Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1326/13.9TTPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: EXAME MÉDICO
ASSESSOR TÉCNICO
Nº do Documento: RP201411031326/13.9TTPRT-A.P1
Data do Acordão: 11/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: No exame médico singular realizado em processo de acidente de trabalho e no seu incidente de revisão pode a entidade responsável designar assessor técnico para tal exame.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1326/13.9TTPRT-A.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos de revisão de incapacidade por acidente de trabalho, em que é sinistrado B…, patrocinado por mandatário judicial, e entidade responsável a Companhia de Seguros C…, S.A.,
Veio a seguradora requerer que o exame de revisão requerido deverá ser realizado por um especialista em ortopedia, e que à Entidade Responsável, no referido exame de revisão, seja admitida a presença de assessor perito médico ortopedista.
O sinistrado deduziu oposição ao requerido.
Foi proferido despacho indeferindo o requerido, por falta de fundamento legal.
Inconformada interpôs a seguradora o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
I. No âmbito do processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, a produção de prova através de perícias médico-legais encontra-se regulada por quatro complexos de normas: i) os artigos 105º e seguintes (perícia singular) e 138º e seguintes (perícia por junta médica) do CPT; ii) os artigos 467º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), por força da remissão expressa do artigo 1º, nº 2, alínea a) do CPT, naquilo que não se encontra expressamente regulado neste código; iii) os artigos 388º e seguintes do Código Civil; e, iv) a Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto.
II. O disposto no artigo 480º, nº 2, do CPC aplica-se a todas as perícias efectuadas, incluindo, naturalmente, as perícias médico-legais, com as especificidades decorrentes da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto. O exame de revisão dos presentes autos consubstancia um verdadeiro acto inspectivo, de exame ao corpo do Sinistrado, no qual deverá, assim, poder estar presente um assessor da parte, médico especialista, que possa transmitir à Entidade Responsável, de forma mais clara e precisa, o teor do exame e inspecção ora realizados, para que assim esta possa sindicar o relatório pericial que venha a ser elaborado.
III. O facto de o exame de revisão ao Sinistrado poder ser assistido por um médico especialista em nada descredibiliza ou por alguma forma põe em causa a eficácia e a imparcialidade de tal exame ou o trabalho dos peritos médicos do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML).
IV. Trata-se do exercício de um direito que é conferido às partes – para que, em momento posterior, possam tomar a devida posição sobre o relatório pericial que se produzirá, por um lado; e, por outro, de se encontrarem representadas por quem tenha a competência e formação técnica necessárias que permita avaliar os termos e os resultados de tal perícia médica.
V. O Sinistrado foi sempre acompanhado pelos serviços clínicos da sua entidade patronal e não directamente pelos médicos especialistas da Entidade Responsável. Facto este que, como facilmente se percebe, dificulta a tomada de posição da Recorrente em face dos resultados do exame de revisão a realizar-se.
VI. Ao contrário do que sucede na esmagadora maioria dos casos, nos acidentes de trabalho em que os sinistrados são desportistas profissionais, a responsabilidade pela reparação das lesões sofridas pelo Sinistrado é delegada nos serviços clínicos da entidade empregadora do Sinistrado, pelo que a Seguradora não teve qualquer papel activo no processo de recuperação do Sinistrado e não se encontra em condições de ajuizar o resultado do exame médico de revisão se não tiver o parecer de um médico dos seus serviços.
VII. Uma vez representada no exame médico de revisão por assessor médico especialista, a Recorrente, depois de aconselhada, poderá até concordar com as diligências levadas a cabo e com as conclusões do perito médico de IML, caso em que não se verá na necessidade de requerer uma Junta Médica, que, nesse caso, se revelaria um acto inútil.
VIII. A necessidade de a Recorrente obter o conselho de médico especialista presente na diligência, revela-se ainda mais premente por estamos perante um Sinistrado com uma profissão de desgaste rápido, o que dificulta a tarefa de concluir se a sua situação clínica, designadamente qualquer lesão de que possa padecer, resulta da instabilidade decorrente da prática desportiva em geral ou se foi determinada pró sequelas relacionadas com o sinistro em apreço.
IX. Por outro lado, a Recorrente não sabe se o perito médico que realizará o exame de revisão é ou não especialista de ortopedia, posto que nem o Tribunal nem o Gabinete Médico Legal não garantem à Recorrente que tal exame pericial seja feito por médicos especializados nas áreas da medicina sobre as quais o mesmo assenta.
X. No âmbito de um acção emergente de acidente viação que correu termos neste Tribunal sob o número 20/10.7TBALD, por douto despacho datado do dia 16 de Novembro de 2010, decidiu-se no sentido do deferir o requerimento apresentado pela congénere Companhia de Seguros D… precisamente, com vista à presença de consultores técnicos na realização de perícia médico-legal. Pelo que, não podem existir opiniões tão divergentes, ou melhor, interpretações da mesma lei em sentidos tão diversos – em concreto, dos artigos 480º, nº 3 do CPC e 6º da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto.
XI. Não resultando da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto, ainda que se tratar de um regime legal específico, que exclua a aplicação aos exames de perícia médico-legal, in casu, ao exame de revisão dos autos, a aplicação do disposto no artigo 480º, nº 3 do CPC. Nem merece sortimento o argumento de que esta norma processual civil se encontra prevista, apenas, para os casos em que a perícia não é cometida a um instituto público. Posto que, não resulta do conteúdo da Lei 45/2004 qualquer disposição que derrogue as disposições do Código de Processo Civil, mormente aquelas em que se fundou o requerimento objecto de douto despacho de deferimento. Assim, o despacho recorrido violou o disposto no artigo 480º, nº 3, do CPC.
XII. Para além de que é nulo por não se ter pronunciado sobre a realização do exame de revisão por um médico especialista em ortopedia (artigo 615º, nº 1, al. d) e nº 4 do NCPC, ex vi artigo 1º, nº 2, al. a) do CPT), conforme também requerido pela Recorrente, atendendo a que o Sinistrado é um desportista profissional, à natureza das lesões e eventuais sequelas a avaliar, ao acompanhamento que lhe foi garantido pelo departamento clínico do clube (composto por médicos ortopedistas), e a que a ortopedia é a especialidade médica que cuida das doenças e deformidades dos ossos, músculos, ligamentos, articulações, e dos elementos relacionados ao aparelho locomotor, para além de que surge sempre associada à traumatologia, que lida com o trauma do aparelho músculo-esquelético.
O sinistrado respondeu pugnando pela improcedência do recurso.
Foi proferido despacho julgando não se verificar a arguida nulidade no despacho sob recurso.
O Ministério Público teve vista nos autos, emitindo parecer pugnando pela improcedência do recurso, ao qual respondeu a seguradora.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
A única questão invocada consiste em determinar se a seguradora pode apresentar perito seu no acto de exame por perito singular, no âmbito dos presentes autos de revisão de incapacidade.
Os factos a considerar são os que constam do relatório.
Apreciando.
É o seguinte o teor do despacho sob recurso:
Com o devido respeito por diverso entendimento, o requerido pela seguradora carece de fundamento legal.
Efectivamente, a Lei 45/2004, de 19/8, aliás igualmente trazida à colação pela seguradora, estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, e prevê a realização dos exames periciais – de que o requerido exame de revisão é um exemplo – em tais termos que não contempla, antes exclui, a «assessoria» pretendida pela seguradora.
Com efeito, resulta, a nosso ver claramente, do disposto nos arts. 5º/1 e 21º/1 da referida Lei que o exame é realizado por um perito médico, e que a entidade responsável não tem o direito de apresentar “assessor”, ou por outra forma se fazer representar, retira-se ainda, por um argumento á contrário, do previsto no art. 6º/3/4 (nestas normas está previsto que o examinado se faça acompanhar de pessoa da sua confiança, bem assim que a autoridade judiciária competente possa assistir à realização do exame, mas nada se diz na Lei quanto à possibilidade de a entidade responsável poder, de alguma forma, fazer-se representar).
Uma vez mais, salvo melhor opinião, face aquele específico regime, não tem aplicação no caso o disposto no nº 3 do art. 480º do CPC, cuja tramitação está prevista para as situações em que a perícia não é cometida, como no caso é, a um instituto público (cf. também DL 166/2012, de 31/7), e situação esta a que alude, antes, o nº 2 do art. 478º do CPC.
Por tudo o exposto, indefere-se o requerido pela seguradora.
Sobre a questão aqui em causa pronunciou-se este Tribunal da Relação do Porto em acórdão de 7-4-2014, considerando-se que não se verifica qualquer lacuna no CPT, sendo o exame médico secreto, pelo que não pode a seguradora fazer comparecer perito no mesmo.[1]
Não perfilhamos, porém este entendimento.
Nos termos do art. 105º do CPT, quanto ao exame médico singular, o local e a competência para a sua realização são definidos nos termos da lei que estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses, ou seja, da Lei 45/2004, de 19 de Agosto.
O art. 6º da mencionada Lei estabelece que pode comparecer à perícia a autoridade judiciária competente e que a pessoa sujeita a exame se pode fazer acompanhar por pessoa da sua confiança, nada impedindo que esta seja um perito médico escolhido pelo sinistrado.
Considerando que, como do seu articulado resulta, a aludida Lei 45/2004 foi elaborada tendo em vista fundamentalmente a realização das perícias médico-legais em processo crime, podemos concluir que à mesma podem assistir todas as partes principais no processo.
Também em processo civil, nos termos do art. 480º nº 3 do CPC, as partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no art. 50º, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer proteção.
Assim, por força do disposto no art. 1º, nº 2, do CPT, que dispõe sobre a legislação processual aplicável em caso omisso, afigura-se, com a recorrente, que a esta perícia médica, por nada na Lei 45/2004 nem no CPT o impedir, se deve aplicar a disciplina do artigo 50º, nº 1, e 480º, nº 3, do CPC.[2]
Esta é também a interpretação compatível com o princípio da igualdade das partes consagrado no art. 4º do CPC, nos termos do qual o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa, na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
No caso dos autos, a menos que o pudor do examinando esteja comprometido, nada obsta portanto ao deferimento da pretensão da recorrente.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, substituindo-se pelo presente acórdão que determina o deferimento do requerido pela recorrente, autorizando-se a presença durante a perícia medida de perito a indicar pela recorrente, embora sem poder de intervenção na mesma.
Custas pelo recorrido.

Porto, 3-11-2014
Rui Penha - relator
Maria José Costa Pinto
João Nunes
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[1] Processo 502/11.3TTGMR-A.P1, relator Eduardo Petersen Silva, acessível em www.dgsi.pt/jtrp, trazido aos autos pelo sinistrado.
[2] Contrariamente ao defendido no aludido acórdão deste Tribunal de 7-4-2014.
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Sumário
No exame médico singular realizado em processo de acidente de trabalho e no seu incidente de revisão pode a entidade responsável designar assessor técnico para tal exame.

Rui Penha