Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1081/16.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RECUSA
Nº do Documento: RP202105101081/16.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Como decorre da segunda parte do nº3 do art. 243º do CIRE, a exoneração do passivo restante é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações;
II – Na situação ali prevista, não se exige que a omissão de prestação de informações determine prejuízo para a satisfação dos direitos dos credores, constituindo a recusa de exoneração uma sanção para o devedor inadimplente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº1081/16.0T8VNG.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 5)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

Nos autos de insolvência de pessoa singular em que são Insolventes B… e C…, a correr termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto, ocorreu o seguinte circunstancialismo (que se considera pertinente para a análise do recurso):
a) – em 17/5/2016, na sequência de requerimento de exoneração do passivo restante formulado pelos Insolventes, foi proferido despacho inicial a deferir o mesmo, fixando-se o montante necessário ao sustento daqueles no equivalente a dois salários mínimos nacionais e determinando-se expressamente ali que durante o período de cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (decidido por despacho naquela mesma data, por insuficiência da massa insolvente) o rendimento disponível que os devedores venham a auferir seja cedido ao fiduciário ali nomeado;
b) – em 15/7/2019, o Sr. Fiduciário (entretanto nomeado em substituição do inicial, por motivo de doença deste) foi notificado pelo Tribunal para “decorrido que está o 3º ano do período de cessão com vista a exoneração do passivo restante, vir aos autos, em 10 dias, juntar os três relatórios anuais em falta contendo a informação relativa ao período de cessão em causa, nos termos do artº 61º ex vi do artº 240º, nº2 do CIRE”;
c) – por requerimento de 19/7/2019, o Sr. Fiduciário veio requerer concessão de prorrogação de prazo por 20 dias para juntar o relatório a que alude o art. 240º do CIRE, informando em tal requerimento que tinha notificado os devedores “para vir prestar informações actualizadas quanto à sua situação económica/laboral pelo que aguarda a remessa das mesmas”;
d) – por requerimento de 23/8/2019, o Sr. Fiduciário veio informar que não logrou até àquela data obter documentação relativa à situação económica/laboral dos devedores e, face a tal, requereu que estes fossem notificados “para vir remeter a documentação pretendida nomeadamente recibos de vencimento de 2018 e 2019 ou inscrição no centro de emprego se for o caso”, a fim de poder dar cumprimento ao ordenado;
e) – na sequência de tal requerimento, a Sra. Juíza, a 10/9/2019, proferiu despacho a ordenar a notificação dos Insolventes “para , no prazo de 10 dias, entregar ao Sr. Fiduciário as informações que lhe foram solicitadas e em falta (cfr. informação que antecede), a fim de ser elaborado o relatório previsto no art. 240º, n.º 2, do CIRE relativo aos três primeiros anos do período da cessão, sob pena de ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante (arts. 239º, n.º 4, e 243º do CIRE).
Notifique o Sr. Fiduciário do presente despacho, devendo o mesmo, no prazo de 20 dias, actualizar a situação”;
f) – a notificação de tal despacho aos Insolventes, na sua própria pessoa e na pessoa da sua mandatária, foi elaborada nos autos a 11/9/2019; por sua vez, a notificação de tal despacho ao Sr. Fiduciário foi elaborada nos autos a 16/9/2019;
g) – na sequência de tal notificação, os Insolventes vieram, em 23/9/2019, requerer apenas a junção aos autos declaração de IRS relativa ao ano de 2018;
h) – logo após tal junção, pela Sra. Juíza, em 9/10/2019, foi proferido o seguinte despacho:
O período da cessão teve início em Junho de 2016.
Estão em falta as informações relativas aos três primeiros anos da cessão.
Assim, notifique a insolvente para, no prazo de 10 dias, entregar ao Sr. Fiduciário em exercício de funções os comprovativos dos rendimentos auferidos no período em causa (através do requerimento que antecede, a insolvente apenas juntou a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2018, o que é manifestamente insuficiente), sob pena de ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante (cfr. arts. 239º, n.º 4, e 243º do CIRE).
Notifique o Sr. Fiduciário em exercício de funções do presente despacho, devendo o mesmo, no prazo de 20 dias, actualizar a situação.
i) – tal despacho veio a ser notificado ao Sr. Fiduciário e aos Insolventes na pessoa da sua mandatária, com cópia do mesmo, em 15/10/2019;
j) – entretanto, em 11/10/2019, na sequência da notificação do despacho de 10/9/2019, veio o Sr. Fiduciário, em cumprimento do mesmo, informar que não logrou até àquela data obter documentação relativa à situação económica/laboral dos devedores a fim de poder elaborar o relatório a que alude o artigo 240º do CIRE.;
k) – em 11/11/2019, na sequência da notificação do despacho de 9/10/2019, veio apresentar relatório com o seguinte teor, sob a epígrafe “Relatório Anual de 2018 e 2019 (art. 240º do CIRE)”:
1. À data de declaração de insolvência a devedora estava empregada, auferindo a quantia de cerca de €730,00 e o devedor estava desempregado não auferindo quaisquer rendimentos.
2. Por douta decisão, foi estipulado no despacho de exoneração do passivo que os devedores deveriam ceder o rendimento que ultrapasse o montante correspondente a dois salários mínimos nacionais o que corresponde atualmente a €1.200,00.
3. Os devedores foram notificados para virem remeter documentação relativa à sua situação económica/laboral.
4. Até à data não se logrou obter qualquer documentação relativa à situação económica/laboral dos mesmos a fim de se aferir o cumprimento das obrigações inerentes da exoneração do passivo.
5. Os devedores até à data não cederam qualquer montante para a massa, considera-se por não estarem em condições de o fazer.

l) – perante tal relatório, foi a 14/11/2019 proferido o seguinte despacho:
Notifique o Sr. Fiduciário para, no prazo de 10 dias, esclarecer o teor da informação que antecede, designadamente no que diz respeito à sua conclusão (ponto 5.). De facto, a informação deveria reportar-se aos três primeiros anos do período da cessão, sendo certo que, como resulta do exposto, os devedores não apresentaram documentos relativos à situação económica e social.
m) – tal despacho foi notificado ao Sr. Fiduciário em 18/11/2019 e, nessa sequência, veio o mesmo, em 27/11/2019, informar o seguinte:
O (que) se pretende transmitir no ponto 5 do Relatório a que alude o artigo 240º do CIRE anteriormente junto aos autos, é que os devedores não têm forma de ceder à massa qualquer montante.
Esta é uma ilação que se tira, uma vez que os devedores não remeteram qualquer documentação.
Isto é, depreende-se que a situação laboral/económica destes seja a mesma à data de apresentação da insolvência, podendo-se apurar que o rendimento total auferido pelos devedores não ultrapassa o rendimento que lhes foi fixado a título de rendimento indisponível.
n) – seguidamente, em 10/12/2019, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho:
O período da cessão teve início em Junho de 2016.
Os insolventes estão obrigados, para além do mais, a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado (art. 239º, n.º 4, alínea a), do CIRE).
Os insolventes apenas apresentaram a declaração de IRS relativa ao ano de 2018, o que é manifestamente insuficiente para aferir da situação pessoal e profissional e rendimentos auferidos no decurso dos três primeiros anos do período da cessão (como já foi referido no despacho de 9 de Outubro de 2019).
Por outro lado, não se pode presumir, nomeadamente na sequência do silêncio dos insolventes, que a sua situação aquando da prolação do despacho inicial se tenha mantido ao longo do período em causa e concluir pela inexistência de rendimento disponível.
Assim, tendo em conta o despacho de 9 de Outubro de 2019, notifique os insolventes do teor da informação de 11 de Outubro de 2019, junta pelo Sr. Fiduciário, bem como do presente despacho e oportunamente abra de novo conclusão.”
n) – tal despacho veio a ser notificado aos Insolventes na pessoa da sua mandatária, com cópia do mesmo, em 11/12/2019;
o) – na sequência de tal notificação, os Insolventes nada vieram dizer aos autos;
p) – em conclusão aberta a 23/9/2020, foi pela Sra. Juíza, nessa mesma data, proferido o seguinte despacho:
É de considerar que:
a) A 17 de Maio de 2016 foi proferido despacho inicial relativo ao pedido de exoneração do passivo restante;
b) O período da cessão teve início em Junho de 2016;
c) A 23 de Agosto de 2019, o Sr. Fiduciário requereu a notificação dos devedores para juntarem documentos relativos à situação profissional e rendimentos auferidos, em falta e antes pelo mesmo solicitados sem sucesso;
d) A 10 de Setembro de 2019 foi proferido despacho que terminou a notificação dos insolventes para entregarem ao Sr. Fiduciário as informações em falta, a fim de ser elaborado o relatório previsto no art. 240º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, relativos aos três primeiros anos do período da cessão, sob pena de ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante;
e) Os insolventes juntaram apenas a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2018;
f) A 9 de Outubro de 2019 foi proferido despacho que determinou a notificação dos insolventes para entregarem ao Sr. Fiduciário os comprovativos dos rendimentos auferidos nos três primeiros anos do período da cessão, tendo em conta que o documento junto era manifestamente insuficiente para o efeito, sob pena de ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante;
g) A 11 de Outubro de 2019 o Sr. Fiduciário informou o tribunal de que os documentos e as informações não foram entregues pelos insolventes;
h) A 11 de Novembro de 2019 juntou informação cujo teor se dá aqui por reproduzido;
i) A 14 de Novembro de 2019 foi proferido despacho que determinou a notificação do Sr. Fiduciário para esclarecer o teor de tal informação, designadamente no que dizia respeito à conclusão vertida no ponto 5, o que o mesmo fez através do requerimento de 27 de Novembro de 2019, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
j) A 10 de Dezembro de 2019 foi proferido novo despacho, cujo teor se dá aqui por reproduzido, que determinou a notificação dos insolventes nos termos e para os efeitos que do mesmo constam;
k) Os insolventes, notificados, não se pronunciaram.
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O tribunal teve em consideração os elementos que resultam dos autos e os actos neles praticados.
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Antes de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração quando o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo art. 239º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência (art. 243º, n.º 1, alínea a), do referido Código).
Nos termos do disposto no art. 239º, n.º 4, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil, durante o período da cessão o devedor fica obrigado a informar o tribunal e o fiduciário sobre os rendimentos e património na forma e no prazo que isso lhe seja requisitado e a entregar ao fiduciário a parte dos rendimentos objecto de cessão.
Por outro lado, a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las (art. 243º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
No caso em apreço, os insolventes, não obstante os despachos de 10 de Setembro e de 9 de Outubro de 2019, relativamente aos três primeiros anos do período da cessão, apenas juntaram a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2018.
Como se referiu nos despachos de 9 de Outubro e de 10 de Dezembro de 2019, o documento em causa é manifestamente insuficiente para aferir da situação pessoal e profissional e rendimentos auferidos no decurso dos três primeiros anos do período da cessão, o qual teve início em Junho de 2016.
Para além disso, e como também se referiu no despacho de 10 de Dezembro de 2019, não se pode presumir, nomeadamente, na sequência do silêncio dos insolventes, que a situação existente aquando da prolação do despacho inicial se manteve ao longo do período em causa e concluir pela inexistência de rendimento disponível, sendo certo que os insolventes estão obrigados, para além do mais, a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhes seja requisitado.
A situação profissional e os rendimentos dos insolventes são, pois, desconhecidos, por opção dos mesmos, uma vez que não colaboraram no sentido de esclarecer tais questões, inviabilizando a elaboração da informação prevista no art. 240º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, situação que se verifica relativamente aos três primeiros anos do período da cessão.
Assim sendo, considerando a violação dos deveres de apresentação e de colaboração (cfr. art. 83º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) por parte dos insolventes, considero haver fundamento para recusar a exoneração, nos termos do disposto no art. 243º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, segunda parte, do mesmo Código).
Pelo exposto, recuso a exoneração do passivo restante e determino a cessação antecipada do procedimento correspondente.
q) – a notificação de tal despacho ao Insolventes, na pessoa a sua mandatária, foi elaborada nos autos a 6/10/2020;
r) – notificados de tal despacho, vieram os Insolventes, naquela mesma data de 6/10/2020, apresentar requerimento onde dizem o seguinte (transcreve-se):
C… e OUTROS, notificado de despacho de fls., vem informar e expor o seguinte:
1. Em 13 de Janeiro do corrente ano foi a aqui signatária notificada pelo senhor administrador de insolvência para lhe enviar os elementos dos insolventes relativos aos anos de 2018 e 2019 para que o mesmo efectuasse o relatório de fiduciário,
2. Sendo que no mesmo mail refere que já tem toda a documentação relativa aos anos de 2016 e 2017, conforme doc n.º 1 adiante junto.
3. Em 20 de Janeiro de 2020 a signatária enviou os elementos, conforme documento n.º 1 adiante junto.
4. Acresce a isto que a signatária em 23/09/2019 juntou aos autos o IRS relativo ao ano de 2018.
5. Assim sendo não entende a signatária o despacho proferido por V. Exa, uma vez que os insolventes cumpriram as suas obrigações.
6. Assim sendo requer a V. Exa que revogue o despacho proferido em 23/09/2020 e que notifique o Senhor administrador de Insolvência para juntar aos autos o relatório de fiduciário relativo aos anos de 2018 e 2019.
s) – seguidamente, em conclusão aberta a 19/10/2020, a Sra. Juíza, na mesma data, proferiu o seguinte despacho:
Os insolventes foram notificados, entre outros, do despacho de 10 de Dezembro de 2019 e nada disseram, remetendo-se ao silêncio, não havendo, pois, fundamento para a “revogação” da decisão de 23 de Setembro de 2020.
Pelo exposto, e mostrando-se esgotado o poder jurisdicional, indefiro o requerido.
Notifique.

Notificados de tal despacho, vieram os Insolventes interpor recurso do despacho proferido a 23/9/2020, que decidiu recusar a exoneração do passivo restante, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há apenas uma questão a tratar: apurar se ocorreu violação do dever de prestar informações por parte do Recorrente passível de fundamentar a cessação antecipada da exoneração do passivo restante.
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II – Fundamentação

Os dados a ter em conta são os acima alinhados no relatório.
Vamos ao tratamento da questão enunciada.
Conforme se vê da argumentação dos Recorrentes, estes defendem a revogação da decisão recorrida com base numa dupla argumentação:
- por um lado, porque, no seu entendimento, consideram que cumpriram a sua obrigação de informação e colaboração para com o Fiduciário;
- por outro lado, porque, ainda que se considere que houve da sua parte um atraso de dias no envio da documentação, tal não integra um comportamento doloso ou com negligência grave de modo a com ele prejudicar os seus credores, como se exige na alínea a) do nº1 do art. 243º para poder ser declarada a cessação antecipada do procedimento de exoneração; defendem ainda que o prejuízo em causa dever ser um prejuízo relevante, por equiparação com o regime previsto no artigo 246.º do CIRE, pois quer a cessação antecipada quer a revogação da exoneração, geram a mesma consequência na esfera jurídica dos Insolventes, e que, nessa consideração, a decisão do Tribunal a quo tem-se como uma consequência demasiado gravosa para os Insolventes, quando comparada com o prejuízo que poderia causar aos Credores.
Abordemos cada uma de tais argumentações, começando com o por si alegado cumprimento da obrigação de informação e colaboração com o Fiduciário.
Nesta sede, há desde logo que notar as ocorrências que se passam a analisar de seguida.
O Fiduciário, no seu requerimento de 19/7/2019, referido sob a alínea c) do circunstancialismo elencado no relatório desta peça, deu conta que, por referência àquela data, tinha procedido à notificado dos Insolventes para vir prestar informações actualizadas quanto à sua situação económica/laboral e que aguardava a remessa das mesmas.
Depois, em 23/8/2019 (um mês e 5 dias depois), o Fiduciário, por novo requerimento, veio informar que até àquela data não tinha ainda obtido dos Insolventes as informações que lhes solicitou, tendo por isso, em tal peça, requerido ao tribunal que ordenasse a sua notificação para remeter a documentação pretendida “nomeadamente recibos de vencimento de 2018 e 2109 ou inscrição no centro de emprego de for o caso” [conforme referido em d)].
O tribunal deferiu então aquele requerimento do Fiduciário por despacho de 10/9/2019 [alínea e)] e só na sequência de notificação deste vieram os Insolventes, em 23/9/2019, requerer apenas a junção aos autos da declaração de IRS de relativa ao ano de 2018 [alíneas e) f) e g)].
Isto é, aos Insolventes foi solicitada as supra referidas informações em data que podemos pelo menos situar em 19/7/2019, tais informações à data de 23/8/2019 (um mês e 5 dias depois) ainda não tinham sido prestadas e só na sequência daquele despacho de 10/9/2019 é que os Insolventes, a 23/9/2019, vieram juntar um documento.
Portanto, os Insolventes estiveram pelo menos entre 19/7/2019 e 22/9/2019 (2 meses e 3 dias) sem dar qualquer informação ao Fiduciário, não obstante este lha ter solicitado, e a 23/9/2019, notificados do despacho de 10/9/2019, apenas procederam à junção aos autos da declaração de IRS de 2018, nada dizendo sobre os outros documentos que nesse despacho lhes foram solicitados nem apresentando ou invocando qualquer justificação para tal actuação.
Depois, proferido o despacho de 9/10/2019 referido sob a alínea h) – onde eram inclusivamente alertados os Insolventes de que o seu não fornecimento da informação/documentação solicitada era susceptível de ser cominada com a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante – e feita a sua notificação aos Insolventes, na sua própria pessoa e na pessoa da sua mandatária, em 15/10/2019 [alínea i)], estes continuaram sem enviar ao Fiduciário a documentação que lhes vinha sendo solicitada: tal mostra-se confirmado pela informação entretanto fornecida aos autos pelo Fiduciário em 11/10/2019 [alínea j)], pelo teor do relatório apresentado por este a 11/11/2019 (onde sob o seus pontos 3. e 4. se diz, respectivamente: “Os devedores foram notificados para virem remeter documentação relativa à sua situação económica/laboral”;Até à data não se logrou obter qualquer documentação relativa à situação económica/laboral dos mesmos a fim de se aferir o cumprimento das obrigações inerentes da exoneração do passivo”) e ainda pela informação prestada pelo Fiduciário em 27/11/2019, onde expressamente se diz que “os devedores não remeteram qualquer documentação”[alínea m)].
E foi ainda depois, em 10/12/2019, proferido o despacho referido sob a alínea n), com o teor ali referido, onde se dá conta, de novo (por referência ao que já se tinha disto no despacho de 9/10/2019 no mesmo sentido), de que a declaração de IRS de 2018 apresentada é manifestamente insuficiente para se aferir da situação pessoal e profissional e rendimentos auferidos, e se ordena a notificação dos Insolventes do teor da informação do Fiduciário prestada por este em 11/10/2019 [referida sob a alínea j)] e ainda desse próprio despacho.
Tal despacho foi notificado aos Insolventes, com cópia do mesmo, e estes nada disseram [alínea o)].
Isto é, depois daquele documento que singelamente juntaram em 23/9/2019 – que logo foi considerado manifestamente insuficiente pelo despacho proferido a 9/10/2019 e de novo pelo despacho de 10/12/2019 – mais nenhuma informação/documentação foi remetida ao Fiduciário e, não obstante o teor daqueles despachos e a sua notificação aos Insolventes, estes continuaram a nada dizer, nomeadamente não apresentando ou invocando qualquer justificação para tal actuação.
Só depois de notificados do despacho recorrido, proferido em 23/9/2020 – e, portanto, já cerca de 9 meses depois da notificação do despacho de 10/12/2019 –, é que os Insolventes, em 6/10/2020 (na mesma data em que foram notificados daquele despacho de 23/9/2020), vieram dar conta que em 20 de Janeiro de 2020 enviaram ao Fiduciário os elementos por este solicitados [alínea r)].
Analisando todas estas ocorrências verifica-se o seguinte:
- os Insolventes, não obstante para isso solicitados pelo Fiduciário e depois pelos despachos que se referiram, estiveram entre 19/7/2019 e 20/1/2020 – portanto, seis meses – para remeter ao Fiduciário e/ou ao tribunal as informações e/ou documentação que lhes foram pedidas;
- os Insolventes, durante esse período, deixaram decorrer, sobre cada uma daquelas solicitações (a do Fiduciário e as decorrentes dos despachos que se referiram), o prazo de 10 dias que a lei prevê (art. 17º nº1 do CIRE e art. 149º nº1 do CPC), e que até foi fixado no despacho de 9/10/2019, sem que nunca nada dissessem sobre tais solicitações;
- os Insolventes, durante todo esse período, não apresentaram qualquer justificação para tal actuação.
E daqui se conclui que os Recorrentes, sem justificação e ao contrário do que defendem, violaram a obrigação a si imposta e prevista no art. 239º nº4 a) do CIRE, de durante o período da cessão “informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado”.
Será que a violação de tal obrigação nos termos que se deixaram analisados é passível de fundamentar a cessação antecipada da exoneração do passivo restante?
Este prisma de análise reconduz-nos ao segundo argumento invocado pelos Recorrentes que supra se referiu: no seu entendimento, a violação da obrigação de informação prevista naquela alínea a) do nº4 do art. 239º do CIRE só poderá levar à cessação antecipada do procedimento de exoneração se, como se exige na alínea a) do nº1 do art. 243º do CIRE, a mesma tiver na sua base um comportamento doloso ou com grave negligência e dele resultar prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Analisemos.
Nos termos do disposto no nº1 do artigo 243º do CIRE, “Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se ainda estiver em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:
a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
Com este preceito conjuga-se a disposição da alínea a) do nº4 do artigo 239º do CIRE já supra referida, onde se prevê que durante o período da cessão, o devedor fica obrigado a “não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e prazo em que isso lhe seja requisitado” (sublinhado nosso).
Finalmente, o nº 3 do artigo 243º do CIRE prescreve, na sua 2ª parte, que “a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.
No caso vertente, na sequência do que supra se referiu, os Insolventes, com as condutas que se analisaram, violaram a obrigação de informação a si imposta e prevista no art. 239º nº4 a) do CIRE, e fizeram-no, pelo menos, com grave negligência, pois, além do longo período temporal de ausência de resposta ao que lhes foi solicitado supra aludido, não apresentaram qualquer motivo razoável (qualquer justificação) para tal conduta.
Defendem tais Insolventes/Recorrentes que não resulta da omissão que lhes é apontada prejuízo relevante para os credores, o que no seu entendimento (face à previsão da alínea a) do nº1 do art. 243º) deve levar à revogação da decisão recorrida.
Porém, os Recorrentes olvidam que de acordo com o disposto na segunda parte do nº3 do artigo 243º do CIRE, acima já referida e que aqui se vai transcrever de novo, “a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações.” (sublinhados nossos)
Efectivamente, neste caso, não se exige que a omissão de prestação de informações determine prejuízo para a satisfação dos direitos dos credores, constituindo a recusa de exoneração uma sanção para o devedor inadimplente [neste sentido, vide: “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª edição, Quid Juris 2015, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, página 868, anotação 6; “Um Curso de Direito da Insolvência”, de Alexandre Soveral Martins, Almedina, 2015, pág. 557; Acórdão da Relação de Coimbra de 8/5/2018, proc. nº110/14.7TBSPS.C1, relator Arlindo Oliveira, disponível em www.dgsi.pt].
Como tal, ainda que efectivamente não apurado aquele prejuízo, uma vez que teve lugar a violação da referida obrigação de informação nos termos sobreditos, há que, ao abrigo do disposto naquela segunda parte do nº3 do artigo 243º do CIRE, recusar a exoneração do passivo restante.
Pelo exposto, conclui-se pela improcedência do recurso.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
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Porto, 10/5/2021
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim