Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1230/17.1T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL AQUILIANA
INDEMNIZAÇÃO AO LESADO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP202006151230/17.1T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I- É vedado o conhecimento pelo tribunal de recurso de questões novas antes não suscitadas entre as partes, nos termos do artigo 608º n.º 2 do CPC.
II- O dano biológico, enquanto lesão da integridade físico-psíquica encontra a sua compensação tutelada no artigo 25º nº 1 da CRP e no artigo 70º do CC.
III- É pela jurisprudência acolhido o entendimento de que a um reconhecido dano corporal corresponde de acordo com a sua gravidade um crédito indemnizatório, independentemente de este ter tradução direta ou não na perda de rendimentos laborais, porquanto sempre implicará e na medida da sua gravidade uma diminuição das competências sociais e em família e mesmo funcionais de cada indivíduo, com reflexos maiores ou menores dependendo de cada caso, não só na sua inserção social e familiar como na sua capacidade produtiva e de como nestes vários contextos terá o lesado de superar ou suportar as suas limitações com maior esforço e/ou penosidade.
IV- A fixação do valor indemnizatório nestes casos é feita com recurso a critérios de equidade, de acordo com o disposto no artigo 566º nº 3 do CC, para tanto ponderando as circunstâncias do caso concreto.
V- É entendimento jurisprudencial reiterado de que a fixação dos valores indemnizatórios em que se recorre a juízos de equidade, porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deve ser alterada quando se evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.
VI- É conforme aos padrões jurisprudenciais indemnizatórios atribuir a título de dano biológico o montante de € 45.000,00 ao lesado que:
- à data do sinistro era um gerente que andava no terreno e exercia uma atividade com esforço físico, andava por pinhais, conduzia e manobrava máquinas pesadas;
- à data da consolidação médico-legal das sequelas com 45 anos de idade, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos;
- sequelas estas que em termos de repercussão permanente na atividade profissional são incompatíveis com o exercício da atividade profissional de manobrador de máquinas e
- compatíveis com o exercício da atividade de gerente, implicando no exercício da sua atividade esforços suplementares traduzidos em fenómenos álgicos localizados no joelho e tornozelos e que se podem traduzir na maior morosidade na realização das tarefas, na interrupção das mesmas e/ou na toma de medicação analgésica e/ou anti inflamatória.
VII- Nos danos não patrimoniais – aqueles que afetam bens da personalidade, insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária – mais do que uma verdadeira indemnização é antes a reparação do dano que se visa alcançar.
VIII- Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 1230/17.1T8AVR.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Aveiro – Jz. Central Cível de Aveiro
Apelantes/B… e “C…, Companhia de Seguros, S.A.”
Apelados/“C…, Companhia de Seguros, S.A.” e B…

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
B… instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “C…, Companhia de Seguros, S.A.”.
Pela procedência da ação peticionou o A. a condenação da R.:
“I. A pagar ao Autor, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 104.850,17 (cento e quatro mil oitocentos e cinquenta euros e dezassete cêntimos), sem prejuízo de a esse valor ter de ser deduzido o montante que a Ré já pagou ao Autor a título de ITA;
II. A pagar ao Autor as importâncias que se vierem a liquidar em Execução de Sentença pelos danos futuros previsíveis emergentes dos tratamentos, fisioterapia e intervenções cirúrgicas a que ainda tiver de ser submetido, medicação, consultas, deslocações, despesas com os mesmos e consequências definitivas;
III. A pagar os juros, à taxa legal, desde a citação.”
Para tanto e em suma alegou ter sido interveniente num acidente de viação, do qual foi único e exclusivo responsável o condutor do outro veículo interveniente – de matrícula ..-IQ-.., nos termos que descreveu.
Tendo do mesmo sobrevindo para si danos que identificou [danos patrimoniais e não patrimoniais] e quantificou em conformidade com o pedido formulado.
Pelos quais peticiona seja a R. condenada a indemnizá-lo, na qualidade de seguradora para quem a responsabilidade civil emergente da circulação do mencionado veículo “IQ” havia sido transferida.
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Devidamente citada contestou a R., em suma tendo declarado aceitar a responsabilidade na produção do acidente do condutor do veículo seguro de matrícula “IQ”.
Impugnou, porém, os danos identificados e quantificados pelo autor.
Tendo concluído pela parcial procedência da ação, com a redução dos montantes peticionados ao seus justos e adequados valores.

Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, sem reclamação.

Agendada audiência final, procedeu-se à sua realização, após o que foi proferida sentença e decidido:
“Pelo exposto e na parcial procedência da ação decide-se condenar a ré:
a) No pagamento ao autor da indemnização global de € 66.000,00 (sessenta e seis mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da presente sentença, até efetivo e integral pagamento.
b) No valor que vier a resultar da intervenção a que o autor seja submetido para extração do material de osteossíntese, e dos prejuízos materiais e morais daí advenientes, a liquidar em incidente de liquidação, nos termos previstos pelos artigos 565º do C. Civil e 609º, n.º 2 do CPC;
c) No valor que vier a resultar de um agravamento (dano futuro) do défice funcional permanente parcial da integridade físico-psíquica e que atualmente está fixado em 13 pontos, a liquidar em incidente de liquidação, nos termos dos artigos 565º do C. Civil e 609º, n.º 2 do CPC;”
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Do assim decidido apelaram o A. e a R. subordinadamente.

Apelou o A. oferecendo alegações e formulando as seguintes Conclusões:
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Apresentou a R. contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso interposto pelo autor.
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Apelou a R., subordinadamente, oferecendo alegações e formulando as seguintes Conclusões:
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Contra-alegou o A. em suma pugnando pela improcedência do recurso subordinado da R..
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Os recursos foram, ambos, admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram dispensados os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes em ambos os recursos, serem questões a apreciar a correção dos valores indemnizatórios atribuídos ao A. título de dano não patrimonial e dano patrimonial futuro/dano biológico – pugnando o A. pelo seu aumento e a R. inversamente, pela sua redução.
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III- Fundamentação
Foram dados como provados os seguintes factos:
“Factos provados.
1º. No dia 20 de Dezembro de 2014, sensivelmente pelas 23:30horas, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes:
a) O veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-XD, marca Audi, modelo … (conduzido pelo Autor);
b) O veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-IQ-.., marca Scania (veículo de recolha de resíduos) conduzido por D…;
2. O acidente ocorreu na Estrada Nacional n.º., no sentido Sul-Norte, ao Km 242.200, em …, concelho de Águeda.
3. A estrada, no local, configura uma reta, com inclinação ascendente para quem circula no sentido Coimbra-Porto, tem o pavimento asfaltado e em bom estado de conservação,
4.º A via tem 10,10 metros de largura, dispõe de duas faixas de rodagem e dois sentidos de marcha, que se encontram delimitadas por uma dupla linha contínua pintada no pavimento, sendo mista na zona do cruzamento ali existente;
5.º No sentido de marcha Coimbra – Porto existem duas pistas de trânsito, delimitadas entre si por uma linha descontínua.
6.º No local onde ocorreu o acidente, considerando o sentido Coimbra – Porto, desemboca pela direita, a Rua … e pela esquerda a Rua …, formando toda aquela zona um cruzamento de boa visibilidade, inexistindo quaisquer obstáculos nos imediatos 50 e até 100 metros que perturbam ou diminuam a visibilidade.
7.º Do lado direito, atento o mesmo sentido e logo a seguir ao cruzamento com a Rua …, existe um restaurante denominado “E…”. 8.º No topo, quer da Rua … quer da Rua …, encontra-se imediatamente antes da intersecção com a Nacional ., a seguinte sinalização:
- Implantado do lado direito de cada uma das ruas, um sinal vertical de STOP;
- Pintado no pavimento, a palavra STOP, seguida de uma linha de paragem.
9.º A Estrada Nacional ., no local, é uma via com bastante movimento de veículos, a qualquer hora do dia e da noite;
10.º À hora a que o acidente ocorreu era de noite, havendo, contudo, boa visibilidade, em virtude de a via ter iluminação pública. 11.º O piso estava seco e limpo e estava bom tempo.
12.º O veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-XD, era propriedade da sociedade “F…, UNIPESSOAL, S.A (fls. 44-45);
13.º E estava a ser utilizado pelo Autor com conhecimento e autorização daquela sociedade, conduzindo o autor no dia e hora do acidente no seu próprio interesse, dele tendo a direção efetiva.
14.º Nas circunstâncias de tempo e lugar referidos, o autor conduzia o XD, no sentido Coimbra – Porto, pela pista mais à direita, atento o seu sentido de marcha, com o cinto de segurança apertado, as luzes do XD ligadas nos médios e todas as demais luzes em boas condições de funcionamento, atento ao demais trânsito;
15.º Quando assim seguia e se aproximava do cruzamento, surgiu, de repente, na EN., o veículo pesado de matrícula ..-IQ-.., o qual provinha da Rua … e pretendia atravessar a EN. e entrar na Rua …;
16.º O condutor do IQ ao aproximar-se do cruzamento, não reduziu a velocidade a que seguia e não parou perante as indicações de STOP que ali se encontravam, entrando em trajeto perpendicular ao eixo da via, por onde circulava o XD, ocupando rapidamente toda a hemi-faixa de rodagem esquerda (sentido Coimbra – Porto),
17.º Seguindo em frente para a hemi-faixa de rodagem direita (mesmo sentido), nela entrando e chegando a ocupar a pista de trânsito mais à esquerda (das duas que compõem a hemi-faixa de rodagem direita).
18º O Autor ao aperceber-se da entrada do IQ na via em que circulava e por forma a evitar a colisão, guinou para a sua direita (atento o sentido de marcha Coimbra – Porto),
19.º E ao desviar-se perdeu o controlo do veículo que conduzia, saiu da faixa de rodagem, atravessou a berma direita ali existente (considerando o seu sentido de marcha) e passou entre um sinal vertical e um poste de iluminação ali implantados, acabando por embater violentamente e de frente num maciço em betão que na data do sinistro ali existia;
20.º A Ré aceitou a responsabilidade do acidente de viação em causa nos presentes autos e procedeu ao pagamento de diversas quantias ao Autor e à proprietária do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-XD.
21.º Na sequência deste acidente, o Autor foi assistido no local pelos Bombeiros Voluntários … que o transportaram de ambulância de Suporte Imediato de Vida para o Centro Hospitalar do Baixo Vouga, E.P.E, em Aveiro (fls. 46 a 67);
22.º O Autor deu entrada naquele estabelecimento de saúde pelas 00:54 horas, apresentado dor torácica; ferida no joelho direito e na face externa da coxa direita; edema nos tornozelos e exploração de ferida do joelho esquerdo e de fratura da rótula. (fls. 46 a 67)
23.º Foi solicitado um estudo analítico e RX ao crânio, à grade do tórax e aos ossos do nariz, apurando-se que o Autor não tinha sinais de fratura no crânio, tórax e nariz, mas apresentava várias fraturas do joelho esquerdo e dos tornozelos;
24.º Nessa mesma noite, pelas 2:18horas, o Autor foi conduzido para a urgência de ortopedia e ali apresentava:
a) fratura bimaleolar à direita e esquerda;
b) fratura da rótula direita e pratos tibiais à direita;
c) fratura dos pratos tíbiais;
d) fratura da rótula complicada de ferida;
e) fratura do condilo interno;
f) fratura arrancamento trocanter esquerda. (fls. 46 a 67)
25.º Foi-lhe efetuada sutura da ferida do joelho direito e da ferida da coxa e imobilização com tala gessada a nível do tornozelo esquerdo e tala cruropodalica ao nível do membro inferior direito;
26.º O Autor apresentava-se com alguma instabilidade, com bastantes queixas torácicas e, por isso, ficou no balcão da cirurgia;
27.º No dia 21/12/2014, pelas 11:07, ainda no serviço de Urgência de Ortopedia, foi pedido um TAC do joelho e tornozelo do Autor e no mesmo dia foi sujeito a uma intervenção cirúrgica com anestesia geral ao tornozelo esquerdo;
28.º No dia 11 de Janeiro de 2015, o Autor foi sujeito a nova intervenção cirúrgica com anestesia geral à rótula do joelho direito; 29.º Foi-lhe dada alta no dia 16 de Janeiro de 2015 pelo Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar Baixo Vouga, EPE, em Aveiro, com a seguinte informação:
«Doente vítima de acidente de viação de que resultou fratura da tibiotársica esquerda, fratura do astragalo direito, fratura dos pratos da tíbia direita, fratura das espinhas da tíbia e fratura da rótula. Foi operado ao tornozelo e aos pratos da tíbia e rótula do joelho direitos. Fez antibioterapia, anticoagulante e cuidados de penso. Deve manter tala de imobilização do tornozelo e joelho, deve manter penso limpo e seco, retira agrafes após o 15º dia após operatório. Continua tratamento em consulta externa». (fls. 51)
30.º O autor teve alta com instruções para ficar em repouso absoluto, tendo sido transportado de cadeira de rodas.
31.º Na primeira consulta externa de ortopedia no Centro Hospital do Baixo Vouga, em Aveiro, em 16 de Fevereiro de 2015, foi feita a remoção de imobilizações gessadas e realizadas duas incidências ao joelho, ao tornozelo e ao calcâneo;
32.º Quanto à fratura do pólo inferior da rótula, nessa consulta externa foi feita sutura e aplicado cerclage de proteção e à fratura dos pratos da tíbia direita e foi feita osteossíntese com parafusos;
33.º Foi recomendado ao Autor começar com mobilização das articulações sem carga e apresentar-se a consulta dentro de um mês com RX;
34.º Em 30 de Março de 2015, o Autor teve consulta externa de ortopedia, realizando duas incidências ao joelho e ao tornozelo. A fratura do tornozelo estava consolidada, apresentando dificuldade de extensão no joelho direito, com recomendação para intensificar a mobilização do joelho direito;
35.º No dia 28 de Maio de 2015, o Autor compareceu em nova consulta externa realizando duas incidências ao joelho e tornozelo. A fratura do tornozelo direito do Autor estava consolidada e com boa mobilidade, bem como o joelho direito e pratos da tíbia direitos. O tendão rotuliano ainda não estava totalmente consolidado e havia um deficit de extensão;
36.º Foi recomendado a continuação do Autor em fisioterapia;
37.º Em 20 de Julho de 2015, o Autor realizou duas incidências ao tornozelo e ao joelho, no Centro Hospital do Baixo Vouga, EPE, em Aveiro. O autor apresentava melhoras do deficit da extensão do tendão que passou para cinco graus; apresentava boa flexão do joelho de 100 graus e boa mobilidade do tornozelo embora com dores;
38.º Foi-lhe recomendada a continuação de fisioterapia;
39.º Em 5 de Outubro de 2015, o Autor, no Centro Hospitalar do Baixo Vouga, em Aveiro, realizou duas incidências aos tornozelos e ao joelhos. Apresentava boa mobilidade do tornozelo e do joelho e apresentava cerclage da rótula partida e por tal motivo foi feita proposta para “emos de cerclage da rótula”;
40.º Em 5 de Janeiro de 2016, o Autor compareceu em nova consulta externa no Centro Hospitalar do Baixo Vouga, em Aveiro, apresentando-se com mobilidades normais e sem dores e apresentando cerclage tipo Muller partida, mas sem queixas;
41.º Com data de 19-01-2016, pelo médico assistente do autor foi defendido o entendimento segundo o qual, naquela data era prematuro fazer extração de material de osteossíntese e o mesmo devia aguardar 18 meses (fls. 64);
42.º Em 29 de Fevereiro de 2016, o Autor fez análises clínicas e ainda um ECG simples de 12 variações;
43.º Em 21 de Março de 2016, o Autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica na especialidade de ortopedia, com anestesia geral, em relação ao qual foi elaborado o relatório cirúrgico constante de fls. 56, do seguinte teor:
“Status pós-#da rotula direita
Emos parafuso e cerclage
Sem intercorrências
Cuidados de penso de 3 em 3 dias
Retira pontos aos 12-15 dias
Analgesia segundo prescrição
Cuidados com esforços até retirar pontos
Consulta Dr. J… dentro de 4 semanas”
44.º Em 19 de Abril de 2016, o Autor em consulta externa fez duas incidências ao joelho e fez emos do joelho direito e emos da cerclage, com a indicação de voltar à consulta dentro de seis meses, (fls. 66)
45.º No dia 5 de Julho de 2016, o Autor recorreu a nova consulta externa no Hospital do Baixo Vouga, em Aveiro, com queixas com características de hérnia discal, tendo feito TAC e em 19 de Julho de 2016, o Autor regressou à consulta externa no mesmo estabelecimento de saúde apresentando hérnia discal L – S1, fez RM e EMG e no dia 4 de Outubro de 2016, o Autor teve nova consulta externa no mesmo estabelecimento de saúde apresentando hérnia discal L5 –S1 (fls. 66);
46.º No dia 25 de Outubro de 2016, o autor mantinha 3 parafusos na metáfise tibial direita e placa no peroneo distal esquerda e parafuso maleolo interno esquerdo, para futura extração;
47.º Extração essa que até à presente data não foi levada a cabo.
48.º O Autor fez consultas de fisiatria e ainda sessões de fisioterapia na G…, LDA., em Águeda, que foram pagas pela ré.
49.º Em 23/11/2016 o Autor teve alta dos serviços médicos da Ré;
50.º O autor ainda não está totalmente recuperado necessitando de ser submetido a nova intervenção com anestesia geral para retirada do material de osteossíntese;
51.º Como consequência do acidente e lesões sofridas, o autor sente dores permanentes e fortes nos membros inferiores, onde sofreu os traumatismos;
52.º O Autor mantém os parafusos na canela direita e parafusos e placa de titânio no joelho e tornozelo esquerdos e espera pela realização de novas intervenções cirúrgicas;
53.º Por força das dores que sente toma analgésicos;
54º O Autor não consegue carregar coisas muito pesadas e efetuar esforços mais acentuados; não consegue permanecer muito tempo de pé; tem dificuldades em descer e subir escadas, não consegue colocar-se de joelhos;
55.º Os materiais operatórios colocados em ambos os joelhos do Autor fazem com que o mesmo, por vezes, os sinta, o que lhe causa dores.
56.º Das lesões e sequelas sofridas resultaram para o autor cicatrizes:
- No membro inferior direito: cicatriz rosada no 1/3 proximal da face lateral da coxa, curvilínea, de concavidade anterior, medindo cerca de 12cmx1,5 cm de maior largura; cicatriz rosada estendendo-se do 1/3 distal da face anterior da coxa proximal da perna, medindo 18 cm de comprimento a qual é intersectada por outras de características idênticas, disposta transversalmente, cruzando a face anterior do joelho a qual se estende desde a face anterolateral da perna à face medial do joelho, medindo 19cm der cumprimento. Vestígios de cicatrizes de coloração acastanhada na perna com uma área de 7cmx4cm;
- No membro inferior esquerdo: duas cicatrizes rosada medindo 5cm e 9cm;
57º: Ao nível da mobilidade apresenta as seguintes sequelas relacionadas com o acidente:
- Membro inferior direito: Joelho seco, rótula pouco móvel, crepitação à flexão/extensão do joelho, défice de extensão do joelho de 10%, flexão limitada a 110º (contralateral 140º), insuficiência do quadricipital, amiotrofia da coxa de 2cm (medida do polo superior da rótula); limitação do tornozelo direito dorsiflexão de 10º e flexão plantar de 30º; mobilidades da subastragalina: limitação ligeira/moderada da inversão e eversão;
- Membro inferior esquerdo: sem instabilidade ligamentar aparente do tornozelo; limitação das mobilidades do tornozelo com dorsiflexão de 10º e flexão plantar de 40º;
58.º E:
- Rigidez do Joelho direito, com défice de extensão de 10º e flexão de 110º;
- Rigidez do tornozelo direito com dorsiflexão de 10º e flexão plantar de 30º;
- Rigidez do tornozelo esquerdo com dorsiflexão de 10º e flexão plantar de 40º;
59.º A consolidação médico legal das lesões é de 19-01-2016 (fls. 184);
60.º O Autor esteve incapacitado com défice funcional temporário total de 100 dias, a que acrescerá um período de 7 dias para a extração de material de osteossíntese;
61.ºEsteve com um défice funcional temporário parcial de 295 dias, a que acrescerá um período de 14 dias para a extração de material de osteossíntese;
62.º O período de repercussão temporária na atividade profissional total foi de 395 dias, desde a data do acidente, a que acrescerá um período de 21 dias para a extração de material de osteossíntese;
63.º Apresenta um “quantum doloris” no grau 5 (5/7);
64.º O défice funcional permanente da atividade físico-psíquica é de fixar em 13 pontos, sendo de prever o agravamento da situação, um dano futuro, considerando a previsibilidade de agravamento das sequelas de que o autor ficou a padecer, por corresponder à evolução (em termos médicos) lógica, habitual e inexorável do quadro clínico.
65.º À data do acidente o autor exercia as funções de gerente da empresa mencionada em 67º;
66.º Era um gerente que andava no terreno e exercia uma atividade com esforço físico, andava por pinhais, conduzia e manobrava máquinas pesadas.
67.º À data do acidente, o Autor era sócio-gerente da sociedade H…, LDA., com sede na Rua …, S/N, …, …. …, (fls. 77 e 210 a 213)
68.º Auferindo o salário mensal de € 505,00, que era o salário mínimo nacional à data (fls. 77);
69.º O autor atualmente não trabalha;
70.º As sequelas físicas de que o autor ficou a padecer são incompatíveis com o exercício de um atividade profissional como manobrador de máquinas, sendo compatíveis com o exercício da atividade do autor como gerente, à custa de esforços suplementares, considerando que a direção de pessoas nas obras implica a permanência em posição estática e a marcha em terreno irregular. Estes esforços acrescidos, traduzem-se pelos fenómenos álgicos localizados ao joelho e tornozelos, que podem traduzir-se na maior morosidade na realização das tarefas, na interrupção das mesmas e/ou na toma de medicação analgésica e/ou anti inflamatória;
71º. O dano estético é de ficar no grau 4 (4/7);
72º As sequelas de que o autor ficou a padecer repercutem-se permanentemente nas atividades desportivas e de lazer, fixável num grau 5 (5/7);
73.º À data do acidente era um homem robusto, saudável, trabalhador, alegre, jovial, inserido e reconhecido na comunidade;
74.º Tinha 44 anos de idade, pois que nasceu a 16.04.1970 (fls. 73) 75.º É agora é um homem abatido, taciturno, que se furta ao convívio social que sempre prezou, sente-se desmotivado complexado, deixou de jogar futebol ao fim de semana com os amigos – o que muito o entristece;
76º. A ré procedeu ao pagamento dos salários do Autor entre a data do acidente e Junho de 2016;
77.º O veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-IQ-.. causador do acidente, era conduzido por D… e era propriedade da empresa I…, S.A, com sede na Rua …, ….-… Coimbra, que dele tinha a direção efetiva, circulando com o seu conhecimento e autorização, no seu interesse direto,
78.º A responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do dito veículo encontrava-se transferida para a Ré Seguradora, por contrato de seguro, através da apólice nº. ………;
79.º Até Agosto de 2016 a ré pagou ao autor, a título de perda temporária de rendimentos, o valor de € 10.795,76 (aceite por acordo em ata)
80º: O autor recebeu no período compreendido entre 21 de Dezembro de 2014 a 29 de Agosto de 2015, a título de subsídio por doença, da Segurança Social, os valores descriminados nos documentos de fls. 205 e 206, que aqui se dão por reproduzidos;”
*
O tribunal a quo declarou ainda como não provada a seguinte factualidade:
Factos não provados:
Petição Inicial:
88º: na parte relativa a: “Com queixas dolorosas com características de hérnia discal a qual apareceu em virtude do acidente em discussão nos presentes autos”
99º: na parte relativa a: “(…) e outra intervenção cirúrgica devida à hérnia discal que lhe surgiu em virtude do acidente de viação de 21-12-2014”;
101º a 104ª provado apenas o que consta do artigo 51º dos factos provados;
107º: provado apenas o que consta do artigo 53º dos factos provados
109.º a 113º: provado apenas o que consta dos artigos 57º e 58º dos factos provados;
117.º
121.º
122.º E que se acentuam sempre que há alterações climatéricas,
127: provado o que consta do artigo 62º dos factos provados;
128º e 129º;
130º a 132º provado apenas que o autor atualmente não trabalha. Não provado o demais alegado.
138º, 139, 141º
144º:
145º:
168º
Contestação
7º,
12º”
*
***
Conhecendo.
Em função do acima enunciado cumpre apreciar de direito, tendo presente que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC].
Ao pedido indemnizatório formulado pelo autor subjaz a responsabilidade civil emergente de acidente de viação.
A culpa na produção do acidente está decidida e assente, em exclusivo, em relação ao segurado da R..
É o quantum indemnizatório a causa do litígio que em sede de recurso motiva ambos os recorrentes, conforme se extrai das suas conclusões de recurso.

In casu questionam os recorrentes [tal como supra já referido] a correção dos valores indemnizatórios atribuídos ao A. a título de dano não patrimonial e dano patrimonial futuro/dano biológico – pugnando o A. pelo seu aumento e a R. inversamente, pela sua redução.
Estando em causa os mesmos valores indemnizatórios, serão apreciados em conjunto ambos os recursos, por referência a cada uma das duas parcelas questionadas.

O tribunal a quo atribuiu a título de dano não patrimonial o montante indemnizatório de € 30.000,00. Pugnando o recorrente A. pela fixação do valor no montante de € 42.000,00 e a recorrente seguradora pela redução do valor ao montante de € 25.000,00.
Por sua vez e a título de “dano patrimonial futuro/dano biológico” fixou o tribunal a quo o montante indemnizatório em € 36.000,00, pugnando o recorrente A. pela fixação do mesmo no valor de € 60.000,00 e a recorrente seguradora pela sua redução ao valor de € 20.899,93.
Na quantificação de ambos os montantes recorreu o tribunal a quo, entre o mais, a juízos de equidade.

Aceitando o recorrente A. o recurso à equidade, alega quanto ao dano não patrimonial que o tribunal não atentou na imensidão de lesões sofridas nos termos que a factualidade apurada e o relatório do INML evidenciam.
Por sua vez a recorrida e recorrente subordinada, alega que o valor atribuído peca por excesso e questiona que na sua quantificação tenha sido considerada a possibilidade de agravamento futuro por intervenção cirúrgica a que porventura o autor venha a ser sujeito no futuro.
Tanto mais quando o tribunal a quo relegou para futuro a liquidação dos prejuízos materiais e morais que venham a resultar de tal intervenção, sob pena de duplicação de indemnizações para o mesmo exato dano.

E quanto ao dano patrimonial futuro/na vertente de dano biológico, critica o recorrente A. o recurso pelo tribunal a quo aos critérios estabelecidos na Portaria 679/2009; bem como o alheamento à incapacidade de que ficou a padecer e o impedem de exercer tarefas que antes na sua atividade profissional realizava. Não estando a trabalhar por não poder manobrar máquinas pesadas, tarefa obrigatória no seu ramo de atividade. Concluindo como tal estar impedido de trabalhar na sua profissão habitual.
Por esta via e com recurso à equidade, concluindo pelo valor indemnizatório acima já referido.
A recorrida/recorrente subordinada, por sua vez alegou:
i- ao valor a arbitrar a título de ressarcimento do dano patrimonial futuro há que deduzir a quantia de €. 6.614,05.
Montante que afirma corresponde ao valor que o autor recebeu em excesso a título de danos patrimoniais decorrentes da incapacidade temporária profissional que afetou o autor desde a data do acidente e durante 395 dias.
Porquanto durante tal período se o A. houvesse permanecido em pleno exercício da sua atividade profissional teria auferido um total de remunerações de €. 6.649,17 (valor ilíquido), tendo por base o salário que auferia à data do sinistro (salário mensal de €. 505,00 ilíquido).
Porém com respeito a esse mesmo período recebeu um total de € 13.263,22, correspondente à soma dos valores que recebeu da ré a esse título (€. 10.795,76) e igualmente da Segurança Social (€. 2.467,46).
Pelo que e sob pena de duplicação de ressarcimento (como tal em excesso e sem fundamento) do mesmo dano patrimonial com sobreposição e cúmulo de mais de dois valores para o mesmo dano, há que deduzir tal valor de €. 6.614,05, recebida pelo autor da ré em excesso, ao valor a arbitrar para ressarcimento do dano patrimonial futuro.
Dano este a quantificar a partir da data de consolidação clínica e consequente cessação do período de incapacidade temporária profissional fixada pericialmente.
ii- ao invés do que alega o recorrente autor, perante a factualidade apurada, a incapacidade de que o mesmo ficou a padecer não lhe causou qualquer redução aquisitiva nem o impede de trabalhar, mas tão só exige esforços acrescidos no exercício da sua atividade profissional.
E para a quantificação do dano, realça que “o período que há de servir de base à ponderação valorativa do dano patrimonial futuro que o autor sofra, só se inicia após aquele período de 395 dias de incapacidade temporária fixada, pois só aí se inicia a condição futura do autor; ou, se tivermos por referência a data do sinistro, haverá que deduzir aqueles montantes recebidos pelo autor a título de incapacidade temporária profissional.”
Pelo que e “Tendo por referência o salário auferido pelo autor à data do sinistro (€. 505,00 ilíquido mensal), a sua idade (44 anos), o défice funcional fixado pericialmente (13 pontos, que implicarão esforços acrescidos no desempenho profissional), e a idade ativa limite expectável (hoje comummente aceite nos 70 anos de idade), atinge-se um valor global de dano de cerca de €. 20.700,00, atendendo a que o capital é recebido de uma vez só e não na forma de renda, correspondente à plasticidade da proporção de esforço acrescido que o autor haja de desenvolver na sua atividade profissional ao longo da sua vida ativa expectável.”
Valor a que, pugna a recorrente, deverá ser ainda reduzido o montante de € 6.614,05 que mais alegou ter o recorrente autor recebido em excesso a “título de perda remuneratória por incapacidade temporária profissional (…) daqui resultando um valor efetivo e final de dano patrimonial futuro por redução de capacidade aquisitiva de cerca de €. 14.200,00.”
Adotando, todavia “a solução ponderada pelo Tribunal a quo, de recurso ao regime estabelecido pela Portaria 679/2009, e atingindo-se por tal operação de cálculo, o valor de €. 34.348,21, (…) porque um juízo de equidade deve atender a outras formas de cálculo que, como visto, concluem por montantes inferiores, uma operação de média ponderada implica a redução de tal valor, alcançando-se uma importância de cerca de €. 27.513,98.” e deduzido o já referido “excesso recebido pelo autor a titulo de incapacidade temporária profissional - €. 6.614,05” conclui resultar um “valor final e efetivo de dano patrimonial (dano biológico na vertente de redução de capacidade aquisitiva por esforços acrescidos)” de €. 20.899,93.
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"Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém", [cfr. A. Varela in "Das Obrigações em Geral" vol. 1º, 5ª ed., p. 557].
Existindo o dano, aquele que estiver obrigado a repará-lo, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do C.C.). A lei manda "reconstituir, não a situação anterior à lesão, mas a situação (hipotética) que existiria, se não fora o facto determinante da responsabilidade." Ant. Varela in ob. cit. p. 862.
Nos termos do disposto no art.º 566º n.º 1 do C.C. " A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2- Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos." (sublinhado nosso).
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Tradicionalmente define-se dano como o prejuízo real sofrido pelo lesado.
Na fórmula avançada pelo Prof. F. Pereira Coelho (in: "O problema da causa virtual na responsabilidade civil", p. 250) deve entende-se por dano "(...) o prejuízo real que o lesado sofreu 'in natura', em forma de destruição, subtração ou deterioração dum certo bem corpóreo ou ideal.", pelo que dano será – exemplifica este autor - "(...) a perda ou a deterioração duma certa coisa, o dispêndio de certa soma em dinheiro para fazer face a uma despesa tornada necessária, o impedimento da aquisição dum determinado bem, a dor sofrida".
Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, p. 568 e segs., define de forma genérica o dano, dano real “como a perda in natura que o lesado sofreu (…) a lesão causada no interesse juridicamente tutelado”.
E ao lado do dano (real) assim definido, há o dano patrimonial – “que é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”. E exemplificando, prossegue este autor, uma “coisa é a morte (…) as lesões (…) dano real; outra as despesas com os médicos (…) os lucros que o sinistrado deixou de obter (dano patrimonial)”
Noutra vertente (prossegue o mesmo autor p. 571) alude-se ainda a dano patrimonial - sendo esta a noção que interessa para o cálculo da indemnização - por referência aos prejuízos suscetíveis de avaliação pecuniária que podem ser reparados ou indemnizados senão diretamente (pela restauração natural) pelo menos indiretamente por meio de equivalente ou indemnização pecuniária); por contraponto aos danos não patrimoniais, entendidos estes como os bens insuscetíveis de avaliação pecuniária porquanto não integram o património do lesado (em causa a saúde, bem estar, perfeição física ou o bom nome) e que assim quando afetados apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta “mais uma satisfação (…) do que uma indemnização”.
Dentro do dano patrimonial cabendo portanto não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.
A esta noção de dano patrimonial e respetivas vertentes, bem como de dano não patrimonial, adicionou-se mais recentemente o conceito de dano biológico, entendido como lesão da integridade físico-psíquica e que encontra a sua compensação tutelada no artigo 25º nº 1 da CRP e no artigo 70º do CC.
Abrangendo “um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis.”[1]
O seu enquadramento gerou 3 correntes jurisprudenciais, defendendo uma primeira que este dano deverá ser reconhecido enquanto dano patrimonial, na vertente do dano patrimonial futuro[2]; uma segunda como um dano que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou não patrimonial, dependendo das consequências apuradas e assim a enquadrar de forma casuística; finalmente uma terceira como um dano a se entendido como um tertium genus, enquanto lesão da integridade psicofísica a ser ressarcido de forma autónoma[3].
O que resulta claro em qualquer um destes enquadramentos do dano biológico é o acolhimento por parte da jurisprudência de a um reconhecido dano corporal corresponder de acordo com a sua gravidade um crédito indemnizatório, independentemente de este ter tradução direta ou não na perda de rendimentos laborais, porquanto sempre implicará e na medida da sua gravidade uma diminuição das competências sociais e em família e mesmo funcionais de cada indivíduo, com reflexos maiores ou menores dependendo de cada caso, não só na sua inserção social e familiar como na sua capacidade produtiva e de como nestes vários contextos terá o lesado de superar ou suportar as suas limitações com maior esforço e/ou penosidade.

Assente, em qualquer um dos enquadramentos elencados, a ressarcibilidade do dano corporal/dano biológico com apurada repercussão na vida pessoal e/ou profissional do lesado, mesmo quando não tenha tradução direta na perda de rendimentos, importa definir os critérios da sua quantificação.
Neste campo, de ponderar em primeiro lugar que este cálculo não deverá ter por referência direta o rendimento anual do lesado, já que não é a perda de rendimento que está em causa, mas antes o impacto dos esforços suplementares exigidos na capacidade económica do lesado, ou a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico [4].
Consequentemente e quando em causa não está uma efetiva perda de rendimentos, tem-se igualmente como acertado o entendimento de que o recurso às tabelas financeiras habitualmente consideradas naquela situação está afastado, sob pena de se tratar de forma igual - em sede indemnizatória – os casos em que o défice funcional permanente apurado tem efetiva repercussão na atividade profissional e assim nos rendimentos laborais e os casos em que aquele implica apenas um esforço acrescido no exercício da atividade habitual.
Também o recurso às tabelas previstas no DL 291/2007 de 21/08 e Portarias nº377/2008 e 679/2009 (que alterou a primeira) a considerar pelas seguradoras para apresentação aos lesados de proposta indemnizatória razoável, se tem por afastado – tanto para o dano ora em análise, como para o dano não patrimonial que infra será analisado.
Basta para tanto atentar no objeto declarado no artigo 1º da Portaria 377/2008 de 26/05:
“1- Pela presente portaria fixam-se os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
2 - As disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.”
Portanto e aliás conforme resulta do preâmbulo desta Portaria, o seu objetivo não é o da “fixação definitiva de valores indemnizatórios” mas antes e tão só “o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas”.
O campo de aplicação específico destes critérios é pois extrajudicial e embora possam ser ponderados, não vinculam o julgador porquanto se não sobrepõem às regras de determinação judicial de indemnização fixadas pelo Código Civil [cfr., entre outros, Ac. STJ de 28/11/2013, nº de processo 177/11.0TBPCR.S1 e Ac. STJ de 04/06/2015 nº de processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1 citado ambos in www.dgsi.pt/jstj; bem como Ac. TRG de 05/06/2014, nº de processo 668/05.1TBPTL.G1 in www.dgsi.pt/jtrg e Ac. RP de 27/09/2016, nº de processo 2007/13.9TBFLG.P1 in www.dgsi.pt/jtrp e mais recentemente o já citado Ac. do STJ de 17/12/2019, neste também se afastando a aplicação das tabelas financeiras para efeitos de cálculo deste dano].

A fixação do valor indemnizatório nestes casos, terá de ser feita com recurso a critérios de equidade, de acordo com o disposto no artigo 566º nº 3 do CC, para tanto ponderando as circunstâncias do caso concreto “«(…) segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza».”[5]

Por último, na fixação e reapreciação do valor indemnizatório em análise, releva ainda ter presente o reiterado entendimento jurisprudencial de que a fixação de um quantum indemnizatório em que se recorre a juízos de equidade [entendimento válido tanto para o dano que ora se aprecia, como para o dano não patrimonial cuja quantificação é igualmente objeto deste recurso] porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.
Assim foi decidido no Ac. do STJ de 04/06/2015, nº de processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1; e reafirmado no Ac. STJ de 22/02/2017, nº de processo 5808/12.1TBALM.L1.S1; ou mais recentemente no Ac. STJ de 17/12/2019 já nestes autos citado, todos in www.dgsi.pt/jstj, onde se conclui (invocando ainda decisões anteriores do mesmo STJ) “E porque um tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», tem-se defendido, designadamente nos Acórdãos do STJ, de 05.11.2009 (proc. 381/2009.S1) de 20.05.2010 (proc. 103/2002.L1.S1), de 28.10.2010 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1), de 07.10.2010 (proc. 457.9TCGMR.G1.S1) e de 25.05.2017 (proc. 868/10.2TBALR.E1.S1)[21], que «tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade».
«Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afetam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados».”

Assente nos termos supra analisados a ressarcibilidade autónoma do dano corporal com repercussão permanente na vida profissional e/ou pessoal do lesado, mesmo quando em causa não está uma efetiva perda de rendimentos, temos como correto o enquadramento deste dano biológico na categoria de dano patrimonial futuro, na medida em que das sequelas apuradas resulte uma repercussão permanente na vida pessoal e/ou profissional do lesado – evidenciada nas limitações e esforços suplementares que pelo lesado venham a ser suportados quer nas suas atividades do dia-a-dia e suas competências sociais. Quer no exercício da sua atividade profissional habitual, condicionando como tal o exercício da sua profissão, bem como as suas oportunidades no mercado laboral, na medida correspondente das suas limitações.

Balizados os critérios relevantes para a quantificação deste dano com recurso a juízos de equidade e ainda os termos em que o valor fixado merecerá censura - quando em concreto o mesmo se afaste de forma flagrante dos padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados a casos similares – importa analisar a quantificação que dos mesmos foi efetuada pelo tribunal a quo.

Na subsunção jurídica dos factos provados, consta da decisão recorrida a seguinte análise:
O autor reclama uma indemnização no valor de € 62.384,00, em função da perda da capacidade de ganho e/ou também dano biológico sofrido, tendo como premissas o valor do salário mínimo nacional (o seu vencimento mensal) na presente data, de € 557,00; um rendimento mensal correspondente a 14 meses; uma esperança média de vida de 78 anos, tendo o autor à data do acidente 44 anos de idade; uma incapacidade permanente parcial de 25%, considerando que o autor, com 32 anos de vida ativa, deixa de auferir a quantia anual de € 1.949,50 que multiplica pelos 32 anos, obtendo a quantia mencionadas de 62.384,00.
(…)
A incapacidade permanente geral (IPG), agora designada por défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, corresponde à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas, apesar de não implicar uma incapacidade profissional, ou melhor, sendo independente das atividades profissionais, têm necessariamente como consequência um acréscimo de esforços e sofrimento físico. É o também denominado “dano biológico”
O que se pretende indemnizar não é o sofrimento, mas antes a limitação de que o autor ficou a padecer de utilizar o seu corpo de forma absoluta, enquanto força de trabalho e enquanto produtor de rendimento (e é sabido que nas sociedades hodiernas é através do trabalho que o comum das pessoas angaria os seus rendimentos). Tal perda constitui um dano patrimonial que importa reparar, porque precisará de se esforçar agora e para auferir o mesmo rendimento mais do que se esforçaria não fosse a sequela de que ficou a padecer.”
E tendo o tribunal a quo em consideração o disposto nas Portarias n.º 377/08, de 26 de Maio e Portaria 679/09, de 25 de Junho (que atualizou a primeira), cujos critérios e valores orientadores serviram de “referência (meramente indicativa) para atenuar o risco de discricionariedade nos valores a fixar (…)” encontrou de acordo com os cálculos explicitados na decisão recorrida, “um valor para o défice funcional aproximado de € 34.348,21.”
Valor que “complementado e adequado às circunstâncias que advieram para o lesado em consequência do acidente (…) com recurso à equidade.” concluiu dever ser fixado no “montante de € 36.000,00, a título de indemnização por dano biológico, na sua vertente patrimonial.”.
Para tanto e assim fazendo referência aos padrões jurisprudenciais, tendo ainda considerado o decidido em dois Acs. ali citados [Ac. STJ de 06.12.2017, proc. nº 559/10.4TBVCT.G1.S1 – Relatora Graça Trigo e Ac. STJ de 16.06.2016 (Relator Tomé Gomes)].
A base da quantificação do dano em análise partiu efetivamente dos critérios definidos nas Portarias supra citadas e manteve-se muito próximo do seu resultado.
Conforme entendimento por nós já expresso, o recurso aos critérios indicados em tais tabelas deve ter-se por afastado, por o seu campo de aplicação específico ser extrajudicial, sem prejuízo de poderem ser ponderados.
A decisão recorrida evidencia no seu quadro justificativo ter relevado em especial o resultado da operação matemática sustentada nos critérios indicados em tais Portarias.
A censura do decidido terá de ser encontrada com recurso aos padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados a casos similares, sem esquecer que perante juízos de equidade aquela (censura) só se justificará quando se afaste de forma flagrante de tais padrões jurisprudenciais.

Assim e em primeiro lugar há que recordar que a decisão de facto não mereceu censura e se encontra processualmente sedimentada.

Em segundo lugar, da decisão de facto resulta provado que o A. à data do acidente exercia as funções de gerente da empresa “H…” [vide fp 65 e 67], auferindo então o salário mínimo nacional à data de € 505,00 [vide fp 68].
Mais e enquanto gerente de tal sociedade e portanto no exercício de tais funções “andava no terreno e exercia uma atividade com esforço físico, andava por pinhais, conduzia e manobrava máquinas pesadas.” [vide fp 66].
Sendo que as sequelas de que o A. ficou a padecer são incompatíveis “com o exercício de uma atividade profissional como manobrador de máquinas, sendo compatíveis com o exercício da atividade (…) como gerente, à custa de esforços suplementares, considerando que a direção de pessoas nas obras implica a permanência em posição estática e a marcha em terreno irregular. Estes esforços acrescidos, traduzem-se pelos fenómenos álgicos localizados ao joelho e tornozelos, que podem traduzir-se na maior morosidade na realização das tarefas, na interrupção das mesmas e/ou na toma de medicação analgésica e/ou anti inflamatória” [fp 70].
Ou seja, de acordo com a factualidade provada, as sequelas de que o A. ficou a padecer não o impedem de exercer a atividade profissional que à data exercia: de gerente de uma sociedade.
Contudo, enquanto gerente, o autor recorrente andava no terreno e exercia uma atividade com esforço físico, andava por pinhais e conduzia e manobrava máquinas pesadas [fp 66].
Ou seja, apesar de as sequelas serem compatíveis com o exercício da atividade de gerente da sociedade já referida a que o A. se dedicava à data do sinistro, resultou provado que o mesmo ficou, efetivamente, impedido de exercer a atividade de manobrador de máquinas pesadas [fp 70].
Tarefa que o A. então também executava, nessa medida vendo a amplitude da sua atuação em parte reduzida. Bem como frustrada a possibilidade de no futuro desempenhar esta atividade de cariz económico para as quais revelava competências específicas.
Acresce a esta limitação que a execução das demais tarefas a que na sua atividade profissional de gerência se dedicava, passaram a implicar esforços acrescidos.
Estas limitações não se traduziram, porém, em efetiva redução de rendimentos [esta redução de rendimentos caberia ao autor demonstrar, o que não fez].
Como tal terão de ser consideradas e ponderadas na quantificação do dano biológico, pela gravidade que evidenciam especialmente nas competências funcionais e capacidade produtiva, para além das competências sociais.
Realça-se não ter ficado provado que o A. como consequência das lesões de que ficou a padecer não se encontra em condições físicas de exercer a sua atividade profissional [vide o ponto 144º da p.i. constante dos factos não provados].
O mesmo é dizer que também não está provado o nexo causal entre o facto de o autor atualmente não trabalhar [vide fp 69] e as sequelas de que ficou a padecer.
Perante estes considerandos, é de afastar os argumentos aduzidos pelo autor recorrente quando parte do pressuposto – para o valor indemnizatório que pugna lhe seja arbitrado - de que está demonstrado este nexo causal, bem como que se encontra impedido (totalmente impedido) de exercer a sua profissão habitual – o que não provou.
Não obstante, perante a gravidade das lesões e sequelas de que o A. ficou a padecer e das limitações que para o autor as mesmas implicam [acima já reproduzidas] importa aferir se o montante arbitrado se encontra dentro dos padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados a casos semelhantes.
Ou antes se com os mesmos se encontra em flagrante oposição – pressuposto da sua alteração.
De considerar para tanto [conforme consta dos factos provados] quer as referidas sequelas que causaram ao A. uma incapacidade funcional permanente de 13 pontos e suas consequentes limitações já mencionadas em resultado do sinistro em análise; quer a idade do autor à data da consolidação médico-legal das lesões em 19/01/2016 - 45 anos e assim uma esperança de vida de mais 33 anos, considerando a esperança média de vida de 78 anos em 2016 para os homens; ainda os padrões jurisprudenciais em casos similares.
De notar que o momento a considerar para a valoração do dano patrimonial futuro/dano biológico será considerado por referência à data da consolidação médico legal das lesões em 19/01/2016 [vide fp 59] porquanto então se fixou o défice funcional apurado.
Nesta parte se reconhecendo razão ao alegado pela recorrente seguradora.
A análise ponderada de tais critérios, aliada aos padrões jurisprudenciais para casos similares (que infra elencamos) levam-nos a concluir ser conforme aos padrões jurisprudenciais indemnizatórios atribuir a título de dano biológico o montante de € 45.000,00 ao lesado que:
- à data do sinistro era um gerente que andava no terreno e exercia uma atividade com esforço físico, andava por pinhais, conduzia e manobrava máquinas pesadas;
- à data da consolidação médico-legal das sequelas com 45 anos de idade, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos;
- sequelas estas que em termos de repercussão permanente na atividade profissional são incompatíveis com o exercício da atividade profissional de manobrador de máquinas e
- compatíveis com o exercício da atividade de gerente, implicando no exercício da sua atividade esforços suplementares traduzidos em fenómenos álgicos localizados no joelho e tornozelos e que se podem traduzir na maior morosidade na realização das tarefas, na interrupção das mesmas e/ou na toma de medicação analgésica e/ou anti inflamatória.
Afasta-se como tal de acordo com uma orientação atualística e evolutiva defendida pela jurisprudência, o valor de € 30.000,00 fixado pelo tribunal a quo de forma substancial e injustificada dos referidos padrões jurisprudenciais que têm vindo a ser adotados, justificando a sua fixação no mencionado montante de € 45.000,00 [tendo-se por atualizado à data da sentença da 1ª instância, tal como ali decidido].
Nestes termos procede, quanto a este dano, parcialmente o recurso do A. e improcede o recurso subordinado da R. seguradora.
Foram considerados para aferição dos critérios e padrões generalizadamente entendidos como sendo os adotados para quantificar este dano, as seguintes e recentes decisões:
i- Ac. STJ de 17/12/2019 (já nos autos citado), no qual foi confirmado, por considerado equitativo e conforme aos padrões jurisprudenciais para casos similares, o arbitramento do valor indemnizatório de € 10.000,00 pelo dano biológico consubstanciado na diminuição, em geral da qualidade de vida pessoal e profissional do autor, perante o seguinte circunstancialismo “as limitações de que o autor AA ficou a padecer, em consequência do acidente, correspondem a um défice funcional de 4 pontos, a partir de 06.04.2016, implicando um acréscimo de esforço físico no desenvolvimento da sua atividade de trabalhador.
De considerar ainda que, em 06.04.2016, o autor tinha 61 anos de idade, sendo a sua esperança de vida de cerca de 19 anos, visto ser de ser de 80 anos a esperança média de vida.”
ii- Ac. STJ de 29/10/2019, nº de processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1 foi fixado o valor de € 36.000,00 a título de dano biológico com consequências patrimoniais em situação em que “ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas)”
iii- Ac. STJ de 07/03/2019, nº de processo 203/14.0T2AVR.P1.S1, foi entendido como razoável “atribuir ao dito dano biológico, na respetiva vertente patrimonial, o valor de 40.000,00, tido por atualizado com referência à data da sentença da 1.ª instância proferida em 06/03/2018” em situação em que “a A., à data do acidente, contava 35 anos de idade (37 anos à data da consolidação das sequelas) e que não se encontrava afetada de incapacidade física que lhe dificultasse a vida pessoal e profissional a que se dedicava na atividade de empregada de mesa num estabelecimento de padaria/pastelaria.
Sucede que, em consequência das lesões sofridas, a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 19 pontos percentuais com repercussão permanente na sua atividade profissional mas compatível com o respetivo exercício, implicando, no entanto, esforços suplementares.”
iv- Ac. STJ de 10/01/2019, nº de processo 499/13.5TBVVD.G1.S2, foi entendido ser de manter o valor arbitrado de € 24.000,00 a título de indemnização pelo “dano biológico, consubstanciado na diminuição, em geral da qualidade de vida pessoal e profissional da autora, (…) pois pese embora não represente uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, exige-lhe esforços suplementares no desempenho das tarefas específicas da sua atividade.” em situação em que as «sequelas sofridas com o acidente, (…) correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16,862464 pontos percentuais (…) além do acréscimo de esforço físico no desenvolvimento da sua atividade de “empregada doméstica” que vinha então exercendo, implicam também inegável redução da sua capacidade económica geral, mormente para se dispor ao desempenho de outras atividades concomitantes ou alternativas que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir ao longo da sua expetativa de vida.
De considerar ainda que, à data da consolidação das lesões (03.02.2012), a autora tinha 57 anos de idade, sendo a sua esperança de vida de cerca de 27 anos (atenta ser de 83,78 anos a esperança média de vida estabelecida para as mulheres)»
v- Ac. STJ de 28/03/2019, nº de processo 1120/12.4TBPTL.G1.S1, foi entendido ser de fixar [reduzindo o valor de € 50.000,00 fixado pela Relação] a título de indemnização pelo dano biológico o montante de € 40.000,00, considerando “que o défice funcional permanente da A. de 31 pontos percentuais, atentas as sequelas descritas no ponto 1.54 da factualidade provada - marcha claudicante, dificuldade em permanecer em pé por períodos superiores a 30 minutos, dificuldade em caminhar em pisos irregulares, subir e descer escadas ou escadotes; dores e limitação em fazer esforços com o membro superior direito, por limitação de mobilidade do ombro direito; fenómenos dolorosos ao nível da perna direita (irradiação desde o joelho até ao tornozelo), ombro direito, joelho esquerdo e bacia -, se traduz em fator, neste quadro, significativo de limitação na execução das tarefas domésticas que ela vinha desempenhando antes do acidente, considerando a idade de 52 anos à data da consolidação médico-legal e uma perspetiva de vida ativa para além da idade-limite da reforma, tendo em conta, segundo a experiência comum, que tais sequelas tendem a agravar-se ao longo da idade, afigura-se ajustado, abrigo do art.º 566.º, n.º 3, do CC e à luz dos padrões indemnizatórios mais recentes da jurisprudência”.

Destas decisões que naturalmente retratam situações com as suas próprias especificidades, extrai-se um padrão jurisprudencial indemnizatório aferido em função da gravidade das sequelas e sua repercussão na vida ativa de cada um dos lesados, de acordo ainda com a idade dos mesmos.
Assim e no primeiro caso, foi arbitrado o valor de € 10.000,00 num caso de défice funcional de apenas 4 pontos perante um lesado de 61 anos de idade (para além da relevante diferença de grau do défice funcional, também a idade é díspar perante os considerados 45 anos de idade do autor); no segundo caso o valor de € 36.000,00 teve subjacente um défice funcional de 16 pontos que implicaram esforços acrescidos no exercício da atividade profissional do lesado (o défice funcional é próximo mas superior aos 13 pontos do autor) e sendo embora ambos os lesados jovens, o aqui autor é 11 anos mais velho; no 3º caso perante um lesado com menos 10 anos de idade que o aqui A. e com um défice funcional de 19 pontos (superior portanto) que implicaram esforços acrescidos no exercício da atividade profissional, foi atribuído um valor indemnizatório de € 40.000,00; no 4º caso perante um défice de cerca de 17 pontos que igualmente implicaram esforços acrescidos no exercício da atividade profissional e tendo a lesada 57 anos foi atribuído um valor indemnizatório de € 24.000,00.
Finalmente no 5º caso, perante uma lesada de 52 anos de idade à data da consolidação médico-legal que se encontrava já (antes do sinistro) reformada por invalidez devido a doença oftalmológica e que em consequência do sinistro ficou a padecer de um défice funcional permanente de 31 pontos (portanto bem superior ao do autor); implicando as sequelas de que ficou a padecer uma significativa limitação na execução das tarefas domésticas que até ali vinha executando, foi atribuído um valor indemnizatório de € 40.000,00.

Neste último caso e por contraponto à situação do autor, temos de um lado o défice funcional superior desta última lesada (mais do dobro). Mas de outro temos também a sua superior idade (mais 7 anos que o autor destes autos).
Acresce que as sequelas de que o A. ficou a padecer [a sua previsibilidade de agravamento no futuro - vide fp 64 – não é aqui considerada, atento o decidido pelo tribunal a quo quanto aos danos futuros a liquidar em momento ulterior à sentença, nos quais incluiu os prejuízos resultantes do agravamento em face do mencionado no ponto 64 dos factos provados[6]. Decisão que neste ponto as partes não questionaram] implicam de um lado esforços suplementares para a execução de parte das tarefas que executava na sua atividade profissional; mas por outro lado impedem o A. (por incompatibilidade) de executar outras atividades, nomeadamente manobrar máquinas pesadas. O que antes do sinistro e enquanto gerente realizava.
Esta limitação que se entende significativa no leque das tarefas que normalmente eram levadas a cabo pelo autor com a implícita repercussão na sua capacidade de gerar rendimentos, justifica uma especial ponderação pela limitação que para o A. representa num possível desempenho de outras tarefas ou atividades de cariz económico e na mesma medida privado de futuras oportunidades profissionais inseridas nas suas qualificações à data do sinistro [7].
Neste quadro fáctico concreto e ponderados os valores indemnizatórios acima elencados, reiteramos o entendimento já supra manifestado de que o juízo prudencial do tribunal a quo se afastou de modo substancial e injustificado dos padrões generalizadamente adotados pela jurisprudência. Impondo por tal a correção acima já decidida e quantificada por este especial agravamento num valor ligeiramente superior aos casos indicados em iii e v.
*
Assim fixado o montante indemnizatório a título de dano biológico, importa apreciar a pretendida dedução – questão suscitada pela recorrente seguradora no recurso subordinado – do montante de € 6.614,05 correspondente ao excesso recebido pelo autor para ressarcimento de perda remuneratória no período de incapacidade temporária profissional [vide conclusão C do recurso subordinado].
A este propósito pode ler-se na decisão recorrida – apreciando o pedido pelo autor formulado a título de perdas salariais – o seguinte:
“De acordo com os factos provados, o autor ficou com uma incapacidade funcional permanente de 13% (…).
Assim, tendo em consideração que o período de repercussão temporária na atividade profissional total foi fixada em 395 dias e que o autor não ficou, depois dessa data, numa situação de incapacidade para o exercício da sua profissão e que a ré procedeu ao pagamento do seu vencimento, para além do período de 395 dias, não sofreu o autor a perda de rendimento que alega.
Concluímos, pelo exposto, que não assiste ao autor o direito de reclamar este concreto dano patrimonial, a título de perdas salarias.”

Ou seja, o tribunal a quo já na decisão recorrida deu nota de que o A. havia recebido da R. o valor correspondente ao seu vencimento para além do período de 395 dias que fora apurado como o correspondente ao “período de repercussão temporária na atividade profissional total”.
Não obstante tal constatação, nenhuma consequência foi da mesma extraída.
A razão para tanto encontra o seu fundamento na limitação de pronúncia do tribunal ao objeto do litígio, delimitado pelo pedido e causa de pedir – vide artigo 609º nº 1 do CPC, sob pena de nulidade da sentença, tal como prescrito no artigo 615º nº 1 al. e) do CPC.
Ora a R. oportunamente, em sede de defesa nenhuma questão suscitou a tal propósito. Nomeadamente não tendo peticionado a devolução dos valores por si pagos em excesso ou a sua compensação com outros valores devidos.
A pretendida compensação é questão que apenas agora em sede de recurso foi pela R. suscitada.
Através dos recursos é visado o reexame das decisões proferidas em 1ª instância por forma a pela via da modificação de decisão antes proferida ser validado o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado.
Como tal, as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo em situações limitadas e expressamente consagradas como por exemplo no caso de ocorrer alteração ou ampliação do pedido em 2ª instância (artigo 264º do CPC) ou de se impor o conhecimento oficioso de exceção ainda não decidida com trânsito em julgado. O que não é o caso.
O mesmo é dizer que o objeto de recurso está portanto limitado pelas questões que foram sujeitas a apreciação ao tribunal recorrido[8];
A questão suscitada pela recorrente e ora em apreciação, configura nos termos delineados uma questão nova, só em sede de recurso suscitada e que como tal não pode por este tribunal ser considerada.
O seu conhecimento está como tal prejudicado.
*
Cumpre em segundo lugar analisar o segundo fundamento do recurso e que se prende com o valor arbitrado a título de danos não patrimoniais.
Nos danos não patrimoniais – aqueles que afetam bens da personalidade, insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária – mais do que uma verdadeira indemnização é antes a reparação do dano que se visa alcançar.
Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer (uma vez mais) a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
Deste normativo resultam especificadas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, bem como as “demais circunstâncias do caso”, entre as quais naturalmente há que atender desde logo à gravidade do dano e à necessidade de o valor a arbitrar proporcionar ao lesado uma adequada compensação pelos padecimentos por este suportados.
Desta ponderação da culpa e situação do lesante bem como do lesado se extrai uma dupla funcionalidade desta indemnização: sancionatória e reparadora - cfr. neste sentido (entre outros) Ac. TRP de 08/10/2002, nº de processo 0121692 in www.dgsi.pt/jtrp e Acs. STJ (in www.dgsi.pt/jstj.pt) de 21/04/2010, nº de processo 54/07.9PTOER.L1.S1, bem como de 23/02/2012, nº de processo 31/05.4TAALQ.L2.S1 no qual se afirma “embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.”
Mais, importa ter presente o (já referido) reiterado entendimento jurisprudencial de que a fixação de um quantum indemnizatório nestes casos com recurso ao juízo de equidade porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.
No que à quantificação do dano em concreto concerne sendo ainda de considerar “constituir orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista (…), devendo, antes, ser significativa (…) e traduzir a “justiça do caso concreto”, não se devendo, porém, confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, tal como se adverte no Acórdão de 10.02.1998(…).”[9]
Tendo presentes os critérios e orientações acima salientados que na fixação do quantum indemnizatório devem ser ponderados, revertendo ao caso dos autos e sendo manifesta a necessidade de recorrer ao juízo de equidade atenta a natureza do dano em apreciação – não patrimonial – importa realçar da factualidade provada, tal como o fez o tribunal a quo [nos termos que aqui se reproduzem]:
“- As lesões mencionadas nos artigos 22º, 23º e 24º dos factos provados;
- Os tratamentos, intervenções e consultas, mencionados nos artigos 25º, 27º, 31º, a 44º, 48º dos factos provados.
- Os períodos de incapacidade mencionados nos artigos 58º a 62º dos factos provados.
- O quanto doloris fixado no grau 5 – facto 63º - refletido nas dores mencionadas nos factos 26º, 51º, 53º, 54º e 55º.
- O dano estético fixado no grau 4 – facto 71.
- A repercussão das atividades de lazer e desportivas, fixadas no grau 5 – facto 72.
- Os 13 pontos a título de défice funcional e as consequências daí decorrentes, mencionadas nos factos 74º e 70º.
- O estado emocional, psicológico do autor refletido nos artigos 73º e 75º dos factos provados.”

Da factualidade assim referenciada, é de realçar os 395 dias de repercussão temporária total na atividade profissional [fp 62]; o período em que o autor esteve incapacitado com défice funcional temporário total de 100 dias; as 3 intervenções cirúrgicas com anestesia geral a que foi submetido [vide fp 27, 28 e 43]; os diversos tratamentos a que se submeteu e sessões de fisioterapia; o sofrimento que suportou e suporta quer durante os tratamentos quer como consequência das lesões de que ficou a padecer [com um quantum doloris fixado em 5 numa escala de 7]; o dano estético fixado no grau 4 numa escala de 7; as limitações ao nível das atividades de lazer e desportivas que as sequelas implicam para o autor com a consequente tristeza que tal lhe acarreta [fp 72 e 75]; as consequências no estado anímico/ emocional e psicológico do autor [vide fp 73 a 75].
Toda esta factualidade evidencia o sofrimento suportado pelo autor e a evidente gravidade que justifica o arbitramento de uma indemnização autónoma em sede de dano não patrimonial.
Tendo o tribunal a quo, para tanto convocando juízos de equidade, decidido arbitrar a este título € 30.000,00.
É apenas a quantificação deste dano que está em causa.
As limitações, dores, incómodos e desgosto suportados pelo A. e que continuará a suportar na medida equivalente às sequelas de que ficou a padecer, demandam em sede de dano não patrimonial, conforme já referido, a atribuição de um montante indemnizatório.
Ponderando:
1- os incómodos e desgosto, sofrimento e limitações apurados com a consequente alteração permanente vivencial do A., à data do acidente com 44 anos;
2- as consequências resultantes do acidente para si mesmo, para cuja produção em nada contribuiu;
3- e levando em consideração os padrões jurisprudenciais indemnizatórios que têm vindo a ser seguidos - para casos próximos dos do autor, entre os quais se consideraram os infra elencados (todos os citados in www.dgsi.pt)
Entende-se que o juízo prudencial do tribunal a quo está contido “dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade”, não se tendo afastado “de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade” [cfr. Ac. STJ de 17/12/2019 supra citado, referindo-se por sua vez a um Ac. do STJ de 25/05/2017], motivo porque não merece censura o valor de € 30.000,00 arbitrado pelo tribunal a quo.
Valor que assim se mantém, com a consequente improcedência do recurso nesta parte quer do autor quer da R..

Foram consideradas para aferição dos critérios e padrões jurisprudenciais minimamente uniformizados e que se entende deverem ser adotados, as seguintes decisões:
i- Ac. STJ de 22/02/2017, nº de processo 5808/12.1TBALM.L1.S1, num caso em que ficou apurado ter a lesada, jovem, de 29 anos de idade, sofrido “traumatismo com fratura do prato externo da tíbia esquerda , implicando operação cirúrgica, com osteossíntese, ficando a (…) com uma placa e parafusos na perna esquerda e envolvendo internamento e tratamentos médicos continuados;”; “incapacidade laboral durante 8 meses;”; “sofrimento de fortes dores em consequência de tais lesões.”; sem défice funcional apurado, entendeu-se não ser “desproporcionada à gravidade objetiva e subjetiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de €25.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de fratura de membro inferior, implicando a realização de cirurgia com permanência de material de osteossíntese, incapacidade ao longo de 8 meses e fortes dores.”
ii- Ac. STJ de 29/10/2019 nº de processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1, numa situação em que ao lesado com 34 anos foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas “Considerando (i) as cinco intervenções cirúrgicas a que o autor se submeteu, (ii) os tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos, (iii) a dor física que padeceu (grau 4 numa escala de 1 a 7), (iv) o dano estético (grau 3 numa escala de 1 a 7), a afetação permanente nas atividades desportivas e de lazer (grau 3 numa escala de 1 a 7), (v) a limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, (vi) a dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, (vii) a tristeza, a depressão e o desgosto” considerou-se adequado “compensar estes danos não patrimoniais no montante de € 30.000,00, reduzindo-se, assim, a indemnização fixada pela Relação.”
iii- Ac. STJ de 30/05/2019, nº de processo 3710/12.6TJVNF.G1.S1, num caso em que a lesada ficou a padecer de um défice funcional de 14 pontos, compatível com o desenvolvimento da atividade profissional, mas a implicar esforços acrescidos, mais resultando dos factos provados “que a autora: (i) tinha 17 anos, completados no dia do acidente que a vitimou, ocorrido em 01-01-2010; (ii) em virtude desse acidente, ficou encarcerada no veículo, com perda de consciência; (iii) foi transportada para o serviço de urgência do Hospital, no qual ficou internada, tendo sido submetida a tratamentos e a operação ao fémur e ao punho; (iv) recebeu acompanhamento das especialidades de ortopedia, odontologia e psicologia, foi submetida a fisioterapia e a novas cirurgias, tendo tido alta definitiva em 31-03-2011; (v) devido às lesões e aos tratamentos, sofreu dores de grau 5 numa escala de 1 a 7; (vi) ficou a padecer de edema de ambos os calcanhares necessitando de usar calçado com um número acima; (vii) apresenta cicatrizes que determinam dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7; (viii) perdeu o ano letivo 2009/2010, mudando para o curso de técnica de receção no ano letivo seguinte, sem que tenha ingressado no ensino superior como idealizara antes do sinistro; (ix) deixou de praticar futsal, o que lhe traz desgosto, valorizado como repercussão permanente as atividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 1 a 7; (x) dependeu de terceiros na realização das suas tarefas diárias, passou a isolar-se, deixou de ter vontade de conviver com os amigos, tornou-se facilmente irritável, de trato difícil, ansiosa e sente medo de andar de automóvel quando circula a velocidade superior a 90km/hora; (xi) devido a cansaço, deixou de poder correr e fazer caminhadas como anteriormente e ganhou peso por não poder praticar desporto, tendo de fazer dieta para o manter controlado; considera-se adequado o montante de € 25.000,00 fixado, pela Relação, a título de indemnização por danos não patrimoniais (arts. 496.º, n.ºs 1 e 3, e 494.º, do CC)”
iv- Ac. TRP de 07/12/2018, nº de processo 23088/15.5T8PRT.P1, no qual perante a seguinte factualidade:
“(…)a autora foi vítima de atropelamento por parte de um veículo automóvel quando atravessava uma via pública na passadeira destinada a peões. À data tinha 15 anos de idade e era estudante. De imediato a autora ficou imobilizada, dadas as dores que sentia após o embate, sobretudo na zona da bacia e membros inferiores. E tendo sido foi transportada pelo INEM para o serviço de urgência do Hospital ..., no Porto, onde, após o episódio de urgência, onde lhe foi diagnosticada fraturas dos ramos ilío e isqui-púbicos à direita, e fratura por impacção do sacro contra-lateral, e aí ficou internada, desde o dia13 até ao dia 21 de Janeiro de 2014. Durante o seu internamento, a autora foi medicada e submetida a vários exames e tratamentos. Após a alta do internamento, a autora B... foi submetida a consultas médicas externas no Hospital S. João, tendo tido alta clínica a 11 de Julho de 2014.
Por força das lesões resultantes do acidente, a autora sofreu incapacidade temporária absoluta geral entre 13 de Janeiro e 21 de Janeiro de 2014, e incapacidade temporária parcial geral entre 22 de Janeiro de 2014 e 11 de Julho de 2014.
Por força das lesões que sofreu, a autora apresenta limitações na sua vida desportiva, tendo dificuldade em realizar determinados exercícios físicos (designadamente na corrida e em exercícios de ginástica) e em caminhar por períodos prolongados e, por isso, a autora sentiu-se inferiorizada em relação aos colegas de escola com que participou nas atividades escolares desportivas.
Por força das lesões que sofreu, a autora sentiu (no momento do atropelamento e no processo de recuperação), sente e sentirá dores, na região inguinal direita e na região sagrada esquerda, agravadas na marcha prolongada e na permanência na posição de pé. E, por força do atropelamento e das lesões que sofreu, a autora, que era pessoa alegre, saudável, sem qualquer problema físico e com gosto pela atividade física, sente agora tristeza, amargura e frustração.”, a que acresce apresentar a lesada como consequência das lesões “défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 2 pontos e prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau 1”
Se decidiu alterar o valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais dos € 7.500,00 fixados pela 1ª instância para os € 10.000,00 peticionados pela autora em sede de recurso;
v- Ac. STJ de 17/12/2019 acima citado, no qual perante a seguinte factualidade:
“n) Do embate resultaram ferimentos para o Autor, o qual foi transportado para o Hospital desta cidade de …, onde foi socorrido.
o) À data, o Autor, que nasceu no dia 02.08.1954, contava 60 anos de idade.
x) No descrito embate, o Autor sofreu ferimentos nos braços e perna esquerda, assim como contusão do testículo esquerdo, que veio a ficar atrofiado. (após alteração pelo Tribunal da Relação).
y) Após o acidente, o Autor foi conduzido, de ambulância para o Hospital Público de …, onde recebeu os primeiros tratamentos e onde foi medicado.
z) Fez várias consultas e exames médicos no Hospital Público e Privado desta cidade de … .
aa) Onde fez tratamentos vários, como Tac´s.
bb) Na sequência dos ferimentos, o Autor ficou a padecer de queixas cérvico-lombalgias e rigidez da coluna cervical e dorso-lombar com normalidade dos reflexos, sendo simétricos.
cc) O Autor necessita de toma ocasional de medicação analgésica.
dd) Durante o embate, ao ver-se projetado, sofreu um susto e pensou que ia morrer.
ee) Nos dias que se lhe seguiram, o Autor sentiu dores e angústia.
ff) Ocasionalmente, o Autor ainda padece de dores.
gg) O Apelante sente tristeza pelas sequelas que lhe advieram do acidente, tendo passado a isolar-se e a sentir-se deprimido, e a sequela no testículo esquerdo, referida em x) deixou-o angustiado. (após alteração pelo Tribunal da Relação).
(…)
ii) As sequelas que o Autor ficou a padecer provocam-lhe o défice funcional de 4 pontos.
jj) O quantum doloris que o Autor sofreu é quantificável no grau 4 numa escala de 1 a 7.”
Se decidiu ser de confirmar o valor arbitrado de € 15.000,00 “(tido por atualizado à data da sentença da 1.ª instância), num caso que, pese embora esteja longe das situações de invalidez, com total degradação do padrão de vida e da autonomia pessoal do lesado, não deixa de evidenciar, pela natureza das lesões físicas e psíquicas e pela sua repercussão fortemente negativa e irreversível nas potencialidades pessoais e no padrão futuro de vida do autor, que à data do acidente contava 60 anos de idade, uma onerosidade e gravidade objetiva e subjetiva.
*
Estes Acórdãos, que naturalmente retratam situações com as suas próprias especificidades, variando quer na idade dos lesados quer nas sequelas de que ficaram a padecer, como nas dores e incómodos suportados por aqueles, têm como fatores próximos um défice funcional permanente da integridade física que oscila entre 0 e 16 pontos [um não apurado défice funcional (caso i); os quatro pontos (no caso elencado em v); dois pontos no caso iv; 14 pontos no caso iii e 16 pontos no caso ii].
Realçando-se o défice como meio de evidenciar a ordem de grandeza das lesões de que o sofrimento e incómodos causados pelas limitações nas atividades da vida diária são o reflexo, por contraposição a outros tantos casos em que a dimensão das sequelas e inerentes perturbações nos atos da vida diária dos lesados não são sequer comparáveis.
E com todas as especificidades que se reconhece caso a caso, oscilam os valores indemnizatórios arbitrados entre os € 10.000,00 e os € 30.000,00.
Destes casos, realça-se o mencionado em ii no qual foi fixado o valor de € 30.000,00 por ser o que mais se aproxima da situação dos autos, já que ali o lesado ficou a padecer de um défice funcional de 16 pontos, tendo sido sujeito a 5 intervenções e tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos; com um grau de dor física fixado em 4 numa escala de 1 a 7 e dano estético num grau 3 numa mesma escala de 1 a 7 e uma afetação nas atividades desportivas e de lazer num grau 3, numa mesma escala de 1 a 7.
Resulta dos critérios jurisprudenciais assim elencados que o valor arbitrado nos autos - € 30.000,00 - situa-se dentro destes limites e entende-se como tal não violar de forma flagrante esses mesmos critérios.
Reiteramos assim o entendimento já supra manifestado de que o juízo prudencial do tribunal a quo se contém quanto ao valor indemnizatório arbitrado para este dano não patrimonial dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade, não se afastando de modo substancial e injustificado dos padrões generalizadamente adotados pela jurisprudência. Como tal não merecendo censura.
Consequentemente e quanto a este dano, sendo totalmente improcedente quer o recurso do autor quer o recurso da R..

Nos termos supra expostos conclui-se pela parcial procedência do recurso interposto pelo autor e pela total improcedência do recurso subordinado da ré.
***
IV. Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar:
i- Parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor.
Consequentemente e revogando parcialmente a decisão recorrida se decidindo fixar em € 45.000,00 o valor indemnizatório devido ao autor pelo dano biológico de que o mesmo ficou a padecer como consequência do sinistro analisado nos autos.
No mais se mantendo a decisão recorrida.
ii- Julgar totalmente improcedente o recurso subordinado da R..
iii- Custas do recurso do autor pela A. e R. na proporção do vencimento e decaimento.
Custas do recurso subordinado pela ré recorrente.

Porto, 2020-06-15.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
____________
[1] Cfr. Ac. STJ de 06/12/2017, nº de processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
[2] Neste sentido vide Ac. STJ de 19/05/2009, nº de processo 298/06.0TBSJM.S1 em cujo sumário se pode ler “Se a atividade profissional da Autora, pese embora a incapacidade permanente que a afeta em consequência das lesões provocadas pelo acidente de viação de que foi vítima, não implicou a perda de rendimentos laborais, porquanto ao tempo do sinistro estava aposentada da sua profissão de funcionária pública, o que há a considerar como dano patrimonial futuro é o dano biológico, já que a afetação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.”; ainda Ac. STJ de 05/12/2017, nº de processo 505/15.9T8AVR.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt
[3] Seguindo a segunda corrente e entendendo ser de afastar a qualificação deste dano como um “dano autónomo”, vide Ac. TRL de 22/11/2016, nº de processo 1550/13.4TBOER.L1-7 in www.dgsi.pt/jtrl. Em abono da posição seguida tendo citado Maria da Graça Trigo - “Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, Coimbra Editora, 2012, p. 653, onde defende “ que «O dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/ danos não patrimoniais.»”.
Realçando a natureza híbrida ou mista deste dano, na medida em que visando o mesmo ressarcir o dano decorrente da perda genérica de potencialidades funcionais do lesado, pode no caso concreto ter maiores reflexos no campo patrimonial na perspetiva das perdas profissionais próximas ou previsíveis, ou não sendo estas perspetiváveis, no campo dos danos não patrimoniais pela penosidade associada ao exercício de tais atividades, ou acrescentamos nós na penosidade associada à vivência diária em sociedade e em família, vide Ac. STJ de 03/11/2016, nº de processo 1971/12.0TBLLE.E1.S1, em cujo sumário se pode ler “O dano biológico perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”; ainda Ac. STJ de 21/01/2016, nº de processo 1021/11.3TBABT.E1.S1 e Ac. STJ de 07/04/2016, nº de processo 237/13.2TCGMR.G1.S1, elencando as diferentes correntes quanto ao enquadramento do dano biológico.
Elencando as mesmas três correntes que ao nível da jurisprudência têm vindo a ser assumidas quanto ao enquadramento deste dano, vide Acs. STJ de 10/01/2019, nº de processo 499/13.5TBVVD.G1.S2 e mais recentemente Ac. STJ de 17/12/2019, nº de processo 2224/17.2T8BRG.G1.S1. Neste último identificando o dano biológico e enquadrando a sua ressarcibilidade no campo do dano patrimonial, numa situação em que foi apurado um défice funcional de 4 pontos no lesado que “importa esforços acrescidos no exercício da atividade profissional de agricultor, mas não o impedem de a prosseguir.” Concluindo ser então “inquestionável que este défice funcional não pode deixar de relevar enquanto dano biológico, consubstanciado na diminuição, em geral da qualidade de vida pessoal e profissional do autor AA, sendo passível de indemnização, pois pese embora não represente uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, exige-lhe esforços suplementares no desempenho das tarefas específicas da sua atividade de trabalhador agrícola.”.
Defendendo “que o dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial” vide ainda Ac. STJ de 14/12/2017, nº de processo 589/13.4TBFLG.P1.S1 (todos in www.dgi.pt/jstj).
[4] Assim se decidiu no já citado Ac. do STJ de 06/12/2017 (Ac. este convocado também no Ac. do STJ de 17/12/2019 já citado).
Naquele primeiro e após se reconhecer o espectro alargado de prejuízos que o mesmo abrange (tal como já antes referenciado), sobre a sua quantificação afirmou-se “não se afigura que essa indemnização deva ser calculada com base no rendimento anual do A. auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares.
(…)”.
[5] Cfr. mesmo Acs. de 06/12/2017 e de 17/12/2019 supra citados.
[6] Consta da decisão recorrida “Perante a factualidade mencionada, assistir ao autor o direito de ser indemnizado, a título de danos futuros previsíveis consubstanciados, quer na cirurgia que o Autor vier a ser submetido para extração do material de osteossíntese, e nos prejuízos materiais e morais daí advenientes para o Autor, designadamente, em razão dos períodos de défice funcional temporário total e parcial que vierem a ser demandados ao autor, e na sua repercussão temporária na atividade profissional; quer pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do agravamento (dano futuro) do défice funcional permanente parcial da integridade físico-psíquica fixada em 13 pontos, em face do mencionado no facto 64º dos factos provados.”
[7] Cfr. Ac. STJ de 17/12/2019 já supra citado, sobre a amplitude e tipo de prejuízos que este dano visa abranger.
[8] Vide neste sentido Ac. STJ, Relatora Ana Geraldes de 17/11/2016; ainda e entre outros, Ac. TRC de 14/01/14, Relatora Maria Inês Moura; Ac. TRP de 16/10/2017, Relator Miguel B. Morais e Ac. STJ de 07/07/2016 Relator Gonçalves Rocha, todos in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. o já antes citado Ac. do STJ de 17/12/2019.