Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
371/14.1PFPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PROVA INDIRECTA
PROVA INDICIÁRIA
Nº do Documento: RP20150701371/14.1PFPRT.P1
Data do Acordão: 07/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tanto a prova directa como a prova indirecta são modos igualmente legítimos de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum.
II – Na prova indirecta o sistema probatório alicerça-se no tipo de raciocínio indutivo, para prova de certos factos como sejam entre outros os relativos aos elementos subjectivos do tipo, não havendo confissão.
III – A prova indiciária é suficiente para determinar a participação do agente no facto punível se estando provados os factos base (requisito de ordem formal) os indícios estiverem demonstrados por prova directa (requisito material) e estes forem de natureza acusatória, plurais e contemporâneos do facto a provar e sendo vários estiverem interrelacionados reforçando assim o juízo de inferência (e a certeza do facto).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 371/14.1PFPRT.P1
Recurso Penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
No âmbito do processo comum que, sob o n.º 371/14.1PFPRT, corre termos pela Instância Central do Porto, 1.ª Secção Criminal (Juiz 12)[1], da Comarca do Porto, foi submetido a julgamento, por tribunal colectivo, o arguido B…, melhor identificado nos autos, mediante acusação do Ministério Público que lhe imputou a prática de factos susceptíveis de consubstanciar um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido acórdão (fls. 300 e segs.), datado de 11.03.2015 e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, acordam os da 1.ª Vara Criminal da Comarca do Porto em julgar parcialmente provada e procedente, nos termos referidos, a douta acusação pública deduzida nos autos e, consequentemente:
1) Condenar o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro – para o qual se convola o crime p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal de que se encontrava aqui acusado –, na pena de 2 (dois) anos de prisão («efetiva»);
2) Condenar o arguido no pagamento das custas e demais encargos deste processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC;
3) Declarar perdidos a favor do Estado:
i) As substâncias estupefacientes e respetivas embalagens, apreendidos ao arguido, cuja destruição desde já se determina;
ii) A quantia apreendida nos autos ao arguido, a que se dará o destino previsto no artigo 39.º, n.º 1, do falado Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
4) Ordenar se proceda oportunamente à comunicação prevista no artigo 64.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro;
5) Determinar continue o arguido sujeito à obrigação de permanência na habitação, com sujeição a vigilância eletrónica a que se encontra subordinado, que só se extinguirá após o trânsito em julgado do presente acórdão (cfr. artigos 213.º, n.º 1, alínea b), e 214.º, n.º 214.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal);
6) Advertir o arguido de que, conforme resulta do preceituado no artigo 214.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, até à extinção da pena que ora lhe foi imposta continuará sujeito às obrigações decorrentes da medida de coacção de termo de identidade e residência que prestou nos autos;
7) Ordenar a oportuna remessa de boletins ao Registo Criminal”.

Inconformado com tal decisão, almejando a diminuição da pena de prisão cominada e a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, o arguido dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes “conclusões” (em transcrição integral):
1- “No acórdão recorrido vem dado como provado:“8.1) No dia 25/06/2014, pelas 14horas e 30 minutos, na Rua …, na cidade e comarca do Porto, junto ao portão de acesso ao campo de futebol ali existente, o arguido B… procedeu à venda de quantidade não apurada de estupefaciente a um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, a troco da quantia de € 5 (cinco euros);”.

2- Quando aí se refere “estupefaciente” está-se a utilizar uma conclusão ou conceito de direito, e além disso sem fundamento, porquanto não é aí identificada qualquer planta, substância ou preparação compreendidas nas tabelas anexas ao DL 15/93 de 22/1.

3- Pelo que a matéria de facto reproduzida na 1ª conclusão não deveria ter sido dada como provada no douto acórdão recorrido e deve ser retirada da factualidade provada.

4- No acórdão recorrido vem ainda dado como provado: “ 8.3) Também nesse dia, pelas 16 horas, no interior de um anexo contíguo à residência do arguido, sita na Rua …, nº …, Casa ., na cidade e comarca do Porto, foi encontrado e apreendido, escondido por debaixo de uma chapa, um saco de plástico contendo uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 9,114 gramas – cfr. o exame de fls. 92, cujo teor aqui se dá, para todos os legais efeitos, por reproduzido – produto este que também pertencia ao arguido e que ele destinava à venda a terceiros que o procurassem para o efeito mediante contrapartida económica;”

5- O recorrente considera incorretamente julgada – porque não deveria ter sido considerada provada - a parte final dessa factualidade transcrita na conclusão anterior mais concretamente a constante do trecho “produto este que também pertencia ao arguido e que ele destinava à venda a terceiros que o procurassem para o efeito mediante contrapartida económica”.

6- Os depoimentos das testemunhas C…, e, D…, agentes da PSP, prestados na audiência de discussão e julgamento de 7 de Janeiro de 2015, gravados através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (o depoimento do primeiro consta com início de gravação 16:25:36 e fim 16:38:36 e o do segundo com início 16:55:20 e fim 17:10:56), demonstram que tal factualidade não ficou provada, e não devia ter sido considerada provada.

7- E tal resulta claramente da transcrição dos depoimentos dos mesmos constantes desta peça processual.

8- O que tais testemunhas expressaram sobre a disponibilidade/utilização pelo arguido e/ou esposa do anexo ou barracão em causa baseou-se no “ouvir dizer” e em conclusões que retiraram do que lhes foi dito; nenhum facto presenciaram/comprovaram que atestasse o que a tal respeito afirmaram.

9- Não presenciaram qualquer utilização do anexo ou barracão em causa pelo arguido, ou sequer qualquer facto praticado por ele relacionado com tal espaço.

10- E o que é por eles atestado e presenciaram e comprovaram é que o dito barracão era “de livre acesso” “a porta era manual”, “Do exterior aquilo até era fácil avançar e alguém ir lá pôr aquilo”.

11- Não há prova de que o produto (heroína) encontrado no anexo era do arguido, e pelo contrário o que se provou é que o barracão não tinha fechadura, era de livre e fácil acesso a quem lá quisesse entrar até para esconder o produto em causa.

12- Pelo que deve ser considerada não provada a factualidade “produto este que também pertencia ao arguido e que ele destinava à venda a terceiros que o procurassem para o efeito mediante contrapartida económica;” constante do trecho final do ponto 8.3) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido, reproduzido supra na conclusão 4ª.

13- Em face da procedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto nos termos das conclusões anteriores deverá alterar-se a pena aplicada ao arguido no acórdão recorrido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º alínea a) do DL 15/93 de 22/1.

14- Pelo que deverá aplicar-se ao arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º alínea a) do DL 15/93 de 22/1, em função dos critérios legais enunciados nos artigos 70º e 71º do C. Penal uma pena de prisão de um ano e determinar-se a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade ao abrigo do artigo 58º do Código Penal.

SEM CONCEDER

15- Ainda que não se considere procedente a impugnação da decisão sobre matéria de facto nos termos das conclusões precedentes, entende-se excessiva, face aos critérios legais enunciados no artº 71º do C. Penal, a pena de dois anos de prisão aplicada ao arguido no acórdão recorrido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º alínea a) do DL 15/93 de 22/1.

16- A atividade do arguido subsumida ao artigo 25º do DL 15/93 de 22/1, assumiu no dizer do próprio acórdão “um carácter esporádico e não organizado, com expressão temporal limitada, que seguramente não envolveu quantias significativas.”

17- Em consequência do exposto nas conclusões 15ª e 16ª pela prática do referido crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º alínea a) do DL 15/93 de 22/1, deve o arguido ser condenado numa pena de quinze meses de prisão”.
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Admitido o recurso (despacho a fls. 339) e notificado o Ministério Público, veio este responder à respectiva motivação, pugnando pela sua improcedência, por considerar que se fez correcta apreciação da prova e a aplicação do direito aos factos, também, não merece qualquer reparo.
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Ordenada a subida dos autos ao tribunal de recurso, e já nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que se manifesta pela improcedência do recurso, se bem que considere que o tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova ao dar como provado o que consta no n.º 1 do elenco de factos provados pois que, não tendo a substância vendida sido apreendida e, logo, não tendo sido submetida ao respectivo exame pericial, não poderia ter-se concluído que era produto estupefaciente sem se conhecer as respectivas características.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, com resposta do recorrente a reafirmar as razões da sua discordância da decisão condenatória.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

IIFundamentação
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[2] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso, naturalmente sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insupríveis e dos vícios da sentença, estes previstos no n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal.
O arguido/recorrente não põe em causa a sua condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
No entanto, impugna, em parte, a decisão sobre matéria de facto, invocando erro de julgamento.
Além disso, a irresignação do recorrente dirige-se à espécie e medida da pena, pretendendo que a pena de prisão seja (consideravelmente) diminuída e substituída por trabalho a favor da comunidade.
Por isso são três as questões a enfrentar:
- se houve erro de julgamento em matéria de facto, por incorrecta apreciação e valoração da prova;
- se na determinação da pena o tribunal respeitou os parâmetros legais;
- se estão verificados os pressupostos de aplicação de uma pena de substituição, designadamente a prestação de trabalho a favor da comunidade.
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Identificadas as questões a decidir e delimitado o objecto do recurso, importa conhecer os factos provados:
1) No dia 25/06/2014, pelas 14 horas e 30 minutos, na Rua …, na cidade e comarca do Porto, junto ao portão de acesso ao campo de futebol ali existente, o arguido B… procedeu à venda de quantidade não apurada de estupefaciente a um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, a troco da quantia de € 5 (cinco euros);
2) Naquelas circunstâncias de tempo e lugar o arguido tinha no interior do bolso das calças que trajava:
i) Duas embalagens de cocaína, com o peso líquido de 0,168 gramas – cfr. exame de fls. 94, cujo teor aqui se dá, para todos os legais efeitos, por reproduzido – produto este que lhe pertencia e que ele destinava à venda a terceiros que o procurassem para o efeito mediante contrapartida económica;
ii) A quantia monetária de € 76 (setenta e seis euros), em notas e moedas do Banco Central Europeu – mais concretamente, 6 notas de valor facial de € 10, 3 notas de valor facial de € 5, e 1 moeda de € 1 –, que era proveniente das vendas de cocaína efectuadas antes da intervenção policial;
3) Também nesse dia, pelas 16 horas, no interior de um anexo contíguo à residência do arguido, sita na Rua …, n.º …, Casa ., na cidade e comarca do Porto, foi encontrado e apreendido, escondido por debaixo de uma chapa, um saco de plástico contendo uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 9,114 gramas – cfr. o exame de fls. 92, cujo teor aqui se dá, para todos os legais efeitos, por reproduzido – produto este que também pertencia ao arguido e que ele destinava à venda a terceiros que o procurassem para o efeito mediante contrapartida económica;
4) O arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e características dos aludidos produtos estupefacientes que detinha e vendia a terceiros, bem sabendo que a respectiva aquisição, detenção, cedência e/ou venda lhe estavam vedadas, sendo proibidas e punidas por lei;
5) Apesar de o saber, o arguido não se coibiu de deter as referidas quantidades de cocaína e heroína, a fim de posteriormente as destinar à cedência e venda a terceiros, obtendo os lucros dessa actividade;
6) Agiu de forme livre, deliberada e consciente, ciente da censurabilidade e punibilidade das suas condutas;
7) O arguido B… havia sido detido no dia 23/01/2014, pelas 14 horas e 15 minutos, no âmbito do que veio a ser o processo comum n.º 28/14.3PFPRT, da extinta 1.ª Vara Criminal da Comarca do Porto, tendo sido submetido a 1.º interrogatório judicial no subsequente dia 24/01/2014, a partir das 14 horas e 30 minutos, findo o qual foi decidido «que (…) aguard[asse] os ulteriores termos d[o] processo com a medida de Obrigação de Permanência na Habitação, sem recurso à vigilância electrónica e às obrigações decorrentes do TIR já prestado»;
8) Aquando do recebimento dos autos em referência em Juízo, em 20/05/2014, porém, foi decidido revogar a obrigação de permanência na habitação a que o arguido se encontrava sujeito, tendo-se substituído tal medida de coação pela obrigação de apresentação, duas vezes ao dia, entre as 08 e as 11 horas, e as 17 e as 20 horas, no posto policial da área da sua residência;
9) No âmbito do processo em apreço foi deduzida acusação contra o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes;
10) Em 25/06/2014 o arguido havia já sido notificado da acusação proferida contra si no aludido processo n.º 28/14.3PFPRT;
11) Na altura em que ocorreram os factos que integram o objeto dos presentes autos, o arguido encontrava-se desempregado e sem qualquer fonte de rendimento fixo, para além da prestação mensal de que a sua esposa beneficiava no âmbito do programa do Rendimento Social de Inserção;
12) Do relatório social relativo ao arguido B…, elaborado pelos serviços de reinserção social por solicitação do Tribunal, que se encontra junto a fls. 231 e segs., refere-se, no que aqui interessa:
i) O arguido B… é o mais novo de dois filhos;
ii) O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar dos avós maternos, na sequência da separação dos pais quando contava cerca de 3 anos de idade;
iii) A dinâmica familiar é referenciada como positiva e orientada pelos valores tradicionais, referindo o arguido ter continuado a manter contactos regulares com os pais, que entretanto constituíram agregados familiares autónomos;
iv) O arguido teve um percurso escolar regular até ao 4.º ano de escolaridade, a então escolaridade obrigatória, altura em que abandonou com o objectivo de iniciar actividade laboral;
v) Apresenta um percurso profissional iniciado aos 11 anos, indiferenciado, indicando a actividade como ajudante de motorista a que manteve por um período mais prolongado;
vi) Contudo, devido a problemas que desenvolveu na coluna e que o impediam de realizar esforços, abandonou essa profissão, em 1995/96, passando desde aí a trabalhar, em regime de trabalhos pontuais, como pintor da construção civil;
vii) Aos 27 anos contraiu matrimónio do qual resultou o nascimento de quatro filhos, actualmente com idades compreendidas dos 17 aos 27 anos de idade;
viii) À data dos factos pelos quais se encontra acusado no presente processo, o arguido permanecia, tal como agora, integrado no agregado familiar constituído pelo cônjuge, sendo descrita uma dinâmica familiar positiva;
ix) Residiam em casa arrendada integrada num aglomerado habitacional tipo «ilha», situada em zona residencial periférica da cidade do Porto, onde não se verifica especial incidência de problemáticas criminais;
x) As condições económicas eram precárias, referindo que contava com o montante líquido de € 255,91, enquanto beneficiário, conjuntamente com a mulher, do Rendimento Social de Inserção, sendo que o arguido referiu efectuar trabalho como pintor em regime de trabalhos pontuais, dependendo das oportunidades que lhe surgiam e que referiu verificarem-se com maior regularidade durante os meses de Verão;
xi) Refere ainda que também tinha por hábito deslocar-se aos sábados para a feira …, onde procedia à venda de velharias e outros artigos que comprava em associações de solidariedade social como a «E…» ou a «F…»;
xii) Apresentavam despesas fixas estimadas em € 224da qual se destaca a referente à renda de casa (€ 150);
xiii) O arguido refere contar também com o apoio do filho, que reside nas imediações, e também de vizinhos, que lhe fornecem géneros alimentares;
xiv) Nos contactos estabelecidos com vizinhos, o arguido foi-nos descrito como um indivíduo correcto e educado, cujo comportamento, naquele meio, não suscita especial reparo;
xv) As dificuldades económicas do casal são conhecidas, tendo-nos sido confirmado o apoio em géneros alimentares que lhes vêm prestando;
xvi) O presente processo tem sido vivenciado pelo arguido de forma ansiosa, receando as consequências que possam advir do mesmo;
xvii) Quanto ao valor jurídico ofendido subjacente aos presentes factos, o arguido B… evidencia em abstracto, juízo de censura, reconhecendo a ilicitude de tais comportamentos, os quais contudo tende a justificar no seu caso em concreto, com situações as dificuldades económicas;
xviii) O presente processo não teve repercussões relevantes na sua vida, ao nível profissional, familiar ou social;
xix) Contudo, desde que se mantém confinado à habitação no âmbito do presente processo, o arguido tem adoptado uma atitude de respeito das regras inerentes à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica;
xx) Apesar de vivenciar um processo de desenvolvimento inserido em contexto familiar equilibrado e facilitador de uma inserção social normativa, a trajectória de vida recente do arguido B… tem-se cruzado com o Sistema de Administração da Justiça Penal, para o que a situação de carência económica é a justificação apresentada, para a adopção de um estilo de vida anormativo e de envolvimento em condutas anormativas;
xxi) Esta desvalorização e justificação da prática criminal, assim como tendo em conta que à data da prática dos factos pelos quais se encontra acusado, o arguido tinha já sido condenado por crime análogo ao do presente processo e encontrava-se ainda acusado pela prática de outro de igual natureza, aguardando julgamento, poderá ser indiciador das dificuldades de consciencialização do real desvalor da conduta praticada e da não interiorização dos efeitos de anterior condenação;
13) Do certificado de registo criminal relativo ao arguido, junto a fls. 212-213, consta ter sido ele condenado, no âmbito do processo n.º 21/12.0PEPRT, do 1.º Juízo (3.ª Secção) Criminal da Comarca do Porto, por decisão proferida em 16/05/2013, transitada em 17/06/2013, e pela prática, em 14/03/2012, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 18 meses de prisão, substituídos por 480 horas de trabalho a favor da comunidade;
14) Para além disso, o arguido foi ainda condenado, no âmbito do processo n.º 28/14.3PFPRT, da extinta 1.ª Vara Criminal da Comarca do Porto, por decisão proferida em 06/10/2014, ainda não transitada, e pela prática, desde data não concretamente apurada e até ao dia 23/01/2014, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão («efetiva»)”.

Factos não provados:
(i) que as substâncias estupefacientes apreendidas ao arguido se destinavam a serem entregues à testemunha G…, para seu consumo,
(ii) que a quantia monetária apreendida ao arguido era o montante ainda não gasto da prestação que a sua esposa recebia no âmbito do programa do rendimento social de inserção e que havia levantado no dia em que ocorreram os factos aqui em causa.
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Quando se questiona a valoração da prova efectuada pelo tribunal a quo, a apreciação (do tribunal ad quem) alarga-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento dos ónus de especificação impostos pelos n.os 3 e 4 do art. 412.º do Cód. Proc. Penal.
Se o recorrente pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de especificar (cfr. n.º 3 do citado art.º 412.º):
● os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido (obrigação que “só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida”[3]);
● as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ónus que só fica satisfeito “com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida”[4]).
Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, essas provas impõem decisão diversa da recorrida, constituindo essa explicitação, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque (op. cit.), “o cerne do dever de especificação”, com o que se visa impor-lhe “que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado”.
Importa reter que não basta que as provas, simplesmente, permitam ou até sugiram conclusão diversa; exige-se que imponham decisão diversa daquela que o tribunal proferiu.
Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra, de 30.03.2010, disponível em www.dgsi.pt/jtrc (Des. Belmiro Andrade), o recorrente tem de identificar não só “o erro in judicando que aponta à decisão recorrida, mas ainda especificar o conteúdo concreto dos meios de prova capazes de, numa valoração em conformidade com os critérios legais, impor decisão diferente da recorrida”, ou seja, “perante uma sentença devidamente fundamentada, para que seja revogada, impõe-se que sejam rebatidos, com base em razões materiais minimamente persuasivas, os seus fundamentos materiais, o mesmo é dizer, ou a legalidade dos meios de prova utilizados, ou o conteúdo das declarações ou de outros meios de prova valorados pela sentença, ou a inconsistência, á luz dos princípios legais atinentes, da análise crítica e da apreciação em que repousa a decisão”.
Quando impugna a decisão sobre matéria de facto, o recorrente tem que evidenciar que ela não está objectiva e logicamente fundamentada, não pode impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre certos factos, esquecendo o princípio da livre apreciação da prova.
Importa não confundir a questão da convicção (e o grau de exigência para ser tomada uma determinada decisão), que é incontrolável, e a questão de saber se essa convicção está devidamente objectivada, fundamentada ou alicerçada na prova produzida, aspecto que, esse sim, é sindicável pelo tribunal de recurso.
O que pode discutir-se em sede recursiva é se há algo a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação dessa convicção (“um procedimento cognoscitivo complexo que se desenvolve segundo directivas jurídicas e racionais e acaba num juízo racionalmente justificado”, nas palavras de Michele Taruffo, “La Prueba de los Hechos”, Ed. Trotta, Madrid, 2005, 69) e se pode considerar-se suficiente a fundamentação, ou se o tribunal errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência. Ou, como se refere no acórdão do STJ, de 14.03.2007, disponível em www.dgsi.pt (relator: Cons. Santos Cabral), pode-se analisar um depoimento, um esclarecimento de um perito, as declarações de um arguido ou de um ofendido e outros meios de prova e, a partir daí, controlar o raciocínio indutivo efectuado, pois já não é essencial a imediação e do que se trata é de “uma questão de verosimilhança ou plausibilidade das conclusões contidas na sentença”.
São dois os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados:
- no n.º 1 do elenco de factos provados, o segmento “procedeu à venda de quantidade não apurada de estupefaciente”;
- no n.º 3 do mesmo elenco factual, na parte em que se afirma que lhe pertencia a heroína (com o peso líquido de 9,114 gramas) encontrada e apreendida num anexo da sua casa de residência e que ele a destinava à venda a terceiros que o procurassem para o efeito e que se dispusessem a pagar a respectiva contrapartida pecuniária.
Imporiam decisão diversa da recorrida os depoimentos das testemunhas C… e D…, ambos agentes da PSP, de que o recorrente transcreve as passagens que, no seu entender, corroborariam a sua tese.
Podemos, então, concluir que o recorrente cumpriu os mencionados ónus de especificação impostos pelos n.os 3 e 4 do art. 412.º do Cód. Proc. Penal.
Vejamos se as razões em que se fundamenta a impugnação são suficientes para provocar a pretendida alteração da decisão em matéria de facto.
O recorrente sustenta que quando no n.º 1 se refere “estupefaciente” «está-se a utilizar uma conclusão ou conceito de direito (…) porquanto não é aí identificada qualquer planta, substância ou preparação compreendidas nas tabelas anexas ao DL 15/93 de 22/1», pelo que não deveria integrar a factualidade provada (conclusões 2.ª e 3.ª).
Como se assinalou, o Ex.mo PGA vai mais longe e no seu parecer defende que estamos perante o vício de erro notório na apreciação da prova porquanto, não tendo sido apreendida, a substância que teria sido vendida pelo arguido nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas naquele n.º 1 não foi submetida a exame, pelo que não poderia concluir-se que se trata de produto estupefaciente por se desconhecer as suas características.
No Supremo Tribunal de Justiça já se decidiu que “embora o exame toxicológico seja importantíssimo no domínio da prova dos crimes de tráfico de estupefacientes, nada obsta a que se proceda à demonstração da natureza do produto por outros meios, maxime, nos casos em que o agente faz desaparecer a droga no momento da busca, por exemplo, lançando-o para a sanita” (acórdão do STJ, de 07.05.1997, Cons. Lopes Rocha, acessível em www.dgsi.pt).
A não se entender assim e a exigir-se que, em todas e quaisquer circunstâncias, sempre será de exigir que se proceda ao exame toxicológico do produto para se verificar se tem características estupefacientes, inúmeros actos que a prova indica, inequivocamente, tratar-se de actos de tráfico de substâncias estupefacientes ficariam impunes.
De resto, seguindo a mesma linha de exigência, se a um “dealer” forem apreendidos 50 “panfletos”, não bastará para se concluir que se trata de produto estupefaciente que se proceda ao exame do conteúdo de um deles; se forem apreendidas umas toneladas de haxixe, não bastará que se proceda ao exame do conteúdo de um das dezenas de fardos em que vem acondicionado para se concluir que que tudo é produto estupefaciente.
Segundo o relato que fizeram em audiência os referidos agentes policiais (cuja idoneidade, credibilidade e objectividade o recorrente não põe em causa), estes foram alertados por um cidadão (que não quis identificar-se) para o facto de estar um indivíduo a vender droga na Rua …, da cidade do Porto, e, tendo-se dirigido para o local, quando aí chegaram, ainda presenciaram uma troca, com o arguido a entregar a um indivíduo algo que aparentava ser uma “dose” de produto estupefaciente (aquilo que na gíria dos traficantes e consumidores é designado por “panfleto”) e a receber dele uma nota do BCE de € 5,00 (cinco euros).
A revista sumária ao arguido que, de imediato, realizaram permitiu-lhes verificar que ele tinha consigo duas embalagens de cocaína (com o peso líquido de 0,168 gramas) e, apesar de ser um indivíduo desocupado e sem qualquer fonte de rendimento próprio, tinha na sua posse € 76,00 em notas e moedas do BCE, sendo três das notas com o valor facial de € 5,00 (cinco euros).
Dir-se-á, então, que estes factos permitem, com segurança, inferir que foi uma dose de cocaína a substância que o arguido vendeu ao indivíduo de quem recebeu a nota de € 5,00, mesmo não tendo sido possível apreender e examinar o produto.
Embora referindo-se a uma situação de indeterminação das quantidades de drogas, é nesta linha de prudente senso prático que se insere o acórdão desta Relação de 08.02.2012 (Des. Pedro Vaz Pato), acessível em www.dgsi.pt, em que se argumenta que “exigir, fora das situações de flagrante delito e apreensão dos produtos, a concretização da quantidade do produto estupefaciente traficado (…) seria irrazoável e inviabilizaria praticamente a prova do crime de tráfico de estupefacientes”.
Parece não ter sido esse o entendimento do magistrado do Ministério Publico que deduziu a acusação, pois que, em vez de imputar ao arguido a venda de uma quantidade indeterminada de cocaína pelo preço de € 5,00, acusou-o de proceder à venda de “quantidade não apurada de estupefaciente”. Afirmação que depois o tribunal reproduziu na sentença, mantendo o termo “estupefaciente”.
O vocábulo “estupefaciente” não traduz um conceito de direito (como pretende o recorrente), nem sequer é um elemento normativo do tipo legal descrito no artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Trata-se, no entanto, de uma afirmação conclusiva, que não dispensa a identificação da concreta substância estupefaciente traficada, pois só assim é possível saber se ela se enquadra, ou não, em alguma das tabelas I a III anexas ao referido Decreto-Lei e a que alude o citado preceito incriminador.
Assim, embora por razão diversa, entendemos, tal como entendeu o Ex.mo PGA, que é de alterar o facto descrito sob o n.º 1, que passará a ter a seguinte formulação:
“No dia 25/06/2014, pelas 14 horas e 30 minutos, na Rua …, na cidade e comarca do Porto, junto ao portão de acesso ao campo de futebol ali existente, o arguido B… procedeu à venda de quantidade indeterminada de uma substância não identificada a um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, a troco da quantia de € 5 (cinco euros)”;
*
O segundo ponto de facto que o recorrente considera ter sido incorrectamente julgado é o descrito na segunda parte do n.º 3 do elenco de factos provados, em que se lhe imputa a pertença de uma embalagem contendo heroína (com o peso líquido de 9,114 gramas) que ele guardava num barracão anexo à residência e que destinava à venda a quem, para tanto, se lhe dirigisse e se dispusesse a pagar o respectivo preço.
O recorrente insurge-se contra a decisão recorrida porque o tribunal se baseou nos depoimentos dos referidos agentes policiais e “o que tais testemunhas expressaram sobre a disponibilidade/utilização pelo arguido e/ou esposa do anexo ou barracão em causa baseou-se no “ouvir dizer” e em conclusões que retiraram do que lhes foi dito; nenhum facto presenciaram/comprovaram que atestasse o que a tal respeito afirmaram”, além de que as mesmas testemunhas presenciaram e comprovaram que o dito barracão era “de livre acesso”, pelo que, na sua perspectiva, não há prova de que a heroína lhe pertencia (conclusões 8.ª a 11.ª).
Na valoração e análise crítica da prova produzida, o tribunal discorreu assim:
“No tocante aos produtos estupefacientes que foram encontrados no barracão anexo à habitação do arguido e sua esposa, negou ele, como se referiu já, que os mesmos lhe pertencessem, atribuindo a um eventual terceiro não identificado a propriedade dos mesmos, esclarecendo, para tanto, que o dito barracão seria de fácil acesso a quem o quisesse utilizar, razão pela qual aí seria fácil esconder o que quer que fosse sem seu conhecimento e autorização.
Também aqui, no entanto, a explicação apresentada pelo arguido se mostrou inverosímil. Por um lado, se é certo que o barracão em referência não era propriamente um espaço a que fosse impossível aceder mesmo sem a autorização do arguido, o certo é que mesmo este acabou por reconhecer, no decurso das suas declarações, que, em princípio, aí só entrava habitualmente quem ele autorizava, o que significa que, em circunstâncias normais, quem quisesse utilizar tal espaço para aí guardar o que quer que fosse, sempre procuraria o assentimento do arguido para o efeito. Ainda mais – acrescentamos nós – quando o que está em causa são cerca de 9 gramas de produto estupefaciente, o que, se o acesso ao barracão aludido fosse tão livre como o arguido alegou, naturalmente tornaria o espaço imprestável para guarda, em segurança, de tais substâncias.
Por outro lado, o modo como o produto estupefaciente apreendido se encontrava dissimulado no interior do barracão anexo à residência do arguido (descrito pela testemunha D…) significa que quem o aí colocou conhecia o espaço e tinha um mínimo de certeza que, em princípio, o mesmo não seria encontrado por terceiros que, porventura, pudessem ter acesso ao local.
Finalmente, é preciso não esquecer que as autoridades policiais só se dirigiram ao barracão em referência precisamente porque a própria esposa do arguido assumiu a disponibilidade do espaço (com o que se não está a valorar o que ela declarou, mas o seu comportamento, tal como observado pelas autoridades policiais, relativamente a tal espaço), tal como a própria testemunha G… o terá atestado também; para além disso, ninguém surgiu a reclamar a disponibilidade do espaço enquanto as autoridades policiais o buscavam, mais inculcando a ideia de que, de facto, era o arguido (e a sua esposa) quem detinham esse espaço.
Como é bom de ver, muito dificilmente se obteria prova directa de que a heroína ali encontrada e apreendida pertencia ao arguido/recorrente.
Mas nem só quando o arguido faz uma confissão integral e sem reservas dos factos ou quando ocorrem situações de flagrante delito ou em que há testemunhas presenciais ou outras fontes de prova directa pode haver condenações.
São muito variadas e frequentes as situações em que não há prova directa porque o agente do crime procura cometê-lo sem ser notado, às escondidas, dissimuladamente, sorrateiramente, e nem por isso pode deixar de ser punido.
Se apenas a prova directa servisse para a condenação, estar-se-ia a abrir caminho à criação de amplos espaços de impunidade.
Sabendo-se que os traficantes de drogas fazem uso dos mais variados (e, não raro, sofisticados) esquemas e meios para escapar ao controlo das autoridades de fiscalização e repressão, o combate a este tipo de criminalidade seria uma luta inglória.
Por isso que a chamada prova indirecta tem um papel fundamental e já ninguém lhe nega virtualidade incriminatória para afastar a presunção de inocência.
Com efeito, quer a prova directa, quer a prova indirecta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade[5]) do factum probandum: pela primeira via ou método, “a percepção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal”, ao passo que na segunda “a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, 79).
Uma vez que em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do Código de Processo Penal), delas (das provas admissíveis) não pode ser excluída a prova por presunções (prevista, como noção geral, no artigo 349.º do Código Civil, mas prestável e válida como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos no processo penal) em que se parte de um facto conhecido (o facto base[6] ou facto indiciante, que funciona como indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade[7] (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro.
Com efeito, apesar das reservas e objecções[8] que, ainda, lhe são opostas, está consolidado o entendimento de que, para a prova dos factos em processo penal, é perfeitamente legítimo o recurso à prova indirecta[9], também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial.
Neste âmbito, importam as presunções simples, naturais ou hominis, simples meios de convicção, que se encontram na base de qualquer juízo probatório. São meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção, que cedem por simples contraprova, ou seja, prova que origine a dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto.
O sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, para certos factos, como sejam os relativos aos elementos subjectivos do tipo (doloso ou negligente), não havendo confissão, a sua comprovação não poderá fazer-se senão por meio de prova indirecta[10].
Como alguém já afirmou, é precisamente nas situações em que não há prova directa, mas existe prova indiciária, que intervêm decisivamente a inteligência e a lógica do juiz. Primeiramente, a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou a uma regra científica. Depois intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos à inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
Importa focar este ponto: o indício não prova o facto, é toda a circunstância conhecida e provada que induz à descoberta de outro(s) facto(s), que tem a virtualidade para dar a conhecer outro(s) facto(s) que com aquela está relacionado. O indício funciona como uma primeira componente da prova indiciária.
Vejamos então os factos que, com essa virtualidade, podemos seleccionar para integrarem a base indiciária sobre a qual há-de repousar o juízo de inferência.
O facto probandum é, recorde-se, saber se era do arguido/recorrente a heroína encontrada pelos agentes policiais num barracão anexo à casa de habitação daquele e se ele a destinava à venda.
Os agentes policiais tiveram acesso ao referido barracão e realizaram a busca com autorização da esposa do arguido, H…, que, para tanto, assinou a declaração que consta a fls. 8 dos autos.
Se a esposa do arguido deu o seu consentimento para a realização da busca, pelo menos, implicitamente assumiu que era ela e o marido quem tinha a disponibilidade desse espaço fechado e nada aponta em sentido contrário.
Por isso os referidos agentes policiais não são testemunhas de outiva nem o tribunal valorou depoimentos indirectos.
Por outro lado, tendo o arguido e a esposa a posse ou a detenção do barracão, não pode dizer-se que o local fosse de acesso livre. Coisa diversa é a circunstância (efectivamente mencionada pelas testemunhas) de o barracão não ter uma porta fechada à chave e por isso não ser difícil que alguém aí se introduzisse. Mas se um terceiro estranho aí penetrasse sem o conhecimento ou autorização do arguido, designadamente para esconder droga no barracão, atentas as características do local (um aglomerado habitacional do tipo “ilha”) acabava por ser notado. Por isso, convenhamos, esse não era o local indicado para o efeito, pois o risco de ficar sem o produto era elevado e nove gramas de heroína, para um pequeno traficante, é uma quantidade significativa.
Na altura dos factos, o arguido dedicava-se ao tráfico de estupefacientes: já tinha sofrido uma condenação pela prática (em Março de 2012) de um crime de tráfico de menor gravidade e contra ele já tinha sido deduzida acusação pela prática de um crime de tráfico do artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, no âmbito do processo n.º 28/14. 3 PFPRT, em que veio a ser condenado (por sentença ainda não transitada em julgado) na pena de 4 anos e 6 anos de prisão.
Não é demais sublinhar que é a compreensão global dos indícios existentes, através do estabelecimento de correlações intrínsecas e apelando à razão e às regras da lógica, que permite e avaliza a passagem da multiplicidade de probabilidades, mais ou menos adquiridas, para um estado de certeza sobre o facto probando.
O tribunal a quo concluiu que, “ponderando, mais uma vez, globalmente, os elementos probatórios aludidos, entende também o Tribunal, assim, ter ficado inequivocamente demonstrada em audiência a matéria que se levou ao parágrafo 8.3”.
A base probatória indiciária em que assenta esse juízo de inferência é sólida e o raciocínio explicitado na sentença recorrida é razoável e coerente.
A ligação ou conexão entre a base indiciária e o facto-consequência deve ser directa, precisa, inequívoca, segundo as regras do critério humano, ou seja, o factum probandum deve fluir como conclusão natural, lógica, inelutável dos factos base comprovados.
Não é razoável nem se revela de harmonia com o que podemos designar por “normalidade das coisas”, aquilo que é o normal acontecer (o id quod plerunque accidit) que um consumidor de estupefacientes adquira uma quantidade de heroína como aquela que foi apreendida ao recorrente para a destinar, exclusivamente, a auto-consumo e por isso é inteiramente fundada a conclusão de que ele a destinava à venda a quem, para o efeito, o contactasse.
O que se apresenta como conclusão lógica e natural é que, não tendo o arguido qualquer fonte lícita de rendimento, o dinheiro que tinha na sua posse fosse o produto da venda de substâncias estupefacientes como a que tinha consigo quando foi detido.
Os factos-base indicados são suficientes para fundamentar o juízo de inferência efectuado e a argumentação sobre que assenta a conclusão probatória revela-se inteiramente razoável face a critérios lógicos do discernimento humano e por isso não merece qualquer censura.
Não há, assim, fundamento para qualquer outra (além da já mencionada) alteração da decisão em matéria de facto.
*
O recorrente pugna pela diminuição da pena de prisão que lhe foi cominada e, como tivemos oportunidade de assinalar, a sua pretensão alicerça-se, em primeira linha, numa (também almejada) alteração da base factual em que assentou a sua condenação, mas, ainda que não ocorra tal alteração, considera “excessiva, face aos critérios legais enunciados no artº 71º do C. Penal, a pena de dois anos de prisão aplicada”, até porque, “no dizer do próprio acórdão”, a sua actividade ilícita assumiu «um carácter esporádico e não organizado, com expressão temporal limitada, que seguramente não envolveu quantias significativas» (conclusões 15.ª e 16.ª).
Em matéria de determinação da pena, o acórdão recorrido contém uma extensa e douta fundamentação, de que destacamos o seguinte trecho:
“No caso vertente, o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido (o grau de ilicitude que se pode apurar dentro da medida do ilícito praticado, que vimos já justificar a aplicação de uma moldura abstrata mais benigna) é mediano.
Já o dolo do arguido, contudo, se nos afigura muito intenso, tanto mais que direto, atendendo até à pertinácia que a sua resolução delitiva assumiu (bem patente na insistência com que se dedicou à prática de um ilícito similar àquele pelo qual havia já estado obrigado a permanecer na sua habitação, limitado na sua liberdade ambulatória), o que mostra bem como essa vontade se renovou não obstante o confronto que anteriormente havia tido com as autoridades policiais e o sistema formal de Administração da Justiça Penal.
Até por isso, o grau de culpa que se depreende dos factos praticados pelo arguido é, assim, algo elevado, já que demonstra bem a contrariedade do seu comportamento às exigências da ordem jurídica.
As exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir são, entretanto, elevadas, atendendo até ao alarme social que o tráfico de estupefacientes justamente causa na comunidade.
As exigências de prevenção especial, por seu turno, são também particularmente elevadas, ao resultar claramente dos autos a necessidade de sensibilizar de forma especialmente decidida o arguido para o caráter ilícito do seu comportamento e para a necessidade de melhor adequar, no futuro, a sua conduta às exigências que lhe são postas pela ordem jurídica, fazendo-lhe ver, de forma inequívoca, o caráter inadmissível de comportamentos como aquele por que responde aqui.
Como se traduzem estas considerações em termos numéricos?
Tudo ponderado, entende o Tribunal justo e adequado fixar em 2 anos a pena de prisão a pena a aplicar ao arguido pelo crime de tráfico por ele cometido, refletindo, por um lado, a censura acrescida que a sua conduta concita (ao ter ocorrido pouco depois de o arguido ter sido detido por razões similares e, portanto, com maior desvalor de ação), e os seus antecedentes criminais (condenação anterior por crime idêntico), a aumentarem as exigências de prevenção especial.
Por isso, não há necessidade de nos alongarmos em considerações sobre os fins das penas, sendo suficiente assinalar que o momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Por outro lado, há que ter presente que um dos princípios a que obedece o Código Penal é o princípio da culpa, segundo o qual não pode haver pena sem culpa, nem pena superior à medida da culpa, isto é, a culpa constitui pressuposto e limite inultrapassável da pena.
A determinação da medida da pena em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto e as chamadas consequências extratípicas, como serão a insegurança geral causada por uma série de crimes particularmente graves, o pavor determinado por ataques sexuais particularmente repugnantes, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Neste conspecto, cabe destacar a particular premência das necessidades de prevenção geral (não só positiva ou de integração, mas também negativa ou de intimidação), pois que “os tráficos de estupefacientes são comunitariamente sentidos como actividades de largo espectro de afectação de valores sociais fundamentais, e de intensos riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba a própria coesão social, não só pelo enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, como por todo o cortejo de fracturas sociais que lhes anda associado, quer nas famílias, quer decorrente de infracções concomitantes, quer ainda pela corrosão das economias legais com os ganhos ilícitos resultantes das actividades de tráfico” (acórdão do STJ, de 13.01.2010; Cons. Henriques Gaspar).
Relevante para a determinação do grau de culpa (e, portanto, para a definição do limite da pena) são os factores elencados no art.º 71.º, n.º 2, do Cód. Penal e que, basicamente, têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu.
Aproveitando a lição do Professor Figueiredo Dias (“Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 245), porque a culpa jurídico-penal é “censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, há que tomar em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.) e a personalidade do agente [condições pessoais e situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto].
O arguido agiu com dolo directo (e é difícil conceber outra modalidade de dolo nos crimes de tráfico de estupefacientes), modalidade em que predomina o elemento volitivo. Daí que, por regra, a vontade criminosa do agente seja mais intensa. De resto, na passagem transcrita da fundamentação do acórdão está bem evidenciada a grande intensidade dolosa, a vontade firme e persistente na prática do crime revelada pelo arguido/recorrente.
Para enquadrar jurídico-penalmente os factos no tráfico de estupefacientes de menor gravidade, houve que concluir pela acentuada diminuição da ilicitude.
No entanto, dentro do tráfico de menor gravidade, é óbvio que pode ser diferentemente graduada a ilicitude das respectivas condutas (a moldura penal é suficientemente ampla para ter em conta essa graduação).
Um “dealer” que vende, apenas, haxixe não pode ser punido do mesmo modo que aquele que se dedica à venda de cocaína e/ou heroína.
A qualidade e a quantidade dos produtos estupefacientes traficados, são elementos que não podem deixar de pesar na determinação do grau de ilicitude das diversas condutas.
Evidentemente, não é indiferente, em termos de ilicitude, que um traficante venda, de cada vez, dez, vinte, cinquenta, cem ou mais gramas de heroína ou cocaína, tal como não pode ser valorada do mesmo modo a actividade de um pequeno traficante que vende, habitualmente, “panfletos” a meia dúzia ou a vinte consumidores, que venda umas “línguas” de haxixe ou que venda um ou vários “sabonetes” de haxixe de cada vez.
Por outro lado, não pode deixar de se valorar gradativamente a perigosidade intrínseca e social dos vários tipos de drogas, sendo geralmente reconhecido que é maior a perigosidade da cocaína e, sobretudo, da heroína em relação, por exemplo, à do haxixe.
Ora, o arguido traficava cocaína e heroína e a quantidade desta última que lhe foi apreendida (cerca de nove gramas), no contexto do pequeno tráfico, não é despicienda e permitiria fornecer umas boas dezenas de consumidores.
Além das carências de socialização que revela, o arguido/recorrente já sofreu duas condenações por crimes de tráfico de estupefacientes (e a segunda, se vier a transitar em julgado, leva-o à cadeia para cumprir uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão), seis delas por crimes idênticos, e, mesmo assim, não parece ter interiorizado a censurabilidade da sua conduta.
A sucessão de crimes praticados denota clara dificuldade em manter uma conduta lícita, o que releva, não só por via da culpa, mas também por via da prevenção especial. Prevenção que não tem de actuar, sempre e só, ao nível da (res)socialização. Neutralização, intimidação ou (re)inserção social são meios especial-preventivos sempre ao serviço de um objectivo: impedir ou fazer desistir o delinquente de cometer futuros crimes.
Neste caso, tem de prevalecer a função de advertência e de inocuização.
Por tudo o que fica exposto, não vislumbramos razões atendíveis, mesmo com a alteração operada na matéria de facto, para que a pena de 2 anos de prisão deva considerar-se inadequada à culpa do arguido, sendo, isso sim, a medida necessária para satisfazer as exigências de prevenção (quer geral, quer especial).
*
Na primeira instância foi denegada ao arguido a suspensão da execução da pena de prisão aplicada e também essa decisão está proficientemente fundamentada.
O recorrente não reagiu contra essa decisão, parecendo, assim, ter-se conformado com o juízo de prognose negativo ali formulado:
“No caso dos autos, no entanto, o Tribunal – considerando também o que se escreveu já quanto à sua situação pessoal (e igualmente o seu comportamento subsequente à alteração da medida de coação a que se encontrava sujeito no âmbito do processo comum n.º 28/14.3PFPRT, da extinta 1.ª Vara Criminal da Comarca do Porto: cfr., supra, parágrafo 8.7 e segs.) – entende que a personalidade e o passado criminal do arguido é de molde a inviabilizar de todo qualquer tentativa de ressocialização em liberdade; para além disso, também as razões de prevenção geral que são colocadas pelo caso vertente relativamente ao arguido sempre impediria tal suspensão, pois que a simples ameaça da pena nunca seria suficiente para assegurar a segurança da própria comunidade (e a sua confiança na validade das normas violadas pelo arguido com o seu comportamento)”.
No entanto, almeja o arguido a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Estando verificado o requisito formal da aplicação desta pena de substituição, há que indagar se ocorre o respectivo pressuposto material, ou seja, se essa medida permite a realização adequada e suficiente das finalidades da punição (pressuposto que é comum a qualquer pena de substituição).
Sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial de (res)socialização que estão na base da aplicação das penas (logo, também das penas de substituição), o tribunal só deve recusar essa aplicação “quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente” ou, não sendo o caso, a pena de substituição só não deverá ser aplicada “se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”[11].
Na primeira condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, a pena de prisão (18 meses) aplicada foi substituída por trabalho a favor da comunidade.
Desconhece-se se o arguido já cumpriu essa pena, mas a condenação (proferida em Maio de 2013) não constituiu suficiente admonição contra o crime, já que, pouco tempo depois, ele voltou a delinquir e a praticar crime idêntico, pelo qual voltou a ser condenado.
Aliás, esteve o arguido sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação até 20.05.2014 e, imediatamente após a revogação dessa medida, em Junho de 2014, praticou os factos que constituem o objecto deste processo.
O recorrente tem revelado incapacidade de auto-responsabilização e de auto-censura.
Mas há outros factores de risco de novas práticas delictivas.
Quando se indaga sobre a inserção social de um indivíduo, um dos factores essenciais a ter em consideração é a existência de uma ocupação duradoira, profissional ou outra, ou, pelo menos, que tenha hábitos de trabalho.
O arguido/recorrente não tem hábitos de trabalho, na altura dos factos, estava desocupado e não é agora, nesta idade, que vai adquiri-los.
A ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídicos comunitários e de respeitar os bens jurídicos, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais que, objectivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da reinserção social.
Porém, os factos apurados não indicam que seja esse o caminho que o arguido quer, genuinamente, trilhar e no relatório social estão identificados factores de risco de assunção de novos comportamentos anti-normativos.
Se é certo que se deve privilegiar a socialização em liberdade, não é menos certo que a defesa do ordenamento jurídico não pode ser postergada, sob pena de se sacrificar a função de tutela de bens jurídicos que a pena, irrenunciavelmente, desempenha[12].
Em conclusão, não merece censura a decisão recorrida de não substituir a pena de prisão por qualquer pena não detentiva.

IIIDispositivo:
Em face do exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
A) alterar a decisão recorrida em matéria de facto, nos termos que ficaram expressos no texto da fundamentação deste acórdão;
B) negar provimento ao recurso e manter a condenação do arguido B… pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Por ter decaído, pagará o recorrente taxa de justiça que se fixa em quatro UC´s (artigos 513.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, 1.º, n.º 2, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 01-07-2015
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes
___________
[1] Embora, por lapso, no dispositivo do acórdão se refira a 1.ª Vara Criminal.
[2] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[3] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2.ª edição actualizada, 1131.
[4] Idem
[5] Não a verdade ontológica, mas a verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos, pois que, estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos.
[6] Que pode ser um único, mas, desejavelmente, devem ser factos plurais e estar inter-relacionados, de modo a que se reforcem mutuamente.
[7] O juízo de inferência, que deve ser razoável e fundamentado.
[8] Sobre as razões destas reservas, veja-se o texto de Euclides Dâmaso Simões “Prova Indiciária (Contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)”, publicado na revista “Julgar”, n.º 02, 2007, 203 e segs.
[9] Cfr., entre muitos outros, os acórdãos do TRP, de 28.01.2009, do TRC, de 30.03.2010 e do STJ, de 11.07.2007 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
[10] Como ensinava o Professor Cavaleiro Ferreira (“Curso de Processo Penal”, II, 1981, p. 292) «existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica».
[11] Professor Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, 333.
[12] Uma das dimensões da prevenção geral positiva é o restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual e é através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da validade das normas violadas e, portanto, da importância dos bens jurídicos lesados, que essa mensagem de confiança é dada.