Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4396/16.8T9AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO
CONTRAORDENAÇÃO
ESTACIONAMENTO NA VIA PÚBLICA
Nº do Documento: RP201805094396/16.8T9AVR.P1
Data do Acordão: 05/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS 758, FLS 6-12)
Área Temática: .
Sumário: Não integra a prática de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 150.° n.°1 e 2, 138.° e 145.° n.°2 do Código da Estrada, o mero facto de um veículo automóvel se encontrar estacionado na via pública, sem beneficiar do seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4394/16.8T9AVR.P1
Data do acórdão: 9 de Maio de 2018

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Ílhavo

Sumário:
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Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B...;
I – RELATÓRIO
1. Por sentença datada de 2 de Novembro de 2017, foi julgada improcedente a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente da decisão administrativa proferida pela A.N.S.R., que condenou o ora recorrente no pagamento de uma coima no valor de 750,00€ e numa sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelos artigos 150.° n.°1 e 2, 138.° e 145.° n.°2 do Código da Estrada.
2. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso da sentença, terminando a motivação com as seguintes conclusões:
A condenação da decisão administrativa da ANSR, que mereceu a impugnação judicial de cuja douta sentença se recorre, baseou-se na seguinte factualidade: "No dia 29/11/2014, pelas 16h47 no local ... - ... - Comarca Aveiro - Inst. Local Aveiro, mediante condução do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-AT, foi praticada a seguinte infracção:
O referido veículo circulava sem que a responsabilidade civil resultante do risco da sua utilização tivesse sido transferido para uma entidade seguradora" (ênfase nosso).
Como a douta sentença recorrida dá como não provado, precisamente, "Que o veículo referido em 1 se encontrasse em circulação" (ênfase nosso), salvo o devido respeito por entendimento diverso, tanto bastaria, e deveria ter bastado, para que a impugnação fosse procedente e o arguido fosse absolvido.
A norma legal em que se baseia a condenação do recorrente (artigo 150°, n.° 1, do CE) obriga a efectuar seguro de responsabilidade civil para os veículos poderem transitar na via pública, conceito que douta sentença recorrida considera abranger tanto a "circulação" como o "estacionamento no espaço público" de um veículo.
Não pode o recorrente concordar com tal interpretação da norma, dado que, nos termos do artigo 9°, n.° 2, do Código Civil, está vedado ao intérprete da lei considerar um pensamento legislativo que no tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso - e muito menos quando dessa interpretação resulta a punição no âmbito dum ordenamento sancionatório como o contra-ordenacional.
Circulação e estacionamento são expressões que significam realidades, traduzem factos, completamente distintos, pelo que pura e simplesmente não se verifica a realidade factual em que se baseia a decisão administrativa nem, consequentemente, a infracção contraordenacional imputada ao recorrente.
(…)
Até porque se um veículo, ainda que imobilizado, pode ser interveniente num acidente de viação, como lembra a douta sentença, é no mínimo imperioso ter em conta que um veículo a circular na via pública envolve riscos exponencialmente maiores do que o mesmo veículo estacionado, o que significa uma gravidade da infracção e um desvalor da acção muito diverso, com impacto na determinação da medida da coima e da sanção acessória.
Ora, sendo a moldura legal da coima entre 500€ e 2.500€, a decisão administrativa não fixou a coima em 750€, ou seja, 50% acima do mínimo, precisamente atendendo a factos com uma gravidade muito maior da que decorre dos facos dados como provados, para quem entende que, num caso ou noutro, o ilícito se verifica.
O Tribunal a quo deveria então ter ponderado a alteração do valor da coima.
A gravidade da infracção também influi na possibilidade de suspensão do cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir ao abrigo do artigo 141° do CE.
O recorrente teria, ou poderia ter tido, posição processual diferente se alguma vez tivesse sido confrontado, na fase administrativa ou na fase judicial, com outra realidade - veículo estacionado e não veículo em circulação -, designadamente por via de uma alteração dos factos desencadeada nos autos, mediante a qual lhe tivesse sido dada oportunidade de quererer o que tivesse por conveniente, incluindo, precisamente, para efeitos de coima e suspensão da sanção acessória.
Assim, a douta sentença violou, designadamente, o disposto nos artigos 141° e 150° do Código de Estrada, no artigo 9°, n.° 2, do Código Civil, e no artigo 379°, n.° 1, al. b), do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogada e, em seu lugar, determinar-se a absolvição do recorrente ou, quando assim não se entenda, determinar-se a alteração do valor da coima para o mínimo legalmente previsto e a suspensão do cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir (cfr. artigo 141° do Código da Estrada).

4. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, nos termos legais.
5. Notificado da motivação do recurso, o Ministério Público junto do Tribunal a quo não apresentou qualquer resposta.
6. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, no qual pugna pela confirmação parcial da sentença com base, no essencial, nos seguintes argumentos:
a) A viatura do ora recorrente estava sujeita à obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil;
b) Encontrando-se na via pública é indiferente se estava, ou não, a circular.
c) Quanto à medida da coima, admite a sua redução para o mínimo legal e, no tocante à pena acessória, admite que a mesma seja suspensa nos termos do disposto no artigo 141º do Código da Estrada.
7. O recorrente não apresentou resposta ao parecer.
8. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Porém, este tribunal é de recurso, não podendo apreciar questões que não tenham sido submetidas à apreciação do tribunal recorrido – ou que sejam de conhecimento oficioso -, razão pela qual não poderão ser apreciadas, nesta instância, as questões jurídicas colocadas a título subsidiário pelo recorrente, pertinentes à medida da coima e à não suspensão da execução da sanção acessória.
Atento o teor do relatório produzido nesta decisão, importa decidir a questão substancial suscitada neste recurso, constituindo o seu thema decidendum:
- erro em matéria de direito consubstanciado na falta de preenchimento de um elemento objetivo da contraordenação, uma vez que a viatura não estava a circular;
II – FUNDAMENTAÇÃO

A - Os factos processuais relevantes:
A sentença recorrida:
«I. RELATÓRIO
O recorrente B... apresentou recurso contra-ordenacional da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que condenou, o recorrente no pagamento de coima no valor de 750,00€ e em sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática de:
- uma contra-ordenação prevista e punida pelos art. 150.° n.°1 e 2, 138.° e 145.° n.°2 do Código da Estrada.
O recorrente arrolou testemunhas e alegou, em síntese, que o veículo não se encontrava a circular mas, outrossim, estacionado na via pública em virtude de avaria, motivo pelo qual não era obrigatória a celebração de seguro de responsabilidade civil automóvel.
O tribunal é competente.
Não existem questões prévias ou incidentais ou nulidades que obstem ao conhecimento do objecto do processo.
O Ministério Público e o recorrente não se opõem à decisão da presente impugnação judicial por mero despacho.
Foi oficiosamente solicitado ao IMT e à ANSR o envio dos ofícios e circulares relativamente à matéria da obrigatoriedade de seguro automóvel em veículos estacionados na via pública, tendo sido exercido o contraditório relativamente aos ofícios de fls. 67 e 68 e 74 a 79 dos autos.
Nada obsta a que o tribunal conheça do presente recurso por simples despacho, nos termos do disposto no art. 64.° n.°1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações, doravante, R.G.C.O.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos provados
Dos autos resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:
No dia 29/11/2014, pelas 16h47 no local ... - ..., o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matricula ..-..-AT encontrava-se estacionado na via pública, sem que a responsabilidade civil resultante do risco da sua utilização tivesse sido transferido para uma entidade seguradora.
O veículo referido em 1) é propriedade do recorrente.
(…)
Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa, não se provou:
- que o veículo referido em 1) se encontrasse em circulação.
Motivação
A convicção do Tribunal, no que concerne à factualidade típica, fundou-se no auto de notícia a fls. 2 do qual consta que pelo agente autuante foi verificado que o veículo em causa se encontrava estacionado na via pública e que não tinha a responsabilidade civil transferida para entidade seguradora, conjugado com a informação de fls. 3.
Isso mesmo vem confirmado pelo recorrente na alegação apresentada no presente recurso de contra-ordenação, motivo pelo qual se deu como provado que o veículo se encontrava estacionado e não em circulação, como consta da decisão proferida pela autoridade administrativa.
Mais acresce que a factualidade objectiva apurada, conjugada com a posição assumida pela recorrente e valorada à luz das regras da experiência comum, permite o convencimento do tribunal em dar como provada que o proprietário do automóvel em causa devia ter diligenciado pela celebração de seguro de responsabilidade civil.
Mais resulta da mesma factualidade conjugada com as regras da experiência comum que tal diligência que lhe era possível, nada obstando a que o recorrente tivesse procedido dessa forma.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Enquadramento Jurídico-Penal
Vem imputada ao recorrente a prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos art. 150.° n.°1 e 2, 138.° e 145.° n.°2 do Código da Estrada.
Dispõe o art. 150.° n.°1 e 2 do Código da Estrada que os veículos a motor e seus reboques só podem transitar na via pública desde que seja efectuado, nos termos de legislação especial, seguro da responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização, sendo a falta de seguro sancionada com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se o veículo for um motociclo ou um automóvel, ou de (euro) 250 a (euro) 1250, se for outro veículo a motor.
Nos termos do disposto no art. 145.° n.°2 do mesmo diploma "Considera-se igualmente grave a circulação de veículo sem seguro de responsabilidade civil, caso em que é aplicável o disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 135.°, com os efeitos previstos e equiparados nos n.° 2 e 3 do artigo 147.°"
Assim, tratando-se de uma contra-ordenação grave, dispõe o art. 138.° n.°1 do Código da Estrada que "as contraordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória", sendo que, ao abrigo do art. 147.° n.°2 do mesmo Código, a sanção de inibição de conduzir todos os veículos a motor aplicável às contra-ordenações graves tem a duração mínima de um mês e máxima de um ano.
Das citadas disposições legais retira-se que, efectivamente, é obrigatória a celebração de seguro de responsabilidade civil automóvel para todos os veículos a motor que transitem na via pública.
Tendo ficado demonstrado nos autos que o veículo automóvel propriedade do recorrente e em causa no presente recurso se encontrava estacionado na via pública, resta aferir se tal estacionamento se pode considerar "trânsito" na via pública para os efeitos do disposto no n.°1 do art. 150.° do Código da Estrada.
Conforme resulta do ofício da DGV n.° 25664/2005 de 6 de Dezembro, junto pelo IMT a fls. 68 dos autos, "um veículo estacionado na via pública deve estar coberto por seguro de responsabilidade
Também a ANSR partilha de idêntico entendimento, conforme resulta do ofício junto a fls. 74 e ss. dos autos. Ali se conclui que "a aposição do selo no vidro do automóvel serve precisamente para demonstrar que o seu proprietário tem regularizadas as suas obrigações quanto ao seguro, inspecção periódica e imposto municipal, ainda que aquele se encontre estacionado na via pública, porque, para além de se encontrar a ocupar um espaço público, para lá chegar e de lá sair, tem necessariamente de circular".
Ora, não podemos deixar de concordar com tal entendimento vertido nos ofícios acima mencionados. Com efeito, o "trânsito" na via pública não pode corresponder unicamente à circulação de veículos, incluindo necessariamente o seu estacionamento em espaço público.
Note-se que, ainda que imobilizado, o veículo pode ser interveniente em acidente de viação.
Aliás, precisamente por esse motivo, está consagrado no art. 503.° do Código Civil, sob a epígrafe de "acidentes causados por veículos", que "aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação." (sublinhado nosso).
Ora, a ratio da obrigatoriedade de celebração de seguro de responsabilidade civil automóvel é precisamente garantir a responsabilidade civil emergente de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor - cfr. art. 4.° n.°1 do Decreto-Lei n.° 291/2007, de 21 de Agosto.
Assim, não podemos deixar de excluir a possibilidade de um veículo, ainda que estacionado, venha a gerar danos em terceiros (nomeadamente provenientes dos riscos próprios do veículo), os quais terão de ser acautelados mediante celebração de seguro obrigatório.
Por fim, isso mesmo resulta também - como se refere no ofício remetido aos autos pela ANSR - da obrigatoriedade de aposição de dístico respeitante ao seguro em local bem visível do exterior.
Com efeito, dispõe o art. 30.° n.°1 do Decreto-Lei n.°291/2007, de 21 de Agosto, que "Nos veículos cuja utilização esteja sujeita ao seguro e com estacionamento habitual em Portugal, com excepção dos motociclos, ciclomotores, triciclos, quadriciclos e máquinas industriais, deve ser aposto um dístico, em local bem visível do exterior, que identifique, nomeadamente, a empresa de seguros, o número da apólice, a matrícula do veículo e a validade do seguro."
Ora, tal obrigação só pode visar, precisamente, a possibilidade de fiscalização da celebração de seguro de responsabilidade civil em situações em que, encontrando-se o veículo imobilizado, não seja possível contacto directo com o seu condutor.
Em face do exposto, concluímos que os veículos estacionados na via pública estão igualmente sujeitos à obrigação de celebrar seguro da responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização, pelo que, a falta deste seguro faz incorrer o seu proprietário - como é o caso do recorrente - na contra-ordenação prevista no art. 150.° n.°1 e 2 do Código da Estrada.
Por fim, não tendo sido questionada pelo recorrente a medida da coima aplicada e sendo fixada a sanção acessória aplicada pelo mínimo legal, nada cumpre apreciar relativamente a tais questões.»

B – De jure:
Nos termos do disposto no artigo 59º, nº 1, do R.G.C.O. o ora recorrente impugnou junto do tribunal a quo a decisão da A.N.S.R. que lhe aplicou sanções (coima e inibição de condução) pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 150.° n.°1 e 2, 138.° e 145.° n.°2 do Código da Estrada.
Dispõe o art. 150.° n.°1 e 2 do Código da Estrada que os veículos a motor e seus reboques só podem transitar na via pública desde que seja efetuado, nos termos de legislação especial, seguro da responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização, sendo a falta de seguro sancionada com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se o veículo for um motociclo ou um automóvel, ou de (euro) 250 a (euro) 1250, se for outro veículo a motor, à qual acresce uma sanção de inibição de conduzir todos os veículos a motor (aplicável às contraordenações graves) com a duração mínima de um mês e máxima de um ano – ex vi dos artigos 138º, nº 1, 145º, nº2 e 147º, nº 2, ainda do mesmo texto legal.
Como o tribunal da primeira instância concluiu, e bem, resulta das citadas disposições legais que é obrigatória a celebração de seguro de responsabilidade civil automóvel para todos os veículos a motor que transitem na via pública.
O recorrente também não discorda desse entendimento jurídico.
A questão que suscitou a divergência assumida pelo recorrente, com a qual não se conforma, circunscreve-se à circunstância do tribunal a quo ter entendido que a contraordenação terá sido praticada, mesmo, estando o veículo do ora recorrente meramente estacionado na via pública, sem beneficiar de seguro de responsabilidade civil.
Tendo ficado demonstrado nos autos que o veículo automóvel propriedade do recorrente e em causa no presente recurso se encontrava estacionado na via pública, resta aferir se tal estacionamento se pode considerar "trânsito" na via pública para os efeitos do disposto no n.°1 do artigo 150.° do Código da Estrada.
A interpretação jurídica plasmada na decisão recorrida e corroborada pelo Ministério Púbico junto deste Tribunal:
O tribunal concluiu positivamente, baseando-se, primeiramente, no ofício da D.G.V., junto a folhas 68 dos autos, segundo o qual "um veículo estacionado na via pública deve estar coberto por seguro de responsabilidade." E num ofício da A.N.S.R., também junto aos autos, de acordo com o qual "a aposição do selo no vidro do automóvel serve precisamente para demonstrar que o seu proprietário tem regularizadas as suas obrigações quanto ao seguro, inspeção periódica e imposto municipal, ainda que aquele se encontre estacionado na via pública, porque, para além de se encontrar a ocupar um espaço público, para lá chegar e de lá sair, tem necessariamente de circular."
A fundamentação jurídica da sentença ainda acrescenta que o "trânsito" na via pública não pode corresponder unicamente à circulação de veículos, incluindo necessariamente o seu estacionamento em espaço público, recordando, para tanto, que mesmo imobilizado, o veículo pode ser interveniente em acidente de viação.
Do exposto retira que aratio da obrigatoriedade de celebração de seguro de responsabilidade civil automóvel é, precisamente, a de "garantir a responsabilidade civil emergente de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor" - cfr. art. 4.° n.°1 do Decreto-Lei n.° 291/2007, de 21 de Agosto, não excluindo a possibilidade de um veículo, ainda que estacionado, venha a gerar danos em terceiros (nomeadamente provenientes dos riscos próprios do veículo), os quais terão de ser acautelados mediante celebração de seguro obrigatório.
Justifica, assim, a exigência legal prevista no art. 30.° n.°1 do Decreto-Lei n.°291/2007, de 21 de Agosto: "Nos veículos cuja utilização esteja sujeita ao seguro e com estacionamento habitual em Portugal, com excepção dos motociclos, ciclomotores, triciclos, quadriciclos e máquinas industriais, deve ser aposto um dístico, em local bem visível do exterior, que identifique, nomeadamente, a empresa de seguros, o número da apólice, a matrícula do veículo e a validade do seguro."
Segundo o tribunal recorrido, tal obrigação só pode visar, precisamente, a possibilidade de fiscalização da celebração de seguro de responsabilidade civil em situações em que, encontrando-se o veículo imobilizado, não seja possível contacto direto com o seu condutor.
Conclui, assim, que os veículos estacionados na via pública estão igualmente sujeitos à obrigação de celebrar seguro da responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização, pelo que, a falta deste seguro faz incorrer o seu proprietário - como é o caso do recorrente - na contraordenação prevista no art. 150.° n.°1 e 2 do Código da Estrada.
A interpretação jurídica plasmada na decisão recorrida:
O recorrente diverge desse entendimento, destacando na sua argumentação que a norma legal em que se baseia a condenação do recorrente (artigo 150°, n.° 1, do CE) obriga a efetuar seguro de responsabilidade civil para os veículos poderem transitar na via pública, conceito que douta sentença recorrida considera abranger tanto a "circulação" como o "estacionamento no espaço público" de um veículo, o que não é permitido pelo disposto no artigo 9°, n° 2, do Código Civil, por estar vedado ao intérprete da lei considerar um pensamento legislativo que no tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Circulação e estacionamento são expressões que significam realidades, traduzem factos, completamente distintos, pelo que pura e simplesmente não se verifica a realidade factual em que se baseia a decisão administrativa nem, consequentemente, a infração contraordenacional imputada ao recorrente.
Cumpre apreciar e decidir.
§ 1º Do princípio da legalidade e do princípio da tipicidade em matéria contraordenacional:
Nos termos do disposto nos artigos 1º e 2º do R.G.C.O. (Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro), constitui contraordenação "todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima" e "Só será punido como contraordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática".
Nestes termos, o ora recorrente só poderá ser punido com uma coima e uma sanção acessória, caso tenha feito transitar pela via pública um veículo com motor, sem que os riscos emergentes de danos corporais ou materiais causados a terceiros por tal veículo estejam acautelados por um seguro de responsabilidade civil.
O tribunal recorrido desenvolve toda a fundamentação jurídica da sentença a justificar, de forma aliás desenvolvida, a exigência legal de um veículo automóvel meramente estacionado na via pública estar sujeito à obrigação de estar coberto por um seguro de responsabilidade civil automóvel.
Porém, essa é uma questão distinta.
§ 2º Da obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil automóvel;
A obrigatoriedade evidenciada nessa fundamentação encontra-se prevista no artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, impendendo tal dever sobre o proprietário do veículo, excetuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respetivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário (artigo 6º, nº 1, do mesmo diploma).
Para facilitar a fiscalização do cumprimento dessa obrigação, a lei prevê a aposição de um dístico no veículo, em local bem visível do exterior, que identifique, nomeadamente, a empresa de seguros, o número da apólice, a matrícula do veículo e a validade do seguro (artigo 30º, nº 1, ainda do mesmo texto legal).
A obrigação de seguro é controlada nos termos previstos no artigo 85.º do Código da Estrada, sem prejuízo da apreensão do veículo prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 162.º do mesmo Código (artigo 81º, nº 1, ainda do mesmo Decreto-Lei).
§ 3º Da obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil referentes aos veículos automóveis estacionados na via pública;
E, sendo pacífica – e pelo tribunal recorrido bem fundamentada - a obrigatoriedade dos veículos – mesmo estacionados na via pública – estarem sujeitos a seguro de responsabilidade civil automóvel, qual será a consequência legal no caso de ser fiscalizado um veículo automóvel meramente estacionado na via púbica, sem que esteja devidamente segurado?
A resposta é dada pelo estatuído no artigo 162º, nº 1, al. f) do Código da Estrada: o veículo deve ser apreendido.
O titular da propriedade do veículo é, então, notificado para regularizar a situação no prazo de 90 dias, sob pena de, não o fazendo, o veículo ser declarado perdido a favor do Estado (artigo 162º, números 2 e 3, ainda do Código da Estrada).
§ 4º Da obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil referentes aos veículos automóveis que transitem na via pública;
Já se concluiu, pacificamente, que os veículos automóveis estão sujeitos a seguro de responsabilidade civil, nos termos da lei.
Se o ora recorrente fizesse transitar pela via pública um veículo com motor, sem que os riscos emergentes de danos corporais ou materiais causados a terceiros por tal veículo estivessem acautelados por um seguro de responsabilidade civil, o mesmo teria incorrido na prática da contraordenação que foi objeto de sanção pela A.N.S.R., confirmada na primeira instância – e ainda estaria sujeito às consequências enunciadas no artigo 162º, números 2 e 3, do Código da Estrada –.
O princípio da legalidade e da tipicidade em matéria contraordenacional não permitem o uso da analogia na fundamentação jurídica do enquadramento jurídico de uma certa conduta. Ora, quanto aos elementos objetivos do tipo legal de contraordenação apenas resultou provado na sentença recorrida que o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matricula ..-..-AT se encontrava estacionado na via pública[3], sem que a responsabilidade civil resultante do risco da sua utilização tivesse sido transferido para uma entidade seguradora, sendo o seu proprietário o ora recorrente.
Mais: resultou não provado que tal veículo se encontrasse em circulação.
Quando o legislador configurou o tipo legal de contraordenação, apenas pretendeu sancionar o obrigado à celebração do seguro, caso o veículo automóvel tenha transitado, sem estar coberto por seguro de responsabilidade civil.
Resulta dos artigos 11º e seguintes do Código da Estrada que o trânsito de veículos exige o exercício da condução.
Um veículo automóvel que se encontre estacionado, sem que esteja algum condutor no exercício da sua condução não se encontra a transitar, desconhecendo-se, no caso em apreço, a data e hora em que tal terá sucedido pela última vez – podendo assim ter sucedido numa altura em que a responsabilidade civil resultante do risco da sua utilização ainda se encontrasse transferida para uma entidade seguradora -.
Por conseguinte, não se verificando esse elemento objetivo do tipo legal de contraordenação (que o ora recorrente tenha feito transitar pela via pública um veículo com motor), pelo qual o ora recorrente foi sancionado, o recurso deve ser julgado provido.
Das custas processuais:
Sendo o recurso julgado provido, não há lugar ao pagamento de custas.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar provido o recurso interposto pelo arguido B... e, em consequência, revogar a sentença recorrida e a decisão administrativa impugnada judicialmente.
Sem custas.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 9 de Maio de 2018.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
_________________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] Não tendo sido provado, sequer, quando e como é que o automóvel foi deslocado ou se deslocou para esse local.