Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
148/13.1PGGDM
Nº Convencional: JTRP000
Relator: COELHO VIEIRA
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO.
Nº do Documento: RP20141203148/13.1PGGDM
Data do Acordão: 12/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O regime de permanência na habitação, constitui uma pena de substituição e não uma forma de execução da pena de prisão, por isso o momento próprio da sua aplicação é a sentença condenatória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 148/13.1PGGDM

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

No T. J. de Gondomar foi o arguido, B…, com os sinais dos autos, julgado em processo sumário e condenado da seguinte forma:-
(…)
- condeno o arguido B…, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido no art. 292º nº 1, do código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão efectiva;
- condeno o arguido … na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) anos nos termos do disposto no artigos 69º nº 1, al. a) e nº 2 do Código Penal, devendo assim, no prazo de 10(dez) dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, entregar a licença de condução na secretaria deste Tribunal ou no Posto Policial da área da sua residência, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência ) cfr. art. 500º do CPP….
(…)
Esta decisão tem a data de 14/01/2014.
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Em 7/02/2014 (e portanto antes do trânsito em julgado do decidido mas após a data da decisão final devidamente notificada) o Arguido veio enxertar um requerimento, que interpretamos como questão incidental, estribando-se no preceituado no art. 44º, do C. Penal, peticionando a autorização da substituição da “pena de prisão em execução da pena em regime de permanência na habitação”.
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Tal requerimento foi objecto de decisão da Mertª Juiz que o indeferiu em 5/05/2014 (cfr. cert. fls. 23-24):-
A Decisão desdobra-se em duas linhas de força a saber:_
- A decisão recorrida encontra-se transitada em julgado, o que implica que se encontre esgotado o poder jurisdicional, pois não foi objecto de recurso;
- A pena peticionada por via do requerimento aludido é uma pena de substituição e não uma forma de execução da pena de prisão (cominada pela decisão transitada). Face ao carácter definitivo da decisão final atinente à sentença, bem como à natureza das penas em apreciação nada há a determinar (conquanto se faça consignar que “para acautelar as necessidades de tratamento, o arguido poderá cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Santa Crus do Bispo que dispõe de tratamento estruturado à adição problemática do álcool – vd informação da DGRS de fls. 97”).
- O requerimento foi, por via de decisão, indeferido, como também dela consta.
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Inconformado com tal despacho veio recorrer o Arguido.
Motiva o seu recurso, alinhando as seguintes CONCLUSÕES:-
1. A pena efectiva só tem em vista a punição;
2. A pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica torna a sanção mais eficaz e promove a reintegração social do arguido, sendo admissível a sua aplicação quando a pena de prisão aplicada em medida não seja superior a um ano;
3. O douto despacho recorrido não averiguou da justeza das razões aduzidas pelo arguido;
4. A prisão efectiva do arguido atenta contra os direitos e sentimentos de justiça do requerente, causa verdadeiro alarme social e afecta a credibilidade da justiça;
5. O arguido não é delinquente;
6. O arguido vive com a sua progenitora, onde é essencial na ajuda dos cuidados básicos;
7. A privação da sua liberdade trará imediatamente prejuízos irreparáveis na inserção social do arguido;
8. Atendendo a gravidade dos factos e a própria natureza do crime em questão só por si justificam a excessividade da pena de prisão aplicada;
9. Face aos condicionalismos pessoais do arguido deveria ao requerente ter sido aplicada a pena de prisão em regime de permanência na habitação;
10. O despacho recorrido fez incorrecta apreciação dos factos e violou o art. 43º e 44º do Código Penal.
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Admitido o recurso e fixado efeito suspensivo, verifica-se que foi deduzida douta resposta por banda do Digno Magistrado do MP; nela se diz claramente o seguinte:-
- A decisão condenatória transitou em julgado (“a ratio” é conferir segurança jurídica “erga omnes”).
- o regime do art. 44º, do CP, invocado pelo Recorrente tem sempre que se reportar “à data da condenação”. Remata-se pela improcedência do recurso.
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- O Ilustre Procurador-Geral Adjunto, no seu douto Parecer, sufragou a posição processual assumida pelo MP na 1ª instância.
- Na sequência do cumprimento do disposto no art. 417º nº 2, do CPP verifica-se que não foi deduzida qualquer resposta.

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COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS CUMPRE DECIDIR:-

Entendemos por útil e oportuno dizer o seguinte:-
- Perante uma decisão que o Recorrente entendeu que lhe era desfavorável, existem duas figuras jurídicas, a saber:-
- Ou, no prazo de 10 dias, o Arguido vem arguir a nulidade da decisão (neste caso por eventual omissão de pronúncia no que concerne à aplicabilidade (ou não ) do disposto no art. 44º, do CP, para além de outras questões que eventualmente o arguente possa suscitar;
- Ou, no prazo de 30 dias, o Arguido vem interpor recurso de tal decisão.
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No caso em apreço, o Arguido não fez, nem uma coisa, nem outra.
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É, pois, inultrapassável, a questão do trânsito em julgado da decisão.
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E não deixa de nos parecer que o efeito suspensivo atribuído ao recurso ou suspensão dos efeitos da decisão recorrida é incorrecto, face ao que se dispõe “a contrario” no art. 408º nº 2, al. c), do CPP.

Com efeito, a decisão recorrida não deriva de “não cumprimento de pena não privativa da liberdade”.
A 1ª instância (certamente por razões de ordem humanitária) não deixou de conhecer da pretensão do Arguido; não deixando de exprimir a nossa sensibilidade perante tal questão (nisso estamos com a 1ª instância) a verdade é que é inultrapassável a lei adjectiva penal.
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O requerimento do Arguido não configura a arguição de qualquer nulidade, nem dela resulta o exercício do legítimo e legal direito ao recurso.
O arguido não interpôs recurso da decisão contra ele proferida.
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Apenas temos de útil a aditar o seguinte:-

A prestação dos indispensáveis cuidados de saúde aos reclusos é particularmente rigorosa no interior dos estabelecimentos prisionais como resulta do disposto nos arts. 53º a 66º do DL nº 51/11, de 11/04 (Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais), podendo inclusivamente haver prestação de cuidados de saúde e internamento no exterior, se necessário, ou ter até o recluso acesso médico da sua confiança, como resulta do disposto nos arts. 59º e 60º… do mesmo diploma legal.
Isto é, o Estado Português para além do “jus imperii” relacionado com a punição têm também, adentro do elemento “ressocializador” e “humanitário”, além do mais, obrigação de cuidar da saúde de qualquer recluso, tendo em conta os seus direitos de cidadania.
A 1ª instância teve o cuidado de indagar qual o estabelecimento prisional que melhor poderia satisfazer este direito fundamental do Recorrente (cfr. arts. 9º, 12º, 26º e 27º, todos da CRP).
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Mas, ao nível processual, o que é inquestionável é que o arguido não exerceu e em tempo os direitos que lhe cabiam.
Como se escreveu em nosso Ac. deste TRP, de 18/09/2013 – in www.dgsi,pt, (…) citando Fontes de Direito….:-
Inserido no Título III do Código Penal, mais concretamente no Capítulo II, que tem por objeto a definição das penas, o artigo 44º do Código Penal, com a epígrafe “Regime de permanência na habitação”, estabelece que, com o consentimento do condenado, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano (descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação), pode ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que este modo de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Podendo, excecionalmente, ainda ser uma alternativa em penas até dois anos.
Este preceito foi introduzido pela primeira vez no sistema penal português com a Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro (entrada em vigor a 15 de setembro de 2007) e corporiza a permanente preocupação do legislador na criação de um sistema punitivo com predominância das finalidades pedagógicas e ressocializadoras das penas, que dificilmente se harmonizam com o cumprimento de prisão em meio prisional, pelos seus conhecidos efeitos criminógenos.
Correspondendo a consagração no Código Penal da medida de obrigação de permanência na habitação, à instituição de uma nova pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, com a mesma natureza de outras penas de substituição, como sejam a prisão por dias livres e o regime de semidetenção, na medida em que todas elas são penas de substituição detentivas da liberdade, que representam uma alternativa ao clássico cumprimento da prisão em estabelecimento prisional.
Constituindo este regime uma nova pena de substituição, e não uma forma de execução da pena, o momento próprio da sua aplicação é o da sentença condenatória. (Neste sentido, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, Lisboa, 2008, p. 182 e segs.).
Efetivamente, é a sentença a peça processual adequada à ponderação da verificação dos pressupostos das medidas de substituição da pena, que têm de aferir-se no momento da condenação.
Como ensina Figueiredo Dias “(...) o processo de determinação da pena não se esgota nas operações de determinação da pena aplicável e de determinação da medida da pena, mas comporta ainda, ao menos de forma eventual, uma terceira operação, a da escolha da pena, (...) uma vez determinada a medida de uma pena de prisão, o tribunal verifica que pode aplicar, em vez dela, uma pena de substituição, devendo então proceder à determinação da medida da mesma (in As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª ed., pág. 326).
(…)

E assim o recurso está votado ao insucesso, sem prejuízo do que foi informado no processo, ao nível da optimização dos cuidados de saúde do Recorrente e o Estabelecimento Prisional que melhor os poderá acautelar (cfr. fls. 21 – Stª Cruz do Bispo).

O recurso é assim totalmente improcedente, pois decorre de questão incidental suscitada pelo ora Recorrente fora de tempo e por modo adjectivamente impróprio, sem prejuízo das cautelas quanto aos cuidados de saúde do Recorrente e o que a 1ª instância diligenciou.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão de indeferimento recorrida.

O Recorrente pagará taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs.

PORTO, 03/12/2014
Coelho Vieira
Borges Martins