, salvo no tocante a sanções acessórias – que não estão, aliás, previstas para esta específica contra-ordenação).
[8] Tendo-se concluído na decisão recorrida:
«Atento o bem jurídico protegido com o crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 86º, nº1, als. c) e d) da Lei 5/2006, de 23/2 não é acrescido o âmbito de protecção jurídica prosseguida com tal incriminação, pelo facto de em vez de um tipo de arma, o arguido deter consigo outras armas, não podendo assim considerar-se a existência de um crime por cada arma detida, ainda que no caso se trate, por um lado, de munições e, por outro, de uma embalagem de aerossol.» - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/07/2009, proferido no Proc.48/07.4GAAFE.C1 e disponível em www.trc.pt.
Assim, e na senda deste entendimento, tendo em conta o bem jurídico violado constitui a segurança de comunidade, face aos riscos (em última instância para bens jurídicos individuais) decorrentes da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas, entende-se não existir um crime por cada arma detida, pelo que se afigura, ao nível da determinação da moldura abstracta ser de aplicar apenas a mais grave.
[9] A alínea d) do mesmo preceito previa a pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
[10] Terá de levar-se em conta que o arguido esteve oito anos na guerra – v. facto nº 21 -, o que deve entender-se como estando ao serviço do Estado Português na guerra colonial, a qual deixa sempre as suas marcas, de diferente natureza.