Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2917/19.0T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
CONTRATOS DE TRABALHO A TERMO
INVALIDADE FORMAL
PLURALIDADE DE EMPREGADORES
TRABALHO TEMPORÁRIO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Nº do Documento: RP202111152917/19.0T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A preterição do litisconsórcio necessário determinaria a ilegitimidade das partes, o que consubstanciaria excepção dilatória que, caso não fosse suprida, acarretaria a absolvição da instância, excepção essa que é de conhecimento oficioso (arts. 278º, nº 1, al. d), 576º, nº 2, 577º, al. e), 578º, 608º, nº 1, e 663º, nº 2, do CPC/2013).
II - Alegando o A. a invalidade formal e material dos dois contratos de trabalho a termo celebrados com determinada empresa, não demandada, mais sustentando que a sua real empregadora seria, não essa empresa, mas a Ré e, bem assim, subsidiariamente, que o que estaria em causa seria um contrato de trabalho com pluralidade de empregadores (a Ré e essa empresa), mais invocando a invalidade formal de um anterior contrato de trabalho temporário celebrado entre si e empresa de trabalho temporário (de que foi utilizadora a Ré), verifica-se uma situação de litisconsórcio necessário entre a Ré e as referidas empresas (art. 33º, nº 2, do CPC/2013) pois que, só com a intervenção destas, poderá a decisão que venha a ser proferida obter o seu efeito útil normal, fazendo caso julgado em relação a todas elas.
III - E, assim sendo, deverá ser determinada a intervenção principal provocada, requerida pelo A., da empresa com quem este havia celebrado os contratos de trabalho a termo, bem como deverá ser ordenada, oficiosamente, a intervenção principal da empresa de trabalho temporário com quem havia celebrado contrato de trabalho temporário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 2917/19.0T8MAI-A.P1

Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1227)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C… – …, S.A., pedindo a condenação desta:
- A reconhecer a antiguidade laboral do Autor com data anterior a 01 de Agosto de 2014;
- A declarar a ilicitude da cessação da relação laboral, decorrente da declaração de caducidade exercida pela Ré, perante uma relação laboral constituída por tempo indeterminado, condenando a Ré, cumulativamente, nos seguintes créditos laborais:
a) Na indemnização prevista no artigo 391.º, n.º 1 do Código do Trabalho, correspondente à quantia de €9.049,16;
b) No pagamento das retribuições intercalares, não auferidas pelo trabalhador, desde a data da cessação do contrato até ao trânsito em julgado da decisão condenatória;
- No ressarcimento dos danos não patrimoniais, sofridos pelo Autor, decorrente da situação de assédio moral, provocados pelo respectivo superior hierárquico e que motivaram, no plano da realidade, a cessação do relação laboral, na quantia de €5.000,00;
- No pagamento dos respectivos juros de mora, calculados sobre as referidas quantias, vencidos e vincendos, até ao efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou em síntese que; aos 01.02.2011, celebrou contrato de trabalho temporário com a empresa de trabalho temporário D…, Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, Lda., a que se seguiram um contrato de trabalho a termo certo (aos 08.04.2013) e um contrato de trabalho a termo incerto (aos 08.10.2013) com a empresa E… – …, S.A. e, aos 01.08.2014, um contrato de trabalho a termo incerto com a Ré, contrato este cuja celebração foi unilateralmente ordenada por esta, tendo-se mantido inalterados a categoria profissional, o local de trabalho, as funções, o horário de trabalho, o modo de execução, organização e disciplina do trabalho até então havida e os respectivos superiores hierárquicos do Autor; as contratações com a “E…” foram meramente formais, não correspondendo esta, pelas razões que concretiza, à efectiva e real empregadora, tendo assinado os contratos com a “E…” por ordens da Ré, temente de que a respectiva recusa importasse a perda do seu posto de trabalho, necessitando dos proventos do trabalho prestado à Ré para manter a sua autonomia económico-financeira e do respectivo agregado familiar, não dispondo o Autor de qualquer liberdade negocial para recusar a celebração dos mesmos nos termos ditados pela Ré, ou para, sequer, negociar o respectivo teor, tendo sido esta a última e real beneficiária efectiva da prestação de trabalho realizada pelo Autor, gerindo, formalmente, a celebração de sucessivos vínculos laborais a termo, por forma a lograr ilidir o cumprimento dos limites legais e temporais a que está sujeita a contratação a termo, bem como a furtar-se ao reconhecimento da antiguidade laboral do Autor. Mais diz que a Ré e a sociedade “E…”, pelo menos, tinham estruturas organizativas comuns.
E, pelas demais razões que invoca, o contrato celebrado entre a Ré e o Autor reconduz-se a um contrato de trabalho celebrado sem termo, por aplicação do disposto no artigo 147.º, n.º 1, alínea d), devendo a antiguidade ser fixada desde 01.03.2011.
“Sem prescindir e caso assim não se entenda, subsidiariamente, mais requer seja declarada a existência de um contrato de trabalho com pluralidade de empregadores, nos termos do disposto no artigo 101.º do Código do Trabalho”, tendo em conta o já alegado e o mais que refere, reconhecendo-se que a antiguidade laboral do Autor para a Ré remonta a, pelo menos, 08 de Abril de 2013;
“Sem prescindir e caso assim não se entenda, subsidiariamente, mais requer seja declarada a existência de cessão definitiva da posição jurídica de empregador para a Ré, ocorrida em 01.08.2014”, sendo inválida a estipulação do termo aposto aos contratos celebrados com a “E…” por falta de concretização do motivo justificativo;
A declaração de caducidade do contrato de trabalho remetida pela Ré, datada de 10.07.2018, equipara-se a um despedimento ilícito, com as respectivas consequências legais, incluindo a indemnização de antiguidade reportada ao período desde 01.03.2011 e a 45 dias de retribuição-base e diuturnidades.
Sem prescindir, caso improceda o acima referido, subsidiariamente, requer a apreciação da ilicitude da cessação do contrato de trabalho com base na invalidade, pelas razões que invoca, do termo aposto ao contrato de trabalho celebrado com a Ré aos 01.08.2014;
Sem prescindir, a verificação do termo, alegada pela Ré, para exercer a caducidade do contrato celebrado com o Autor não tem qualquer suporte de verificação na realidade.
Invoca, pelas razões que alega, a existência de assédio moral pela Ré e pelo respectivo superior hierárquico, Sr. F…, em razão do que sofreu os danos não patrimoniais que alega, reclamando a título de indemnização pelos mesmos a quantia de €5.000,00.

A Ré contestou invocando, para além do mais (designadamente, excepções da ineptidão da p.i. e prescrição), a sua ilegitimidade, para tanto referindo, em síntese, que, mesmo como o A. configura a acção, não teve, pelas razões que alega, em relação ao A. a posição de entidade empregadora, nem tão pouco este para ela prestou directamente trabalho, no período anterior a 01.08.2014 (data em que com ele celebrou o contrato de trabalho a termo), sendo alheia às relações contratuais entre o A. e as suas sucessivas entidades empregadoras. Impugna também parte da factualidade alegada pelo A., reafirmando, pelas razões que invoca, que no mencionado período, anterior a 01.08.2014, não era entidade empregadora do A. e que não lhe pode (à Ré) ser imputado ou retirada qualquer consequência da eventual invalidade formal ou material dos contratos celebrados, em tal período, entre o A. e as demais duas entidades (“D…” e “E…”), sendo as relações contratuais em causa autónomas, totalmente independentes até em termos temporais, com condições e termos livremente acordados e fixados pelas partes neles contratantes, tendo a Ré, com a “D…”, celebrado contrato de utilização de mão de obra e com a “E…” contrato de prestação de serviços. Mais refere, pelas razões que alega, que não se verifica a invocada situação de pluralidade de empregadores nem a cessão da posição contratual, tendo o contrato de trabalho celebrado com a “E…” cessado por denúncia do A.
Defende, pelas razões que invoca, a validade quer da celebração do contrato de trabalho a termo incerto de 01.08.2014, quer da sua cessação, assim como nega o alegado assédio.
Termina no sentido de que deve ser julgado:
“A) PROCEDENTE A INVOCADA EXCEPÇÃO DA INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL, ABSOLVENDO-SE A RÉ DA INSTÂNCIA;
B) PROCEDENTE A INVOCADA EXCEPÇÃO DE PRESCRIÇÃO DE TODOS OS DIREITOS INVOCADOS PELO A. RELATIVOS AO CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIOS E DE UTILIZAÇÃO E AO CONTRATO DE TRABALHO CELEBRADOS COM A D…, LDA. E A E…, S.A., ABSOLVENDO-SE A RÉ DOS PEDIDOS;
C) PROCEDENTE A ILEGITIMIDADE DA RÉ, ABSOLVENDO-SE A RÉ INSTÂNCIA;
D) EM QUALQUER CASO, IMPROCEDENTE A PRESENTE ACÇÃO, POR NÃO PROVADA, ABSOLVENDO-SE A RÉ DE TODOS OS PEDIDOS, TUDO COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”.

Na sequência do despacho de 08.01.2020 [que, ao abrigo dos deveres de gestão e adequação processual, determinou a notificação do A. para responder às excepções], o A. respondeu à contestação, pugnando pela improcedência das excepções, requerendo ainda a INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA de E… – , S.A., para tanto referindo o seguinte:
“1. Nos termos invocados pelo Autor, sem prescindir do pedido de reconhecimento da existência de uma relação laboral com a Ré entre 01 de março de 2011 a 09 de Setembro de 2018, subsidiariamente requereu o Autor que fosse declarada a existência de um contrato de trabalho com pluralidade de empregadores entre a E… – , S.A. e a Ré,
2. E ainda, subsidiariamente, que fosse reconhecida a existência de uma cessão da posição de empregador entre a E… – , S.A e a Ré,
3. Assim, tem esta entidade legitimidade passiva para figurar na presente ação, requerendo-se assim a sua intervenção principal como Ré, depois de previamente citada.”

A Ré respondeu, para além do mais, ao pedido de intervenção principal provocada concluindo no sentido do seu indeferimento e alegando para tanto que:
“5. A acção é delimitada pelos sujeitos, pelo objecto, causa de pedir e pedido ou pedidos.
6. Nos termos do art.º 552.º, n.º 1, alínea e) do CPC, o Autor deve “formular o pedido”, de forma autónoma, a concluir o articulado e não vagamente na descrição do objecto da acção ao longo da p.i.
7. Admite a lei processual a formulação pedidos subsidiários (art.º 554.º do CPC).
8. Compulsado o petitório formulado pelo Autor, facilmente se constata que dele não consta qualquer pedido, ainda que subsidiário, contra a E…, S.A.
9. Se fosse formulado algum pedido, ainda que subsidiário contra a E…, S.A. deveria a mesma figurar como Ré ab initio, e tal não aconteceu.
10. Inexistindo qualquer pedido subsidiário, na p.i. ou agora, não estão reunidos os requisitos previstos nos arts.º 316.º, n.º 2 e 39.º do CPC para a requerida Intervenção Principal Provocada.”

A Mmª Juiz, por despacho de 05.11.2020, indeferiu a requerida intervenção principal provocada da sociedade E…, S.A [despacho este o ora sob recurso], referindo para tanto o seguinte:
“O artigo 260º do Código de Processo Civil (diploma legal a que se reportam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso) consagra o princípio da estabilidade da instância, dele decorrendo que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Nesta consonância, como regra, a pluralidade das partes é inicial, constituída no momento da propositura da ação.
O certo é que essa regra comporta exceções, entre as mesmas figurando a intervenção de terceiros (artigo 262º, al. b), efetuada através dos incidentes processuais regulados nos artigos 311º e seguintes.
No que toca à intervenção principal provocada, que é o que aqui está em causa, importa ter presente o artigo 316º que preceitua o seguinte:
“1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3- O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.”
O artigo 39º prevê que é admissível a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida.
Da conjugação da parte final do nº 2 do artigo 316º com o artigo 39º, resulta que nos casos em que determinado autor tenha uma dúvida fundamentada sobre o sujeito titular da relação material controvertida, é-lhe permitido deduzir um pedido contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal.
Sublinhe-se que a norma exige expressamente que haja “dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida”. Daí que, não existindo essa dúvida fundada e razoável sobre os sujeitos que são titulares da relação material controvertida, não é já possível ao autor lançar mão do incidente de intervenção principal para os fazer intervir na ação.
Analisadas as peças processuais apresentadas pelas partes, verifica-se que o autor, à data da propositura da ação dispunha de todos os elementos para, caso assim o entendesse, intentar a ação também contra a sociedade cuja intervenção veio, entretanto, requerer, com fundamento nas regras da pluralidade de empregadores e da cessão da posição contratual. Não é, pois, possível configurar na presente situação qualquer situação de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida, sendo o autor conhecedor de todos os factos relevantes.
O autor não só não teve dúvidas quanto à identidade do empregador e ao responsável pelo alegado despedimento, como também conhecia toda a factualidade relevante para esse efeito, nenhuma novidade advindo da contestação que foi apresentada, sendo forçoso, pois, concluir que o facto de apenas ter sido demandada a empresa ré foi a estratégia processual pelo mesmo delineada. Está, pois, afastada a hipótese de existência de dúvida fundada.
Por outro lado, nem sequer teria qualquer efeito útil a pretendida intervenção, desde logo tendo em conta a causa de pedir e os pedidos formulados pelo autor que em nenhuma hipótese contemplam a responsabilização da empresa cuja intervenção foi requerida.
Analisados todos os pedidos formulados pelo autor, forçoso é concluir que nenhum deles contempla a responsabilização da empresa E…, mas tão só da sociedade ré.
Não se olvide que cabe ao autor formular o pedido nos termos do artigo 552º, nº 1, alínea e).
Analisados os pedidos formulados pelo autor nos pontos I a IV do petitório, verificamos que nenhum deles comtempla a empresa cuja intervenção é requerida, sendo certo que também não são deduzidos pedidos subsidiários que de alguma forma pudessem contender com a indicada empresa.
Em suma, consideramos inadmissível a intervenção provocada requerida pelo autor.
Pelo exposto, por não se verificarem os pressupostos legais exigidos pelo artigo 316º, decide-se indeferir o chamamento requerido pelo autor, não se admitindo a intervenção principal provocada requerida de E… - , SA..
Custas do incidente pelo autor, sendo a taxa de justiça de 2 UCs (artigo 539º do CPC e artigo 7º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais – Tabela II).”

Inconformado, o A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
………………….
………………….
………………….

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se o douto despacho proferido e, em consequência, ser substituído por outro, que admitindo a intervenção, determine o normal prosseguimento dos autos.”.

A Ré não contra-alegou.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, sobre o qual as partes não se pronunciaram.

Por despacho da ora relatora de 29.06.2021 foi determinada a baixa dos autos à 1ª instância para fixação do valor da acção, na sequência do que esta o veio a fixar em €14.049,16.

Subidos os autos novamente à Relação, aos 17.09.2019, foi pela ora relatora admitido o recurso e proferido o seguinte despacho:
“ O A. requereu o incidente de intervenção principal provocada da sociedade E…, SA, com fundamento nos pedidos subsidiários de declaração da existência de um contrato de trabalho com pluralidade de empregadores entre a Ré e a mencionada empresa, bem como na existência de uma cessão da posição de empregador daquela para a Ré, o que será oportunamente apreciado.
Não obstante, para além disso, o A., na p.i., também põe em causa a validade do contrato de trabalho temporário celebrado entre si e a D…, bem como a validade dos contratos de trabalho a termo, pelo menos formalmente, celebrados entre si e a mencionada “E…”, mais defendendo que, do ponto de vista substantivo, seria a Ré, e não aquela, a sua entidade empregadora, assim pondo também em causa a real existência, entre si e a “E…”, dos mencionados contratos de trabalho a termo.
Perante o referido, em que se discute da validade (formal e material) da contratação com as mencionadas entidades e da própria existência dos contratos de trabalho a termo celebrado, pelos menos formalmente, com a “E…”, poder-se-á, eventualmente e pelo menos como questão plausível, abordar da necessidade de intervenção na acção, em situação de litisconsórcio necessário (art. 33º do CPC/2013), também da “D…”, bem como da intervenção da “E…” com o referido fundamento, o que, a ser porventura assim, seria de conhecimento oficioso.
Assim, e com vista a assegurar o princípio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC/2013), notifique-se, antes de mais, as partes para, querendo, se pronunciarem, em 10 dias.”
Apenas o A. respondeu, no sentido de que estando em causa a validade do contrato de trabalho temporário celebrado entre si e a D… e a validade dos contratos de trabalho a termo celebrados entre o A. e a “E…”, se mostra pertinente a intervenção de ambas na modalidade de litisconsórcio necessário.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, no caso, face às conclusões do recurso formuladas pelo Recorrente, a questão em apreço consiste em saber se deve ser revogada a decisão recorrida e deferida a intervenção principal provocada da sociedade E…, SA.
E, atento o referido no despacho proferido pela ora relatora aos 17.09.2021, é de apreciar também, oficiosamente, da questão da necessidade de intervenção principal da sociedade “D…” por forma a assegurar a legitimidade passiva.
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III. Fundamentação de facto

Tem-se como assente o que consta do relatório precedente.
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IV. Fundamentação de direito

1. O A. intentou a acção apenas contra a Ré, C… – …, S.A, sendo que, na resposta à contestação, veio o mesmo requerer a intervenção principal provocada passiva da sociedade E…, SA., o que foi indeferido pelo despacho recorrido, já acima transcrito.
Desde já adiantando a resposta e como decorre do despacho da ora relatora de 17.09.2021, afigura-se-nos que, nos termos dos arts. 316º, nº 1, 30º e 33º, nº 2, do CPC/2013 e 27º, nº 2, al. a), do CPT, deverá ser determinada a requerida intervenção principal passiva da sociedade E…, SA., bem como, e oficiosamente, da D…, Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, Lda, como passaremos a explicar.

2. Dispõe o art. 316º, nº 1, do CPC/2013 que “1. Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, como associado da parte da contrária” e, os arts. 30º e 33º do mesmo:
- Art. 30º, sob a epígrafe, Conceito de legitimidade, que: “1. O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”.
- Art. 33º, sob a epígrafe Litisconsórcio necessário, que: “1. Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. 2. É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. 3. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.”.
Por sua vez, determina o art. 27º, nº 2, al. a), do CPT [alterado pela Lei 107/2019, de 09.09] que “2. O juiz deve, até à audiência final: a) Mandar intervir na ação qualquer pessoa e determinar a realização dos actos necessários ao suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação.”.
Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª Edição, Almedina, que “a pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o ou, ainda, nas ações de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar” [negrito no original].
E Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 157/158:
“Além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negócio jurídico, o litisconsórcio torna-se ainda necessário, sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
São os casos que, numa formulação bastante mais imperfeita, o § 62 do Código de processo alemão pretende atingir, quando se refere às relações jurídicas controvertidas que têm de ser decididas unitariamente (…) em face de todos os interessados.”
De dizer ainda que a preterição do litisconsórcio necessário determinaria a ilegitimidade das partes, o que consubstanciaria excepção dilatória que, caso não fosse suprida, acarretaria a absolvição da instância, excepção essa que é de conhecimento oficioso (arts. 278º, nº 1, al. d), 576º, nº 2, 577º, al. e), 578º, 608º, nº 1, e 663º, nº 2, do CPC/2013).

2.1. No caso, o A., na petição inicial, alegou ter, em data anterior ao contrato de trabalho a termo incerto outorgado com a Ré (01.08.2014),: i) celebrado com a “E…” contratos de trabalho a termo, sustentando, pelas razões que invoca, que estes são formalmente inválidos e que, do ponto de vista substantivo, seria a Ré, e não aquela, a sua entidade empregadora, assim e nesta parte pondo em causa a real existência, entre si e a “E…”, dos mencionados contratos de trabalho a termo; ii) e, subsidiariamente, sustentou também a existência entre o A., a Ré e a “E…” de um contrato de trabalho com pluralidade de empregadores; iii) celebrado com a “D…” contrato de trabalho temporário que, pelas razões que invoca, seria formalmente inválido.
Ora, tal como o A., na acção, configurou a relação jurídico- material controvertida, a mencionada “E…” é parte nela envolvida, sendo que, só com a sua intervenção, poderá a decisão que venha a ser proferida obter o seu efeito útil normal, pois que, só assim poderá a mesma fazer caso julgado material contra ela.
Se assim não fosse, mesmo que a decisão a proferir faça caso julgado contra a Ré, designadamente se, porventura, procedessem os fundamentos invocados pelo A. e fossem os contratos de trabalho a termo julgados inválidos, não o faria, contudo, quanto à “E…”, que sempre poderia vir discutir as mencionadas questões.
E, por outro lado, se, tal como o A. configurou a acção, está em causa a validade formal dos contratos de trabalho a termo celebrados com a referida “E…” e, bem assim, a sua qualidade de empregadora, sendo, pelo menos do ponto de vista formal, titular da relação jurídico- material controvertida, é manifesto que tem a mesma interesse em nela intervir e poder discutir tais questões, o mesmo se dizendo no que toca ao pedido subsidiário, em que é sustentada a existência de um contrato de trabalho, não apenas com ela, mas também co a Ré, em situação de pluralidade de empregadores.
Deve, pois, ser determinada a intervenção principal passiva da referida “E…” pois que, só assim, será assegurada a legitimidade passiva.
E o mesmo se dirá quanto à “D…” na medida em que, quanto a esta, o A. põe em causa a validade formal do contrato de trabalho temporário celebrado entre si e a “D…”.
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V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, que deverá ser, pela 1ª instancia, substituída por outra que determine a intervenção principal, do lado passivo, da sociedade E…, SA., bem como, e oficiosamente, da sociedade D…, Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, Lda.

Custas, na 1ª instância, pela Recorrida, mantendo-se a taxa de justiça em 2 UCs (artigo 539º do CPC e artigo 7º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais – Tabela II) considerada na decisão recorrida.

Custas do recurso pela Recorrida, não sendo todavia, neste, devida taxa de justiça por a mesma não ter dado impulso processual ao recurso, já que não apresentou contra-alegações [art. 6º, nº 1, do RCP].

Porto, 15.11.2021
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas