Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3596/12.0TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS INSTRUMENTAIS
CONHECIMENTO OFICIOSO
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP201409153596/12.0TJVNF.P1
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tal como já acontecia no anterior CPCivil, também na actual lei processual podem na decisão, para além dos factos essenciais, que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, alegados pela partes, ser considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
II - A grande diferença em relação ao anterior Código de Processo Civil é que a consideração dos factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos alegados não depende já de requerimento da parte interessada, isto é, a sua consideração pode ser oficiosa.
III - É claro que, essa consideração oficiosa, não pode ser feita sem que as partes se pronunciem sobre ela, ou seja, o juiz, ante a possibilidade de tomar em consideração tais factos, tem que alertar as partes sobre essa sua intenção operando o exercício do contraditório e dando-lhe a possibilidade de arrolar novos meios de prova sobre eles.
IV - Se da instrução da causa resultarem factos que sejam complemento ou concretizadores dos alegados pelas e o Sr. juiz do processo não os tenha tomado em consideração não pode a Relação, em princípio, substituir-se à 1.ª instância e valorar já em termos definitivos a prova produzida quanto aos novos factos, ampliando em 2.ª instância a matéria de facto sem que previamente, em fase de audiência de julgamento, as partes estejam alertadas para essa possibilidade e lhes seja facultado produzir toda a prova que entenderem.
V - Todavia, já a Relação o poderá fazer se os novos factos resultarem de confissão judicial no âmbito do depoimento de parte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3596/12.0TJVNF.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, 5º Juízo Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
Sumário:
I- Tal como já acontecia no anterior CPCivil, também na actual lei processual podem na decisão, para além dos factos essenciais, que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, alegados pela partes, ser considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
II- A grande diferença em relação ao anterior Código de Processo Civil é que a consideração dos factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos alegados não depende já de requerimento da parte interessada, isto é, a sua consideração pode ser oficiosa.
III- É claro que, essa consideração oficiosa, não pode ser feita sem que as partes se pronunciem sobre ela, ou seja, o juiz, ante a possibilidade de tomar em consideração tais factos, tem que alertar as partes sobre essa sua intenção operando o exercício do contraditório e dando-lhe a possibilidade de arrolar novos meios de prova sobre eles.
IV- Se da instrução da causa resultarem factos que sejam complemento ou concretizadores dos alegados pelas e o Sr. juiz do processo não os tenha tomado em consideração não pode a Relação, em princípio, substituir-se à 1.ª instância e valorar já em termos definitivos a prova produzida quanto aos novos factos, ampliando em 2.ª instância a matéria de facto sem que previamente, em fase de audiência de julgamento, as partes estejam alertadas para essa possibilidade e lhes seja facultado produzir toda a prova que entenderem.
V- Todavia, já a Relação o poderá fazer se os novos factos resultarem de confissão judicial no âmbito do depoimento de parte.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, Lda, com sede na Rua …, nº …, …, V. N. de Famalicão, veio intentar acção declarativa contra C… e D…, residentes na Rua …, nº .., …, V. N. de Famalicão, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 25.000,00, acrescida dos juros vencidos no montante de € 2.679,45 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, que os RR sejam condenados a restituírem a mesma quantia a título de enriquecimento sem causa.
Para tanto, e em síntese, sustenta que vendeu aos RR uma moradia pelo preço de € 120.000,00.
Contrariamente ao que foi outorgado na escritura, aquele valor não foi efectiva e integralmente entregue pelos RR, mas sim a quantia de € 95.000,00, sendo que, a diferença de € 25.000,00 não foi entregue à A. para garantir um conjunto de obras que faltavam efectuar.
Acontece que, as obras de acabamento foram efectuadas e concluídas os RR. recusam-se a pagar a aludida quantia de €25.000,00.
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Regularmente citados, os RR contestaram, alegando, em síntese, que nenhum dinheiro devem à A., pois que, as obras referidas por esta na petição inicial não foram por ela realizadas mas sim por um outro empreiteiro que eles contrataram.
Concluem, pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada.
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Notificada da contestação a A. veio responder, tendo mantido o que já havia alegado na petição inicial.
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Seguiu-se, então, a prolação do despacho saneador, com a fixação dos factos assentes e elaboração da base instrutória.
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Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
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A final foi proferida sentença que julgou improcedente por não provada a acção absolvendo os Réus do pedido.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso concluindo da seguinte forma:
i – da matéria factual assente nos autos ressalta que os réus, por conta do preço estipulado não pagaram à a. a quantia de 25.000,00€;
ii- mais ressalta dos autos que, as obras foram feitas a mando da autora, ora recorrente;
iii- que os réus não pagaram obras no montante de 25.000,00€;
iv – contrariamente ao decidido e prova carreada para os autos, os réus não provaram, que as obras no valor de 25.000,00€, foram realizadas e pagas por eles;
v – aliás, não se podia, nem pode concluir que a autora não provou como lhe competia que realizou as obras que faltavam;
vi – do testemunho de E… ressalta que o cheque no valor de 23.800,00€, foi um empréstimo, que não emitiu a referida factura, e mencionou que só factura quando os réus quiserem;
vii – o tribunal não pode considerar que a autora não provou que cumpriu o contrato;
viii – por isso, atenta a factualidade carreada para os autos, quer documental, quer testemunhal, só por abissal equivoco se pode ter considerada provada a factualidade referida no iten 34 da sentença;
ix – aliás, não se compreende como na sentença o sr. juiz repetidamente diz que foi a autora que mandou executar as obras em causa e depois diga que ela não provou nada;
x - assim, atenta a prova produzida, documental e testemunhal, reproduzida supra, deve a factualidade constante do item 34 dos factos considerados provados, ser considerada não provada, provando-se antes que foi a autora que realizou as obras a que estava vinculada como condição para o recebimento da quantia de 25.000,00 em falta do preço estipulado, ou seja, dando-se como provado que as obras de acabamento foram efectivamente concluídas pela autora no prazo que foi sendo acordado pelas partes, sendo certo que tais acabamentos foram levados a cabo por subempreiteiros contratados pela própria autora, conforme foi alegado e consta dos quesitos 16º, 17º e 18º da base instrutória e, alterando-se, consequentemente, as respostas da primeira instância, por estarem em total contradição com a matéria fáctica carreada para os autos e efectivamente reproduzida;
xi - está provado o que competia á autora, no sentido de que cumpriu totalmente a sua prestação, conforme lhe era exigido pelo nº 1 do artigo 342º do c.c.;
xii – a convicção formada pelo tribunal a quo está assim incorrecta, como aliás decorre do referido depoimento de parte do legal representante da autora e das testemunhas F…, G… e H…;
xiii – assim, deve-se alterar a matéria de facto no sentido de dar como provados os factos constantes dos artigos 16º, 17º e 18º da base instrutória e não provado o artigo 34 da sentença e, em consequência revogar-se a decisão recorrida, sendo a mesma substituída por outra que julgue procedente e provada a acção, condenando-se os réus a pagar á autora a quantia de 25.000,00€, acrescidos dos respectivos juros;
xiv - ou caso assim se não entenda, e tendo em conta a própria confissão dos réus, ao referirem que a autora depois da outorga da escritura executou um corrimão nas escadas interiores e um móvel na casa de banho e ainda que estes juntaram aos autos uma factura de 4.000,00€, ainda que referente a outra moradia de que são proprietários em …, entendemos, que o tribunal tem elementos para condenar os réus a restituir á autora a quantia de 21.000,00€ (25.000,00–4.000,00);
xv – na hipótese de se entender, o que não se concebe, que a autora só realizou parte das obras a que estava obrigada, deverão, assim os réus ser condenados a pagar à autora a sua contraprestação na proporção do montante dessas obras;
sem prescindir–do enriquecimento sem causa
xvi - vindo provado que não foram os réus que concluíram as obras e que até ao dia de hoje não entregaram á autora a quantia de 25.000,00€, sempre os réus teriam e terão que ser condenados a pagar à recorrente a peticionada quantia de 25.000,00€, a título de ressarcimento, por enriquecimento, injusto e sem causa, conforme o disposto no artigo 473 do c. civil.
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Devidamente notificados os Réus contra-alegaram concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são duas as questões que importa decidir:

a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
b)- decidir em conformidade tendo em conta a decisão que venha a recair sobre a impugnação da matéria de facto.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pela primeira instância:
1º)- A Autora dedica-se no exercício da sua actividade à compra, venda e arrendamento de bens imóveis e ou suas fracções e revenda dos adquiridos para esse fim.
2º) - No âmbito do exercício da sua actividade, em 03/12/2009, vendeu aos RR. o prédio urbano, destinado a habitação, composto de casa de cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, sito no …, actual Rua …, n.º .., freguesia … concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 208–…, inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º627, com alvará de licença de utilização n.º …/2008, emitido em 19/03/2008, pela Câmara Municipal ….
3º)- A moradia foi vendida pelo preço de 120.000,00€ (cento e vinte mil euros).
4º)- A Autora não recebeu a quantia de120.000,00€ (cento e vinte mil euros) que declarou ter recebido.
5º)- Os Réus, para ir abatendo ao montante da moradia, entregaram a I… um cheque de 3000,00 euros em Novembro de 2008 e um outro cheque de 1995,00 euros em Janeiro de 2009.
6º)- No dia da escritura público esteve presente a solicitadora J… para efectuar o levantamento da penhora, e foi descontado imediatamente o valor da penhora registada como consta da escritura, acrescendo ainda o montante devido pela B… à K… de cerca de 8 mil euros e cerca de 1300,00 euros a D. L… pelas comissões devidas de mediação imobiliária, de outras transacções anteriores.
7º)- Apesar de constar na escritura a entrega da quantia de 120.000,00€, os RR apenas entregaram o montante de 95.000,00€.
8º)- Em virtude de uma conjuntura de crise no sector imobiliário, no ano de 2008, a A. passou por algumas dificuldades económicas e financeiras.
9º)- Dificuldades conducentes a um processo de execução e, consequente, penhora sobre a moradia aqui em apreço.
10º)- Os RR, perante o conhecimento deste quadro de dificuldades da A, temendo perder a moradia que haviam prometido comprar, no início de 2012, procuraram a A, para lhe solicitar que fosse outorgada a escritura com brevidade.
11º)- Propondo que a escritura fosse celebrada mesmo não estando a obra acabada.
12º)- E que os acabamentos poderiam ser efectuados posteriormente à celebração da escritura.
13º)- Sendo que, os RR não pagariam o montante total do preço acordado para a compra e venda (cento e vinte mil euros).
14º)- Pretendendo deixar por pagar o valor de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros), a título de garantia e até à conclusão das obras dos acabamentos em falta.
15º)– A A e os RR tinham interesse em realizar a escritura no mais breve espaço de tempo possível.
16º)- A escritura foi celebrada sem que a obra estivesse totalmente concluída ao nível de acabamentos e sem o pagamento integral.
17º)- Faltavam efectuar, entre outros serviços, os seguintes acabamentos: Pichelaria: colocação de móveis nas casas de banho, torneira, louças cerâmicas e respectivos acessórios;
Electricista,
Serralharia: acabamento de escadas interiores;
Carpintaria: acabamento de escadas interiores, rodapé e roupeiros;
Pintor: Pintura de interiores e, no final dos acabamentos, a pintura com tintas específicas para cada cómodo;
Taqueiro: pavimentos.
18º)- Na data da celebração da escritura, em 03/12/2009, a A. e RR outorgaram uma declaração complementar atinente ao negócio celebrado.
19º)- Nessa declaração foi estabelecido que:
“Adquiriu os Srs. C… e D. D… uma moradia de cave, rés-do-chão e andar, sita na Rua …, Nº.., freguesia …. Nesta data (03-12-2009) ficam retidos em sua posse a quantia de 25.000.00 euros (vinte e cinco mil euros), para acabamentos da moradia. Quantia que será entregue após a conclusão da moradia. Se a moradia não for entregue concluída até 03 de Março de 2010, a B…, pagará uma renda mensal de 300.00 euros, por cada mês em atraso.”
20º)- Os RR recusam-se a proceder ao pagamento da quantia de 25.000,00€, apesar solicitados para o efeito.
21º)- Em 12 de Abril de 2007 os ora réus celebraram com a A. um contrato promessa, que foi de imediato sinalizado por um cheque no valor de (23.000,00 euros) e do qual consta que a moradia deveria ser entregue até 5 de Agosto de 2007, e realizada a escritura.
22º)- O que não aconteceu.
23º)- A pessoa com quem os RR falavam, I…, nunca lhes explicou a verdadeira razão de não terminar as obras nem fazer a escritura.
24º)- Como contratava subempreiteiros e outras empresas para realizarem as obras e não lhes pagava, os credores também não realizavam os serviços.
25º)- Como os R. souberam posteriormente, em 16 de Julho de 2007, foi registada uma primeira penhora na moradia que pretendiam escriturar, em 12 Dezembro de 2007 surgiu outra penhora sobre a casa e em 24 de Janeiro de 2008 uma terceira penhora.
26º)- Só em Julho de 2008 é que os R. tiveram conhecimento da real situação da moradia por intermédio da imobiliária K… que lhes explicou que sobre a moradia pendiam várias penhoras, e enquanto não fossem pagas não poderia ser realizada a escritura.
27º)- E por causa das dificuldades económicas a B… não tinha ninguém que fosse terminar as obras da moradia.
28º)- Até aqui os compradores já tinham investido cerca de 31.000,00 euros na casa, ou seja:
a) 23.000,00 Euros a título de sinal entregue à autora;
b) Acerto de contas dos materiais comprados no valor de 700,00 euros;
c) Caldeira no valor de 717,00 euros;
d) Instalação da cozinha e electrodomésticos no valor de 4.295,70 euros;
e) 1759,78 euros de juros pagos ao banco relativos ao credito sinal.
29º)- Apesar das entregas referidas em 5) a B… não resolveu o problema para desbloquear a situação, apesar do sócio Sr. I… garantir que não haviam mais penhoras e que rapidamente estaria tudo resolvido.
30º)- Mais uma vez nem as obras terminaram nem a escritura se fez.
31º)- Assim, os RR foram obrigados a negociar directamente com os credores de modo que no momento da escritura vissem o seu crédito satisfeito.
32º)– O Senhor I… numa primeira data não esteve presente na data designada para a realização da escritura.
33º)- Como as obras não estavam terminadas, o Senhor I… redigiu um documento comprometendo-se a realizar as ditas obras num determinado prazo, que foi assinado por ambas as partes.
34º)– Foram e estão a ser realizadas obras na moradia dos RR por outro empreiteiro que nada tem a ver com a B….
35º)- Os réus enviaram uma carta em Maio de 2010, em que se consideravam desvinculados do referido acordo, alegando ainda de que eram credores da tal renda que a B…” ficou de pagar” pelos atrasos e de que iriam os agora R. fazer as obras.
36º)- Nunca tiveram qualquer resposta da parte da B….
37º)– Sem as obras de acabamentos, o imóvel não reunia condições de habitabilidade.
38º)– A A. enviou uma carta registada aos RR onde referiu que tinha concluído as obras de acabamento e solicitou o pagamento de € 25.000,00.
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III. O DIREITO

A primeira questão que importa decidir é, como se referenciou:

a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

A apelante quanto a este segmento recursório entende que deveria ser alterada a matéria de facto constante do ponto factual 34º da fundamentação, dando-se a mesma como não provada e, por outro lado, deveria ser dada como provada a matéria factual constante dos quesitos 16º, 17º e 18º da base instrutória.
Quid juris?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 655.º, nº 1, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”-actual 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[1]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[2]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Evidentemente que isto não invalida que a Relação não possa formar a sua própria convicção, aliás, deve fazê-lo desde que disponha de elementos probatórios para o efeito.
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à apelante, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
Como já noutro passo se referiu, a apelante entende que deveria ter sido dada como provada a matéria factual constante dos quesitos 16º a 18º da base instrutória.
Estes quesitos tinham a seguinte redacção:
16º
As obras de acabamento foram efectuadas e concluídas pala A?
17º
No prazo estipulado na supra referida declaração complementar (03.032010)?
18º
Estes acabamentos foram levadas a cabo por subempreiteiros contratados pela A?
O Srº juiz sobre esta matéria factual discorreu do seguinte modo:
“No que diz respeito às obras que foram acordadas realizar no documento particular redigido pelas partes, o tribunal, face à divergência nos depoimentos prestados, e na ausência de outro tipo de prova, decidiu dar como não provada a matéria relativa à autoria das mesmas”.
Neste conspecto importa, antes demais, dizer que a decisão padecia de diversos erros de escrita mas que, em tempo oportuno, na sequência de requerimento impetrado pelos Réus, foram mandados corrigir por despacho do Sr. juiz.
Isto dito, dissente a apelante do entendimento do Sr. juiz quanto a esta matéria factual, pois que, alega, as referidas obras foram executadas por si, tal como consta do depoimento de parte do legal representante da Autora e das testemunhas Eng. F…, G… e H….
Evidentemente que o depoimento de parte do representante legal da Autora, neste âmbito, é perfeitamente inócuo. Com efeito, estamos perante matéria por aquela alegada na respectiva petição inicial (cfr. artigos 26º a 29º daquela peça processual) e, como tal, sendo-lhe favorável, não pode ser objecto de confissão, da mesma forma que nenhuma relevância têm quaisquer afirmações (pois que não passam disso mesmo) que a este respeito tenha produzido.[3]
Do depoimento da testemunha F…, nada se retira de relevante, pois que, apesar de dizer que a obra estava concluída quando fez a vistoria, sempre foi dizendo que havia um ou outro rodapé que estava solto; que ficou uma quantia retida por causa de umas alterações que os Réus queriam fazer e que trocaram a grade das escadas e loiças.
Por sua vez a testemunha H… limitou-se a dizer que fez na moradia portas e janelas e uma grade de umas escadas depois, e que, a seguir à sua colocação, foi lá e estava tudo pronto.
Por último a testemunha G…, além de ser sócio da Autora limitou-se a dizer que a casa tinha todas as condições de habitabilidade e todos os trabalhos que faltavam fazer foram executados.
Ora, todos estes depoimentos são genéricos e vagos sem qualquer elemento objectivável que lhe possa dar consistência, traduzindo-se em simples afirmações e sem qualquer suporte de outra natureza, nomeadamente documental, que as possa corroborar.
Acresce que, importa fazer a articulação e ponderação de todos os meios probatórios carreados para os autos, ou seja, a prova tem de ser valorada no seu conjunto e não de forma sectorial.
Ora, a par destes depoimentos outros foram produzidos que os contradizem, mais concretamente os das testemunhas E…, M… e L….
Efectivamente, respigando os depoimentos prestados pelas indicadas testemunhas o que ressalta é que a apelante não executou os trabalhos em falta aquando da celebração da escritura pública, tendo os mesmos sido executados por terceiros que não a aquela.
E, perante depoimentos contraditóridos e divergentes, como a dar como provada a matéria factual dos apontados quesitos?
Quando estejamos na presença de elementos de prova contraditórios, deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal [ad quem] sindicar.
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Insurge-se também a apelante contra o facto de o tribunal recorrido ter dado como provada a matéria factual constante do nº 34 da fundamentação, propugnando que a mesma deveria ter sido dada como não provada.
Esta matéria factual corresponde ao quesito 34º inserto na base instrutória cuja redacção era a seguinte:
“…sendo que estas estão a ser realizadas por um outro empreiteiro que nada tem a ver com a B…?”
A este quesito o tribunal respondeu da seguinte forma:
“Foram e estão a ser realizadas obras na moradia dos RR por outro empreiteiro que nada tem a ver com a B…”.
Ora, como resulta da acta da audiência que teve lugar no dia 19/09/2013 o tribunal recorrido aí exarou ter a matéria do quesito 34º sido confessada pelo legal representante da Autora apelante, daí que não se entenda, não tendo sido posta eu causa o conteúdo da respectiva acta e a confissão efectuada, como pretende a apelante que esse facto deveria ser tido como não provado.
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Decorre do exposto que a apreciação do Mmº Juiz surge-nos, assim, como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respectiva alteração.
O presente caso, manifestamente, não se reconduz, pois, a um daqueles casos flagrantes e excepcionais em que essa alteração é de ocorrência forçosa, por ter havido, na primeira instância, um manifesto erro na apreciação da prova, uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.
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Não obstante o supra referido importa ainda, neste âmbito da fundamentação factual, decidir uma outra questão que a apelante equacionou nas suas alegações recursórias embora sem o enquadramento correcto.
Efectivamente, naquelas alegações a recorrente veio dizer que resultou da prova produzida a até da confissão feita pelos Réus que, já após a celebração da escritura pública de compra e venda, a Autora executou um corrimão de escada em inox e um móvel da casa de banho, factos a que o tribunal não deu relevância.
Ora, como decorre dos articulados apresentados pelas partes tal factualidade não foi objecto de alegação e, portanto, a questão que agora se coloca é se ela podia ser tomada em consideração pelo juiz do processo e, não o tendo feito se pode ser considerada pela Relação.
No caso concreto a audiência de julgamento embora iniciada na vigência do anterior CPCivil (25/06/2013) ela apenas e concluiu em 06/02/2014, ou seja, quando já estava em vigor o novo CPCivil sendo-lhe, por isso, aplicável esta nova lei.
Na verdade, nas normas transitórias da Lei 41/2013 de 26/06 que aprovou o Novo Código de Processo Civil, prevê-se no artigo 5.º, nº 1, que o Código de Processo Civil é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes.
Por outro lado, aplicando o regime previsto no art. 12º do CC ao processo civil resulta que na área do direito processual, a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes.
Como refere Antunes Varela: “(…) a ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos (para não atingir efeitos já produzidos por este), traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados”.[4]
Portanto, a nova lei aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor, pelo que os actos praticados ao abrigo da lei antiga devem ser apreciados em conformidade com esta lei.[5]
Resulta, assim, do exposto que a delimitação da matéria de facto que devia ser objecto de decisão do tribunal recorrido era a que resulta desta nova lei processual civil.
O artigo 5.º deste novo diploma, que corresponde com algumas alterações aos artigos 264.º e 664.º do anterior Código, define em sede de matéria de facto o que constitui o ónus de alegação das partes e como se delimitam os poderes de cognição do tribunal.
Assim, nos termos do n.º 1, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
Todavia, o n.º 2 acrescenta que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Resulta desta norma que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade sem limitações.
Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas.
Por outro lado, o juiz só pode considerar factos instrumentais e, quanto aos factos essenciais, aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado. E isto é assim porque mesmo no novo Código de Processo Civil o objecto do processo continua a ser delimitado pela causa de pedir eleita pela parte [artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, alínea d), 581.º e 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte] e subsistem ainda as limitações à alteração dessa causa de pedir (artigos 260.º, 264.º, 265.º).
A grande diferença em relação ao anterior Código de Processo Civil é que a consideração dos factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos alegados não depende já de requerimento da parte interessada nesse aproveitamento para que ele aconteça, como exigia o artigo 264.º, n.º 3, daquele diploma. Presentemente, o juiz pode considerá-los mesmo oficiosamente, sem requerimento de nenhuma das partes, bastando que a parte tenha tido a possibilidade de se pronunciar sobre tais factos.
Importa notar, porém, que este entendimento não é unânime, havendo quem propugne que o juiz não pode oficiosamente considerar tais factos.
Como refere Lebre de Freitas[6] “Os factos que completem ou concretizem a causa de pedir ou as excepções deficientemente alegadas podem também ser introduzidos no processo quando resultem da instrução da causa; mas, neste caso, basta à parte a quem são favoráveis declarar que quer deles aproveitar-se, assim observando o ónus da alegação. A necessidade desta declaração, decorrente do princípio do dispositivo estava expressa no anterior art. 264-3 ("desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório") e está implícita na formulação do actual art. 5-2-b ("desde que sobre eles [as partes] tenham tido a possibilidade de se pronunciar"): a pronúncia das partes, ou de uma delas (normalmente a que é onerada com a alegação do facto: "a parte interessada"), terá de ser positiva (no sentido da introdução do facto no processo), pois de outro modo seria violado o princípio do dispositivo, em desarmonia com a norma paralela do art. 590-4. A alteração de redacção tem apenas o significado objectivo de frisar que a alegação pode provir de qualquer das partes, atendendo a que o facto em causa não altera nem amplia a causa de pedir (como o do art. 265-1) ou uma excepção, apenas completando ou concretizando uma causa de pedir ou uma excepção já identificada”.[7]
Por nossa parte inclinamo-nos para a consideração oficiosa de tais factos que surjam durante a instrução da causa. É claro que, essa consideração oficiosa, não pode ser feita sem que as partes se pronunciem sobre ela, ou seja, o juiz, ante a possibilidade de tomar em consideração tais factos, tem que alertar as partes sobre essa sua intenção operando o exercício do contraditório e dando-lhe a possibilidade de arrolar novos meios de prova sobre eles.
É que, se assim não for, não vemos porque é que o legislador não manteve, sobre este aspecto, a redacção do artigo 264.º, nº 3 do anterior CPCivil, isto é, fazendo depender a tomada de consideração desses factos de requerimento da parte interessada, sendo que, mesmo nesse normativo a distinção entre o conhecimento oficioso e não oficioso era feita entre factos instrumentais e factos complementares ou concretizadores, ou seja, no artigo 5º do novo CPCivil o legislador considerou o conhecimento oficioso em relação a ambos, introduzindo apenas a nuance, quantos a estes últimos, da possibilidade de as partes sobre eles se pronunciarem.
Portanto, querendo limitar o conhecimento daqueles factos à manifestação de vontade da parte interessada, o legislador tinha-se limitado a decalcar o regime anterior, pelo que, não o tendo feito, o seu propósito foi mesmo alterar o regime do seu conhecimento.
Isto dito, evidentemente que, não tendo o Sr. juiz do processo feito uso desta possibilidade, teria de ter sido a parte, em momento oportuno, a impetrar requerimento com vista a que tais factos fossem considerados pelo tribunal.
Ora, não o tendo feito, esta Relação não pode, em princípio, substituir-se à 1.ª instância e valorar já em termos definitivos a prova produzida quanto aos novos factos, ampliando em 2.ª instância a matéria de facto sem que previamente, em fase de audiência de julgamento, as partes estejam alertadas para essa possibilidade e lhes seja facultado produzir toda a prova que entenderem.
Acontece que, no caso concreto, existe uma nuance que, em nosso entender, permite que esta Relação dê tais factos como assentes nos autos, valorando definitivamente a prova produzida.
Efectivamente, os factos em causa além de terem resultado da instrução da causa e terem sido referidos por algumas das testemunhas arroladas, foram também confessados pelos Réus no âmbito do seu depoimento de parte, factos evidentemente que lhe são desfavoráveis.
Portanto, estamos perante factos que os Réus confessaram e daí que nos termos do artigo 607.º nº 4 do CPCivil aplicável ao acórdão deste tribunal ex vi artigo 663.º, nº 1 do mesmo diploma legal tais factos tenha de ser considerados provados.
Na verdade, trata-se de factos concretizadores da factualidade que constava do quesito 16º.
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Destarte, aos factos supra referidos a nível de fundamentação nos termos atrás transcritos, adiciona-se também o seguinte:
39º)- Após a celebração da escritura pública referente à venda do imóvel a Autora executou no mesmo um corrimão de escada em inox e um móvel da casa de banho.
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Com a alteração factual supra descrita cumpre agora apreciar:

b)- se o tribunal recorrido fez a correcta subsunção jurídica do factos.

Ora, neste segmento importa dizer, salvo o devido respeito, que as alegações recursórias nos surgem pouca claras e confusas.
Na verdade, dúvidas não existem de que o preço acordado para a venda da moradia que a Autora fez aos Réus foi de € 120.000,00 e que, desse preço, estes apenas pagaram à Autora apelante a quantia de € 95.000,00.
Decorre também da factualidade dada como provada que, aquando da celebração do contrato de contrato de compra e venda, as partes subscreveram um documento em que, de forma a caucionar algumas das obras que faltavam realizar no prédio vendido, acordaram que os Réus retinham a quantia de € 25.000,00.
Trata-se, sem margem para qualquer dúvida, de uma verdadeira declaração negocial cujo conteúdo as partes modelaram dentro da liberdade contratual estatuída no artigo 405.º, nº 1 do CCivil e, por assim ser, não se percebe o alegado pela recorrente quando questiona a que contrato o tribunal recorrido se refere quando afirma que ele não foi cumprido.
Com efeito, tratando-se de uma declaração negocial ela deveria ser pontualmente cumprido tal como o impõe o artigo 406.º, nº 1 do CCivil.
E, o cumprimento desse acordo de vontades passava, no que dizia respeito à apelante, em concluir os acabamentos na moradia que havia vendido aos Réus, ficando estes por sua vez adstritos, logo que isso acontecesse, a efectuar o pagamento da quantia de € 25.000,00 que tinha ficado retida.
E, tendo a Autora lançado mão da presente acção de condenação, sobre ela recaía o ónus de alegar os factos constitutivos do seu direito nos termos estatuídos no artigo 342.º, nº 1 do CCivil, isto é, alegar e provar que havia executado, na moradia dos Réus, os trabalhos de acabamentos que ainda não tinham sido realizados aquando da celebração da escritura e descrito em 17º dos factos provados.
Não era, ao contrário, do que alega a apelante, aos Réus recorridos que incumbia provar que tinham sido eles, através da sua adjudicação a terceira pessoa, a executar tais trabalhos, estes não tinham que provar qualquer facto, pois que, como resulta da sua contestação não foi deduzida qualquer excepção nem formulado pedido reconvencional.
Os Réus, se assim o entendessem podiam era fazer a contra prova (coisa distinta da prova do contrário) dos factos alegados pela Autora apelante, no sentido de provocar a dúvida no espírito do julgador, com implicância a nível probatório e consequentemente na decisão da matéria de facto.
Isto dito, não se percebe, pois, o alegado pela apelante quando afirma: “Como se demonstrou, os Réus não provaram, como lhe competia que pagaram as obras que alegaram ter feito”.
Como já se assinalou, os Réus não tinham que provar quaisquer factos, face ao termos em que contestaram.
A apelante, para a sua pretensão ser procedente, é que tinha que provar que realizou os trabalhos em falta (descritos em 17º dos factos provados) e que os Réus, apesar de solicitado, ainda não havia cumprido a sua prestação, ou seja, o pagamento do valor devido.
Acontece que, a apelante apenas provou, face à alteração da matéria factual nos termos sobreditos, que após a celebração da escritura pública referente à venda do imóvel, executou no mesmo um corrimão de escada em inox e um móvel da casa de banho, ou seja, não provou que executou todos os trabalhos de acabamentos que ainda estavam em falta naquela data.
Ora, não tendo feito tal prova, evidentemente que os Réus não podem ser compelidos ao cumprimento da totalidade da sua prestação e que se traduzia, in casu, no pagamento da quantia de € 25.000,00.
E, para estes efeitos, não pode ser chamado à colação o instituto do enriquecimento se causa como pretende a apelante.
Dispõe o n.º 1 do art.º 473.º do CC que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
E o n.º 2 do mesmo preceito refere que “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
Para além disso, o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, com aplicação apenas quando a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser ressarcido, conforme resulta do art.º 474.º do CC.
São, assim, requisitos deste instituto: o enriquecimento, o empobrecimento, o nexo causal entre um e outro e a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada.
Ora, no caso em apreço, o fundamento da acção intentada pela apelante estriba-se num acordo negocial em que os Réus lhe pagariam o valor dos trabalhos em falta quando executados e, portanto, provada a realização dos trabalhos por parte da apelante, não havia que lançar mão do citado instituto para aquela obter o pagamento, o respectivo fundamento estava no não cumprimento do acordo firmado por parte dos Réus.
Todavia, com o já se referiu, a apelante não provou que havia realizado na totalidade os trabalhos em falta.
Decorre, assim, do exposto que os Réus terão apenas que suportar o pagamento do valor dos trabalhos que, efectivamente, a apelante realizou na moradia após a celebração da escritura pública da venda do imóvel, isto é, o valor referente à execução de um corrimão em inox e a colocação de móvel na cada de banho.
Como se evidencia, os autos não fornecem elementos que nos permitam fixar qual o custo das obras assim executadas.
Ora, no art. 609.º, n.º 2 do CPC, dispõe-se que, “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Assiste, assim à apelante o direito de proceder à liquidação do respectivo crédito de que é titular perante os Réus, a qual deverá ser levada a cabo nos termos do art. 358.º, n.º 2 do CPCivil.
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Destarte, procedem, em parte, as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta parcialmente procedente por provada e, consequentemente, alterando-se a decisão recorrida condenam-se os Réus a pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar no respectivo incidente, referente à execução na moradia destes de um corrimão em aço inox e colocação de um móvel na casa de banho.
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Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 15 de Setembro de 2014.
Manuel Domingos Alves Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
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[1] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[2] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[3] O depoimento de parte é o meio processual adequado para provocar a confissão judicial, cfr. Prof. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", ed. de 1976, pág. 246, e Cons. Rodrigues Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", Vol. III pág. 117).
A confissão consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, cfr. artigo 352º do C. Civil e autores e obras citadas, respectivamente a fls. 239 e 240, e a fls. 115.
[4] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora in Manual de Processo Civil, 2ª Almedina, pág. 49.
[5] Antunes Varela, ob. citada pág. 54.
[6] A acção declarativa, pág. 141, nota 2 , págs. 165/166, nota 38 da págs. 168/169, nota 57 da pág.175.
[7] Contra, esta posição veja-se Maria José Capelo, na anotação a um ac. do TRC, feita na RLJ 143, Março-Abril de 2014, pág. 294, considerando que “os factos complementares ou concretizadores podem ser carreados para a causa por iniciativa judicial, seja qual for a vontade da parte (a quem o facto aproveita).”, embora tenha, de factos complementares ou concretizadores, uma ideia diferente da de Lebre de Freitas (como se vê na 2ª coluna da pág. 296 da anotação: [os factos complementares ou concretizadores e]mbora necessários para a procedência da causa nascem apenas no processo (não na hipótese legal), limitando-se, por conseguinte, a concretizar ou completar os factos que sustentam a relação material controvertida. […]” e ainda o acórdão desta Relação de 29/05/2014 in www.dgsi.pt.