Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1555/19.1T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
NOÇÃO
AUTO DE (NÃO) CONCILIAÇÃO
FACTOS SOBRE OS QUAIS HOUVE ACORDO
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RP202205041555/19.1T8PNF.P1
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ART.º 10.º/1 LAT
Sumário: I - Consagrando o artigo 2.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, o direito do trabalhador e dos seus familiares à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, nos termos previstos nessa lei e demais legislação regulamentar, teve o legislador a preocupação de consagrar nessa lei o próprio conceito de acidente de trabalho, assim expressamente no n.º 1 do seu artigo 8.º, sem prejuízo da extensão aos casos previstos no seu artigo 9.º.
II - Em termos sintéticos, tem sido entendido que a noção de acidente de trabalho se reconduz a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, ocorrido no local e no tempo de trabalho – entendendo-se estes de acordo com o sentido mais amplo considerado na lei –, do qual resulte, para o trabalhador, direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou a redução na sua capacidade de ganho.
III - Pressupõe deste modo a caracterização de um acidente como de trabalho a verificação de um elemento espacial, em regra o local de trabalho, um elemento temporal, em regra correspondente ao tempo de trabalho, e um elemento causal, este, por um lado, referente ao nexo de causa efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, e, por outro, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
IV - Resultando do auto de não conciliação que a responsável referiu aceitar “a existência de um acidente de trabalho” mas que “não reconhece o nexo de causalidade entre as lesões de que o sinistrado padece e o acidente”, pois que “as lesões são anteriores ao sinistro e sem qualquer relação com o mesmo”, em face desta declaração, devidamente interpretada, é de considerar que ocorreu aceitação do evento tal como foi descrito pelo sinistrado, apenas não ocorrendo o reconhecimento do nexo de causalidade entre esse evento e as lesões de que pareça este último.
V - Por decorrência do aludido em IV, caso o tribunal faça incidir a discussão da causa sobre um facto aceite no auto de não conciliação, a pronúncia que porventura venha a ocorrer em sede de matéria de facto, assim ao não considerar provado esse facto, não pode ser atendida, por contrariar o regime expressamente previsto no Código de Processo de Trabalho e em particular o seu artigo 131.º, n.º 1, alínea c), como ainda o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
VI - Provada a ocorrência do acidente / evento, vigora a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, que tem o alcance de libertar os sinistrados ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o acidente e o dano físico ou psíquico reconhecido na sequência do evento infortunístico –não obstante, sabendo-se que a reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho exige a demonstração de um duplo nexo causal, assim entre o acidente e o dano físico ou psíquico (a lesão, a perturbação funcional, a doença ou a morte) e entre este e o dano laboral (a redução ou a exclusão da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador), tal presunção não abranja esta segunda relação de causalidade, incumbindo ao sinistrado ou seus beneficiários a sua demonstração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1555/19.1T8PNF.P1
Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel
Autor: AA
Ré: X..., S.A.
______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
_________________________

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. Por participação entrada em juízo de trabalho no dia 21/05/2019, foi dado conhecimento da eventual ocorrência de um acidente de trabalho em que teria sido vítima AA.

Decorrida a fase conciliatória nos termos legais, as partes não chegaram a acordo (fls. 101 e ss.), não aceitando a entidade seguradora o nexo causal entre o acidente e as queixas apresentadas, por serem anteriores ao sinistro e sem relação com o mesmo, como também não aceitou o período de incapacidade atribuído.

2. Veio o sinistrado, AA, requerer a abertura da fase contenciosa do processo contra X..., S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe: a) de pensão anual, vitalícia e obrigatoriamente remível de € 320,37, a partir de 62/02/2019, ou seja, indemnização em capital de remição no valor de € 4.698,90; b) a quantia de € 2.118,70 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; c) a quantia de € 633,94 a título de despesas suportadas com tratamentos médicos e medicamentosos; d) a quantia de € 16,00 de despesas de transporte ao GMLF e a este Tribunal; e) juros de mora sobre tais prestações ou montantes, vencidos e vincendos, desde as datas dos respetivos vencimentos e até integral pagamento.
Para tanto alegou o Autor, em síntese: que exerce funções de mecânico de automóveis na sociedade A...-Unipessoal, Lda., de que é gerente, sendo que no dia 12/09/2018, pelas 12 horas, sofreu um acidente de trabalho na garagem da entidade patronal, no exercício das suas funções, por conta, direção e fiscalização daquela; auferia uma retribuição anual de € 9.153,34; o acidente ocorreu quando, ao sair debaixo de um carro que esteve a reparar e se encontrava levantado através de um macaco de rodas, apoiou o membro superior esquerdo no chão para ajudar a levantar o seu corpo do estrado, sentindo um estalo no braço e ombro do lado esquerdo e pescoço, o que lhe provocou de imediato dores e paralisação do braço; foi assistido na Clínica ..., tendo realizado, com autorização da Ré, uma ressonância magnética; foi assistido pelos serviços clínicos da Ré no Hospital ..., onde foi intervencionado e acompanhado em tratamentos ambulatórios; realizou sessões de fisioterapia na Clínica ...; em 12/12/2018, a sua entidade patronal recebeu uma carta da Ré a comunicar que não assumia a responsabilidade pelo acidente aqui em discussão; é uma pessoa saudável, nunca padeceu ou sofreu de lesões na coluna cervical, nunca sofreu acidente de trabalho ou de qualquer outra espécie nem teve doença que lhe provocasse baixa médica; em conformidade com o exame médico realizado no GMLF do Tâmega, padece de uma IPP de 5%, com alta médica em 25/02/2019, período de ITA de 98 dias e período de ITP de 67 dias; despendeu €600,00 em despesas médicas e tratamentos e €33,90 em despesas medicamentosas, bem como €16,00 em deslocações ao Tribunal e ao GMLF, sendo que ainda não recebeu qualquer quantia a título de indemnização por ITA.

2.1. A Ré apresentou contestação, na qual, para além de aceitar a transferência da responsabilidade pelo valor de remuneração anual de € 9.153,34, a relação laboral e funções exercidas pelo Autor, impugna no entanto o acidente como descrito e alega que a patologia de que aquele sofre é consequência de patologia pré-existente (doença natural) à data do acidente e sem relação com este, tendo o Autor tido pelo menos um episódio de patologias relacionadas com cervicalgias em 07/12/2017, pelo que inexiste nexo causal entre as lesões/sequelas e o acidente.
Conclui pela improcedência da ação, por não provada, e sua absolvição do pedido.

2.2. Proferido despacho saneador, enunciou-se de seguida a matéria de facto assente e a que integraria a base instrutória.

2.2.1. Entretanto, no respetivo apenso, foi decidido que o Autor é portador de uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 5%.

2.3. Realizada audiência de julgamento, precedida de decisão sobre a matéria de facto, veio por fim a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julga-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a R. X..., S.A. dos pedidos formulados pelo A. AA.
Custas a cargo do A., nos termos do disposto no artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC.
Valor da acção – € 11.466,55 (cfr. artigo 120º do CPT).
Uma vez que o sinistrado deverá receber um capital de remição, cumpra o disposto nos artigos 148º nºs. 3 e 4 e 149º do CPT.
Registe e notifique.”

2.3.1. Apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, apresentando as suas alegações e formulando no final as conclusões seguintes:
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2.3.2. Apresentou a Ré contra-alegações, as quais, porém, não foram admitidas em 1.ª instância, porque consideradas intempestivas.

3. Subido o recurso a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto exarou posição no sentido da procedência do recurso.

3.1. Respondeu a Ré / recorrida ao aludido parecer, defendendo que o recurso deve improceder.
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Respeitadas as formalidades legais, cumpre apreciar e decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) recurso sobre a matéria de facto; (2) O direito do caso: saber se o Tribunal a quo errou no julgamento de direito ao ter considerado que não estamos perante um acidente de trabalho e consequências decorrentes da resposta a dar a essa questão.

III - Fundamentação
A) Na sentença recorrida consta, como “fundamentação de facto”, o que seguidamente se transcreve:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
Factos assentes por acordo:
A) O A. nasceu em .../.../1973;
B) O A. exerce as funções de mecânico de automóveis para a sociedade A...-Unipessoal, Lda., com o NIPC ..., com sede na Travessa ..., ... da Cidade de Paredes, e da qual também é gerente;
C) No dia 13/09/2018, pelas 12 horas, o A. foi vítima de um acidente na garagem “A...” pertencente àquela sociedade, sita na Travessa ..., Paredes, quando exercia funções próprias de mecânico de 1ª e trabalhava por conta, direcção e fiscalização da entidade patronal mediante a retribuição mensal de € 580,00 acrescida de subsídios de natal e de férias de igual montante e de alimentação de € 6,50 por cada dia de trabalho efectivamente prestado, pelo que a retribuição anual era de € 9.153,34 (€ 580,00/mês x 14 + € 93,94 x 11);
D) A entidade patronal do A. tinha transferida para a R. a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., nos termos constantes das condições juntas a fls. 45 a 47 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
E) No dia 20/09/2018 o A. realizou uma ressonância magnética da coluna cervical na Clínica ..., cujo relatório se encontra junto a fls. 8 e 9 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas, autorizada pela R.;
F) Passados alguns dias o A. foi chamado à Clínica ..., onde o informaram que tinha sofrido lesão em dois discos, nos termos constantes de fls. 7 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida, que iriam informar a R. e que depois o A. seria assistido e tratado nos seus serviços Clínicos;
G) A 18/10/2018, o A. recebeu uma comunicação da R. a informar que tinha uma consulta no dia 22/10, pelas 17 horas, no Hospital ..., nos termos constantes de fls. 10 e 11 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas, onde compareceu e foi observado nos serviços de ortopedia, tendo o médico sido de opinião que teria de ser operado;
H) No dia 10/11/2018, com autorização da R., foi o A. submetido a cirurgia do foro ortopédico no Hospital ... – Porto, tendo posteriormente feito várias sessões de fisioterapia na Clínica ... e andado em tratamentos ambulatórios no referido Hospital ..., nos termos constantes de fls. 12 a 19 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
I) Em 12/12/2018 a entidade patronal do A. recebeu uma carta da R., datada de 03/12/2018, através da qual esta informava aquela sua segurada que não assumia a responsabilidade pelo acidente de que foi vítima o A., nos termos constantes de fls. 20 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
J) A R. não pagou ao A. qualquer quantia a título de indemnizações por ITA;

Factos demonstrados por produção de prova:
K) Na data e hora indicadas em C) o A. estava a reparar um carro que se encontrava levantado através de um macaco de rodas, deitado sobre um estrado de madeira;
L) Tendo sentido dores e paralisação do braço esquerdo;
M) Em consequência do indicado em L), o A. deslocou-se à Clínica ..., na cidade de Paredes, onde foi observado pelo médico;
N) O A. tinha tido, pelo menos, um episódio de patologias relacionadas com cervicalgias, ocorridas em 07/12/2017;
O) O A. sofreu um quadro lesional compatível com o diagnóstico de cervicobraquialgia esquerda, tendo ficado com sequelas de cicatrizes no pescoço, raquialgias cervicais residuais e contratura da musculatura paravertebral do ráquis cervical;
P) O A. sofreu um período de ITA de 14/09 a 20/12/2018; ITP de 50% de 21/12/2018 a 20/01/2019; ITP de 20% de 21/01 a 25/02/2019, data em que teve alta médica;
Q) O A. sofre de uma IPP de 5% em virtude das lesões e sequelas descritas em O).

Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
1) O acidente ocorreu quando, ao sair debaixo do carro que esteve a reparar e indicado em K) dos factos provados, apoiou o membro superior esquerdo no chão para ajudar a levantar o seu corpo do estrado, sentindo de imediato um “estalo” no braço e ombro do lado esquerdo e pescoço, que lhe provocou de imediato o indicado em L) dos factos provados;
2) A Clínica ... na cidade de Paredes situa-se a cerca de 100 metros do seu local de trabalho, tendo o médico indicado ao A. a necessidade de se deslocar nesse dia à Clínica ... da cidade de Penafiel, a fim de aí realizar um raio X, o que o A. cumpriu e, após a sua realização, regressou à primeira clínica onde o médico de serviço observou e estudou o raio X;
3) O A. era e sempre foi uma pessoa saudável, trabalhando com afinco e normalmente;
4) E nunca padeceu ou sofreu de quaisquer lesões na coluna cervical;
5) O A. trabalha desde os 16 anos como mecânico de automóveis e nunca sofreu qualquer acidente de trabalho ou de qualquer outra espécie;
6) E nunca teve nenhuma doença que lhe provocasse baixa médica;
7) Em assistência médica e medicamentosa, necessária à recuperação das lesões decorrentes do acidente de trabalho, o A. despendeu a quantia total de € 633,94;
8) As lesões, períodos de ITA, de ITP, data de alta médica e IPP identificadas de O) a Q) dos factos provados foram consequência directa e necessária de um acidente de trabalho.”

B) - Discussão
1. Reapreciação da matéria de facto
O Recorrente começa por dirigir o presente recurso à reapreciação da matéria de facto, assim nas suas conclusões 1.ª a 19.ª, invocando designadamente o seguinte:
- A Ré aceitou expressamente na tentativa de conciliação realizada em 27-11-2020 na fase conciliatória do processo a existência do acidente de trabalho, só não aceitando então o nexo de causalidade entre o evento (acidente de trabalho) e as lesões de que o sinistrado padece, pelo que, diz, diversamente do referido na sentença, funciona em pleno a presunção estabelecida no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT (Lei nº 98) 2009, do que decorre, acrescenta ainda, que, porque quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de fazer a prova dos factos a que ela conduz – artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil –, incumbia assim à Ré e não ao Autor “a prova da não existência do uso de causalidade adequada entre o evento (acidente de trabalho) e as lesões e sequelas sofridas pelo sinistrado o que a ré não conseguiu demonstrar”;
- O Tribunal aderiu à tese minoritária, subscrito pelo Senhor Perito Médico indicado pela Ré Seguradora, e rejeitou a opinião maioritária constante do auto de exame por Junta Médica e subscrito pelos Senhores Peritos Médicos nomeado pelo Tribunal e indicado pelo sinistrado, não valorizando, diz, corretamente os esclarecimentos orais prestados na audiência final de julgamento por todos aqueles Peritos – esclarecimentos que se encontram gravados no sistema áudio do Tribunal e que transcreve nas alegações –, sendo que, diz ainda, seria correto que a decisão judicial se baseasse neste laudo maioritário – que confirma implicitamente o relatório da 1ª perícia singular, realizada no Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega –, para além de que, sendo subscrito pelo Perito Médico do Tribunal e pelo Perito Médico do Tribunal, estes merecem mais credibilidade, pelas garantias de independência, imparcialidade e competência;
- Também não foram valorados corretamente os depoimentos das testemunhas que foram transcritos, em parte, nas alegações;
- Como não o foram, ainda, os documentos nºs 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11e12, juntos pelo Autor com a sua petição, que são comprovativos das despesas médicas e medicamentosas e com tratamentos de fisioterapia pagas pelo Autor, documentos esses emitidos pela Clínica ..., que lhe prestou apenas serviços e pelas Farmácias que lhe venderam os medicamentos, constituindo esses documentos meio probatórios idóneos para prova dessas despesas que importam no total de € 633,94;
- Os factos dados como provados em K), L), M), O), P) e Q) estão em contradição com os factos não provados constates dos pontos nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, devendo estes últimos por essa razão ser alterados para passarem a provados, “consoante alegado foi pelo apelante nos Números XIX e XX destas motivações de recurso que aqui se dão como reproduzidos”.
Pronuncia-se o Ministério Públio junto desta Relação pela procedência do recurso.

Verificando-se previamente do cumprimento dos ónus legais e eventuais consequências que possam resultar do seu incumprimento, de seguida procederemos à apreciação, adiantando-se desde já que o Tribunal recorrido fez constar na motivação da matéria de facto o seguinte:
“Consigna-se que os pontos O) a Q) dos factos provados e 8) dos factos não provados foram incluídos na matéria de facto provada por ter resultado da prova produzida no processo, mais precisamente do exame de junta médica realizada no apenso e esclarecimentos orais prestados pelos peritos, e ao abrigo do disposto no artigo 5º nº 2 alíneas a) e b) do CPC.
Motivação da decisão de facto:
Os pontos A) a J) resultam do acordo das partes e consistem nos factos dados como assentes em sede de despacho saneador.
Deram-se como provados os pontos K) e L) com base no depoimento das testemunhas BB, cliente do A., e CC, seu trabalhador há 10 anos, sendo que o primeiro afirmou que o A. se encontrava a reparar o seu veículo, nos termos provados e o segundo confirmou também que o A. se encontrava debaixo do veículo, sem saber, no entanto, o que estava lá a fazer. No entanto, nenhuma das testemunhas estava presente antes do A. gritar por ajuda, sendo que apenas nessa altura se dirigiram junto do mesmo. O segundo tentou arrastá-lo debaixo do carro, tendo afirmado que o A. se queixava do ombro e braço esquerdos e não conseguia mover o braço sem dor; e o primeiro declarou que já só viu o funcionário puxar o A. debaixo do carro e encostá-lo a um móvel, sendo que o A. se queixava do braço. Não se produziu qualquer outra prova quanto ao ocorrido debaixo do veículo e que pudesse ter originado as dores dadas como provadas, pelo que não se provou o ponto 1).
O ponto M) foi dado como provado com base no teor de fls. 37 dos autos, referente a informação clínica da R. datada de 25/09/2018 e onde é feita expressa referência à assistência inicial do A. na Clínica ..., o que comprova o teor da prescrição médica de fls. 120 verso, na qual é identificada a Clínica ..., pelo que este documento, não obstante impugnado pela R., resultou demonstrado da conjugação do teor de fls. 37.
Demonstrou-se o ponto N) com base no teor da informação clínica de fls. 41, da qual resulta que o A. teve anterior queixas diárias registadas clinicamente como cervicalgia a Dezembro de 2017, com dor à palpação cervical e na região do trapézio à esquerda, confirmado ainda pelo registo clínico da consulta de 07/12/2017, de fls. 84 dos autos; relatório de raio X de 24/02/2018, de fls. 42, no qual é referido “Incipiente espôndilo-uncodiscopatia cervical inferior em C6-C7”.
Deram-se como provados os pontos O) a Q) com base no seguinte: de acordo com o relatório médico de fls. 91, a R. procedeu a uma cirurgia de discectomia e artrodese C5-C6 e C6-C7, o que é confirmado pelo teor do processo clínico da R., a fls. 37, na consulta de 28/11/2018. Na ressonância magnética de 20/09/2018, posterior ao acidente, o A. apresentava incipiente redução da altura dos espaços intersomáticos C5-C6 e sobretudo C6-C7 relacionada com espôndilo-discratroses (cfr. fls. 38).
A espôndilo-discratose constitui uma patologia degenerativa, designada por artrose, identificada pelos peritos no auto de junta médica de fls. 15 do apenso e em esclarecimentos orais, que o A. possuía, mas que, no entanto, é distinta da lesão que consideraram para efeitos dos presentes autos.
No entanto, tanto o perito que realizou o exame médico na fase conciliatória como os peritos do Tribunal e do sinistrado que participaram na junta médica estão de acordo quanto à diferença entre uma cervicalgia (de que o A. se queixou em Dezembro de 2017) e uma cervicobraquialgia, que apuraram da análise dos exames médicos e elementos clínicos realizados após a data de 13/09/2018 e exame médico ao A., concluindo-se, assim, que o A., após esta data, apresentava uma lesão diferente da anterior cervicalgia.
Em sede de junta médica realizada no apenso de fixação da incapacidade para o trabalho, com base no exame ao A. e elementos documentais juntos aos autos, nos quais se incluem os já supra mencionados, os peritos médicos do sinistrado e do Tribunal concluíram que o A. sofreu um quadro lesional compatível com o diagnóstico de cervicobraquialgia esquerda, tendo ficado com sequelas de cicatrizes no pescoço, raquialgias cervicais residuais e contratura da musculatura paravertebral do ráquis cervical, apenas considerando que o A. já era postador de patologia degenerativa de espondilodiscartrose cervical, a qual terá sido agravada pelo quadro lesional em causa, em termos permanentes, com fixação de uma IPP de 5%. Também identificaram os períodos de incapacidade temporária dados como provados que, nesta parte, foram aceites pelo perito da R.. Este, no entanto, não concordou com a fixação de uma IPP, por entender que a hérnia discal intervencionada não foi consequência do evento.
Da conjugação destes meios de prova, verifica-se divergência de opiniões médicas quanto às lesões resultantes do acidente, ou seja, nexo causal.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 388º do Código Civil, “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devem ser objecto de inspecção judicial”, sendo que, em sede de acidentes de trabalho, é legalmente imposta a realização de exames médicos com vista ao apuramento das lesões sofridas pelo sinistrado, nexo causal com o acidente de trabalho e as incapacidades provocadas por aquelas (cfr. artigos 101º, 105º, 117º, 138º e 139º, todos do CPT), por se tratar de factos que pressupõem conhecimentos médicos que o julgador não domina, não podendo este utilizar a sua ciência privada e substituir-se aos peritos. Deverá ainda ter-se em consideração os depoimentos de testemunhas que revelem ter conhecimento em tais áreas.
Assim, o resultado da avaliação pericial, apesar de não constituir um juízo vinculativo do Tribunal, é-lhe de grande auxílio, uma vez que importa para os autos os elementos objectivos e técnicos imprescindíveis à formação da convicção do julgador, sobretudo se se verificar a carência de outros elementos objectivos que permitam outra conclusão. Sendo que, quando haja disparidade entre os peritos do Tribunal e os outros, deve merecer a preferência do julgador o laudo dos primeiros, pela maior garantia de imparcialidade que oferecem, aliada à competência técnica, de presumir.
Ora, no caso em apreço, verifica-se que existe uma divergência entre os peritos quanto à causa das lesões apuradas e IPP determinada.
Considerando que o perito da R. não discorda da IPP atribuída pelos colegas, mas apenas do nexo causal das lesões com o acidente alegado, verifica-se que, em termos clínicos, inexiste divergência, motivo pelo qual foram dadas como provadas as lesões descritas no auto de junta médica, períodos de incapacidade temporária, data da alta e IPP.
Já o mesmo não se pode afirmar do nexo causal entre as lesões e o acidente alegado pelo A., que se trata de um elemento jurídico. E a este nível, o que se verifica dos factos dados como provados e não provados é que não ficou demonstrada a concretização do acidente alegado pelo A., não se tendo provado de que modo surgiu dor a este quando foi socorrido, ou seja, a verificação de um acidente de trabalho nem, consequentemente, opera a presunção do respectivo nexo causal. Prova esta que cabia ao A.. Consequentemente, deu-se como não provado o ponto 8).
Os factos dados como não provados resultaram da ausência de prova nesse sentido, sendo que, quanto ao ponto 2), nenhuma prova foi produzida quanto à distância entre a clínica e o local de trabalho do A., para além de esta clínica apenas ter informado os autos, a fls. 159, que o A. foi aí assistido em 13/09/2018, que foi solicitado RX e posteriormente RMN, mas sem que faça referência a diferentes clínicas ou exame do RX na data do acidente.
Não se provaram os pontos 3) a 6) em virtude de a testemunha CC apenas se ter pronunciado como trabalhador do A. nos últimos 10 anos, o que, dada a data de nascimento deste, evidencia que não o conhece desde os 16 anos e, como tal, não revelou ter conhecimento destes factos. A testemunha BB também não demonstrou ter conhecimento destes factos. Ao exposto acresce o facto de, como resulta do teor da informação clínica de fls. 41, o A. ter tido anterior queixas diárias de cervicalgia a Dezembro de 2017, o que constitui uma lesão da coluna cervical.
O ponto 7) foi dado como não provado em virtude de a R. ter impugnado todos os documentos juntos pelo A. com a petição inicial e estes não terem sido confirmados por qualquer outro meio de prova, pelo que não puderam ser considerados. Também nenhuma das testemunhas inquiridas se pronunciou sobre o valor em questão.
1.1. Cumprindo-nos apreciar, pela ordem que o Recorrente as coloca, começando-se pela análise do argumento, pois que invocado para todos os pontos, de “os factos dados como provados em K), L), M), O), P) e Q) estão em contradição com os factos não provados constates dos pontos nºs 1,2,3,4,5,6,7 e 8, devendo estes últimos por essa razão ser alterados para passarem a provados, “consoante alegado foi pelo apelante nos Números XIX e XX destas motivações de recurso que aqui se dão como reproduzidos”, importa esclarecer que, mesmo com recurso ao corpo das alegações, não descortinamos também quaisquer razões ou fundamentos que evidenciem tal contradição, que aliás não se refere, sendo que, importa dizê-lo, impor-se-ia que o Recorrente o tivesse feito, em termos de tentar convencer que assim seria, tanto mais que o conteúdo das conclusões tem de resultar do que foi previamente alegado no corpo das alegações.

Quanto ao mais, diremos o seguinte:

1.1.1. Ponto 1.º da factualidade não provada:
Entendendo-se que foram cumpridos quanto a este ponto os ónus estabelecidos pelo artigo 640.º do CPC, nada obstando assim à apreciação, passando o primeiro dos argumentos invocados por verificar se, como o Recorrente o defende, a Ré aceitou expressamente na tentativa de conciliação a existência do acidente de trabalho, em resposta desde já diremos que lhe assiste efetivamente razão, pois que, em face do que resulta do auto, tendo o Sinistrado referido nesse âmbito “que no dia 13 de Setembro de 2018 cerca das 12:00 horas, em Paredes foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de mecânico de automóveis/gerente da entidade empregadora (…) e que “o acidente ocorreu quando ao sair de baixo de um carro, que estava num estrado, apoiou o membro superior esquerdo no chão para se ajudar a levantar, sentindo de imediato um estalo no pescoço, que lhe provocou tonturas, resultando cervicobraquialgia aguda à esquerda”, contata-se que, em face do mesmo auto, a posição expressa pela Ré, através do seu representante, foi a de que “aceita a existência de um acidente de trabalho”, muito embora de seguida refira que “não reconhece o nexo de causalidade entre as lesões de que o sinistrado padece e o acidente”, pois que “as lesões são anteriores ao sinistro e sem qualquer relação com o mesmo”. Ou seja, em face desta declaração, devidamente interpretada, em que a Ré apenas não reconheceu o nexo de causalidade entre as lesões de que o Sinistrado padece e o acidente, aceitando no entanto expressamente a ocorrência do acidente de trabalho do modo como foi invocado pelo Sinistrado, aí se inclui que esse “ocorreu quando ao sair de baixo de um carro, que estava num estrado, apoiou o membro superior esquerdo no chão para se ajudar a levantar, sentindo de imediato um estalo no pescoço, que lhe provocou tonturas”, pois que a declaração da Ré de que “não reconhece o nexo de causalidade entre as lesões de que o sinistrado padece e o acidente”, apenas se traduz em não aceitação de que a lesão invocada, ou seja que resultou “cervicobraquialgia aguda à esquerda”, decorra do acidente invocado.
Sendo assim, tendo presente o regime aplicável aos casos em que se não lograr obter o acordo na fase conciliatória – dispõe-se no artigo 112.º do CPT que, frustrando-se a conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, sendo que, aí não se prevendo um dever de consignação dos factos que fundamentam o desacordo quando esse resultar da posição da entidade a quem é imputada a responsabilidade[1], no entanto, quanto à delimitação que os beneficiários devem fazer no ato de tentativa de conciliação das questões que pretendam suscitar, a questão assume-se como distinta, pois que a lei processual laboral impõe aos intervenientes no processo especial de acidentes de trabalho um especial dever de, aí, se pronunciarem, caso estejam em condições de o fazer, sobre todas as questões antes mencionadas, pelo que, em presença do acordo que esteja a ser proposto pelo Ministério Público, devem tomar posição acerca do que lhes é proposto, factos e direitos daí emergentes (sendo que, caso se recusem a tomar posição, estando já habilitado a fazê-lo, são a final condenados como litigantes de má-fé (artigo 112º, nº 2 do CPT) –, avançando agora na análise, a respeito da fase contenciosa, no que aqui importa, resulta do artigo 131.º, sob a epígrafe “despacho saneador”, assim do seu n.º 1, alínea c), que são considerados “assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”, razão pela qual, a pronúncia do Tribunal a quo, ao incluir na factualidade não provada o que consta do ponto 1.º, acabou por violar o regime estabelecido em tal normativo – com ainda o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, pois que, como neste se refere, a livre apreciação não abrange os factos que estejam plenamente provados por acordo ou confissão das partes. Assim o dizemos, esclareça-se, não obstante o que também consta da alínea K), já que, apesar de resultar já dessa que “na data e hora indicadas em C) o A. estava a reparar um carro que se encontrava levantado através de um macaco de rodas, deitado sobre um estrado de madeira”, tal factualidade não colide, antes se complementando, com o que consta do referido ponto 1.º da factualidade não provada, assim que o acidente “ocorreu quando ao sair de baixo de um carro, que estava num estrado, apoiou o membro superior esquerdo no chão para se ajudar a levantar, sentindo de imediato um estalo no pescoço, que lhe provocou tonturas”. Por outro lado, quanto à referência a “que lhe provocou de imediato o indicado em L) dos factos provados”, constante da parte final do ponto 1.º dado como não provado, a manutenção de tal referência encontra-se plenamente justificada, desde logo, e precisamente, em termos de adequada conciliação entre a pronúncia que consta dessa alínea e o que demais que resulta do aludido ponto, sendo que o modo adequado de ser integrada toda essa factualidade é a de se alterar o conteúdo da referida alínea L), de modo a que a passe a comportar.
Em face do exposto, procedendo o argumento invocado e antes analisado e assim o recurso na parte dirigida ao ponto 1.º da factualidade não provada, a alínea L) passa a ter a redação seguinte:
“L) O acidente ocorreu quando, ao sair debaixo do carro que esteve a reparar e indicado em K) dos factos provados, apoiou o membro superior esquerdo no chão para ajudar a levantar o seu corpo do estrado, sentindo de imediato um “estalo” no braço e ombro do lado esquerdo e pescoço, tendo sentido de imediato dores e paralisação do braço esquerdo”.

1.1.2. Ponto 8.º da factualidade não provada:
Cumpridos que também foram os ónus legais de impugnação, porque relacionado com o ponto anteriormente analisado, passando-se de seguida à apreciação do ponto 8.º da factualidade provada – com a redação seguinte: “8) As lesões, períodos de ITA, de ITP, data de alta médica e IPP identificadas de O) a Q) dos factos provados foram consequência directa e necessária de um acidente de trabalho.” –, desde já avançamos, mais uma vez, que, desde logo em face da procedência do recurso quanto ao ponto anteriormente analisado – como aliás o sustenta o Recorrente, no que é acompanhado pelo Ministério Público no parecer emitido e, diga-se, a própria Recorrida o reconhece na resposta a esse parecer, ao referir que dependeria da prova desse ponto de facto –, procede o recurso também nesta parte.
Aliás, a alteração da alínea L), que antes se determinou em sede recursiva, faz desde logo cair pela base os fundamentos que o Tribunal a quo fez constar da motivação antes transcrita, a respeito do nexo causal entre as lesões e o acidente, pois que, diversamente do pressuposto de que aí se partiu, ficou demonstrada a ocorrência do evento / acidente.
Daí que, sendo verdade que o Sinistrado, quanto à prova do próprio evento, não goza de qualquer presunção legal[2], assim nomeadamente a prevista no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais[3] – “1 - A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.” –, no entanto, no caso, está como se viu demonstrada a sua ocorrência, pelo que, tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2015[4]’[5], a presunção aí estabelecida tem “o alcance de libertar os sinistrados ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o acidente e o dano físico ou psíquico reconhecido na sequência do evento infortunístico” – não obstante, como no mesmo se esclarece, “sabendo-se que a reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho exige a demonstração de um duplo nexo causal, “entre o acidente e o dano físico ou psíquico (a lesão, a perturbação funcional, a doença ou a morte) e entre este e o dano laboral (a redução ou a exclusão da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador)”, a mesma presunção também não abrange esta segunda relação de causalidade, incumbindo ao sinistrado ou seus beneficiários a sua demonstração.”
Neste contexto e regime, voltando ao caso que se aprecia, também não acompanhamos, salvo o devido respeito, tanto mais que nem sequer consideramos que tenham sido minimamente explicadas as razões efetivas por que o Tribunal a quo acabou por afastar a posição assumida quer pelo Perito que realizou o exame médico na fase conciliatória quer maioritariamente pelos Peritos que integraram a junta médica – desde logo quando referiram a existência de diferença entre uma cervicalgia (de que o A. se queixou em Dezembro de 2017) e uma cervicobraquialgia, que apuraram da análise dos exames médicos e elementos clínicos realizados após a data de 13/09/2018 e exame médico ao A., concluindo, assim, que o A., após esta data, apresentava uma lesão diferente da anterior cervicalgia, e, em particular quanto à junta médica, ao terem concluído, os peritos médicos do sinistrado e do Tribunal, com base no exame ao A. e elementos documentais juntos aos autos, que o A. sofreu um quadro lesional compatível com o diagnóstico de cervicobraquialgia esquerda, tendo ficado com sequelas de cicatrizes no pescoço, raquialgias cervicais residuais e contratura da musculatura paravertebral do ráquis cervical, apenas considerando que o A. já era postador de patologia degenerativa de espondilodiscartrose cervical, a qual terá sido agravada pelo quadro lesional em causa, em termos permanentes, com fixação de uma IPP de 5% (identificando, também, os períodos de incapacidade temporária dados como provados) –, para aderir à posição do Perito indicado pela Ré – que não concordou com a fixação de uma IPP, por entender que a hérnia discal intervencionada não foi consequência do evento.
Na verdade, não obstante a referida divergência de “opiniões médicas quanto às lesões resultantes do acidente, ou seja, nexo causal”, para utilizarmos os termos usados pelo mesmo Tribunal, a respeito do resultado da avaliação pericial, referindo depois o mesmo Tribunal que “apesar de não constituir um juízo vinculativo do Tribunal, é-lhe de grande auxílio, uma vez que importa para os autos os elementos objectivos e técnicos imprescindíveis à formação da convicção do julgador, sobretudo se se verificar a carência de outros elementos objectivos que permitam outra conclusão”, “sendo que, quando haja disparidade entre os peritos do Tribunal e os outros, deve merecer a preferência do julgador o laudo dos primeiros, pela maior garantia de imparcialidade que oferecem, aliada à competência técnica, de presumir”, então, no caso, sequer foi utilizado esse entendimento, pois que, afinal, o Tribunal acabou por afastar a posição que foi assumida por aqueles, sem que, voltamos a repetir, indique expressamente as razões, desde logo de índole técnica / médica, que na sua ótica justificariam esse afastamento.
Aliás, analisados tais argumentos, bem como os elementos existentes nos autos, posição e esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos, tal como o salienta o Recorrente nas alegações, incluindo através da prova que indica, a verdade é que não encontramos fundamento que justifique o afastamento da posição assumida maioritariamente em sede de junta médica.
Sendo assim, sem necessidade de outras considerações, procedendo o recurso também nesta parte, passa a integrar a factualidade provada, sob a alínea R), o que consta do ponto 8.º da factualidade não provada, com a redação seguinte:
“R) As lesões, períodos de ITA, de ITP, data de alta médica e IPP identificadas em O) a Q) dos factos provados foram consequência directa e necessária do referido na alínea L)”

1.1.3. Ponto 2.º, da factualidade não provada:
Este ponto têm a redação que de seguida se transcreve:
“2) A Clínica ... na cidade de Paredes situa-se a cerca de 100 metros do seu local de trabalho, tendo o médico indicado ao A. a necessidade de se deslocar nesse dia à Clínica ... da cidade de Penafiel, a fim de aí realizar um raio X, o que o A. cumpriu e, após a sua realização, regressou à primeira clínica onde o médico de serviço observou e estudou o raio X;”
Socorrendo-nos do corpo das alegações, o Recorrente aí refere expressamente que “deverá ser dado como provado tudo quanto consta da informação clínica prestadas pela Clínica ... – Hospital ...” através do seu ofício nº ... de 25/02/2021 e endereçado ao juízo do Trabalho de Penafiel onde deu entrada com o nº 6929526 em 26-02-2021 constituído aquele ofício dessa Clinica resposta à requisição/oficio deste Tribunal nº 84729002 de 15/2/2021”, transcrevendo de seguida o que diz ser o conteúdo dessa informação.
Ou seja, se bem se percebe, em face do que é referido no corpo das alegações, dessas resulta que o Recorrente pretende que se dê como provado o conteúdo da informação que aí refere, sendo que, no entanto, das conclusões que apresentou apenas resulta, assim nas conclusões 17.ª a 19.ª, aliás dirigidas a todos esses, que os pontos “1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 Não Provados” deverão ser alterados e passar a provados, por estarem em contradição com o que se deu como provado nas alíneas K), L), M), O), P) e Q) da factualidade provada, pelo que, nada mais se dizendo, essa remissão para esses pontos apenas permitirá retirar a ilação que a redação que está a especificar, para cumprimento do ónus estabelecido no n.º 1, alínea c), do artigo 640.º do CPC – para além do mais previsto nesse normativo, que deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição do recurso, “A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” –, será a que consta do ponto 2.º da factualidade não provada, que antes transcrevemos.
Sendo assim, ainda sem prejuízo valer neste âmbito o que referimos antes no ponto “1.1.” da nossa apreciação, para onde remetemos, constatando-se que existe afinal contradição entre o que é referido no corpo das alegações e depois nas conclusões, porque estas, como se disse já, devem ser uma súmula das primeiras, devendo então prevalecer o que dessas resulte, então a consequência será a de que o Recorrente não levou às conclusões, quanto ao analisado ponto, a redação que lhe deve ser dada, ónus esse que, como tem sido referido pela Jurisprudência, se lhe impunha sob pena de rejeição do recurso[6].
Não obstante, mesmo que não se colocasse o obstáculo a que antes aludimos e a inerente rejeição do recurso nesta parte, sendo nessa hipótese de atender, como sendo a oferecida, a redação que consta da sentença referente ao ponto 2.º não provado, então, sempre acrescentaremos que, na necessária consideração do que já consta como provado nas alíneas E) e F) da factualidade provada – assim: “E) No dia 20/09/2018 o A. realizou uma ressonância magnética da coluna cervical na Clínica ..., cujo relatório se encontra junto a fls. 8 e 9 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas, autorizada pela R.; F) Passados alguns dias o A. foi chamado à Clínica ..., onde o informaram que tinha sofrido lesão em dois discos, nos termos constantes de fls. 7 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida, que iriam informar a R. e que depois o A. seria assistido e tratado nos seus serviços Clínicos;” –, a prova oferecida não permitiria formar convicção bastante para a prova da factualidade que consta da redação daquele ponto, com a consequente improcedência do recurso, assim para efeitos de infirmar a convicção formada em 1.ª instância, baseada, em face do que consta da motivação, no seguinte: “(…) quanto ao ponto 2), nenhuma prova foi produzida quanto à distância entre a clínica e o local de trabalho do A., para além de esta clínica apenas ter informado os autos, a fls. 159, que o A. foi aí assistido em 13/09/2018, que foi solicitado RX e posteriormente RMN, mas sem que faça referência a diferentes clínicas ou exame do RX na data do acidente.”

1.1.4. Pontos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º da factualidade não provada:
Estes pontos têm a redação que de seguida se transcreve:
“3) O A. era e sempre foi uma pessoa saudável, trabalhando com afinco e normalmente;
4) E nunca padeceu ou sofreu de quaisquer lesões na coluna cervical;
5) O A. trabalha desde os 16 anos como mecânico de automóveis e nunca sofreu qualquer acidente de trabalho ou de qualquer outra espécie;
6) E nunca teve nenhuma doença que lhe provocasse baixa médica;”
Quanto ao conteúdo destes pontos, importando apreciar, mesmo com recurso ao corpo das alegações, nenhuma prova concreta é indicada para infirmar a convicção formada, quanto a esses, em 1.ª instância, baseada, em face do que consta da motivação, no seguinte: “(…) Não se provaram os pontos 3) a 6) em virtude de a testemunha CC apenas se ter pronunciado como trabalhador do A. nos últimos 10 anos, o que, dada a data de nascimento deste, evidencia que não o conhece desde os 16 anos e, como tal, não revelou ter conhecimento destes factos. A testemunha BB também não demonstrou ter conhecimento destes factos. Ao exposto acresce o facto de, como resulta do teor da informação clínica de fls. 41, o A. ter tido anterior queixas diárias de cervicalgia a Dezembro de 2017, o que constitui uma lesão da coluna cervical.”
Sendo este o caso, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso nesta parte.

1.1.5. Ponto 7.º da factualidade não provada:
“7) Em assistência médica e medicamentosa, necessária à recuperação das lesões decorrentes do acidente de trabalho, o A. despendeu a quantia total de € 633,94;”
Da motivação da matéria de facto fez-se constar o seguinte: “O ponto 7) foi dado como não provado em virtude de a R. ter impugnado todos os documentos juntos pelo A. com a petição inicial e estes não terem sido confirmados por qualquer outro meio de prova, pelo que não puderam ser considerados. Também nenhuma das testemunhas inquiridas se pronunciou sobre o valor em questão.”
Ora, em face das alegações, o Recorrente para sustentar a alteração remete apenas para o conteúdo dos documentos, esquecendo os fundamentos mencionados pelo Tribunal a quo para, apesar daquele conteúdo, o não ter considerado, assim a circunstância de terem sido impugnados os documentos e que, em face dessa impugnação, o conteúdo dos mesmos não ter sido confirmado por qualquer outro meio de prova, razão pela qual não ocorre fundamento para a alteração pretendida.
Improcede assim também o recurso quanto a este ponto.

1.2. Nos termos antes decididos, o quadro factual a atender para dizermos de direito é o que foi fixado em 1.ª instância, com as alterações a que procedemos anteriormente.

2. Direito do caso
2.1 Saber se ocorreu um acidente de trabalho
Por decorrência da alteração da matéria de facto por que pugnou, defende o Recorrente que, sendo a sentença revogada, deve julgar-se procedente a ação, com todas as consequências legais.
Não tendo sido admitidas as contra-alegações, no parecer que emitiu defende o Exmo. Procurador-Geral Ajunto a procedência do recurso.
Na sentença recorrida, depois de se afirmar que o Autor não logrou provar, como lhe competia por ser facto constitutivo do direito, a existência do evento configurável como acidente – como ainda que não seria aplicável ao caso “a presunção estabelecida no artigo 10.º n.º 1 do RJAT e que se limita ao nexo causal entre o evento e as lesões, mas não ao próprio evento” –, concluiu-se pela improcedência da ação.
Ora, cumprindo apreciar, e desde logo, por decorrência do que resulta da apreciação realizada no presente recurso em sede de reapreciação da matéria de facto, em face das alterações introduzidas nesta sede recursiva, cai pela base o pressuposto em que se baseou o Tribunal recorrido aquando da aplicação do direito, ou seja, que não se havia provado um evento qualificável como acidente de trabalho, como melhor esclareceremos de seguida.
Consagrando o artigo 2.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, o direito do trabalhador e dos seus familiares à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, nos termos previstos nessa lei e demais legislação regulamentar, teve o legislador a preocupação de consagrar nessa lei o próprio conceito de acidente de trabalho, assim expressamente no n.º 1 do seu artigo 8.º – “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte” –, sem prejuízo da extensão aos casos previstos no seu artigo 9.º.
Em termos sintéticos, tem sido entendido que a noção de acidente de trabalho se reconduz a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, ocorrido no local e no tempo de trabalho – entendendo-se estes de acordo com o sentido mais amplo considerado na lei –, do qual resulte, para o trabalhador, direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou a redução na sua capacidade de ganho. Pressupõe deste modo a caracterização de um acidente como de trabalho, a verificação de um elemento espacial, em regra o local de trabalho, um elemento temporal, em regra correspondente ao tempo de trabalho, e um elemento causal, este, por um lado, referente ao nexo de causa efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, e, por outro, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
Em face do referido conceito, aplicado ao caso, tendo por base a factualidade provada, já com as alterações a que procedemos no presente recurso, não poderemos deixar de concluir que estamos perante um evento / acidente, ocorrido no local e tempo de trabalho – o Sinistrado, “ao sair debaixo do carro que esteve a reparar e indicado em K) dos factos provados, apoiou o membro superior esquerdo no chão para ajudar a levantar o seu corpo do estrado, sentindo de imediato um “estalo” no braço e ombro do lado esquerdo e pescoço, tendo sentido de imediato dores e paralisação do braço esquerdo” (alínea L) da factualidade provada) –, evento esse, em face do quadro normativo aplicável, que deve ser qualificado como acidente de trabalho, sendo que do mesmo resultou para o Sinistrado, como consequência direta e necessária, um quadro lesional compatível com o diagnóstico de cervicobraquialgia esquerda, tendo ficado com sequelas de cicatrizes no pescoço, raquialgias cervicais residuais e contratura da musculatura paravertebral do ráquis cervical, do qual resultou uma IPP de 5%, bem como um período de ITA de 14/09 a 20/12/2018, de ITP de 50% de 21/12/2018 a 20/01/2019, e de ITP de 20% de 21/01 a 25/02/2019, data em que teve alta médica (alíneas O), P) Q) e R), da factualidade provada).

2.2. Apuramento dos direitos
Por decorrência da conclusão a que se chegou anteriormente, importa, por decorrência, apurar e fixar neste momento os direitos que assistem ao Sinistrado / aqui recorrente.
Nos termos do disposto nos artigos 23.º, alínea b), 39.º, 47.º, n.º 1, alíneas a), c), 48.º, n.ºs 1, 2 e 3, alíneas c) e d), 50.º, 71.º e 79.º, n.ºs 4 e 5, atendendo à incapacidade de que o autor ficou a padecer, a reparação deve consistir (1) no pagamento das indemnizações por incapacidades temporárias e (2) no pagamento da pensão devida por incapacidade.
Para efeitos de cálculo, teremos de atender à retribuição anual auferida pelo Sinistrado, de €9.153,34 (€ 580,00/mês x 14 + € 93,94 x 11), valor em relação ao qual havia sido transferida a responsabilidade para a Ré seguradora.
Conferindo a incapacidade permanente parcial (IPP), nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.ºs 2 e 3, al. c), da Lei n.º 98/2000, ao Autor, o direito a receber uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho – ou de capital de remição da pensão, nos termos previstos no artigo 75.º, onde se declara serem obrigatoriamente remíveis todas as pensões anuais e vitalícias devidas ao sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%, como é o caso –, sendo tal pensão, nos termos do n.º 2 do artigo 50.º fixada em montante anual e começando a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado, ou seja, no caso, em 26/02/2019, por aplicação ao caso do citado regime, ascendendo a retribuição legal devido ao Autor à data do acidente a €9.153,34, por via daquela IPP de 5% de que se encontra afetado, assiste-lhe o direito a receber uma pensão anual e vitalícia de €320.37, a partir de 26/02/2019 (€9.153,34 x 70% x 5% de IPP)[7], pensão esta obrigatoriamente remível.
Por sua vez, quanto ao cálculo da indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA), importando ter presente que, como se provou, como aquela se verificou no período compreendido entre 14 de setembro e 20 de dezembro de 2018, resulta do disposto no artigo 48.º, n.ºs 1 e 3, al. d), da Lei n.º 98/2009, que tal incapacidade confere ao trabalhador o direito a receber uma “indemnização diária igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente”.
A indemnização é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao acidente, sendo o pagamento processado mensalmente (artigos 50.º/1 e 72.º/3, da LAT), e, sendo superior a 30 dias, como acontece no caso, é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da indemnização diária que for apurada (art.º 50.º /3).
Deste modo, incluindo já as partes proporcionais, na medida em que partimos do valor da RA integrando os subsídios de férias e de Natal, a este título, assiste ao Autor o direito a receber €1719,90 – €17,55 (€9.153,34 : 365 x 70%) x 98 dias de ITA.
Agora referente aos períodos de incapacidade temporária parcial, importando ter presente que, como se provou, no período compreendido entre 21/12/2018 e 20/01/2019 foi de 50% e entre 21/01 a 25/02/2019 de 20%, por aplicação do disposto no artigo 48.º, n.ºs 1 e 3, al. e), da Lei n.º 98/2009 – “Por incapacidade temporária parcial - indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho” –, é devido um total de €399,20 – €272,02 (€17,55 x 50% x 31 dias) + €126,36 (€17,80 x 20% x 36 dias).
Somando os valores a que anteriormente se chegou, o total devido ao Autor por períodos de incapacidades temporárias é de €2119,01.
Considerando que a entidade Empregadora havia transferido totalmente, por contrato de seguro, a sua responsabilidade infortunística pelos danos emergentes do acidente para a Ré seguradora / aqui recorrida, é unicamente sobre esta última que impende a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos, sendo ainda devidos, sobre as quantias antes apuradas, como peticionado, os inerentes juros de mora, vencidos e vincendos, desde as datas dos respetivos vencimentos e até integral pagamento.

Por último, no que se refere ao demais peticionado pelo Autor, assim referente ao por esse invocado de despesas que alegou ter suportado com tratamentos médicos e medicamentosos e transportes, não resultando o necessário suporte na factualidade provada, improcede o recurso.
*
Em conformidade, a sentença recorrida deve ser revogada, sendo substituída por este acórdão, nos termos em que anteriormente se concluiu.

A responsabilidade pelas custas, da ação e do presente recurso, por decorrência deste logo do regime previsto no artigo 527.º do CPC, impendem sobre Autor / recorrente e Ré / recorrida, em proporção direta do vencimento / decaimento.

Sumário – a que alude o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência parcial do recurso na parte dirigida à reapreciação da matéria de facto bem como à aplicação do direito, em revogar a sentença recorrida, a qual é substituída por este acórdão, nos termos seguintes:
1. Condena-se a Ré, X..., S.A., a pagar ao Autor, AA:
a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €320.37 (trezentos e vinte euros e trinta e sete cêntimos), devida desde 26 de fevereiro de 2019, procedendo-se oportunamente ao respetivo cálculo;
b) A quantia global de €2.119,01 (dois mil cento e dezanove euros e um cêntimo), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, absoluta e parcial;
c) Juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações antes mencionadas, até integral pagamento.
2. Absolver a mesma Ré do demais peticionado pelo Autor.
As custas da ação e do recurso são da responsabilidade de Autor / recorrente e Ré / recorrida, na proporção do respetivo vencimento / decaimento.

Porto, 4 de maio de 2022
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] De facto, nos casos de falta de acordo, face ao estatuído nesse preceito, deve constar nos autos o seguinte: Consignação dos factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve acordo ou não acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída
[2] Tratando-se de uma presunção legal ou de direito, pois que é a própria lei que deduz de um facto conhecido a ilação (conclusão ou inferência) da verificação de um facto desconhecido, quem a tem a seu favor escusa de provar o facto a que ela conduz, nos termos do n.º 1 do artigo 350.º do CC, bastando-lhe provar o facto que serve de base à presunção, sendo que a prova deste equivale à prova do facto presumido, sem prejuízo, como resulta do n.º 2 do mesmo artigo, de tal presunção poder ser ilidida mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir. Ou seja, a presunção importa a inversão do ónus da prova (artigo 344.º, n.º 1, do CC).
[3] Pois que os factos em discussão nos presentes autos reportam-se a um momento já na sua vigência, sendo assim aplicável – e em que se dispõe que “A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho” (n,º 1) e, por sua vez, “Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele” (n.º 2)
[4] processo 112/09.5TBVP.L2.S1 – disponível em www.dgsi.pt
[5] Incidindo é certo sobre disposição constante da Lei anterior, assim o âmbito de aplicação do artigo 6.º, n.º 5, da LAT, mas que tem aplicação ao regime agora em vigor, dada a similitude de redações da lei
[6] Veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016 – Processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt–, proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada –, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.” Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.” Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1)
[7] Nos cálculos fez-se o arredondamento para a centésima, pois que a moeda corrente apenas comporta os cêntimos.