Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
227/11.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DE JESUS PEREIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
RECUSA DA DECLARAÇÃO DE EXECUÇÃO
RECONHECIMENTO DA DECISÃO FRANCESA
ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RP20120110227/11.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 01/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Num contrato de fornecimentos de rolhas de cortiça que padeciam de vícios ocultos que afectavam os produtos onde eram colocadas, designadamente o vinho ( aparecimento de odor de mofo ), não resulta que a responsabilidade civil do produtor analisada no acórdão cuja executoriedade é pedida seja contrária à ordem pública a que alude o n°1 do artigo 34 do Regulamento CE 44/2001.
II - A excepção de prescrição como excepção material, não é fundamento impeditivo ao reconhecimento da decisão francesa, mas apenas fundamento de oposição à execução de acordo com o disposto no artigo 813, n°1, alínea g), do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc.227/11.0TVPRT.P1
(Apelação)
Relatora Maria de Jesus Pereira
Adjuntos: Des. Henrique Araújo
Des. Fernando Samões

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1-Relatório
B…, com sede em … , …, ….. Monpellier …, veio requerer a declaração de executoriedade da sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Dijon em 24 de Maio de 2007 que condenou solidariamente a ora requerente juntamente com a Sociedade C…, com sede na … nº …, Apartado …., ….-… Porto e a D…, SA, com sede na …, Apartado …, ….-… São João de Ver, no pagamento de uma indemnização.
Em 16-03-2011, o Tribunal de primeira instância proferiu a seguinte decisão:
“Compulsados os autos, em especial documentos de fls. 9 a 21 e 25 a 37 (anexo V do Regulamento (CE) nº 44/2001 de 22 de Dezembro de 2000) e porque se mostram preenchidos os requisitos ao abrigo do disposto nos arts. 1, 32, 38,nº1, 41, 53, 54 e 55 do já referido regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, declaro executória a decisão proferida em 24 de Maio de 2007 pela Cour D’Appel de Dijon (anexoV do Regulamento CE constante de fls. 9 a 21 e 25 a 37).
Notifique a requerente e as requeridas Sociedade C… e D… (ids a fls. 2, nos termos do art. 42 do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho”
Inconformada interpôs a requerida recurso de apelação ora em apreciação que culminou com as seguintes conclusões:
i. O presente recurso vem interposto da douta sentença da 2ª secção da 4ª Vara Cível do Porto que julgou procedente o pedido de declaração de executoriedade da decisão estrangeira proferida pelo Tribunal Francês Cour D’Appel de Dijon em 24 de Maio de 2007 pela qual foram sociedades D…, C… e B… condenadas ao pagamento à sociedade E… de determinadas quantias cf. fls.36 a 37.
ii. O pedido de declaração de executoriedade da decisão estrangeira proferida pelo Tribunal Francês Cour d’Appel de Dijon em 24 de Maio de 2007 foi requerido pela sociedade B… contra Sociedade C… e D….
iii. Decorre da douta sentença a fls.:(…) “declaro executória a decisão estrangeira proferida em 24 de Maio de 2007 pela Cour de Dijon (anexo V do regulamento CE constante a fls. 9 a 21 e 25 a 37).
iv. Conforme resulta da sentença francesa a fls. 36 a 37 foram as sociedades D…, C… e B… condenadas ao pagamento à sociedade E… de determinadas quantias.
v. Alega ainda que” pretende a ora requerente cobrar das ora requeridas através dos Tribunais Portugueses, a respectiva quota-parte no pagamento já que as três condenadas comparticipavam em partes iguais naquela divida” – cfr. art. 4 do requerimento inicial a fls. 4.
vi. A legitimidade da B… circunscreve-se à sua qualidade enquanto solidariamente devedora com as ora requeridas, cf. resulta da sentença a fls.
vii. Carecendo assim de legitimidade para requerer a declaração de executoriedade da sentença a fls. 2 e ss.
viii. A requerente, salvo o devido respeito, não fundamenta, nem tão pouco concretiza de onde retira a sua pretensão de “cobrar das ora requeridas através dos tribunais Portugueses, a respectiva quota-parte no pagamento (cf. expressão utilizada pela requerente a fls. 4, não suportando tal alegação em qualquer documento.
ix. Porém, à cautela, e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que um argiloso raciocínio da requerente de um hipotético direito de regresso sobre a ora requerida, será inevitavelmente imotivado face ao instituto da prescrição, à luz do nº2 artigo 498 do CC, como de seguida se autonomamente se explicitará.
x. O requerimento de exequatur deu entrada no Tribunal, conforme carimbo aposto na peça processual a fls. 2 no dia 11 de Março de 2011.
xi. Nos termos do disposto no nº2 do artigo 498 do CC, o direito de regresso entre responsáveis prescreve no prazo de 3 anos a contar da data do cumprimento.
xii. Decorreram assim desde a data do pagamento (21-06-2006) até à data de entrada de requerimento de exequatur (11.3.2011) mais de 4 anos.
xiii. Decorreram igualmente desde a data da prolação de sentença (24.05-2007) até à data de entrada de requerimento de Exequatur (11-03-2011) cerca de 4 anos.
xiv Pelo que o direito que o alegado direito que a requerida se pretende fazer valer, ainda, que infundado, encontra-se prescrito.
xv. Os princípios de Ordem Pública Internacional, enquanto o conjunto de regras e princípios gerais imperativos, encontram-se vinculados aos actos praticados no exterior que têm repercussão em território nacional, funciona como filtro de leis, sentenças e actos em geral, impedindo sua eficácia quando proeminentes valores de justiça e moral são ameaçados.
xvi. Ora, conforme foi supra explicitado, não podia o douto tribunal a quo ignorar as questões ora levantadas, porquanto obstam à declaração de executoriedade com ordem pública de natureza processual e material na justa medida em que afectam a estabilidade e credibilidade das instâncias por desequilibrarem o interesse e confiança da comunidade na justiça.
xvii. Nestes termos deverá ser revogada a decisão do douto Tribunal de 1ª instância nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 34 do Regulamento 44/2001.

Nas contra-alegações a apelada pugna pela manutenção do decidido.
A apelante respondeu nos termos do seu articulado de fls. 110.
Notificada a apelada, veio dizer que o mesmo é ilegal e deve ser desentranhado dos autos e o seu autor condenado nas custas do incidente.

2-Objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 660,nº2, 664, 684 e 685-A,nº1, todos do CPC na redacção dada pelo D-L nº 303/2007, de 24-08 – as questões submetidas a esta Relação são as seguintes:
- Questão prévia: da inadmissibilidade da resposta.
- Se a requerente carece de legitimidade para requerer a declaração de executoriedade da sentença.
- Se a invocação de prescrição integra o motivo de recusa da declaração de execução previsto no artigo 34, nº1, do Regulamento.

3- Os factos a considerar são os seguintes:
1-Por acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo tribunal “Cour d’Appel “de Dijon”, em França, a B…, juntamente com a sociedade C… e a sociedade D…, SA, foram solidariamente condenadas a pagar à Sociedade “E1…, as somas de:
- € 69.439, 76 como reparação do prejuízo decorrente da perda do produto;
- € 32.000,00 a título de prejuízo comercial decorrentes da perda de clientela;
- € 7.261,87 como reparação do prejuízo financeiro da não realização de existências;
- € 25.638,49 a título das despesas de substituição ou de reembolso de garrafas defeituosas vendidas;
- € 2.012,34 a título de tratamento do custo das reclamações;
- € 1.566,23 a título das despesas de traduções expostas;
- € nos juros à taxa legal, contados a partir da pronúncia da decisão;
- € 1.397,56 como reparação do prejuízo decorrente do custo da devolução das garrafas vendidas, com juros á taxa legal a partir da data do acórdão;
- € 4.000,00 em aplicação do artigo 700 do Novo Código de Processo Civil.
2- Em 16 de Maio de 2006, a E1… instaurou, em França, a execução da referida decisão contra as referidas três condenadas no pagamento e, em 21-06-2006, no decurso da referida execução, a ora requerente procedeu ao pagamento à referida E… de 148.832,05 euros.

4- Fundamentação de direito.
4-1-Questão prévia: da inadmissibilidade da resposta.
Nas contra-alegações, a apelada veio dizer, quanto à invocada prescrição do direito de regresso, que, nestes autos, não está em causa nenhuma violação do direito fundamental ou princípio de ordem pública internacional do Estado Português cujo conhecimento será apenas possível quando for exercido o direito e que, não obstante a sua irrelevância para a reapreciação da validade da decisão em crise, a prescrição do direito de regresso prevista no artigo 498,nº2, do CC é inaplicável aos presentes autos.
A apelante notificada das contra-alegações, veio tecer as considerações constantes do requerimento de fls. 110 onde defende a aplicação do referido normativo legal.
É, pois, contra este articulado que a apelada se insurge por legalmente inadmissível, requerendo o seu desentranhamento.
Nos termos do artigo 685,nº8, do CPC só é concedida à apelante a possibilidade de responder à matéria da ampliação do objecto do recurso. Ora, não tendo a apelada exercido o direito à ampliação do recurso interposto pela apelante, fácil é de concluir que a dedução daquela resposta não tem qualquer apoio legal.
Daqui resulta, pois, a sua inadmissibilidade.
Termos em que não se admite o articulado “reposta” o qual, oportunamente, deverá ser desentranhado e devolvido à apelante com custas do incidente a seu cargo, cuja taxa de justiça se fixa em duas UCs.- art. 446,nº1, do CPC com referência ao artigo 7,nº3, do RCP e tabela II, ponto 11-

4-2 Se a requerente carece de legitimidade para requerer a executoriedade da sentença.
Entende a recorrente que a legitimidade da recorrida (requerente) “tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição das partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, como a apresenta o autor” nos termos do artigo 26 do CPC,
Mas, in casu, a legitimidade determina-se com mais simplicidade face ao preceituado no artigo 53 do Regulamento do (CE) 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro que concede às partes legitimidade para requerer uma declaração de executoriedade de uma decisão estrangeira e cuja decisão só não será reconhecida:
- Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado requerido;
- Se o acto que iniciou a instância, ou o acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tenha a possibilidade de o fazer;
- Se for inconciliável com outra decisão proferida pelas mesmas partes no Estado-Membro requerido;
-Se for inconciliável com outra anteriormente proferida noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado-Membro requerido – art. 34 do citado Regulamento -
Portanto, a legitimidade é aqui aferida, tal como na acção executiva, através de um “critério formal, diversamente do que ocorre na acção declarativa, onde se faz apelo ao critério substancial, identificando-se aqui a legitimidade com o interesse que o autor e o réu têm, respectivamente, em demandar e em contradizer” – cfr. Fernando Amâncio Ferreira in Curso de Processo de execução, 4ª ed. pág. 54-
O que assenta no princípio do reconhecimento da mútua confiança entre as Jurisdições dos Estados-Membros, daí “resultando que a vontade do juiz nacional quanto à relação substancial não pode ser substituída pela vontade do juiz estrangeiro” – cfr. Ac. RE de 14-12-2006, in site DGSI -. Este apenas se limita a verificar se o requerente é parte em face da certidão segundo o formulário uniforme constante do anexo V ao Regulamento 44/2001.
Ora, atentando na certidão junta, impõe-se concluir que a requerente como parte da acção onde foi proferida decisão de mérito pelo Tribunal De Grande Instance de Chalon, confirmada pelo tribunal da Relação de Dijon, tem legitimidade para requerer a executoriedade nos termos dos artigos 53 a 56 do citado Regulamento.
Termos em que improcede a excepção de ilegitimidade.

4-3 Se a invocação de prescrição integra o motivo de recusa da declaração de execução previsto no artigo 34, nº1, do Regulamento.
Nos termos do artigo 45 do Regulamento 44/2001 o pedido de revisão de sentenças estrangeiras só pode ser impugnado com alguns dos fundamentos referidos nos artigos 34 e 35 (nos termos deste preceito legal é na fase de recurso que o requerido pode invocar os motivos de recusa cfr. Ac. R L 21-02-2008 in site DGSI)
De acordo com o nº1, do artigo 34 “uma decisão não será reconhecida se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido”
A requerida opõe-se à revisão por entender que o direito invocado pela requerente se encontra prescrito e, como tal, violaria os princípios de Ordem Pública Internacional, mas, com todo o respeito, o que o referido preceito legal exige, para obstar ao reconhecimento da decisão estrangeira, é algo contrário aos princípios da ordem pública do Estado Português. Como se diz no acórdão do STJ de 26-05-2009 “o conceito de ordem pública internacional difere do de ordem pública interna. Esta restringe a liberdade individual. Aquela limita a aplicabilidade das leis estrangeiras” - in site DGSI e tb José Oliveira Ascensão in O Direito – Introdução e Teoria Geral 13ª ed. pág. 521/522 onde se diz que “ordem pública internacional é um conceito essencial em direito internacional privado -
A lei, porém, não define a ordem pública nem os bons costumes “é matéria que terá que ser apreciada em cada caso pelos julgadores” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in CC anotado. Vol. 1, pág. 258-
Na nossa jurisprudência tem-se defendido que a ordem pública para efeitos do referido normativo legal pode ser de natureza processual ou de natureza material. A primeira diz respeito à falta de contraditório, falta de protecção de direitos fundamentais do cidadão, como o direito a uma justiça efectiva, que integra do direito de recurso ( cfr- Ac. RL de 21-02-2008 in site DGSI).
A segunda diz respeito a lesão grave de regras de concorrência, violação de regras internas de ordem pública como por exemplo a forma escrita de certos contratos, bem como qualquer contrato cujas cláusulas sejam ofensivas dos bons costumes – arts. 271,nº2, e 280,nº2, do CC – cfr. Ac. desta Relação de 26-10-2006 e Ac. do STJ de 06-05-2010 in site DGSI e, ainda, Ac. 429/2010 TC onde se refere a interesse público no funcionamento das justiça como protecção dos direitos dos cidadãos a uma justiça efectiva, que integre o direito ao recurso das decisões judiciais -
Ora, in casu, estamos perante um contrato de fornecimentos de rolhas de cortiça que padeciam de vícios ocultos que afectavam os produtos onde eram colocadas, designadamente o vinho (aparecimento de odor de mofo) e, por isso, não resulta que a responsabilidade civil do produtor analisada no acórdão cuja executoriedade é pedida seja contrária à ordem pública a que alude o nº1 do artigo 34 do Regulamento.
Assim, a excepção de prescrição como excepção material, não é fundamento impeditivo ao reconhecimento da decisão francesa, mas apenas fundamento de oposição à execução de acordo com o disposto no artigo 813, nº1, alínea g), do CPC

O recurso é, pois, improcedente.
Decisão
Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam:
1º) Julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
2º) Condenar a apelante nas custas – art. 446 do CPC –

Porto, 10-01-2012
Maria de Jesus Pereira
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões