Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
803/14.9T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: INCIDENTES DA INSTÂNCIA
NORMAL MARCHA DO PROCESSO
Nº do Documento: RP20160620803/14.9T8VFR.P1
Data do Acordão: 06/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: 1
Sumário: Nem toda e qualquer actividade processual desencadeada pela apresentação de um requerimento, exercício do contraditório e necessária decisão judicial, consubstancia um incidente da instância. Para que se configure um incidente da instância é também necessário que essa actividade seja causada por uma ocorrência extraordinária, que pressuponha a existência de uma questão acessória ou secundária a resolver e perturbe a normal marcha do processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 803/14.9T8VFR.P1
Secção Social
Conferência (art.º 652.º 3, do CPC)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. Na presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, em que B… e C…, (respectivamente, processos nºs 803/14 e 804/14 cuja apensação foi ordenada), instauraram contra D…, alcançada a fase de saneamento, o Tribunal a quo apreciou a excepção de incompetência em razão da matéria arguida pelos Réus, tendo concluído pela decisão seguinte:
- «Pelo exposto, julgo este Tribunal de Trabalho incompetente em razão da matéria para apreciar do pedido formulado pelos AA. e, em consequência, decido absolver os RR. e o Chamado da instância (cfr. arts. 65º, 96º, 97º, nº 1, e 278º, nº 1, al. a), 576º, nº 2 e 577º, nº 1, al. a), todos do C.P.C.).
Custas a cargo dos AA. (cfr. Art. 527º do C.P.C.).
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Valor da Acção: € 10.930,00.
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Registe e notifique».
Os autores conformaram-se com esta decisão, proferida a 02-07-2015 e notificada a 08-07-2015.
Subsequentemente, em 20-09-2015, os autores vieram apresentar via CITIUS o requerimento seguinte:
-«B… e C… - nas ações que movem à D…,
Tendo sido notificados da douta sentença, vêm ao abrigo do artº 99º, nº 2, do CPC, requerer a remessa do processo ao Tribunal competente, a Instância Local de Espinho – Secção de Competência Genérica (Secção Cível) da Comarca de Aveiro».
Responderam os RR através de requerimento apresentado a 25-09-2015, via CITIUS, deduzindo oposição justificada, para tanto sustentando, no essencial, que não resulta da sentença qual o tribunal competente para conhecer da causa, sendo que os réus, em contestação, arguiram a incompetência do presente tribunal em razão da matéria alegando que o tribunal competente seria, como é, um tribunal administrativo. Concluem expressando a sua oposição à requerida remessa dos autos para a Instância Local de Espinho – Secção de Competência Genérica (Secção Cível) “por o entenderem incompetente em razão da matéria e (..) por da nova distribuição poder resultar um erro na forma de processo que comine em diminuição das garantias dos Réus”».
I.1 Pronunciando-se sobre o requerido, em despacho de 21-10-2015, o Tribunal a quo proferiu a decisão seguinte:
- «A Fls. 444 vêm os AA requerer. Ao abrigo do disposto no Art. 99º, nº 2 do C.P.C. requerer a remessa do processo ao Tribunal competente, a instância Local de Espinho – Secção de Competência Genérica (Secção Civel da Comarca de Aveiro).
Notificados do requerido, vieram alguns dos RR deduzir oposição justificada, nos termos de Fls. 447 e ss.
Cumpre decidir.
Atenta a pertinência dos fundamentos apresentados na oposição justificada apresentada por alguns dos RR., desde logo o facto de não resultar da sentença que declarou a incompetência em razão da matéria deste tribunal qual o Tribunal efetivamente competente para conhecer da matéria em causa, bem como poder resultar da nova distribuição novo erro que determine a diminuição das garantias das partes, vai indeferida a requerida remessa do processo ao Tribunal da Instância Local de Espinho – Secção de Competência Genérica (Secção Cível da Comarca de Aveiro).
Não há lugar a custas, uma vez que os AA lançaram mão de uma prerrogativa permitida por lei.
Notifique.»
Esta decisão foi notificada às partes através dos seus ilustres mandatários, via CITIUS, em 26-10-2015 (conforme certificado pelo próprio sistema Citius).
I.2 Discordando da mesma, vieram os autores interpor “recurso de apelação, nos próprios autos e subida imediata, para a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto”, apresentando o requerimento e as respectivas alegações via CITIUS, com entrada no dia 17-11-2015.
Os RR. contra alegaram, começando por se oporem à admissibilidade do recurso, na consideração de que o mesmo “foi interposto muito para além do terminus do prazo legalmente concedido para o efeito e, por esse facto, é manifestamente extemporâneo”.
O Tribunal a quo proferiu decisão pronunciando-se sobre a admissibilidade do recurso, nos termos seguintes:
- «Por tempestivo e legal, admito o recurso interposto, o qual é de Apelação, a subir de imediato nos próprios autos – Art. 79º- A e 80º do C.P.T. e Art.º 664º, nº 1, al. a) do C.P.C.
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Notifique.
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Oportunamente, cumpridas as formalidades legais, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto».
I.3 O recurso subiu a esta Relação, foi distribuído e os autos foram presentes ao Ministério Público, que emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.
I.4 Apresentados os autos ao ora relator, em decisão singular de 2 Maio de 2016, decidiu-se o seguinte:
- «Não admitir o recurso, por inadmissível, em razão de ter sido apresentado para além do prazo legal. Custas pelos recorrentes, fixando-se a TJ em 1 UC.
(…)».
II. Notificados dessa decisão e dela discordando, vieram os autores reclamar para a conferência, requerendo que sobre a matéria seja proferido acórdão nos termos do n.º 3 do art.º 652.º do CPC, revogando-a e deliberando no sentido da admissão do recurso.
Concluem a alegação com a Conclusão (única) seguinte:
- A decisão recorrida é objecto de apelação autónoma, art.º 644.º n.º1 al. a), do NCPC, por se tratar de um incidente processado autonomamente no âmbito e na sequência da reabertura da instância do art.º 99.º, n.º2, do CPC, pelo que o prazo de recurso é de 20 dias (n.º1 do art.º 80.º do CPT) e não de 10 dias [art.º 79.º A, n.º2, g), do CPT], como decidiu a decisão singular reclamada, pelo que o recurso está em tempo e deve ser admitido.
III. Na fundamentação da decisão reclamada exarou-se o seguinte:
- «Nos termos do art.º 652.º n.º 1 al. b), do CPC, cabe ao relator verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso, sendo certo que a decisão que admitiu o recurso não vincula este tribunal, nem pode ser impugnada pelas partes (art.º 641.º n.º 5, CPC).
Os prazos de interposição de recursos em processo laboral constam regulados no art.º 80.º do CPT, dispondo o seguinte:
[1] O prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 20 dias.
[2] Nos casos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo 79.º-A e nos casos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo 721.º do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição de recurso reduz-se para 10 dias.
[3] Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, aos prazos referidos na parte final dos números anteriores acrescem 10 dias.
Por outro lado, se bem atentarmos no artigo 79.º A, do CPC, dele resulta uma clara distinção entre dois tipos de decisões: as sujeitas a impugnação imediata daquelas cuja impugnação é relegada para momento ulterior.
Como elucida o senhor Conselheiro Abrantes Geraldes [na obra Recursos no Processo do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2010], com as alterações introduzidas ao regime recursivo em processo civil pelo Decreto-Lei n.º303/07, de 24 de Agosto, a lei passou a admitir dois regimes diversos: as decisões que ponham termo ao processo e as decisões tipificadas no n.º 2 do art.º 79.º A do CPT são passíveis de recurso, de tal modo que se este não for interposto dentro do prazo legal formarão caso julgado material ou formal; as restantes decisões que sejam impugnáveis podem sê-lo juntamente com o recurso da decisão final (art.º 79.º n.º 3 do CPT) [pág. 33].
Como flui do art.º 80.º acima transcrito, a lei processual sujeita a diferentes prazos processuais a interposição dos recursos das decisões imediatamente recorríveis, isto é as previstas nos n.º1 e 2, do art.º 79.º A.
A decisão que ponha termo ao processo, a que se refere o n.º 1, do art.º 79.º-A está sujeita ao prazo de 20 dias (n.º1 do art.º 80.º). Quanto às demais decisões, previstas nas diversas alíneas do n.º2, do mesmo artigo, o prazo para interposição do recurso é de 10 dias.
Não suscita qualquer dúvida que a decisão recorrida não pôs termo ao processo.
Na verdade, a decisão que pôs termo ao processo foi a proferida na fase de saneamento, julgando procedente a excepção arguida pelos RR. e declarando a incompetência do tribunal em razão da matéria, consequentemente absolvendo os RR. da instância. Decisão que transitou em julgado, uma vez que os AA. não se insurgiram contra a mesma no prazo legal.
A decisão recorrida é a proferida em 21-10-2015, na qual o tribunal a quo aprecia e decide o requerimento apresentado pelos autores em 20-09-2015, apresentado posteriormente à decisão final.
Consequentemente, como cremos evidente, incidindo o recurso sobre essa decisão, haverá de concluir-se que o mesmo se enquadra na previsão da alínea g), do n.º 2, do art.º 79.º -A, do CPT, ou seja, o recurso de apelação admissível sobre os “despachos proferidos depois da decisão final”.
Significa isto, pois, que os AA dispunham do prazo de dez dias para interposição do presente recurso.
Porém, como sustentam os RR, os AA. não observaram esse prazo. Senão vejamos.
A decisão recorrida foi notificada às partes, através dos ilustres mandatários, via Citius, em 26 de Outubro de 2015 (uma segunda feira).
Nos termos do disposto no art.º 248.º do CPC, presume-se que a notificação se concretizou no 3.º dia posterior ao da data de elaboração certificada pelo sistema citius, dado que se trata de dia útil, em concreto uma 5.ª feira.
Assim, o prazo de dez dias iniciou-se a 30 de Outubro de 2015 /sexta-feira.
Em conformidade com a regra estabelecida no n.º 1 do art.º 138.º do CPC, esse prazo correu continuamente, vindo a concluir-se a 8 de Novembro de 2015 (domingo). Como o prazo atingiu o seu termo em dia a que os tribunais estão encerrados, o mesmo transfere-se para o 1.º dia útil imediatamente seguinte, isto é, 9 de Novembro de 2015 (segunda-feira).
Não obstante esse ser o último dia de prazo, os AA. poderiam ainda recorrer ao disposto no art.º 139.º n.º5, do CPC para, independentemente de justo impedimento, praticarem o acto de interposição do recurso dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa. Significa isto, pois, que o acto poderia ainda ser praticado até ao dia 12 de Novembro de 2015.
Acontece, porém, que o recurso só foi apresentado a 17 de Novembro de 2015.
Portanto, é forçoso concluir que o recurso foi apresentado para além do prazo legal e, logo, que não é mais admissível, devendo ser rejeitado.
A interposição de recurso não admissível consubstancia a prática de incidente anómalo, na medida em que gera indevida e inutilmente actividade processual. Como tal, nos termos do art.º 7.º n.º 8, do RCP e tabela II anexa, devem os recorrentes serem condenados nas custas do incidente, as quais se fixam no mínimo legal (1 UC)».
III. Passando à apreciação, importa atentar na argumentação que sustenta a presente reclamação.
O ponto II das alegações é concluído nos termos seguintes:
-«(..)
Como já se disse, ao introduzir o art.º 79.º A no CPT, com a revisão operada pelo DL 295/2009, o legislador pretendeu, para além do mais, harmonizar o regime de recursos laboral com o regime dos recursos processuais civis, introduzido pelo DL 303/2007. Foi esse propósito que levou á introdução do art.º 79.º A
E com base nesta ordem de considerações, particularmente nesta última, vem sendo defendido – e acompanhamos o entendimento – de que a norma do art.º 79.º A deve ser interpretada numa perspectiva actualista que não a esvazie de conteúdo, significando isso, portanto, que a questão deve ser decidida à luz do disposto no art.º 644.º n.º1, al. a), do NCPC (ac. RP de 13.4.2015, pº 1457/13.5TTVNG-A.P1, que por sua vez cita o acórdão da mesma relação, de 9.7.2014, p.º 936/12.6TTMTS.P1; e ainda decisões do Relator Desemb. Jerónimo Freitas de 23.10.2015, no pº 1481/13.8TTPRT.P1, e de 5.10.2015, no pº 561/14.7TTPRT.P1, da mesma Relação, decisões estas inéditas, supõe-se)».
Pois bem, salvo o devido respeito, contrariamente à ideia que os reclamantes pretendem inculcar, nem as decisões invocadas se debruçaram sobre questão similar, nem tão pouco da respectiva fundamentação pode recolher-se apoio para se defender que fazendo-se uma interpretação actualista do art.º 79.º A do CPT, deverá concluir-se “que a questão deve ser decidida à luz do disposto no art.º 644.º n.º 1 al. a) do NCPC”.
É certo que em todas elas se defende uma interpretação actualista do art.º 79.º A. do CPT, ajustando-o às alterações de natureza substancial introduzidas ao regime de recursos em processo civil pelo art.º 644.º do NCPC, relativamente ao que se prescrevia no art.º 691.º do pretérito CPC. Contudo, em todas elas as questões colocadas consistiam em saber se determinada decisão era, ou não, imediatamente recorrível. Senão veja-se.
No acórdão desta Relação de 13-04-2015 [proc.º 1457/13.5TTVNG-A.P1, Desembargadora Maria José Costa Pinto],como questão prévia cuidou de se saber “(..) se a decisão sob censura – sobre a não ocorrência da prescrição de diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992, da prescrição de juros, da fixação do termo inicial para a sua contagem e do abuso do direito na sua exigência –, é impugnável apenas com o recurso que vier a ser interposto (e se o for) da decisão final e deve, por isso, rejeitar-se a presente apelação”, tendo-se entendido, nesse interpretação actualista do art.º 79.º A, que “a remissão a que procede o art. 79º-A, n.º 2, alínea i) do C.P.T para o art. 691º, nº 2 al. h) do VCPC, que contempla o saneador que decide parcialmente de mérito, deverá ter-se por efectuada agora, no que aos presentes autos interessa, para o artigo 644.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, preceito que continua a admitir o recurso autónomo deste tipo de decisões”.
Por outro lado, na decisão singular de 5-10-2015, proferida pelo aqui relator no Proc.º 561/14.7TTPRT.P1 (decidindo reclamação sobre despacho que não admitiu recurso, nos termos dos art.ºs 82.º 2 CPT e 643.º do C.P.C), cujo escrito, como se poderá constatar no confronto com a transcrição acima, os reclamantes aqui fazem seu, defendeu-se o seguinte:
- «(..)
Como já se disse, ao introduzir o art.º 79.º A no CPT, com a revisão operada pelo DL 295/2009, o legislador pretendeu, para além do mais, harmonizar o regime de recursos laboral com o regime dos recursos processuais civis introduzidos pelo DL 303/2007. Foi esse propósito que levou à remissão feita na al. i), do n.º2, do artigo 79.ºA, para as diversas alíneas do artigo 691.º do CPC ali mencionadas, isto é, para todos esses casos previstos no CPC, pretendeu o legislador que também no domínio dos recursos em processo laboral, aquelas decisões fossem recorríveis de imediato.
E com base nesta ordem de considerações, particularmente nesta última, que vem sendo defendido que “a remissão a que procede o art. 79º-A, n.º 2, alínea i) do C.P.T para o art. 691º, nº 2 al. h) do VCPC, que contempla o saneador que decide parcialmente de mérito, deverá ter-se por efectuada agora, no que aos presentes autos interessa, para o artigo 644.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, preceito que continua a admitir o recurso autónomo deste tipo de decisões”[Acórdão da Relação do Porto de 13/04/2015, proc.º n.º 1457/13.5TTVNG-A.P1, MARIA JOSÉ COSTA PINTO, disponível em www.dgsi.pt, que por sua vez cita o acórdão, também da mesma Relação, de 09-07-2014, proferido no processo n.º 936/12.6TTMTS.P1].
Acompanhamos este entendimento, no sentido de que a norma deve ser interpretada numa perspectiva actualista e que não a esvazie de conteúdo, significando isso, portanto, que a questão deve ser decidida à luz do disposto no art.º 644º n.º1, al. b), do NCPC.
Resolvido este ponto prévio, avancemos pois para saber se a decisão em causa é ou não imediatamente recorrível».
E, no acórdão (e não decisão singular como mencionam os reclamantes) proferido no proc.º n.º 1481/13.8TTPRT.P1, em 30 de Novembro de 2015, relatado pelo aqui relator e com intervenção deste mesmo colectivo, tendo por base o mesmo entendimento, concluiu-se o seguinte:
Trata-se de decisão final proferida no incidente de intervenção de terceiros, no caso não o admitindo, enquadrando-se, pois, sem dúvida, no disposto na al. d) do n.º 2 do art.º 79.º A., do CPT.
À luz do inicialmente exposto sobre o regime de recorribilidade, trata-se pois de decisão sujeita a impugnação imediata.
Como assim não procedeu o recorrente, só vindo a insurgir-se contra ela no recurso que interpôs sobre a sentença, é forçoso concluir que o recurso não pode ser admitido”.
Portanto, em todos esses casos estava em causa decidir sobre a admissibilidade do recurso atenta a distinção entre decisões imediatamente recorríveis e decisões que só podem ser impugnadas com a decisão final.
Diferentemente, o que está aqui em causa é a tempestividade do recurso.
III.1 Nos pontos III e IV das alegações defendem os reclamantes, em síntese, que a decisão recorrida não é um despacho proferido após a decisão final, mas antes que “por julgar um incidente autónomo, na sequência da reabertura da instância, assume um relevo próprio, semelhante ao da decisão final (que extinguiu a instância), que justifica a consideração do prazo do recurso pelo art.º 644.º n.º 1 al. a), do novo CPC.”.
Em primeiro lugar, convirá precisar que diversamente do defendido, não há a alegada reabertura da instância. Passamos a explicar.
O artigo 99.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, dispõe que «A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar». E no n.º 2 prossegue prescrevendo que «Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada».
Por conseguinte, referindo a norma que o pedido de remessa ocorre após o trânsito em julgado da decisão que absolveu o réu da instância, tal significa necessariamente que a instância extingue-se e não continua no tribunal competente. O que acontece é que no tribunal competente inicia-se uma nova instância [Cfr. Ac. Rel. Porto de 01/06/2015, proc.º 1327/11.1TBAMT-B.P1, ALBERTO RUÇO, disponível em www.dgsi.pt].
Portanto, após a extinção da instância - por efeito do trânsito em julgado da decisão que julgou o tribunal absolutamente incompetente para a apreciação da causa -, desde que a incompetência tenha sido declarada depois de findos os articulados, a lei faculta ao autor a possibilidade de requerer a remessa do processo para o tribunal competente, para tanto concedendo-lhe o prazo de dez dias. A remessa dos autos ao tribunal competente só não será determinada caso o réu ofereça “oposição justificada”.
Estaremos perante um incidente da instância, como sustentam os reclamantes?
A lei processual não nos dá uma noção de incidente da instância, apenas estabelecendo uma regra geral para a sua tramitação (art.º 292.º do CPC): “Em quaisquer incidentes inseridos na tramitação de uma causa observa-se, na falta de regulamentação especial, o que vai disposto neste capítulo”.
Encontram-se depois os vários incidentes processuais previstos como tal e regulados especificamente no Título III – Dos Incidentes da Instância, do CPC, organizados em três distintos capítulos: Capítulo II -Verificação do valor da causa (artigos 296.º a 310.º); Capítulo III - Intervenção de terceiros (artigos 311.º a 350.º); Capítulo IV – Habilitação (artigos 351.º a 357.º; e, Capítulo V – Liquidação (artigos 385.º a 361.º). E, para além destes, existem outros que não se encontram inseridos naquele Título III, não tipificados como tal, como é o caso, por exemplo, do incidente de suspeição (artigos 120.º a 129.º].
Mas para além desses, outras situações sem previsão legal poderão igualmente consubstanciar um incidente da instância.
Nas palavras do Professor Alberto dos Reis, que mantém inteira actualidade, “[A] ideia que, entre nós, está na base da noção de incidente, é a seguinte: uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo”. Em contraponto, como escreve em nota de rodapé no mesmo local, “(..) não é legítimo qualificar de incidente um acto que está previsto na lei como acto normal do processo da acção e se destina à instrução e preparação regular deste processo (..)”.[Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, p. 563].
Convergindo com este entendimento, Salvador da Costa sustenta que “(..) trata-se de uma questão surgida no decurso do processo distinta da questão principal que dele é objecto mas com ela relacionado. ... A ideia que está na base do incidente processual é a de que, no processo que é próprio de uma determinada acção ou de um recurso, se incrusta uma questão acessória e secundária que implica a prática de actos processuais que extravasam do núcleo processual da espécie em que se insere” [Incidentes da Instância, Almedina, 1999, p. 7 e ss.].
O exercício do direito processual que a lei faculta ao autor de poder requerer a remessa do processo para o tribunal competente, em termos processuais pressupõe os trâmites seguintes: i) a apresentação do necessário requerimento no prazo de dez dias; direito de resposta do R. que poderá oferecer “oposição justificada”; a decisão judicial.
Contudo, como flui das palavras daqueles autores, nem toda e qualquer actividade processual desencadeada pela apresentação de um requerimento, exercício do contraditório e necessária decisão judicial, consubstancia um incidente da instância. Para que se configure um incidente da instância é também necessário que essa actividade seja causada por uma ocorrência extraordinária, que pressuponha a existência de uma questão acessória ou secundária a resolver e perturbe a normal marcha do processo.
Cremos que aqui não se verifica tudo isso. Há efectivamente uma actividade processual, mas necessária ao exercício de um direito que a lei processual consagra como normal para o caso de ser declarada a incompetência absoluta do tribunal finda a fase dos articulados.
Nesta consideração, entende-se que o que está aqui em causa é um despacho proferido depois da decisão final, sendo o recurso admissível por via do disposto no art.º 79.º A, n.º 1 al. g), do CPT, sujeito ao prazo de interposição de dez dias previsto no n.º2, do art.º 80.º do CPT.
Concluindo, não se reconhece razão aos reclamantes e, logo, este colectivo desatende a reclamação e confirma a decisão singular reclamada.
VII- DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os juízes que compões este colectivo em desatender a reclamação, confirmando a decisão singular reclamada.
Custas pelos reclamantes.
Notifique

Porto, 20 de Junho de 2016
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
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SUMÁRIO
Nem toda e qualquer actividade processual desencadeada pela apresentação de um requerimento, exercício do contraditório e necessária decisão judicial, consubstancia um incidente da instância. Para que se configure um incidente da instância é também necessário que essa actividade seja causada por uma ocorrência extraordinária, que pressuponha a existência de uma questão acessória ou secundária a resolver e perturbe a normal marcha do processo.

Jerónimo Freitas