Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00037702 | ||
Relator: | ALBERTO SOBRINHO | ||
Descritores: | CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL FIANÇA | ||
Nº do Documento: | RP200502150520315 | ||
Data do Acordão: | 02/15/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - O regime proteccionista emergente do Decreto-Lei n.446/85 de 25 de Outubro, apenas contempla as cláusulas contratuais gerais. II - Quanto às cláusulas particulares inseridas no mesmo contrato regem as pertinentes normas gerais de direito substantivo. III - São válidas as cláusulas inseridas no resto do contrato e manuscritas pelo assinante. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, vieram os executados B..... e mulher C....., residentes na Travessa...., ....., deduzir embargos de executado contra o exequente BANCO E....., S.A, com sede na Praça....., no ....., com o fundamento de que a assinatura aposta na livrança dada à execução não é da autoria do executado marido. E que a executada mulher só assinou este título no convencimento de que o seu marido o havia feito, mas desconhecendo as consequências da aposição da sua assinatura nesse documento, bem como as cláusulas do contrato que o suportavam. Além de que nunca convencionaram qualquer pacto de preenchimento deste mesmo documento. Contestou o banco embargado para, em síntese, alegar que a livrança foi preenchida nos precisos e exactos termos acordados e foi avalizada pelos embargantes livre e conscientemente, destinando-se a garantir as responsabilidades assumidas pela subscritora e executada D...... Tendo a assinatura do embargado marido sido conferida por semelhança com outros documentos indubitavelmente por ele subscrito e sendo também os embargantes informados do conteúdo dos contratos que celebravam. Conclui que lhe assiste o direito de obter o pagamento do seu crédito, pelo que os embargos devem improceder. Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento. Na sentença, subsequentemente proferida, foram os embargos julgados procedentes, com a consequente extinção da execução relativamente aos embargantes. Inconformado com o assim decidido recorreu o embargado, pugnando pela revogação da sentença relativamente à embargante mulher já que esta, ao apor a sua assinatura na livrança, tinha consciência da assunção da obrigação daí emergente. Contra-alegaram os embargantes, defendendo a manutenção do decidido. *** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, a rematar as suas alegações, verifica-se que o inconformismo do apelante radica no seguinte: 1- A douta sentença recorrida não deve manter-se quanto à recorrida C....., pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub iudice das normas e princípios jurídicos competentes; 2- O recorrente é portador de uma livrança subscrita por D..... e avalizada pelos recorridos C..... e B....., entregue em branco no âmbito da celebração de um “contrato de crédito pessoal” concedido à subscritora; 3- Face ao incumprimento contratual verificado, o recorrente preencheu, nos precisos e exactos termos acordados, a livrança e exigiu judicialmente o seu pagamento, tendo os recorridos deduzido oposição; 4- Os embargos deduzidos foram julgados procedentes, no que se refere à recorrida C....., por não ter sido cumprido o dever de comunicação decorrente do contrato de crédito subjacente à livrança; 5- Sucede, porém, que a recorrida avalizou a livrança, assinando-a pelo seu próprio punho, tendo conhecimento que a consequência da oposição da sua assinatura, seria a assunção de uma obrigação perante o recorrente; 6- Ao preenchimento da livrança está subjacente um contrato de crédito, cujo clausulado foi explicado de forma clara e precisa à recorrida, pelo que o seu alegado desconhecimento dos factos e responsabilidades assumidas não merece protecção; 7- A assinatura de um clausulado bem impresso, perfeita e completamente legível, satisfaz as exigências legais do dever de comunicação; 8- A recorrida de vontade livre e consciente, garantiu as responsabilidades assumidas pela subscritora perante o recorrente, decorrentes do empréstimo concedido; 9- A oposição da assinatura da recorrida foi realizada noutro local que não o Balcão do recorrente, o que permitiu uma análise ponderada do contrato; 10- Ao assinar o contrato de crédito a recorrida declarou ter conhecimento do conteúdo de todas as cláusulas do contrato, sendo que tal menção encontra-se inserida com destaque e autonomia em relação ao texto das condições gerais, pelo que deverá a mesma ser valorada; 11- A execução tem como título executivo a livrança, sendo por esta que se determinam o fim e os limites da acção executiva, nos termos do art.45, n.° l do Cód. Proc. Civil; 12- A livrança é um título de crédito que titula e incorpora um direito de crédito, consistente numa quantia de dinheiro determinada, existindo o crédito nela incorporado independentemente da causa que lhe serve de base; 13- O recorrente é legítimo portador da livrança dada à execução, e sendo o direito cartular independente de tudo quanto não figura no título, o devedor cambiário está obrigado com a subscrição do mesmo, não podendo o direito do recorrido ser posto em causa pelo fundamento invocado pelo recorrente; 14- A recorrida comprometeu-se, na qualidade de avalista, a pagar a quantia devida pela executada D.....; 15- Face a toda a factualidade exposta, carece de fundamento a pretensão da recorrida, assistindo ao recorrente o legítimo e justificado direito de ver pago o seu crédito; 16- A douta decisão recorrida viola as normas e princípios do art.º 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, e art.° 45.º, n.º l do Cód. de Proc. Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versados nas considerações anteriores. B- Face à posição do apelante vertida nas conclusões das alegações, delimitativas do âmbito do recurso, a questão a decidir reconduz-se no essencial a saber se a embargante mulher, ao apor a sua assinatura na livrança, tinha consciência da assunção da obrigação daí emergente. III. Fundamentação A- Os factos Foram dados como provados na 1ª instância os seguintes factos que, por não terem sido postos em causa por qualquer das partes e não se ver neles qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, se consideram definitivamente fixados: 1- A embargada é portadora da livrança, junta aos autos principais a fls 9, na qual se encontram inscritos à mão os seguintes elementos, nos respectivos locais: local e data de emissão: ....., 1999.04.26; importância (escudos) 1.300.473$00; vencimento: “2002.02.20”. 2- Nessa livrança foram apostas à mão as seguintes assinaturas seguidas dos dizeres bom para Aval ao Subscritor: “CF....” “Cf....”; 3- A primeira assinatura referida sob o nº 2 foi realizada pelo punho da embargante; 4- Essa livrança foi entregue à embargada com os restantes elementos do seu rosto por preencher; 5- Essa livrança foi entregue à embargada por forma a garantir o pagamento das quantias entregues pela embargante à executada nos termos do acordo de fls. 30; 6- Os embargantes apuseram a sua assinatura nesse acordo no local destinado aos avalistas, onde consta a seguinte menção “declaro Ter conhecimento das cláusulas deste contrato”; 7- Na cláusula 8 desse acordo foi estabelecido que o Banco é autorizado a preencher livremente a livrança entregue em branco. B- O direito Entre o banco embargado e executada D..... foi celebrado um contrato de crédito pessoal formalizado no documento incorporado nos autos a fls. 31. Na verdade, corporizado em documento próprio do embargado figuram no seu rosto dizeres segundo os quais é celebrado um contrato de mútuo, com espaços, preenchidos, destinados à identificação do mutuário, caracterização da operação – montante do mútuo, número de prestações, valor de cada prestação, taxa de juro nominal anual e taxa anual de encargos global e dia de vencimento de cada prestação. Seguidamente e sob a epígrafe DECLARAÇÃO DO AVALISTA constam os seguintes dizeres: Declaro que aceito ser avalista do empréstimo acima referido, e de ter conhecimento das cláusulas deste contrato, avalizando para o efeito a Livrança de Caução em branco a ele anexo, podendo o Banco F..... proceder à sua domiciliação na conta acima referida e à cobrança dos montantes em dívida por débito da mesma conta. E após esta declaração os embargantes apuseram a sua assinatura. Todo o verso deste documento é preenchido por diversas cláusulas impressas, designadas por Condições Gerais, constando entre elas as cláusulas 8ª com o seguinte teor: Para titulação do capital emprestado, respectivos juros e demais encargos emergentes deste contrato, o(s) Mutuário(s) subscreve(m) uma livrança em branco, ficando desde já o Banco autorizado a preenchê-la livremente, designadamente quanto à data de emissão, montante em dívida, data de vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que em cada momento o Banco for titular por força deste contrato... Estas Condições Gerais são cláusulas previamente elaboradas e destinam-se a ser subscritas por qualquer pessoa que contrate com o banco embargado. Porque o contrato em questão é integrado, em parte, por cláusulas contratuais gerais, há que ter em consideração o regime emergente do dec-lei 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos dec-lei 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 7 de Julho. Aquele primeiro diploma foi alterado pelos dois subsequentes, alterações motivadas pela Directiva Comunitária nº 93/13/CEE, de 5/4/93, procurando adaptar o diploma de 1985 aos princípios vigentes no normativo comunitário. Segundo os arts. 5º e 6º do dec-lei 446/85, as cláusulas contratuais gerais devem ser integralmente comunicadas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, recaindo sobre o proponente o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e informá-los dos aspectos nelas compreendidos. Tendo-se por excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido adequadamente comunicadas aos aderentes, segundo o art. 8º. Procura-se deste modo facultar ao aderente um conhecimento completo das estipulações que irão integrar o contrato que se propõe firmar, evitando que se vincule a cláusulas cujo conteúdo, por não ter participado na sua elaboração, não ponderou devidamente. Esta mesma comunicação e informação deve ser observada relativamente a um terceiro que garanta o cumprimento da obrigação a cargo do contraente principal, a fim de que também ele fique totalmente inteirado do conteúdo do contrato que vai garantir [cfr, neste sentido, ac. R.Lx., de 02/02/05, in C.J.,XXVII-1º,98]. Na situação em apreço, recaía sobre o banco embargado o ónus da prove de que fez aos embargantes a adequada e efectiva comunicação do teor das cláusulas gerais constantes do contrato em apreciação [cfr. ac. S.T.J., de 03/05/08, in C.J.,XI-1º,34(ac.S.T.J.)]. Não logrou, porém, demonstrar que tenha cumprido o dever de comunicação decorrente do contrato de crédito subjacente ao preenchimento da livrança dada à execução, como se depreende da resposta negativa aos ponto nºs 3 e 4 da base instrutória. E como a consequência da não observância deste ónus é ter-se por excluída do contrato as cláusulas que não foram previamente comunicadas aos aderentes, neste caso não pode ser considerada, desde logo, o teor da aludida cláusula 8ª. Em seu lugar e de acordo com o estipulado no art. 9º do dec-lei 446/85, aplicar-se-á o regime legal supletivo, tendo o legislador optado por manter o negócio mas sem a parte viciada. O regime proteccionista emergente do aludido dec-lei 446/85 apenas contempla as cláusulas contratuais gerais. Quanto às cláusulas particulares inseridas no mesmo contrato regem as pertinentes normas gerais de direito substantivo. Neste caso, no rosto do documento encontram-se inseridas as concretas condições em que este contrato de concessão de crédito foi celebrado, designadamente a identificação do mutuário, montante do crédito, taxas de juro, plano de amortização, com o montante das prestações e dia de vencimento. E é seguidamente à referenciação destas condições particulares do contrato que os embargantes apõem a sua assinatura, igualmente no rosto do documento, precedendo os dizeres aceito ser avalista do empréstimo acima referido ... avalizando para o efeito a Livrança de Caução em branco a ele anexa. Mediante esta declaração os embargantes manifestaram expressamente a vontade de garantir a satisfação daquele concreto empréstimo, empréstimo de que tinham conhecimento de quem era o mutuário, o seu montante, encargos incluídos, o plano de amortização e data de vencimento das prestações. Efectivamente, ao expressarem por escrito que avalizam o empréstimo referido, mais não estão do que a assumir uma obrigação pessoal perante o credor, garantindo a satisfação do seu crédito. Apresentando-se esta declaração de fiança como válida perante os elementos identificadores do empréstimo vertidos no documento -cfr. arts. 628º e 631º C.Civil. E foi este mesmo empréstimo que declararam garantir, corporizando essa garantia na assinatura, aqui apenas por parte da embargante mulher, de uma livrança. E o aval, enquanto negócio unilateral concebido como promessa de garantir ou caucionar o pagamento do devedor por quem é dado, basta-se com a assinatura do dador a preceder a fórmula que o exprima –cfr. arts. 30º e 31º LULL. Ora, o mutuário não procedeu ao pagamento de diversas prestações acordadas, apesar de todas elas já se terem vencido. Por isso, assistia ao credor, o banco embargado, o direito de exigir o pagamento integral do seu crédito, não apenas o capital mutuado, como ainda os juros compensatórios e outras despesas, em conformidade com o estatuído nos arts. 762º, nº 1, 804º, 805º, nº 2, al. a) e 806º C.Civil. Não tendo sido paga esta dívida, o embargado procedeu ao preenchimento da livrança de caução em branco que a embargante mulher avalizara. Permite a lei que uma livrança seja passada apenas com uma assinatura, mas desde que essa assinatura tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação. É o que se designa por livrança em branco –cfr. arts. 77º e 10º LULL. Embora a livrança em branco possa entrar em circulação, a sua plena eficácia só surge com o preenchimento. O preenchimento da letra em branco deve fazer-se de acordo com o chamado contrato de preenchimento. Segundo Abel Pereira Delgado[in Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, em anotação ao art. 10º] o contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiaria, tais como, a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc. O preenchimento tem de respeitar o acordo prévio estabelecido entre as partes, sob pena de ocorrer um preenchimento abusivo se o tomador desrespeitar esse acordo. Este contrato tanto pode ser celebrado por escrito, como verbalmente ou resultar tacitamente da emissão do título. Uma vez preenchida, a livrança torna-se perfeita, derivando o direito do exequente do próprio título. Este título prova o direito invocado na execução pelo exequente. A inobservância do acordo de preenchimento tem de haver-se como facto impeditivo do direito invocado pelo exequente, pelo que incumbe ao executado/embargante, aquele a quem o pagamento é exigido, a respectiva alegação e prova, nos termos do nº 2 do art. 342º C.Civil [cfr., neste sentido, acs. S.T.J., de 98/10/01 e 03/05/27, in B.M.J., 480º-482 e C.J., XI-2º, 74 (acs. STJ), respectivamente]. Não obstante não poder aqui ser considerada a cláusula 8ª do contrato de mútuo, como já referido, nem por isso está afastada a existência de um pacto de preenchimento celebrado entre a embargante mulher e o embargado. Na verdade, ressalta com meridiana clareza dos termos em que assumiu a garantia de pagamento do empréstimo e das condições em que assinou a livrança em branco que tacitamente estava a permitir ao banco o preenchimento deste título, dele fazendo constar as importâncias que não tivessem sido pagas pela mutuária. Conhecendo a mutuária, o montante do empréstimo, condições pormenorizadas do plano de pagamento e subscrevendo a livrança para garantir este concreto empréstimo, é possível vislumbrar subjacente a esta factualidade um acordo tácito em vista do preenchimento da livrança avalizada. Querendo, por isso, a embargante socorrer-se de um possível preenchimento contrário ao previamente acordado, impunha-se que articulasse factos concretos donde essa violação de preenchimento resultasse, o que nem sequer invocaram. Tendo em consideração o teor das condições particulares do contrato de mútuo, a livrança dada à execução está preenchida de acordo com elas e mantém plena eficácia como título executivo quanto à embargante mulher. Daí que se imponha a procedência da apelação. IV. Decisão Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em julgar procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida na parte em que julgou extinta a execução relativamente à embargante mulher, julgando-se, consequentemente, nesta parte os embargos improcedentes. Custas pela embargante * Porto, 15 de Fevereiro de 2005Alberto de Jesus Sobrinho Durval dos Anjos Morais Mário de Sousa Cruz |