Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
74/16.2T8AND.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL
DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA
Nº do Documento: RP2018011674/16.2T8AND.P1
Data do Acordão: 01/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 805, FLS 37-42
Área Temática: .
Sumário: No domínio da vigência Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, para que a seguradora que satisfez a indemnização goze do direito de regresso sobre o condutor etilizado basta que a alegue e prove que foi ele que deu causa ao acidente e que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida, dispensando-se a alegação e a prova da existência de nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia e a produção do acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 74/16.2T8AND
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Anadia

I. RELATÓRIO
1. B..., SA. NIPC ........., com sede na Av. ..., n.º ., ....-... Lisboa, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C..., residente na R. ..., .. ..., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €21.428,92 (vinte e um mil quatrocentos e vinte e oito euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou que celebrou com o R. um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice ../......, assim assumindo a responsabilidade civil emergente de acidente de viação decorrente da circulação do veículo de matrícula ..-..-IH. No dia 01/09/2014, pelas 18h15m, na R. ..., freguesia ..., concelho de Anadia, embateram aquele veículo IH, conduzido pelo R., e o veículo de matrícula ..-OM-.., propriedade de D..., Lda. e conduzido por E.... O local é uma reta, marginada por edificações, com trânsito nos dois sentidos e faixas delimitadas entre si por uma linha longitudinal descontínua. O tempo estava bom e o piso seco, com o pavimento em bom estado de conservação, sendo boa a visibilidade, com a faixa de rodagem avistável em toda a sua largura, numa extensão superior a 50 m. O IH seguia no sentido .../... da R. ... e o OM no sentido .../... quando o R., ao aproximar-se do veículo OM, perdeu o controlo do IH, entrou em despiste para a esquerda, atento o seu sentido de trânsito, transpôs a linha longitudinal descontínua e invadiu a via de circulação onde seguia o OM, o que deu lugar ao embate. O R. conduzia com uma TAS de 1,42 g/l., distraído e descontrolado e com falta de perícia, dada a sua capacidade de perceção se encontrar diminuída devido à TAS que apresentava. Todavia, o seu direito de regresso não depende da prova do nexo de causalidade do dano com a circulação em alcoolemia. O OM sofreu uma reparação que ascendeu a €20.296,59, que liquidou à oficina reparadora. O proprietário esteve privado do uso do veículo OM durante 23 dias e nos termos do acordo de paralisação liquidou ao seu proprietário, à razão de €34,02/dia, a quantia de €782,46 euros. O condutor do OM sofreu lesões corporais que determinaram a sua assistência no serviço de urgência do CHUC, EPE, o que representou um custo de 119,47 euros. Na averiguação e peritagem do acidente despendeu 230,40 euros.

2. Citado, o R. apresentou contestação, alegando que a estrada se encontrava uma mancha de óleo no sentido ...-..., o sol encontrava-se “baixo” e com extrema luminosidade, pelo que, encandeado, não conseguiu avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura e extensão. Circulava a uma velocidade inferior a 50 km/h e, antes do embate, sentiu o carro “fugir” para a esquerda, tendo constatado que havia uma mancha de óleo na sua via da estrada e o seu pneu tinha rebentado. Não existiu nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia e o acidente. Concluiu pela absolvição do pedido.

Procedeu-se à prolação do despacho saneador, com delimitação do objeto do litígio e a indicação dos temas de prova.

Foi prolatada sentença com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto o tribunal:
1. Julga totalmente procedente o pedido formulado pela Autora B..., SA. e, em consequência, condena o Réu C... a pagar à Autora a quantia de € de €21.428,92 (vinte e um mil quatrocentos e vinte e oito euros e noventa e dois cêntimos), acrescido de juros de mora vincendos à taxa legal desde a data da citação até ao efetivo e integral pagamento.”

Inconformado, o R., C..., interpôs recurso da sentença, assim finalizando a sua alegação:
“1. Salvo o devido respeito que é muito, o Douto Tribunal “a quo” fez incorrecta aplicação e interpretação da lei aos factos.
2. O recorrente, apesar de circular com uma taxa de álcool superior à legalmente permitida, não deu causa ao acidente.
3. Tal acidente ficou a dever-se a causas que não estão no domínio directo do Recorrente.
4. Este circulava a baixa velocidade, numa estrada estreita, ainda que com duas vias.
5. Em virtude do encandeamento sofrido, invadiu ligeiramente outra via de circulação, embatendo com a parte frontal esquerda na parte frontal esquerda do veículo OM.
6. No momento do acidente estava bom tempo.
7. Não chovia, pelo que o piso estava seco.
8. No momento do acidente ainda estava sol.
9. O veículo do Réu circulava no sentido poente;
10. O veículo do condutor do veículo OM circulava no sentido nascente.
11. Acidente deu-se a 1 de Setembro, final de Verão.
12. Que se trata de uma estrada perigosa, porque o sol bate de frente.
13. Que naquele momento o sol estava baixo.
14. Que estas condições meteorológicas foram decisivas na produção do acidente.
15. Que tais condições e a sua relevância foram descritas quer pelo Réu, quer pelas testemunhas da Autora – F... e E... -, passageiro e condutor da viatura OM, respectivamente.
16. Que perante esta factualidade, facilmente perceptível a qualquer condutor experiente, é impossível desconsiderar a relevância destes factos no acidente, que foram decisivos no processo do mesmo e que demonstram de forma clara e objectiva que o Réu e aqui Recorrente não deu causa ao acidente.
17. Que, dessa forma, a Autora não tem direito de regresso sobre o Recorrente dos montantes despendidos em razão do mesmo.
18. Ao decidir de forma diversa, o Douto Tribunal “a quo” fez incorrecta aplicação e interpretação da lei aos factos, pelo que a sua Decisão deverá ser revogada.

Respondendo, a seguradora recorrida alegou que a sentença deve ser confirmada, porquanto o recorrente não impugnou a matéria de facto, e, à luz do acórdão uniformizador, os factos só podem conduzir à confirmação da sentença.

II. Objeto recursivo
Como o objeto do recurso é delimitado, salvo questões de oficioso conhecimento, pelas conclusões da alegação do recorrente, cabe apreciar [artigos 635º e 639º do Código de Processo Civil (CPC)]:
1. Questão prévia – recurso da decisão sobre a matéria de facto;
2. Direito de regresso da seguradora.

III. Fundamentação
1. Questão prévia – recurso da decisão sobre a matéria de facto
Opõe a recorrida que o recorrente não impugnou a matéria de facto e que tal decisão se mantém sem poder ser alterada.
De facto, o artigo 640º/1, als. a), b) e c), do CPC dispõe que, quando impugna a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar obrigatoriamente, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões e facto impugnadas.
A este respeito, na sua alegação o recorrente limita-se a firmar: “Da motivação apresentada pelo Tribunal “a quo”, conclui-se também que este Tribunal entendeu como verdadeiro o depoimento da testemunha E..., condutor do veículo OM, onde este “referiu que não travou muito porque ia muito devagar, assim como o outro veículo, que ia devagar” e “que no momento do acidente ainda estava sol e que circulava no sentido nascente, ao passo que o outro veículo circulava no sentido poente”. Depois acrescenta que do “entendimento do tribunal de que foi credível o depoimento da testemunha F... – que vinha no veículo OM conduzido pela testemunha E... quando ocorreu o acidente, quando este refere que “Disse ainda que ambos os veículos iam devagar (a cerca de 40 km/h)”, assim como quando este refere que “que passa com frequência naquele local e que se trata de uma estrada perigosa, porque o sol bate de frente, tendo ainda referido que naquele momento o sol poderia estar baixo e que quando assim é costuma baixar a pala e às vezes até se levanta”. E ainda especifica que “as declarações prestadas pelo Réu na audiência de julgamento sobre o impacto decisivo que o sol de final de tarde, a poente e a embater no vidro frontal do seu carro, teve no decurso do acidente, são claras e objectivas” e resulta “da experiência comum que a existência de um sol baixo, encandeante, frontal e intenso, a embater no vidro frontal do automóvel, nomeadamente aquele de fim de Verão – como era o caso – é muito perigoso e tem historicamente a ele associado um histórico de acidentes, muitos deles graves e com vítimas mortais.” Para além disso, nas conclusões cinge-se a inscrever que o “recorrente, apesar de circular com uma taxa de álcool superior à legalmente permitida, não deu causa ao acidente. 3. Tal acidente ficou a dever-se a causas que não estão no domínio directo do Recorrente. 4. Este circulava a baixa velocidade, numa estrada estreita, ainda que com duas vias. 5. Em virtude do encandeamento sofrido, invadiu ligeiramente outra via de circulação, embatendo com a parte frontal esquerda na parte frontal esquerda do veículo OM.”
Ora, o recorrente não particulariza os pontos de facto que pretende ver alterados nem aduz qual a concreta matéria de facto que, face à prova produzida, pode merecer resposta de provado ou não provado. E a norma sob destaque, no seu n.º 2, impõe que “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
Embora entendamos, na esteira da linha jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça, que a Relação deve auditar na sua globalidade, em toda a sua extensão, os depoimentos testemunhais invo­cados pelos recorrentes, a verdade é que o recorrente não cumpriu as condições mínimas para este Tribunal poder reapreciar a matéria de facto. Não concretizou os pontos de facto que pretende ver alterados nem a resposta que para eles pretende, pelo que a vaguidade da sua alegação, nesse concreto ponto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não faculta o juízo de verificação dos requisitos formais de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Não obstante considerarmos que o direito das partes à reapreciação da decisão da matéria de facto não deve ser sacrificado por exigências puramente formais, no caso, o recorrente não deu cumprimento do ónus de alegação regulado no predito artigo 640º do CPC e nem os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da verdade material salvam a forçosa rejeição do recurso sobre a decisão da matéria de facto. Aliás, a imprecisão alegatória do recorrente quanto à reapreciação da matéria de facto suscita dúvidas sobre a sua real pretensão de a impugnar, porque nem sequer identificou os concretos pontos da matéria de facto que desejaria ver decididos por este Tribunal da Relação. Daí que se o recorrente teve em vista o recurso da decisão sobre a matéria de facto, por violação dos identificados pressupostos formais, sempre seria inevitável rejeição do recurso com tal incidência.

2. Fundamentos de facto
1. A A. dedica-se à atividade seguradora e no exercício da sua atividade celebrou com o R. um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ../......., através do qual assumiu a responsabilidade civil emergente de acidente de viação decorrentes da circulação do veículo de matrícula ..-..-IH (conforme documento n.º 1 junto com a petição inicial – fls. 12-13 – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2. No dia 1 de setembro de 2014, pelas 18h15m, ocorreu um acidente de viação na R. ..., freguesia ..., concelho de Anadia, no qual foram intervenientes o veículo IH, conduzido pelo R., e o veículo de matrícula ..-OM-.., propriedade de D..., Lda. e conduzido por E....
3. Nas circunstâncias descritas o veículo IH circulava no sentido .../... da R. ... e o veículo OM circulava no sentido .../....
4. A dada altura o R., ao aproximar-se do veículo OM, transpôs a linha longitudinal descontínua e invadiu a via de circulação contrária, por onde seguia o veículo OM, indo embater com a parte frontal esquerda na parte frontal esquerda do veículo OM.
5. O condutor do veículo OM ainda se tentou encostar o mais à direita possível, numa tentativa de evitar o acidente, mas não conseguiu que o IH embatesse no OM.
6. O local do acidente configura uma reta, marginada por edificações, onde o trânsito se processa nos dois sentidos.
7. Possuindo uma via de circulação para casa sentido de marcha, os quais estão delimitados entre si por uma linha longitudinal descontínua.
8. No momento do acidente estava bom tempo
9. Não chovia, pelo que o piso estava seco.
10. O pavimento a faixa de rodagem à data do acidente estava devidamente asfaltado, era regular e não tinha buracos.
11. A faixa de rodagem pode ser avistada, em toda a sua largura, numa extensão superior a 50 metros.
12. O veículo IH circulava a uma velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 50 km/h.
13. Ambos os condutores foram submetidos a teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo-se apurado que o R. conduzia com uma TAS de 1,42 g/l.
14. A taxa de álcool de que o R. era portador provocou a diminuição de acuidade visual, diminuiu os seus reflexos, bem como a sua coordenação psicomotora, aumento do tempo de reação, o que gerou no consequente embate no veículo de matrícula OM.
15. Na sequência da participação do acidente, a A. realizou uma peritagem ao veículo OM, tendo apurado que o veículo tinha estragos na parte da frente com incidência na lateral esquerda, cuja reparação ascendia a €20.296,59 (conforme documentos n.º 4 e 5 que aqui se dão por reproduzidos).
16. A A. liquidou tal quantia à oficina reparadora.
17. O veículo OM é um veículo de passageiros com cilindrada superior a 2.000 cc.
18. O proprietário esteve privado do uso do veículo OM durante 23 dias, por causa da sua reparação.
19. Nos termos do acordo de paralisação ARAC/APS, o A. liquidou pagou ao proprietário à €34,02/dia, a quantia global de €782,46.
20. Em consequência do acidente, o condutor do OM teve lesões corporais que determinaram a assistência no serviço de urgência do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE, que representou para a A. um custo de 119,47 euros.
21. Na averiguação e peritagem do acidente, a A. despendeu 230,40 euros.

3. Fundamentos de direito
A presente ação tem por objeto a pretensão da A. na condenação do R. no pagamento das quantias indemnizatórias que satisfez, emergentes do acidente de viação, a título de “direito de regresso”, por tê-lo provocado quando conduzia sob influência do álcool.
Mostra-se incontroverso e não justifica considerações teóricas acrescidas, que as partes celebraram um contrato de seguro do ramo automóvel. O acidente de viação que constitui a causa de pedir da ação ocorreu em 01/09/2014, ou seja, em plena vigência do decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, doravante denominado (RSSORCA). O artigo 27º/1, c), desse Regime estatui que, satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos. Esta previsão legal continua a suscitar dúvidas sobre a exata definição dos pressupostos do direito de regresso legalmente atribuído à seguradora que satisfez a indemnização ao lesado no caso de taxa de alcoolemia do condutor, superior à permitida no exercício da condução, mantendo-se a polémica sobre o sentido dessa alteração legislativa no confronto com o regime que resultava do revogado artigo 19º, c), do anterior regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o decreto-lei 522/85 e o acórdão uniformizador 6/2002 tirado a propósito.
Cremos, na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que a alteração legislativa, ao eliminar a expressão “agido sob influência do álcool”, dispensa a seguradora do ónus de demonstração de um concreto nexo causal entre o erro ou falta cometido pelo condutor alcoolizado no exercício da condução e a alcoolemia, aceitando a normal e provável diminuição dos reflexos e capacidade reativa do condutor alcoolizado como causa adequada do acidente[1]. De facto, o legislador substituiu a anterior expressão “agido sob influência do álcool” por um segmento objetivo – “conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”, cujo sentido só pode ser o de estabelecer uma presunção legal, edificada a partir das regras ou máximas de experiência, de que o concreto erro ou falta cometido pelo condutor etililizado se deveu, em termos de causalidade adequada, à taxa de alcoolemia de que era portador. Logo, como qualquer presunção legal, a seguradora, beneficiada pelo estabelecimento da presunção, deixa de estar onerada com a prova efetiva do facto a que conduz a presunção (artigo 350º/1, do Código Civil). Esta asserção conduz à admissão da ilisão da presunção legal, cabendo ao condutor/demandado a alegação e prova de que a situação de alcoolemia lhe não é imputável ou que, apesar da taxa de alcoolemia, não ocorreu qualquer nexo causal efetivo entre essa situação e a eclosão do embate. Vale por dizer que, por força da presunção legal, a seguradora não tem de provar, como pressuposto do direito de regresso, a existência de um concreto nexo causal entre a taxa de alcoolemia e o erro de condução que desencadeou o acidente, mas o condutor pode afastar a sua responsabilidade em via de regresso pela ilisão da presunção legal, configurada como presunção juris tantum (artigo 350º/2 do Código Civil)[2].
Não obstante, não ignoramos alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que defende estar em causa uma presunção iuris et de iure, de modo a que um condutor que apresente uma TAS igual ou superior à legalmente admitida se encontra sob a influência do álcool e que tenha causado o acidente colaciona o direito de regresso da seguradora, por configurar uma circunstância que implica per se um sensível agravamento dos normais riscos de circulação, cuja cobertura se considera excluída do normal e comutativo equilíbrio do contrato de seguro[3].
Cremos, no entanto, ser a primeira posição aquela que mais se aquieta ao elemento histórico que subjaz à atual norma. O legislador não podia ignorar a controvérsia gerada a propósito desta temática na vigência da alínea c) do artigo 19º do revogado decreto-lei nº 522/85, entretanto serenada pelo acórdão de uniformização de jurisprudência 6/2002, e, por isso, nos parece de suficiente sustentáculo para esta tese a alteração legislativa introduzida pelo atual RSSRCOA.
Neste conspecto, o R. nada alegou no sentido da existência de uma causa acidental ou fortuita na base da situação de alcoolemia objetivamente verificada, antes limitando a sua defesa e agora a sua alegação recursiva a pugnar pelo afastamento da sua culpa na eclosão do acidente e, de algum modo, a enjeitar a concreta causalidade entre a alcoolemia e o facto culposo cometido na condução do veículo.
Consabido que o direito de regresso da seguradora contra o condutor alcoolizado exige que o mesmo tenha dado causa ao acidente, podemos afirmar que a procedência do direito de regresso da seguradora contra o condutor etilizado, demandado em via de regresso, exige os vários pressupostos da responsabilidade subjetiva por facto ilícito, designadamente ser-lhe o acidente imputável a título de culpa, ter gerado os danos ressarcidos pela seguradora e que os mesmos tenham derivado, em termos de causalidade adequada, do comportamento culposo daquele.
Verificam-se, no caso, todos esses pressupostos porque está provado que o R. invadiu a meia faixa de rodagem em que circulava o veículo objeto do contrato de seguro, assim dando causa ao acidente e aos danos. O R. não discute que essa atitude derivou de uma perda de controlo da viatura que deu azo ao embate, mas procura convencer este tribunal de que essa sua conduta derivou do encandeamento pelo sol. Não provou, contudo, essa versão, pelo que não merece censura a decisão da primeira instância que considerou imputável ao R., a título de negligência, o acidente, por ter violado um dever de diligência e uma disposição de direito estradal.

IV. Dispositivo
Ante o exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e confirmar, consequentemente a sentença recorrida.

Custas da apelação a cargo do Réu recorrente sem prejuízo do concedido apoio judiciário.
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Porto, 16 de janeiro de 2018.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
____________
[1] In www.dgsi.pt: Acs. de 28-11-2013, processos nº 372/07.6TBSTR.S1e 995/10.6TVPRT.P1.S1; 09/10/2014, processo 582/11.1TBSTB.E1.S1; 24/11/2016, processo nº 96/14.8TBSPS.C1.S1; 06/04/2017, processo 1658/14.9TBVLG.P1.S1.
[2] Mafalda Miranda Barbosa, in Cadernos de Direito Privado, nº 50, abril/junho de 2015, pág. 45; in www.dgsi.pt: Ac. STJ de 06/04/2017, processo 1658/14.9TBVLG.P1.S1.
[3] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 07/02/2017, processo 29/13.9TJVNF.G1.S1.