Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
788/14.1GBAMT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CAUÇÃO ECONÓMICA
PROPORCIONALIDADE
MONTANTE
Nº do Documento: RP20170913788/14.1GBAMT-B.P1
Data do Acordão: 09/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º44/2017, FLS.54-59)
Área Temática: .
Sumário: Na caução económica, como medida de garantia patrimonial, a adequação e proporcionalidade do montante a fixar, deve ser aferida em função do valor da quantia a garantir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 788/14.1GBAMT-B.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – As arguidas B... e “C.... Ldª” vêm interpor recurso do douto despacho do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Amarante do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este que ordenou que elas prestassem caução económica, por depósito autónomo à ordem do processo, no valor de cinquenta mil euros.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«1. Não se conformam as arguidas com a douta decisão proferida nestes autos, porquanto a mesma nos parece que é totalmente infundada, extemporânea e ilegal.
2. Com o maior respeito pela vítima e seus familiares não podem as arguidas serem bodes expiatórios da frustração da falta de prova produzida.
3. Desde logo, a decisão nos autos principiais, com a condenação das arguidas, é disso ilustração, e colide com a maioritária jurisprudência dos nossos tribunais superiores na aplicação dos normativos a aplicar nestes casos, como concomitantemente os factos eleitos como provados na sua maior parte são meras conclusões tiradas pelo Tribunal a quo e não assacadas da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
4. E imagem dessa condenação nos autos principais também aqui a condenação à prestação de caução flutua sem estar ancorada a qualquer facto concreto e objectivo. Com o devido respeito, é esta a nossa mais sincera opinião, pelo que infra pretendemos demonstrar:
5. No requerimento apresentado pelas demandantes é alegado mais ou menos o seguinte e que está reproduzido no douto despacho a que se reage: no Tribunal com a ação 98/14.4T8PNF.l 3° secção de trabalho J3 Tribunal de Matosinhos com a ação executiva, atentou-se que a sociedade arguida não detinha quaisquer saldos bancários e que já nessa data inexistiam bens penhoráveis.
6. Que a empresa já não tinha inúmeros imóveis, veículos e máquinas ligadas à atividade exercida e cujo paradeiro se desconhece bem como veículos adquiridos recentemente e cuja propriedade estava em nome das arguidas e que estarão já em nome de terceiros.
7. Quanto a estas duas primeiras alegações dadas pelas demandantes temos a dizer o seguinte: a primeira com o devido respeito, é despicienda no resultado que se pretende alcançar com a mesma. A segunda comunga do mesmo despropósito e não tem qualquer lastro ou suporte factual.
Vejamos.
8. As dificuldades da sociedade arguida há muito que são conhecidas pelas demandantes. A sociedade apresentou os seus IES e os modelos 22 nestes autos. Dos mesmos constam os seus resultados. Inexiste qualquer outra prova, documental para além desta que a sociedade arguida juntou a estes autos. Depois, se a sociedade arguida muito antes deste processo foi objecto de uma execução e por força dela se averiguou com as demais diligências aí realizadas, na consulta a instituições de crédito de entre outros/ que a mesma não detinha quaisquer activos, concretamente, saldos, bens móveis ou imóveis - então como pode estar iminente um justo receio de perda de garantia patrimonial? Como pode sequer, o Tribunal a quo configurar ser possível às arguidas poder prestar a caução no valor que condena. Aliás, foram as demandantes que prescindiram da inquirição dos técnicos de contas da sociedade.
9. A segunda alegação também é ela, com o devido respeito, no mínimo desconcertante. Desde logo, se tal fosse verdade a alienação de património pela sociedade arguida, então porque não juntaram as demandantes, documentos de suporte a essa alegação que dão aos autos? Não há, um documento de suporte a essa alegação, documento automóvel, matricial ou registral. Nada. Não passa de uma mera alegação infundada dada pelas demandantes. Ademais, também essa lapidação de património, a existir (o que não se concede) não é actual e é anterior ao processo executivo instaurado bem como anterior a esta demanda.
10. Sucede, e não obstante, estava na disponibilidade das demandantes e também do tribunal poder averiguar as referidas alegações. Na verdade, não o fizeram tendo as arguidas, colocado à disposição do tribunal toda a colaboração. Mas ainda que o tivesse feito concluiria que a sociedade arguida não alienou qualquer bem com a finalidade de se subtrair às suas obrigações.
11. A terceira alegação, a de que a B... e o companheiro D... abrem e fecham sociedades de forma a frustrar os créditos dos credores e das empresas em que estes foram sendo sócios, não entronca em nosso ver, em qualquer suporte factual. É uma mera alegação desprovida de qualquer factualidade que a possa no mínimo se apoiar.
12. Ademais, a arguida sociedade só fecharia portas, em verdade, caso a caução pudesse ser decretada, pois não tem quaisquer condições reais para poder suportar este custo de forma integral, diametral, exorbitante e fora da sua possibilidade de tesouraria. Com efeito, trata-se de uma empresa familiar com parcos recursos e que vive da maioria de obras de pequenas dimensões.
13. Ora, nada foi alegado para justificar a existência de um receio objectivo por parte das demandantes. Não justificaram estas, porque não há sequer um acto (passado) actual de qualquer lapidação ou diminuição de património por parte da sociedade arguida. Não há qualquer alegação e prova dessa alegação dada de forma clara e objectiva relativamente à capacidade das garantais de pagamento da sociedade arguida.
14. A caução económica, prevista no artigo 227º do CPP assim como o arresto preventivo, são as duas medidas de garantia patrimonial previstas no título III do Livro IV do Código de Processo Penal, e como refere o Prof. Germano Marques da Silva ambas têm "como finalidade processual garantir o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou do pagamento de qualquer divida, indemnização ou obrigação civil derivadas do crime (artº 227º 1 e 2), desde que verificados os pressupostos gerais (...)" (negrito nosso).
15. Prossegue o mesmo Professor dizendo que a caução económica "é aplicável relativamente a qualquer crime, independentemente da sua gravidade e da pena aplicável, desde que se verifique a probabilidade de um crédito sobre o requerido e fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento."
16. A estes requisitos, alguma jurisprudência recente tem ainda salientado como requisito para a prestação da caução, a capacidade económica do requerido, pois como se escreveu no Ac da Rel. Lisboa de 28/1/2015 "Nos termos do artº 227°/2, do CPP, é requisito da caução económica o fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias do pagamento da indemnização civil emergente do crime.
17. A norma é omissa quanto à capacidade económica do requerido para a sua prestação. Contudo, é inerente à exigibilidade da prestação de caução a viabilidade da sua prestação, sob pena de prática de acto processual inconsequente e inútil, proibido por lei (artº 130º/CPC).
18. Chegados aqui, é forçoso concluir que inexiste qualquer acto ou prática de actos tendentes a diminuir, subtrair ou lapidar património/ a sociedade arguida não tem ativos conhecidos/ detém uma faturação baixa.
19. Ora diferentemente do que se passa no arresto, que se reporta a bens ou a valores existentes no património do requerido, a caução económica tem que levar em conta a capacidade económica do devedor, pelo menos, a capacidade sumariamente indiciada, porque em causa está a exigência de prestação da garantia de valor que, se não existir no património do requerido, inviabiliza o resultado útil da providência.
20. Há ainda que ter presente como salienta o Prof. Germano Marques que a caução terá de ser adequada à realização da finalidade que a justifica e proporcional à obrigação que se destina garantir, estando pois sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade.
21. Não se vê necessidade em face dos factos qualquer caução a prestar nestes autos, como aquela que foi arbitrada é diametralmente estratosférica.
22. Do teor do artº 227° nº2 do CPP, resulta literalmente que os requisitos exigidos se requeira que o arguido preste caução económica são a existência de fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime.
23. O pressuposto da prestação da caução económica é naturalmente que a arguida tenha bens, ou meios que justifiquem o receio da perda dessa garantia, e nessa medida como se escreveu no citado acórdão da Relação de Lisboa é inerente à exigibilidade da caução a viabilidade da sua prestação.
24. Ponderando o que resultou documentalmente indiciariamente provado que a arguida B... constituiu uma outra sociedade com o mesmo objecto social do da sociedade arguida, que as arguidas não vieram demonstrar serem titulares de quaisquer bens capazes de suprir o valor peticionado, que se frustraram as diligências de penhora no âmbito do processo que corre termos no Tribunal do Trabalho, entendemos que estão reunidos os pressupostos para deferir o requerido e ordenar que seja entregue caução económica, através de depósito autónomo à ordem do Tribunal
24. E que dizer da condenação arguida B... à caução que lhe foi aplicada. Desde logo e sufragando todo o raciocínio exposto supra, parece-nos que é de uma impetuosidade sem precedentes a condenação da arguida ao crime que estava acusada e agora ao valor da caução.
25. Expondo:
É diametralmente falso que a arguida B... seja gerente de facto da sociedade arguida e E..., Lda. Na verdade, e à saciedade ficou provado que é o companheiro D... que se dedica à gerência de facto desta sociedade e da sociedade arguida.
26. A B... se encontra como gerente da sociedade arguida porque o companheiro D... está impedido legalmente de o fazer. Com efeito, a sociedade este detinha e geria faliu e este ficou impedido de ocupar esse cargo na sociedade arguida e na sociedade E.... Assim, é a B... que consta como gerente da sociedade arguida e é a mãe F... dela que consta como gerente da sociedade E.... E é tão notório, que nem uma nem outra em sede de audiência de discussão e julgamento souberam falar racionalmente e com conhecimento de causa da faturação, empreitadas e outros desígnios da sociedade.
27. Resulta pois, dos autos que a arguida B... não conhecia sequer um trabalhador da empresa arguida nem sequer qualquer trabalhador conhecia a arguida B.... Parece-nos, pois manifestamente indecoroso dizer-se, em face de toda a prova colhida da safra das sessões ocorridas que a arguida é gerente da sociedade arguida e daqueloutra sociedade.
28. Depois, a arguida B... aufere o salário mínimo nacional, vive com a mãe, companheiro e dois filhos.
Não tem quaisquer outros rendimentos.
29. É pessoa de condição simples. (Ctr. prova gravada da identificação do arguido)
30. Ora, a caução económica não pode privar o arguido dos rendimentos estritamente indispensáveis aos seus alimentos e da sua família.
31. Além como supra se aduziu é pressuposto da prestação da caução económica que a arguida tenha bens, ou meios que justifiquem o receio da perda dessa garantia, e nessa medida como se escreveu no citado acórdão da Relação de Lisboa é inerente à exigibilidade da caução a viabilidade da sua prestação.
Assim, não se compreende o que lastreia a motivação do Tribunal na decretação desta caução.
32. Depois, é o próprio tribunal que assume claramente que nenhuma prova foi carreada aos autos " /... /Apesar de no presente requerimento não ter sido apresentada qualquer prova documental que suportasse o alegado, ou qualquer outro meio de prova /…/ " (parágrafo terceiro, página 5 do douto despacho) o que é manifestamente revelador da contradição que faz dos factos e da aplicação da caução.
33. Mais, é o douto Tribunal que diz /…/ Ponderando o que resultou documentalmente indiciariamente provado que a Arguida B... constituiu uma outra sociedade com o mesmo objecto social do sociedade arguida, que as arguidas não vieram demonstrar serem titulares de quaisquer bens capazes de suprir o valor peticionado, que se frustraram as diligências de penhora no âmbito do processo que corre termos no Tribunal do Trabalho, entendemos que estão reunidos os pressupostos para deferir o requerido e ordenar que seja entregue caução económica, através de depósito autónomo à ordem do Tribunal /…/ (parágrafo quinto, página 5 do douto despacho)
34. Pois, advogamos com esta mesma formulação (não aceitando naturalmente que arguida B... constituiu uma outra sociedade com o mesmo objecto social do sociedade arguida) e sem qualquer afronta ao tribunal a quo, que o eleito, são requisitos para que o Tribunal a quo não decrete a referida caução.
35. Para além de que, há uma manifesta contradição insanável na motivação pois por um lado, o tribunal reconhece não existir prova documental para a decretação da caução. Por outro, vem dizer que afinal, ponderou sobre "documentalmente indiciariamente provado",

Em resumo, insurgem-se as Arguidas nos termos do artigo 412nº 3 alínea a) e b)
A. Pontos de facto incorrectamente julgados:
a) As arguidas têm vindo a dissipar o património;
Em nosso entender, não houve qualquer prova produzida para eleger este facto como provado.
b) A arguida tinha inúmeros imóveis, veículos e máquinas ligadas à actividade exercida e cujo paradeiro se desconhece bom como veículos adquiridos recentemente e cuja propriedade estava em nome das arguidas e que estarão já em nome de terceiros.
Em nosso entender, não houve qualquer prova produzida para eleger este facto como provado
c) A B... e o companheiro D... abrem e fecham sociedades de forma a frustrar os créditos dos credores e das empresas em que estes foram sendo sócios, não entronca, em nosso ver, em qualquer suporte factual.
Em nosso entender, não houve qualquer prova produzida para eleger este facto como provado.
d) A arguida B... seja gerente de facto da sociedade arguida e E..., Lda.
Em nosso ver, à sociedade ficou provado (resulta das declarações de todas as testemunhas) que é o companheiro D... que se dedica à gerência de facto desta sociedade e da sociedade arguida.
B) da errada qualificação jurídica:
a) O Tribunal fez uma errada interpretação, pois, se constata que as arguidas têm uma situação económica precária bem como não estiveram nem estão actualmente a praticar qualquer acto que diminua as garantias de pagamento da eventual indemnização – então não pode dar por verificado o justo receio. Violou assim o tribunal o artigo 227º nº 2 CPP.
b) Por outro lado, a proporcionalidade, adequação e legalidade que determinaram o valor da caução às arguidas não existiu. Violou o artigo 193º do CPP.
c) Violou ainda o artigo 197º nº 3 do CPP porquanto, a fixação da caução não teve em conta a situação sócio económica das arguidas.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se o despacho recorrido padece, ou não, de contradição insanável da fundamentação nos termos do artigo 410.º, n,º 2, b), do Código de Processo Penal;
- saber se se verificam, ou não, no caso em apreço, os pressupostos da ordem de prestação de caução económica, nos termos dos artigos 193.º, n.º 1, 197.º, n.º 3; e 227.º, n.º 2, do mesmo Código.

III - É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:

«Por apenso aos autos de processo comum singular n.º 788/14.1GBAMT, vieram G..., H... e I..., demandantes no processo identificado requerer que seja fixada uma caução económica às arguidas, no valor de €50.000,00, nos termos previstos no art.º 227.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Alega, em suma, que as arguidas B... e “C..., Lda.”, desde a data dos factos tem vindo a dissipar o seu património, sendo que à data do requerimento já não possuem em seu nome quaisquer bens imóveis ou móveis.
Mais alega que corre termos na 3.ª Secção de Trabalho – J3 – do Tribunal de Matosinhos o processo n.º 98/14.4T8PNF.1 uma acção executiva contra a aqui arguida, sendo que nesse processo foram efectuadas diligências onde se verificou que a frustração de penhoras bancárias, cujas contas apresentam saldo impenhorável, bem como quaisquer outros bens susceptíveis de valor patrimonial.
Alegam ainda que a empresa tinha inúmeros imóveis (veículos, máquinas, entre outros), ligados à actividade exercida e cujo paradeiro se desconhece, bem como veículos automóveis adquiridos recentemente e cuja propriedade estava em nome das arguidas e que já estarão em nome de terceiros, de forma a frustrar qualquer tentativa de cobrança dos seus credores, bem como lucros da empresa que já foram dissipados de forma irresponsável.
Mais dizem os requerentes que a arguida B... e o companheiro D... abrem e fecham sociedades de forma a frustrar os créditos dos credores das empresas em que estes foram sendo sócios.
Concluem dizendo que têm receio que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento de indemnização imposta às arguidas pelos crimes que lhes foram imputados neste processo.
O Ministério Público veio emitir parecer no sentido do seu deferimento.
As arguidas foram notificadas para responderem e nada vieram dizer.
Cumpre apreciar e decidir.
Estabelece o art.º 227.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Caução económica”, que:
“1 - Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime, o Ministério Público requer que o arguido preste caução económica. O requerimento indica os termos e modalidades em que deve ser prestada.
2 - Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime, o lesado pode requerer que o arguido ou o civilmente responsável prestem caução económica, nos termos do número anterior.
3 - A caução económica prestada a requerimento do Ministério Público aproveita também ao lesado.
4 - A caução económica mantém-se distinta e autónoma relativamente à caução referida no artigo 197.º e subsiste até à decisão final absolutória ou até à extinção das obrigações. Em caso de condenação são pagas pelo seu valor, sucessivamente, a multa, a taxa de justiça, as custas do processo e a indemnização e outras obrigações civis.”.
A determinação e fixação de uma caução económica regem-se pelos princípios da legalidade, adequação e proporcionalidade.
São pressupostos do decretamento da caução económica:
- A ocorrência de receio objectivo, justificado e claro relativamente à capacidade das garantias de pagamento;
- A ocorrência de uma substancial e significativa diminuição daquelas;
- A indicação por parte do requerente dos termos em que a caução deve ser prestada, isto é, a indicação dos valores ou quantitativos cujo pagamento aquela visa garantir.
As medidas de garantia patrimonial — a saber, a caução económica e o arresto preventivo — visam garantir o pagamento de pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida ao Estado relacionada com o crime, bem como da indemnização ou de outras obrigações civis que dele possam derivar.
Uma e outra podem ser aplicadas quando haja um fundado receio de que o património eventualmente responsável pelo cumprimento daquelas obrigações possa não ser suficiente para esse efeito quando a decisão venha a ser tomada.
Salienta-se que se tiver já sido aplicada ao arguido uma caução económica e ele não a tiver prestado, pode aplicar-se o arresto sem que seja necessário provar novamente que o receio tem fundamento.
Neste quadro, os critérios para a fixação recaem sobre os fins a que se destina, a gravidade do crime imputado, o dano que este causou e a condição socio-económica do arguido, sendo que é admitido que o arguido preste caução mediante depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança.
Para se aferir dos pressupostos da caução económica é relevante considerar o teor das seguintes decisões jurisprudenciais:
- Ac. TRP de 13-02-2008, CJ, 2008, T1, pág.218: I. A caução económica é uma medida de garantia patrimonial, e não de coacção, que deve obedecer a critérios de legalidade, adequação e proporcionalidade, e ser decretada apenas quando se verifiquem os pressupostos enunciados no artº 227º, nº2, do CPP.
II. A caução económica não está sujeita aos requisitos fixados no artº 204º do CPP, para as medidas de coacção.
III. A caução económica pode ser fixada sem prévia audição do arguido, desde que esta seja impraticável ou inoportuna e o juiz justifique por que não procede a ela.
Nota: em sentido concordante são citados: Maia Gonçalves, in «Código de Processo Penla Anotado»,1994, pág.374 e Paulo Pinto de Albuquerque, in «Comentário ao Código de Processo Penal», 2007, pág.600.
- Ac. TRL de 9-03-2007: 1. A caução económica a que se refere o citado art.º 227.º tem pressuposta a pendência de um pedido de indemnização que haverá de ser conhecido nos próprios autos de processo penal, onde aquele foi formulado por força do princípio de adesão. E, isto, crê-se resultar implícito dos nºs. 1 e 4 do mesmo dispositivo, quando se prevê que a referida caução subsista até à decisão final, e possa garantir, designadamente, o pagamento das penas pecuniárias, o que se verifica na acção penal. Por outro lado, quando se fala no n.º 2 das obrigações derivadas do crime, entende-se que é do crime que nos próprios autos se investiga.
2. Ora, estando finda a acção penal, com uma decisão já transitada em julgado, havendo as partes sido remetidas para os meios comuns, nos termos previstos no art.º 82.º, n.º 3, do C.P.P., não se justifica que o pagamento das indemnizações ou obrigações que numa acção cível houvessem de ser fixadas tivessem o seu pagamento garantido por uma caução económica prestada num outro processo, já findo.
- Ac. TRP de 17-03-99: I - A audição prévia do arguido para imposição de caução económica só deverá ocorrer quando possível e conveniente, em conformidade com o disposto no n.2 do artigo 194 do Código de Processo Penal, só tendo fundamento a invocação da nulidade insanável prevista na alínea c) do artigo 119 na base da alegação e demonstração de que, no caso, a audição prévia era, não só possível, como também conveniente.
No caso vertente, em face dos documentos juntos aos autos no processo principal, designadamente da certidão do processo do Tribunal do Trabalho de fls. 105 a 117 e 121 a 122 e a certidão de fls. 147 a 184.
Também se apurou que a arguida B... é gerente de facto da sociedade “E..., Lda.”, que tem o mesmo objecto social da sociedade arguida e que tem como sócia-gerente a mãe da arguida J..., mas gerentes de factos são a arguida B... e o companheiro D....
Apesar de no presente requerimento não ter sido apresentada qualquer prova documental que suportasse o alegado, ou qualquer outro meio de prova, entendemos que os autos principais têm, agora, elementos de prova bastantes para indiciariamente concluirmos pela demonstração dos factos alegados no presente requerimento.
Dos autos principais resulta que os ora requerentes vieram peticionar uma indemnização de € 100.000 pela G... e por cada um dos demandantes H... e I... a indemnização de €50.000.
Ponderando o que resultou documentalmente indiciariamente provado que a arguida B... constituiu uma outra sociedade com o mesmo objecto social do da sociedade arguida, que as arguidas não vieram demonstrar serem titulares de quaisquer bens capazes de suprir o valor peticionado, que se frustraram as diligências de penhora no âmbito do processo que corre termos no Tribunal do Trabalho, entendemos que estão reunidos os pressupostos para deferir o requerido e ordenar que seja entregue caução económica, através de depósito autónomo à ordem do Tribunal.
Importa, por fim, aferir qual o montante adequado.
Neste ponto, consideramos a natureza do crime pelo qual as arguidas vêm acusadas, o montante peticionado nos pedidos de indemnização civil entendemos que se mostra adequado, justo e proporcional, fixar o montante da caução económica em €50.000.
Assim sendo, em face de todo o exposto, e deferindo integralmente o requerido, ao abrigo do disposto no art.º 227.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ordena-se que as arguidas procedam à entrega de caução económica, a prestar por depósito autónomo à ordem deste processo, no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros), no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado deste despacho.
Notifique.»

IV 1. –
Cumpre decidir.
Vêm as arguidas e recorrentes alegar que o despacho recorrido padece de contradição insanável da fundamentação, nos termos do artigo 410.º, n,º 2, b), do Código de Processo Penal, pois nele se afirma, por um lado, que não foi apresentado qualquer meio de prova do alegado no requerimento da prestação de caução económica que nesse despacho veio a ser decretada e se afirma, por outro lado, que estão indiciariamente provados, documentalmente, factos que levam ao decretamento dessa prestação.
Vejamos.
Embora a redação deste aspeto do despacho recorrido seja algo imperfeita, a sua leitura contextualizada não deixa margem para quaisquer dúvidas e não se verifica alguma contradição insanável da fundamentação.
O sentido desse despacho neste aspeto é, em síntese, o seguinte: não foram apresentadas provas de todos os factos alegados no requerimento de prestação de caução económica, mas estão, mesmo assim, indiciariamente provados factos que justificam o decretamento dessa prestação, a saber: que a arguida B... constitui uma outra sociedade com o mesmo objeto social da sociedade arguida, que as arguidas não vieram demonstrar serem titulares de quaisquer bens capazes de suprir o valor peticionado a título de indemnização civil e que se frustraram as diligências de penhora de bens da sociedade arguida no âmbito de um processo que corre termos no Tribunal de Trabalho,
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 2. –
Vêm as arguidas e recorrentes alegar que não se verificam, no caso em apreço, os pressupostos da ordem de prestação de caução económica, nos termos dos artigos 193.º, n.º 1, 197.º, n.º 3; e 227.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Alegam que a arguida B... não é gerente de facto da sociedade arguida. Alegam que não se provaram os factos alegados no requerimento de prestação de caução económica, ou seja: que têm vindo a dissipar o património (imóveis, veículos e máquinas) da sociedade arguida e que a arguida B... e o seu companheiro, D..., abrem e fecham sociedades de forma a frustrar os créditos que que sobre elas impendem. Alegam que a arguida B... aufere, como único rendimento, o salário mínimo nacional e que a sociedade arguida se debate com dificuldades económicas desde há muito tempo e não foram encontrados bens penhoráveis num processo de execução que corre contra ela, pelo que a prestação de caução económica não será viável e o seu montante não é adequado, nem proporcional.
Vejamos.
A prova que serve de fundamento à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial, na pendência do processo, é uma prova indiciária.
No caso vertente, a prestação de caução económica é decretada já em face de prova produzida em audiência de discussão e julgamento. É certo que esta prova pode ser impugnada pela via do recurso da sentença. Mas será essa a sede própria para tal impugnação, não a do recurso do decretamento de tal medida de garantia patrimonial. Para o efeito deste decretamento, não pode deixar de considerar-se suficientemente indiciados os factos tidos como provados na sentença não transitada em julgado.
Assim, se no processo principal foi tido como provado, já na fase da audiência de discussão e julgamento, que a arguida B... é gerente de direito e de facto da sociedade arguida, não será esta a sede própria para impugnar tal prova e esse facto não pode deixar de considerar-se suficientemente indiciado para o efeito de decretamento da medida de garantia patrimonial em apreço.
O mesmo se diga do facto de a arguida B... ter constituído outra sociedade com o mesmo objeto social da sociedade arguida.
O despacho recorrido não baseou a decisão de decretamento da prestação de caução económica na prova (mesmo que indiciária) de todos os factos alegados no requerimento respetivo. Não se baseou no facto (aí alegado) de as arguidas virem dissipando imóveis, veículos e máquinas da sociedade arguida. Os factos em que baseou tal decisão foram os seguintes: a arguida B... constituiu uma outra sociedade com o mesmo objeto social da sociedade arguida; as arguidas não vieram demonstrar a titularidade de quaisquer bens capazes de suprir os valores peticionados a título de indemnização civil; frustraram-se as diligências de penhora de bens da sociedade arguida no âmbito de um processo que corre termos no Tribunal de Trabalho.
Perante estes factos, é razoável concluir que se verifica o fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento das indemnizações peticionada no processo em apreço (e até já objeto de condenação em primeira instância). A constituição de outra sociedade com o mesmo objeto social da sociedade arguida indicia um propósito de frustração dos créditos que sobre esta impendem. A frustração da penhora de bens num processo executivo indicia, indubitavelmente, a perda de garantias do pagamento das indemnizações em causa.
Quanto à invocada precariedade da situação económica das arguidas, há que considerar o seguinte.
Invocam as arguidas o disposto no artigo 197,º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que manda atender à condição económica do arguido na fixação do valor da caução carcerária. E invocam, também a este respeito, os princípios da adequação e proporcionalidade consignados no artigo 193.º, n.º 1, do mesmo Código, como princípios gerais da aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial.
Ora, o invocado preceito do artigo 197.º, n.º 3, rege a fixação da caução carcerária, não a da caução económica, pois são diferentes as finalidade de uma e de outra.
E porque são diferentes as finalidades de uma e de outra, o alcance dos princípios da adequação e da proporcionalidade também é diferentes numa e noutra. A adequação e proporcionalidade da medida de garantia patrimonial há de ser aferida não em função da condição económica do arguido, ou de outros fatores elencados no referido artigo 197,º, n.º 3, mas em função do valor da quantia a garantir (neste caso, dos pedidos de indemnização civil em causa).
Ora, não pode, manifestamente, dizer-se que o valor da caução económica em causa seja desadequado ou desproporcionado em relação ao valor dos pedidos de indemnização civil (até já objeto de condenação em primeira instância) que essa caução pretende garantir: é, mesmo, inferior a este.
Também não pode dizer-se, a priori e antes de a mesma ser decretada, que a caução será inviável dada a situação económica das arguidas. Essa é uma conclusão que poderá eventualmente ser alcançada, mas só numa fase posterior.
Não se verifica, pois, no despacho recorrido, alguma violação dos disposto nos artigos 193.º, n.º 1, e 227º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Impõe-se, assim, negar provimento ao recurso.

As arguidas deverão ser condenadas em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

V - Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se o douto despacho recorrido.

Condenam cada uma das arguidas em 3 (três) U.C.s de taxa de justiça.

Notifique.

Porto, 13/9/2017
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo