Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
268/19.9T8PVZ.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
DECISÃO DE MÉRITO
CASO JULGADO FORMAL
Nº do Documento: RP20200423268/19.9T8PVZ.P2
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com o disposto no art.º 732.º n.º 5 do Código de Processo Civil só quando nos embargos tenha sido proferida decisão de mérito transitada em julgado é que fica inviabilizada a possibilidade de as partes discutirem numa outra acção a existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, quanto aos fundamentos ali invocados, pois só nesse caso é que o tribunal se pronuncia e regula a decisão material controvertida.
II - Tendo a executada deduzido oportunamente oposição à execução, mas extinguindo-se a oposição por decisão de indeferimento liminar proferida nos embargos de executado fundamentada na extemporaneidade da oposição, tal decisão formou apenas caso julgado formal restrito ao processo da oposição.
III - Deste modo, tendo a execução prosseguido, nada impede, seja em termos de preclusão seja em termos de caso julgado, que o executado renove a discussão que visou travar na oposição, através de acção onde visa a restituição do enriquecimento sem causa do exequente.”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2020:268/19.9T8PVZ.P2
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
B…, residente na Avenida …, n.º …, …, …. - … Vila do Conde instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra C…, S.A., com sede na Rua …, nº .., …, …. - … Amadora onde concluiu pedindo:
- seja reconhecido que a Ré recebeu, sem causa justificativa, quantias nos autos de processo n.º 1603/07.8TBVCD, enriquecendo à custa do empobrecimento da Autora;
- seja a Ré condenada a devolver à Autora todas as quantias penhoradas no âmbito do mencionado processo;
- seja a Ré condenada a devolver à Autora toda e qualquer quantia que ainda venha a receber decorrente de penhoras que possam ser realizadas no âmbito do referido processo;
- seja ordenada a remoção da Autora da lista pública de execuções em que foi colocada em consequência do mencionado processo.
Alegou, em síntese, que a ré requereu uma execução contra a autora, no âmbito da qual, tendo a aqui autora deduzido embargos do executado, os mesmos foram indeferidos, por terem sido deduzidos fora do prazo legal, vindo-lhe a ser penhorado o saldo do depósito bancário com o que foi dado pagamento à aqui ré.
Mais invocou que não celebrou com a ré o contrato que esteve origem na dívida em causa na referida execução, sustentando, por isso, estarem preenchidos os pressupostos do enriquecimento sem causa.
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Citada a ré contestou.
Defendeu-se por excepção, invocando a excepção do caso julgado, e por impugnação, alegando, em suma, a causa da quantia exequenda.
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Em 18.05.2019 a Sr.ª Juiz a quo proferiu despacho saneador sentença que julgou verificada a excepção de caso julgado e absolveu a ré da instância.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente B… interpôs recurso de apelação.
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Por decisão singular proferida por este Tribunal da Relação do Porto, em 16.01.2019, foi decidido anular a decisão proferida na 1ª instância, por forma a que seja proferida nova decisão com a devida enunciação dos factos provados.
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Foi proferido pela Sr.ª Juiz a quo novo despacho saneador sentença que julgou verificada a excepção de caso julgado e absolveu a ré da instância.
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Não se conformando com o assim decidido, recorreu a autora B…, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

I) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Juiz 3 do Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim que julgou improcedente a acção interposta pela ora Apelante contra a Ré C…, S.A.

II) A Apelante não pode concordar com a decisão proferida, uma vez que, no caso em apreço, jamais poderia julgar-se procedente a excepção de caso julgado.

III) O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.

IV) A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artº 497º, nºs 1 e 2 do C.P.C.).

V) A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.

VI) A excepção do caso julgado impõe a verificação da tríplice identidade a que alude o artº 498º do C.P.C.: identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir.

VII) Porém, tem-se entendido que a autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação daquela tríplice identidade, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.

VIII) E, como se refere no Ac. do STJ de 12.07.2011, processo n.º 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt., a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.

IX) No caso em apreço, o tribunal que recebeu os embargos apresentados pela ora Apelante no processo de execução n.º 1603/07.8TBVCD - Juiz 9 do Juízo de Execução do Porto - não apreciou o mérito da questão, uma vez que julgou extemporâneos os embargos.

X) Inexiste, por isso, caso julgado.

XI) Assim sendo, não se formando caso julgado material no processo executivo, é admissível a acção de restituição do indevido, fundada no enriquecimento sem causa.

XII) Neste mesmo sentido, pode ler-se no Ac. Tribunal da Relação do Porto, de 06/02/2007, processo 0720269:
I - O decurso de prazos processuais para a prática da oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que essa preclusão produz efeitos fora do mesmo.
II - A não dedução de oposição à execução, no prazo oportunamente assinalado ao executado, não o impede de propor acção declarativa que vise a repetição do indevido.

XIII) É claro que esta interpretação não assume o paradigma da eficácia e da celeridade dos meios judiciais, dificilmente compatível com a duplicação de meios de impugnação ao serviço do executado. Todavia, ela enfrenta o problema da conclusão e da harmonia do sistema jurídico, a natureza e os fins das acções executiva e declarativa, constatando que não existe norma, expressa ou implícita, que imponha a preclusão do direito de invocar a repetição do indevido.

XIV) É, por isso, evidente, que o Tribunal a quo julgou, de forma incorrecta, a nosso ver, a procedência da excepção de caso julgado por preclusão e, em consequência, foi julgada a acção improcedente.

XV) Razão pela qual se requer a revogação de tal decisão e a prolação de nova decisão que, julgando a excepção de caso julgado improcedente, determine o prosseguimento dos autos com vista à realização das diligências subsequentes que se julguem adequadas ao correto desenvolvimento do processo.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Fundamentação de facto
2.1 Factos provados
Vem provado o seguinte (mantém-se a identificação e a redacção da 1ª instância):
1. A ré requereu contra a autora a acção executiva, que correu termos com o n.º 1603/07.8TBVCD, para pagamento da quantia de 6.066,52€.
2. A aqui autora foi aí citada e deduziu embargos do executado que foram indeferidos por deduzidos fora de prazo.
3. A autora vem nestes autos propor contra a ré uma acção, com fundamento em enriquecimento sem causa, repetindo os fundamentos de defesa invocados nos embargos do executado.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do presente recurso é apenas a de saber se a circunstância de ter sido liminarmente indeferida por extemporânea a oposição à execução deduzida pela Apelante constitui ou não impedimento ao prosseguimento da presente acção, por verificação de caso julgado.
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4. Conhecendo do mérito do recurso:
A questão de direito suscitada no recurso, interposto pela recorrente, consiste em saber se o caso julgado formado pela decisão de indeferimento liminar por extemporaneidade proferida no processo de oposição à execução/embargos impede o prosseguimento destes autos.
Alega a Recorrente que não pode falar-se na existência de caso julgado material pelo facto de não ter existido qualquer decisão judicial que tenha apreciado a relação material controvertida, invocando ainda a falta de identidade de pedidos e da causa de pedir entre as duas acções, já que a presente acção encontra o seu fundamento no enriquecimento sem causa.
A decisão recorrida entendeu que o presente litígio já foi objecto de decisão judicial transitada em julgado no âmbito do processo executivo onde a Apelante deduziu oposição que foi liminarmente indeferida, por intempestiva, não podendo agora pretender pôr em causa o sentido e alcance da decisão daquele tribunal “onde deixou precludir todos os prazos de defesa que a lei lhe confere.”

Vejamos, então.
Nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea i) do Código de Processo Civil, o caso julgado constituiu uma excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois da primeira ter já sido decidida por sentença sem possibilidade de recurso ordinário, e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 497.º do Código de Processo Civil).
Para que se verifique a excepção de caso julgado é necessário (cf. artigo 581.º do Código de Processo Civil):
- identidade de sujeitos (quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica);
- identidade de pedido (quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico);
- identidade de causa de pedir (quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico)
Por sua vez, caso a acção tenha vários pedidos ou causas de pedir, a excepção pode verificar-se apenas quanto a algum ou alguns dos pedidos ou causas de pedir que tenham já sido objecto de apreciação judicial (cf. Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, págs. 320 e ss.).
Ora, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.11.2013, proferido no processo n.º 106/11.0TBCPV.P1.S1, in wwwdgsi.pt, e constitui enquadramento teórico consensual “o caso julgado tem, (…), como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e exerce duas funções: (i) uma função positiva e (ii) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal. Visando tal excepção, assim, evitar que o tribunal contrarie na decisão posterior o que decidiu na primeira ou a repita; a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de repetição. O que vale por dizer que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável (efeito processual do caso julgado) em razão do que o tribunal não pode voltar a pronunciar-se sobre o decidido (excepção do caso julgado) e fica vinculado ao respectivo conteúdo (autoridade do caso julgado) (...). Sendo certo que a autoridade de caso julgado e a excepção de caso julgado não são duas figuras distintas, mas antes duas faces da mesma figura - consistindo o facto jurídico "caso julgado" em existir uma sentença (um despacho) com trânsito sobre determinada matéria (...). E, caso se encontrem preenchidos os pressupostos do caso julgado, pode distinguir-se entre o caso julgado formal, externo ou de simples preclusão e o caso julgado material ou interno. Consistindo o primeiro (art. 672.º) em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, nada obstando, porém, em que a matéria da decisão seja diversamente apreciada noutro processo, pelo mesmo ou por outro Tribunal. Correspondendo o mesmo às decisões que versam apenas sobre a relação processual, não provendo sobre os bens litigados. Consistindo o segundo (art. 671.º), geralmente designado como caso julgado "res judicata", em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os Tribunais (e até a quaisquer outras autoridades), quando lhes seja submetida a mesma relação. Todos têm de a acatar, de modo absoluto, julgando em conformidade, sem nova discussão. Competindo o mesmo às decisões que versam sobre o fundo da causa, sobre os bens discutidos no processo, definindo a relação ou situação jurídica deduzida e discutida em Juízo (...). Quando constitui uma decisão de mérito (decisão sobre a relação material controvertida) a sentença produz, também fora do processo, efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se nos planos substantivo e processual, distinguindo-se, neste, como atrás aflorado, o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado) (...). Enquanto excepção, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa idêntica, repetindo-se a mesma quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (arts. 497.º, n.º 1, e 498.º, n.º 1): (i) há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; (ii) há entidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e (iii) identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico - arts. 497.º, n.º 1, e 498.º, do CPC.”.
Ou seja, a excepção do caso julgado tem como fundamento teleológico impedir que os tribunais se vejam obrigados a decidir novamente a mesma questão. Esse objectivo tem como preocupações subjacentes assegurar a paz jurídica dos cidadãos, que passam a poder confiar que o trânsito em julgado da decisão sobre um determinado conflito o resolve em definitivo e não terão a necessidade de demandarem ou se defenderem de novo a propósito do mesmo conflito jurídico, evitar a prolação de decisões divergentes e o risco que isso representa para a imagem da justiça e para a clareza dos comandos jurisdicionais a que se deve obediência, e, finalmente, obstar ao desperdício de meios que a repetição de procedimentos jurisdicionais para decidir a mesma questão implicaria desnecessariamente.
Tratando-se de um bloqueio ao direito de acesso aos tribunais e de um impedimento à suscitação de solução para uma controvérsia jurídica que as partes podem manter latente e cujos pontos de vista podem divergir ou evoluir, esta excepção tem naturalmente contornos rigorosos que se reconduzem ao requisito da chamada tripla identidade: para que estejamos perante a mesma questão jurídica é necessário que haja identidade de partes, de causas de pedir e de pedidos.
Dúvidas não restam que, no caso, não se verifica a excepção do caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.º. 581.º, do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir).
Todavia, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.
Assim, segundo Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, 2ª ed., pág. 354, «A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida».
Por seu turno, Teixeira de Sousa, in O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, 325º-178, escreve que « … o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente».
Na jurisprudência, pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/12/07, disponível in www.dgsi.pt (todos os demais acórdãos que forem citados estão disponíveis no mesmo lugar), em cujo sumário se pode ler:
«A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o art.498º do CPC (…), a autoridade de caso julgado da sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão» (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 6/3/2008, de 23/11/2011 e de 21/3/2013).
Do sumário deste último Acórdão consta o seguinte:
«Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto de decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta».
Por outro lado, tem-se entendido, como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/7/2011, que:
«A expressão “limites e termos em que julga”, constante do art.673º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ela define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção».
E que, como se diz no mesmo sumário:
« … a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado».
Acrescentando-se, naquele sumário, que:
«Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força probatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da condenação firmada» (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/11/2011 e de 22/9/2016).
Por conseguinte, o que releva, no caso dos autos, não é a excepção do caso julgado, mas sim a autoridade do caso julgado inerente à sentença, efeito esse que visa preservar o prestígio dos tribunais e a certeza ou segurança jurídica, evitando a instabilidade das relações jurídicas.
Na verdade, como refere Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 306, «Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença».
Conforme já referimos a questão que se põe, no caso vertente, é apenas a de saber se a circunstância de ter sido liminarmente indeferida por extemporânea a oposição à execução deduzida pela Apelante constitui ou não impedimento ao prosseguimento da presente acção, por verificação de caso julgado.
A este respeito, diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2016 no proc. 80954/14.6YIPRT.P1 que subscrevemos como adjunto, disponível em www.dgsi.pt: “Este requisito encontra-se obviamente moldado para a situação comum que é a de a excepção se colocar entre uma acção declarativa já decidida e uma acção declarativa que se pretende instaurar, ou seja, os elementos que devem ser idênticos são elementos característicos das acções declarativas, nas quais se formula a pretensão de uma concreta tutela jurisdicional correspondente à forma como se pretende fazer valer um determinado direito (declarando a sua existência, condenando o réu na prestação que corresponde ao direito ou introduzindo na ordem jurídica a mudança que o direito implica), ancorando esse direito num fundamento específico traduzido em factos jurídicos concretos que delimitam o objecto da decisão do tribunal. (…) A oposição à execução é um incidente declarativo enxertado numa acção executiva. A acção executiva não visa discutir e decidir o direito, mas apenas obter a execução coerciva de uma prestação que se encontra titulada num documento a que a lei, em função das respectivas qualidades e características, conferiu a faculdade do acesso à acção executiva. Também a oposição à execução tem como finalidade exclusiva obstar à execução coerciva, através da dedução de fundamentos de natureza processual – relativos à instância executiva - ou substantiva - relativos ao direito propriamente dito – que tenham a virtualidade de impedir, modificar ou extinguir a instância processual (executiva) ou o direito (em execução).
Para a questão que agora nos interessa apreciar importa ter em conta o disposto no art.º 732.º, n.º 5, do Código de Processo Civil que, reportando-se especificamente ao procedimento de oposição à execução, estabelece:
“5- Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.”
Esta norma, introduzida pelo novo Código de Processo Civil, pretendeu pôr fim à controvérsia que existia no âmbito do regime anterior, discussão em que não importa agora entrar, e que se manifestava tanto na doutrina como na jurisprudência, a propósito dos efeitos e do alcance da decisão proferida nos embargos de executado fora daquele processo.
O legislador vem agora expressamente estabelecer que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
O caso julgado em qualquer uma das suas dimensões, pressupõe a existência de uma decisão judicial anterior transitada em julgado.
No caso em presença, o despacho saneador sentença recorrido fundamenta a existência de caso julgado na decisão judicial que foi proferida no âmbito da oposição à execução apresentada pelo ora Apelante, referindo que: “o litígio já foi objecto de decisão judicial transitada em julgado ao abrigo de um processo executivo.”.
Pressupondo a excepção do caso julgado a verificação da identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, constatamos que, no caso, com referência ao processo executivo/oposição e à presente acção declarativa, só existe a identidade de sujeitos, sendo pacífica a consideração de diferentes pedidos nas duas acções em causa e não havendo também total identidade de causa de pedir que nestes autos se fundamenta no enriquecimento sem causa e nos alegados danos causados pela Ré/apelada, o que não nos permite concluir por uma verificação dos pressupostos da excepção do caso julgado, nos termos definidos no art.º 581.º do Código de Processo Civil e por uma repetição de acções.
Por outro lado, também não podemos dizer que a sentença proferida no âmbito da oposição apresentada na execução decidiu o litígio na medida em que tal decisão se limitou a indeferir liminarmente a oposição apresentada, por extemporânea, não chegando a entrar na apreciação dos fundamentos da oposição que foram invocados. Não se tratou de uma decisão de mérito que tenha avaliado e que se tenha pronunciado sobre a relação material controvertida, mas antes de uma decisão que se limita a atestar a dedução extemporânea da oposição apresentada, dela retirando as consequência do seu indeferimento liminar nos termos legais, afirmando esse obstáculo ao prosseguimento da oposição com vista à apreciação dos seus fundamentos, não chegando assim a tomar posição sobre a existência, validade ou exigibilidade da obrigação exequenda.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/02/2019 proferido no processo n.º 11362/18.3T8LSB.L1-6 in www.dgsi.pt “a ratio da excepção da autoridade do caso julgado entronca com a compreensível e necessária imposição de a decisão de determinada questão essencial não poder, uma vez resolvida por decisão judicial insusceptível de impugnação, voltar a ser discutida num processo posterior, isto é, desde que concreta questão essencial foi decisiva para a procedência ou improcedência de uma primeira acção, qualquer outro tribunal em acção subsequente encontra-se obrigado a respeitar a autoridade do julgado com referência à mesma e referida questão, estando-lhe de todo vedado julgá-la em sentido contrário e/ou conflituante , e ainda que a causa de pedir seja diferente.”
Nesta medida e também de acordo com o disposto no art.º 732.º, n.º 5, do Código de Processo Civil só quando uma questão essencial tenha sido resolvida por decisão transitada em julgado, ou seja, quando tenha sido proferida decisão de mérito transitada em julgado nos embargos é que fica inviabilizada a possibilidade de as partes discutirem numa outra acção a existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, quanto aos fundamentos ali invocados, o que se compreende, na medida em que só nesse caso é que o tribunal se pronuncia e regula a decisão material controvertida.
A decisão de indeferimento liminar proferida, fundamentada na extemporaneidade da oposição, não se integra no âmbito da previsão desta norma pelo que não podemos dizer que os efeitos de tal decisão se estendem fora daquele processo e se impõem às partes sem que por elas possa ser questionada a existência ou validade da dívida, designadamente em acção declarativa posterior que venha a ser intentada, como acontece com a presente acção.
Não podemos ficcionar um reconhecimento efectivo do crédito exequendo feito pelo tribunal, ao pronunciar-se pelo indeferimento liminar da oposição à execução apresentada tardiamente, nem falar de uma qualquer situação de caso julgado material ou da autoridade do caso julgado de uma decisão que não é de mérito e que por isso não constitui uma decisão judicial susceptível de estender os seus efeitos a outros processos, nos termos previstos na norma referida.
Conforme tem vindo a ser entendido pela nossa jurisprudência, não se verifica o efeito de preclusão quanto ao direito que a Apelante agora pretende exercer, com fundamento no enriquecimento sem causa, pela circunstância de não ter deduzido oposição tempestiva e válida à execução que contra ele foi intentada - deste entendimento são exemplo os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20/04/2019 no proc. 2842/06.4TBVLG.P1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 30/11/2010 no proc. 50182-D/2000.C1 do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/01/2018 no proc. 1301/12.0TVLSB.L1-1 todos in www.dgsi.pt referindo-se neste último: “a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa.”.
Resta apenas referir que de acordo com a Jurisprudência do Tribunal Constitucional expressa no Acórdão n.º 264/2015 o facto de o devedor não ter deduzido oposição ao requerimento de injunção, assim se formando título executivo, não limita o seu direito de defesa quanto aos fundamentos que lhe seria lícito deduzir em contestação em ação declarativa (cf. ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.09.2019, proferido no processo 9531/17.2T8LSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt que aqui seguimos de perto).
Em conclusão: as questões suscitadas na oposição à execução quanto ao crédito da Exequente não foram objecto da decisão aí proferida que não tomou conhecimento expresso e concretizado das mesmas, pelo que não definiu o direito de crédito da Exequente, aqui apelada face ao ali devedor, de modo a configurar uma decisão que pode estender a sua autoridade de caso julgado à relação material controvertida que se discute nestes autos.
Desta forma, temos para nós como adquirido que a decisão a que nos vimos referindo encerra um conteúdo de ordem processual, limitando a sua eficácia ao processo em que é proferida, não dispondo de eficácia extra processual.
Procede por isso o recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos.
Conclui-se, assim, que, será de revogar a decisão em crise.
Impõe-se, por isso, a procedência da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso interposto, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos.
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Custas a cargo da apelada.
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Notifique.

Porto, 23 de Abril de 2020
Paulo Dias da Silva (Rto 317)
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas)