Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
258/14.8TJPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: INSOLVÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Nº do Documento: RP20140922258/14.8tjprt-B.P1
Data do Acordão: 09/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na reapreciação da decisão da matéria de facto constitui um ónus do recorrente, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar - delimitar o objecto do recurso - motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
II – Tal ónus impede que se requeira a impugnação genérica da matéria de facto controvertida e bem assim, a reapreciação de toda a prova.
III - O incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto índice de insolvência quando, pelas suas circunstâncias evidencia a impossibilidade de pagar e portanto o requerente deve trazer ao processo essas circunstancias das quais, uma vez demonstradas, é razoável deduzir a penúria generalizada.
IV - Cabe ao devedor provar a sua solvência, demonstrando que está em condições de cumprir as obrigações vencidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Insolv-258-14.8tjprt-B
Trib Jud Peso da Régua
Proc. 258/14.8tjprt-B.P1
Recorrente: B… e mulher
Recorrido: C…, SA
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Rita Romeira
Manuel Fernandes
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
No presente processo de insolvência em que figuram como:
- REQUERENTE: C…, SA Sociedade Aberta, pessoa coletiva nº ………, com sede em Lisboa e filial na …, n.ºs ../.., no Porto, e
- REQUERIDOS: B…, com o NIF ……… e D…, com o NIF ………, casados entre si e residentes na …, n.º …, Peso da Régua,
veio a requerente formular o pedido de inoslvência dos requeridos, alegando para o efeito que é credor dos requeridos no montante de € 550.536,52 relativo a capital e juros de mora em dívida, crédito esse que tem como causa dois mútuos concedidos aos requeridos, incumpridos por estes desde 16.08.2007. Mais refere que os requeridos cessaram o cumprimento das suas obrigações para com a generalidade dos credores.
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Citados os requeridos vieram deduzir oposição, defendendo-se por exceção e impugnação.
Em via de exceção suscitaram a incompetência territorial do tribunal – Juízos Cíveis do Porto - e ainda, a nulidade de todo o processado por falta/insuficiência de causa de pedir, ilegitimidade/falta de interesse em agir do requerente e litigiosidade do crédito.
Alegaram, em síntese, ter um património imobiliário no valor de um milhão oitocentos e cinquenta mil euros, para além de créditos junto dos seus devedores, alguns dos quais em via de regresso e não se encontram em situação de impossibilidade do cumprimento das suas obrigações. O crédito reclamado pelo requerente mostra-se garantido por hipoteca e o valor do bem é suficiente para garantir o seu pagamento. Mais referem que cessaram o pagamento das contrapartidas devidas ao Banco requerente, por considerarem que recai sobre a ré seguradora a obrigação do pagamento do crédito, motivo pelo qual está a correr termos ação que visa o reconhecimento dos direitos que reclamam.
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O requerente veio responder à matéria da nulidade e exceções, mantendo a posição inicial.
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O processo correu os ulteriores termos no Tribunal Judicial de Peso da Régua, motivo pelo qual se admite que foi deferida a exceção, já que o respetivo despacho não consta da certidão que instruiu o apenso de recurso.
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Em sede de julgamento foi proferido despacho saneador e nele conhecidas as exceções invocadas e procedeu-se à seleção da matéria de facto, com elaboração da base instrutória, sem reclamação.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Face a todo o exposto, julgando procedente a presente ação:
1 – Declaro a insolvência de B… e D…, casados entre si, contribuintes nºs ……… e ………, residentes na …, n.º …, Peso da Régua […]”.
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Os requeridos vieram interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentaram os requeridos formularam as seguintes conclusões:
1. No ponto 9. da fundamentação de facto da sentença final o Tribunal a quo considerou que :“Para além do crédito referido em 8, os requeridos têm várias ações contra si instauradas, ascendendo um dos créditos peticionado a € 2.442.654,22”;
2. O Tribunal a quo não processou qualquer fundamentação para dar como provado, e da forma como o declarou, este ponto 9. da fundamentação de facto da sentença proferida, o qual revela um teor abstrato e indeterminado;
Na verdade,
3. No desenvolvimento do processo, e mais concretamente nos artigos 65º a 88º do articulado de oposição deduzida, apenas os aqui recorrentes procederam à identificação da pendência de processos judiciais contra si instaurados, cuja resolução por pagamento e/ou justificação por outros meios lograram demonstrar, mais concretamente com respeito aos seguintes processos: Processo de Execução Comum nº 489/07.7TBPRG, do 2º Juízo, do Tribunal de Peso da Régua (extinto por pagamento – 215.000,00€); Processo de Execução Comum nº 776/11.0TBPRG, do 2º Juízo, do Tribunal de Peso da Régua (extinto por pagamento – 316.000,00 €); Processo de Execução nº 93/09.5TBSJP, do Tribunal de São João da Pesqueira (extinto por pagamento - 97.714,49 €); Processo de Execução nº 448/11.5TBPRG, do 1º Juízo, do Tribunal de Peso da Régua (Extinto por procedência da oposição deduzida conforme douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto); Processo de Execução Comum nº 118/09.4TBSJP, do 1º Juízo, do Tribunal de Peso da Régua (Encontra-se a decorrer os seus termos, sendo que os aqui recorrentes aí deduziram oposição, assim aguardando a realização de julgamento. Trata-se de crédito litigioso sem reconhecimento judicial e, por isso, não exigível nem vencido para efeitos de apreciação em sede de insolvência, sendo que o empréstimo que o titula foi declarado nulo por simulação no âmbito do processo de oposição à execução nº 117/07.0TBSJP, do Tribunal de São João da Pesqueira ;
Assim,
4. Se por um lado os autos não documentam a pendência de quaisquer outras ações contra os aqui recorrentes, por outro com respeito às ações que foram identificadas, as mesmas ou foram extintas por pagamento dos aqui recorrentes, ou por procedência da oposição deduzida, ou revela ser um crédito litigioso sem reconhecimento judicial, já declarado nulo por simulação e que, portanto, não poderá valorar para efeitos da apreciação do estado de insolvência;
E, assim,
5. Em face da prova documental constante dos autos, e supra identificada, deveria o Tribunal a quo ter processado uma resposta negativa ao artigo 5º da base instrutória, no sentido de dar como não provada a factualidade que aí era indagada para efeitos de valoração em sede do presente processo de insolvência;
6. No ponto 10. da fundamentação de facto da sentença final o Tribunal a quo considerou provado que :“Os requeridos encontram-se reformados por invalidez auferindo o requerido uma pensão de € 2.776,86/mês.”;
7. Da fundamentação processada pelo Tribunal a quo para dar como provado este ponto 10. da fundamentação de facto da sentença proferida resulta expressamente que a Senhora Juiz a quo valorou os documentos de fls. 559 e 560 dos autos;
Ora,
8. Se por um lado o documento de fls. 559 evidencia que o aqui recorrente marido aufere um rendimento correspondente a € 2.776,86/mês, tal como foi dado como provado, por outro lado o documento de fls. 560 (valorado pelo Tribunal) também evidencia e relata que a recorrente mulher aufere um rendimento mensal correspondente a € 2.473,46;
9. Ao abrigo do princípio do inquisitório que norteia o processo de insolvência, era dever do Tribunal a quo apurar e declarar o rendimento auferido pela recorrente mulher para efeitos de o valorar em sede de insolvência, tal como resulta do documento de fls. 560 dos autos;
Aliás,
10. A única testemunha inquirida sobre esta matéria foi E…, o qual sem qualquer margem para dúvidas, e enquanto contabilista, declarou ao Tribunal ter conhecimento que os recorrentes auferiam tais rendimentos mensais, e que se cifravam no rendimento anual correspondente a cerca de € 80.000,00, tal como resulta do seu depoimento prestado no dia 12/06/2014, às 15:46, nas seguintes passagens:
- Passagem ao minuto 18:47 e termo ao minuto 19:28;
- Passagem com início ao minuto 21:37 e termo ao minuto 23:52;
Por outro lado,
11. Tais rendimentos são também corroborados pela certidão fiscal junta a a fls. 558 e da qual se extrai, sem qualquer margem para dúvidas, que os aqui recorrentes auferem um rendimento anual correspondente a cerca de € 80.000,00;
E, assim,
12. Em face da prova documental constante dos autos, aliás valorada pelo Tribunal, corroborada pela prova testemunhal produzida, deveria o Tribunal a quo ter processado uma resposta positiva ao ponto 6. da base instrutória, no sentido de também dar como provado que a recorrente mulher aufere um rendimento mensal no montante de € 2.473,46, e que ambos os recorrentes auferem um rendimento anual que se situa na ordem dos € 80.000,00;
13. No ponto 11. da fundamentação de facto da sentença final o Tribunal a quo considerou provado que :“Os requeridos são titulares de vários imóveis todos onerados com hipotecas e penhoras.”
14. O Tribunal a quo não processou qualquer fundamentação para dar como provado este ponto 11.da fundamentação de facto da sentença proferida, e da forma como o fez;
Por isso,
15. Não se percebe nem se compreende, porque inexistente, qual o raciocínio lógico seguido pela Senhora Juiz a quo para dar como provada a factualidade em questão, inexistindo nesta parte qualquer análise crítica das provas e especificação de qualquer fundamento ou ilação decisiva para a formação da convicção do Tribunal, e tal como expressamente impõe o artigo 607º, nº4, do Código de Processo Civil, que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais;
Aliás,
16. No quesito 7º da base instrutória nem sequer se indagava se os bens imóveis de que os aqui recorrentes são titulares estão ou não, e nomeadamente todos eles, onerados com hipotecas ou penhoras;
Além disso,
17. Não cuidou o Tribunal a quo de analisar e apurar a extinção das hipotecas e penhoras decorrentes do pagamento e extinção dos processos executivos, conforme alegado nos artigos 65º a 88º do articulado de oposição deduzida, bem como no ponto 3. das presentes conclusões de recurso;
E, assim,
18. Os recorrentes impugnam, pois, a decisão da matéria de facto constante do ponto 11. da fundamentação de facto da sentença final proferida, a qual consideram incorretamente julgada, pois que da análise da documentação junta aos autos o Tribunal apenas poderia ter dado como provado que os recorrentes são titulares de vários imóveis de valor não concretamente apurado, assim requerendo a sua valoração ex-novo;
19. No ponto 12. da fundamentação de facto da sentença final o Tribunal a quo considerou provado que: “O imóvel (descrito sob o artigo 474º) que serve de garantia ao crédito do requerente tem um valor não superior a € 400.000,00”;
20. O Tribunal a quo formou a sua convicção relativamente a esta matéria factual dada como provada no relatório de avaliação de fls. 73 a 76, bem como nas declarações das testemunhas F… e G..., ambos funcionários do Banco requerente, fundamentando que estas testemunhas se pronunciaram de acordo com as avaliações internas do Banco e com conhecimento direto dos valores dos imóveis sitos na área envolvente, acerca do valor do imóvel objeto de garantia do crédito do requerente;
Ora,
21. Em primeiro lugar há que notar que o relatório de avaliação de fls. 73 a 76 junto pelo Banco requerente não foi realizado no âmbito de qualquer processo judicial, nomeadamente no âmbito dos presentes autos de insolvência, nem sequer, e muito menos, com intervenção e participação dos aqui recorrentes;
Certo é que,
22. Consta das escrituras de mútuo que titulam o crédito do Banco requerente, bem como das respetivas inscrições registrais relativas ao imóvel dado de garantia, que o Banco requerente aceitou o imóvel em questão para garantia de dois créditos até aos montantes máximos assegurados de € 764.671,69, aqui incluídos os juros devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais com os mútuos contratados;
23. Para além disso, as testemunhas que sustentaram a formação da convicção do Tribunal, F… e G…, para além de não revelarem ter conhecimentos no âmbito do setor imobiliário, declararam ainda desconhecer os recorrentes, bem como o imóvel em questão, conforme as seguintes passagens dos respetivos depoimentos:
- Passagem ao minuto 07:42 e termo ao minuto 08:15; Passagem com início de gravação ao minuto 11:57 e termo ao minuto 12:34;
- Passagem ao minuto 00:22 e termo ao minuto 01:00;
- Passagem com início de gravação ao minuto 03:13 e termo ao minuto 03:40;
- Passagem com início de gravação ao minuto 02:00 e termo ao minuto 09:46; E, isto,
24. Ao contrário da testemunha arrolada pelos recorrentes, H…, Advogado, o qual revelando ter conhecimentos no âmbito do setor imobiliário, declarou que o valor do imóvel em questão ascendia a, pelo menos, € 700.000,00, conforme seu depoimento prestado no do dia 12/06/2014, às 16:31, com início de gravação ao minuto 02:42 e termo de gravação ao minuto 05:13, e nas seguintes passagens:
- Passagem ao minuto 02:42 e termo ao minuto 05:10;
- Passagem com início de gravação ao minuto 05:51 e termo ao minuto 08:20;
- Passagem com início de gravação ao minuto 23:11 e termo ao minuto 23:40; Isto posto, e outrossim,
25. Haverá que atentar que no processo de reclamação de créditos nº 489/07.7TBPRG, (ponto 7. da factualidade provada) o Senhor Solicitador de Execução nomeado propõe a venda do imóvel em questão pelo valor de € 700.000,00, sendo que os recorrentes aí apresentaram reclamação, ainda dependente de decisão, pugnando o valor do imóvel em questão pelo valor de € 800.000,00 ; Por isso,
26. Na ausência elementos concretos e objetivos sujeitos a contraditório, e decorrentes de prova pericial, testemunhal e documental suficiente, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado, tal como processou, que o imóvel que serve de garantia aos créditos, tem um valor não superior a € 400.000,00;
27. Por fim, perguntava-se nos artigos 9º e 10º da base instrutória o seguinte: “Dispõem de um direito de crédito sobre a sociedade “I…, S.A.” no valor de € 215.000,00?”; “e de um crédito sobre a sociedade “J…, S.A.” no valor de € 2.953.149,00?”
28. O Tribunal a quo deu a supra descrita factualidade como não provada, tendo por base a seguinte fundamentação: “Relativamente à matéria de facto dada como não provada, a convicção do tribunal assentou: - na insuficiência da prova produzida quanto à existência dos créditos alegados pelos requeridos, não tendo os documentos juntos a fls. 565/589 a virtualidade de comprovar a sua efetiva existência, quanto muito uma expectativa da sua titularidade.”
29. Assim, e sem olvidar que o processo de insolvência está sujeito a exigências sumárias de prova, diversas das garantias próprias de um processo declarativo com autonomia, há que notar que o invocado crédito dos requeridos / recorrentes, no montante de € 215.000,00, sobre a sociedade “I…, S.A.”, decorre diretamente da lei, e encontra-se demonstrado nos autos de forma segura e evidente, e sem qualquer margem para dúvidas;
Na verdade,
30. Conforme alegado e documentado nos artigos 66º a 69º do articulado de oposição, no âmbito do processo de execução nº 489/07.7TBPRG, do 2º Juízo, do Tribunal de Peso da Régua, e na qualidade de avalistas, os aqui recorrentes procederam ao pagamento da quantia correspondente a, pelo menos, € 215.000,00, relativa a dívida da responsabilidade da sociedade aí executada “I…, S.A.”, conforme resulta da certidão judicial junta de fls. 603 a 733 dos autos;
Nesse seguimento,
31. Enquanto titulares do direito de regresso contra esta sociedade devedora, também procederam à instauração da respetiva ação judicial, onde reclamam este seu crédito legalmente previsto e conferido, peticionando a este título a quantia correspondente a € 220.808,12, conforme resulta evidente e com foros de certeza da certidão judicial junta aos autos de fls. 800 a 815;
Por outro lado,
32. E seguindo idêntico raciocínio, no que se reporta ao crédito sobre a sociedade “J…, S.A.”, a título de suprimentos no montante de € 2.953.149,00, o mesmo resulta de forma expressa do documento de fls. 583 a 588 dos autos, aí se prevendo até a respetiva renumeração, o qual não mereceu qualquer impugnação por parte de qualquer interveniente processual, nem sequer foi objeto de indagação ou remessa de apreciação para os meios declaratórios comuns por parte do Tribunal a quo;
Em face do exposto,
33. Ao contrário do que fundamentou o Tribunal a quo, os identificados créditos são efetivamente existentes no património dos aqui recorrentes, decorrentes de lei ou de documentação expressa que não mereceu qualquer impugnação, não traduzindo os autos uma mera expetativa da respetiva titularidade;
E, assim,
34. Para efeitos de apreciação sumária em sede de insolvência, e em face da identificada documentação junta aos autos, a qual não mereceu impugnação nem foi suscetível de ser posta em crise, nomeadamente por remissão para apuramento em sede dos meios declarativos comuns, deveria o Tribunal a quo ter considerado como provada a factualidade constante dos artigos 9º e 10º da base instrutória;
35. Em face de todo o supra exposto, os recorrentes impugnam, pois, a decisão da descrita matéria factual a qual também consideram incorretamente julgada, assim requerendo a sua valoração ex-novo, e mais concretamente no sentido de dar como não provada a matéria constante do artigo 5º da base instrutória (ponto 9. da fundamentação de facto); De dar como provados os artigos 6º (ponto 10. da fundamentação de facto), e 9º e 10º da base instrutória; Dar apenas como provado que “os recorrentes são titulares de vários imóveis de valor não concretamente apurado”, com respeito ao artigo 7º da base instrutória (ponto 11. da fundamentação de facto); Dar como provado de forma ampla o artigo 8º da base instrutória (ponto 12. da fundamentação de facto no seguinte sentido “O imóvel descrito sob o artigo 474º que serviu de garantia aos créditos do requerente identificados no ponto 2. da fundamentação de facto da sentença final proferida, é de valor elevado, compreendido entre € 400.000,00 e € 700.000,00, tendo o Banco requerente aceite tal imóvel como garantia do pagamento dos dois mútuos até ao montante máximo global assegurado de € 764.671,69”
Por outro lado,
36. Considerou-se na sentença de que se recorre que “não se apuraram factos que permitam concluir que os requeridos suspenderam, de forma generalizada, o cumprimento de todas as suas obrigações”, pelo que deu-se por não verificada a previsão do artigo 20º, nº1, al. a), do C.I.R.E.;
No entanto,
37. Entendeu o Tribunal a quo ter por verificada a situação de insolvência nos termos dos artigos 3º, nº1, e 20º, nº1, al. b), do C.I.R.E.;
Assim, e neste enquadramento,
38. Por referência à atualidade, bem como por referência a um passado recente, e com exceção do crédito invocado pelo Banco requerente, os autos não relatam nem evidenciam a existência de uma única obrigação vencida dos requeridos aqui recorrentes que se encontre em incumprimento;
De facto,
39. Os recorrentes têm a sua situação tributária regularizada, nada devendo à Fazenda Pública – certidão de fls. 561;
40. Enquanto avalistas, procederam ao pagamento integral da dívida reclamada no âmbito do processo executivo nº 489/07.7TBPRG, do Tribunal de Peso da Régua, no montante de, pelo menos, € 215.000,00;
41. Procederam ao pagamento da quantia correspondente a € 316.000,00 à sociedade “K…, S.A.”, gozando ainda de um período de carência que se prolongará até 2018;
42. Enquanto herdeiros de avalista falecido procederam ainda ao pagamento integral da dívida reclamada no âmbito do processo executivo nº 93/09.5TBSJP, no montante de, pelo menos, € 97.714,94;
Ou seja,
43. Num período temporal que se deve considerar curto para os montantes envolvidos, aliás posterior ao declarado incumprimento do crédito do Banco requerente, os requeridos / recorrentes procederam ao pagamento da quantia global superior a € 600.000,00 para pagamento das suas responsabilidades, nomeadamente derivadas da qualidade de avalistas;
44. Inexistindo nos autos qualquer outra obrigação vencida que se encontra em incumprimento pelos recorrentes e que fosse suscetível de apreciação e consideração em sede de insolvência, não se verifica o pressuposto inerente ao facto-índice previsto no artigo 20º, nº 1, al. b), do C.I.R.E., pois que inexiste factualidade donde se possa concluir que o incumprimento para com o Banco requerente não evidencia a impossibilidade dos recorrentes satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações, nem tal incumprimento é resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada;
45. Por outro lado, e aferindo das circunstâncias do incumprimento para com o Banco requerente, é de conceder com naturalidade e justificável que por virtude das incapacidades que lhes advieram, os recorrentes tivessem decidido deixar de pagar os créditos e as prestações ao Banco requerente, por entenderem que os mesmos deverão ser processados pela seguradora responsável;
Sendo que,
46. Para o efeito e com essa motivação, procederam à instauração dos respetivos processos judiciais que correm os seus termos pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa sob os n.ºs 1724/11.2TVLSB e 2130/12.7TVLSB, onde peticionam o pagamento integral das prestações dos empréstimos bancários que titulam o crédito do Banco requerente, encontrando-se ambos os processos judiciais a aguardar a realização da audiência de julgamento, conforme resulta dos documentos e certidões de fls. 283 a 361 e 798 e 799;
47. Esta circunstância do incumprimento foi absolutamente ignorada pelo Tribunal a quo. No entanto, é de admitir e conceder que para além da garantia real existente, o Banco requerente poderá vir a ser integralmente pago por virtude da procedência de qualquer um dos processos judiciais supra identificados;
Sem prescindir,
48. Haverá que conceder que nem o montante do crédito do Banco requerente nem o circunstancialismo do respetivo incumprimento revelam a impossibilidade que a lei fala dos requeridos satisfazerem pontualmente as suas obrigações, posto que a dívida está garantida por uma hipoteca com um valor que se deve considerar equivalente ao da dívida, e tal como o Banco requerente assim a aceitou até ao limite máximo assegurado no montante de € 764.671,69;
49. Para além do valor do imóvel dado de garantia, que se deverá compreender entre os € 400.000,00 e os € 700.000,00, os recorrentes auferem mensalmente um rendimento global superior a € 5.000,00, o qual se revela de valor manifestamente elevado, e apenas acessível a uma escassa percentagem da população portuguesa;
50. Dispõem de bens imóveis de valor não apurado nos autos, e são titulares de créditos que ainda que considerados isoladamente ou em conjunto com o imóvel dado de garantia são suscetíveis de pagarem e cobrirem integralmente e de forma abastada o crédito do Banco requerente;
51. Assim, não poderá dizer-se, como prescreve o artigo 3º, do C.I.R.E, que os recorrentes estejam impossibilitados de cumprir as suas obrigações vencidas, podendo os recorrentes, com naturalidade, ter deixado de cumprir as suas obrigações para com o Banco requerente, não apenas por entenderem que este se fazia pagar através da seguradora responsável ou pela execução da hipoteca, assim se concedendo ser ilícito no presente caso o recurso ao processo de insolvência;
52. Sendo certo que resulta provado que desde o ano de 2007 que os requeridos não têm cumprido a obrigação de pagamento das prestações assumidas com a celebração dos contratos de mútuo com o Banco requerente, e não se olvidando que o montante em dívida é considerável, e longo o período de tempo ao longo do qual o incumprimento se vem mantendo, certo é também que se impõe concluir que tal montante e circunstâncias do incumprimento não são reveladoras da impossibilidade dos requeridos satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações;
53. Impõe-se assim concluir que os recorrentes demonstraram a sua capacidade, porque o têm feito, de cumprir a generalidade das suas obrigações, simplesmente não a do Banco requerente pelas razões aduzidas;
54. Porque assim não decidiu, o Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 3º, e 20º, nº1, al. b), do C.I.R.E..
Terminam por pedir a revogação da sentença substituindo-a por outra que declare que os requeridos / recorrentes não se encontram em estado de insolvência por não se verificarem os respetivos pressupostos.
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O requerente veio apresentar a resposta às alegações formulando as seguintes conclusões:
1-O calculo do valor obtido no ponto 9. resulta da soma das penhoras averbadas nas certidões prediais que compõe o património dos Recorrentes e cuja pendência das ações foi confirmada em sede de contestação pelos mesmos pelo que se encontra devidamente justificada a decisão proferida sobre a matéria de facto no que a esse ponto concerne encontrando-se ainda devidamente documentado pelas certidões prediais juntas aos autos a fls. 69.
2-Não tendo os Recorrentes logrado contraditar essa prova, nomeadamente através da junção de certidões com o cancelamento das penhoras ou através da junção de documentos de quitação.
3- Quanto á matéria dada como provada no ponto 10 da fundamentação de facto e que os recorrentes também pretendem ver alterada no que concerne ao rendimento da Recorrente esposa e no que concerne ao rendimento anual por estes alegada auferido, também nada há a objetar porquanto resulta claro da douta sentença ora em crise a justificação e fundamentação seguida pelo Meritíssimo Juíz a quo, bem como a total ausência de prova por parte dos Recorrentes no que a esse ponto concerne, razão pela qual e atento o princípio do ónus da prova outra não poderia ter sido a resposta dada aquela matéria
4-Quanto á fundamentação proferida relativamente ao ponto 11. da matéria de facto que os Recorrentes também pretendem ver alterada, mais uma vez que se reitera que os Recorrentes não conseguiram produzir prova que ilidisse a matéria constantes dos autos, mormente no que concerne ás inscrições e averbamentos constantes das certidões prediais juntas a fls. 69 , sendo os documentos por estes juntos autos inócuos no que a esse ponto concerne
5-Já no que concerne ao ponto 12 da fundamentação de facto da douta sentença ora em crise e posto também em causa pelos Recorrentes, entendem os Recorrentes que o valor do imóvel que garante a dívida é € 800.000,00 e que nessa medida o crédito se encontra assegurado pela venda do mesmo
6-Contudo tal afirmação é totalmente desenquadrada da realidade do mercado, como aliás foi claramente demonstrado nos autos e em sede de audiência de julgamento pelas testemunhas do Recorrido,
7-É do conhecimento como que o mercado imobiliário sofreu uma grande quebra, não colhendo qualquer cabimento que um imóvel com 15 anos tenha sido valorizado em cerca de 50% relativamente ao valor pelo qual inicialmente foi avaliado
8- E muito menos que venha a ser vendido em hasta pública por esse valor, e que o mesmo seja suficiente para liquidar perto de 570.000€ de capital acrescido de juros vencidos referentes a 7 anos de mora e custas processuais…!!!
9-Atenta a matéria dada como assente e não tendo os Insolventes /Recorrentes logrado provar a inexistência do crédito vencido que está na base do pedido de insolvência formulado pelo Recorrido
10-Nem a sua solvência, nomeadamente por não terem dado qualquer justificação para o não cumprimento da obrigação contraída perante o Recorrido, nem o facto de não terem até á data tentado proceder ao pagamento total ou parcial do mesmo
11-E mostrando-se como verificados os pressupostos da alin. b) do nº1 do artº 20 do CIRE outra não poderia ter sido a decisão que não a proferida na douta sentença ora em crise que determinou a Insolvência dos Recorrentes.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- omissão de fundamentação de facto, na resposta aos pontos 5 e 7 da base instrutória;
- reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto aos concretos pontos 5, 6, 7, 8, 9 e 10 da base instrutória.
- da verificação do facto-índice nos termos do art. 20º/b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1. Os requeridos são casados entre si, sendo o requerido B…, titular do NIF ……… e a requerida D…, titular do NIF ……… (al. A) da matéria de facto assente).
2. O banco requerente, no exercício da sua atividade bancária celebrou com os requeridos, uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, datada de 16.05.2002, no valor de € 281.820,81 e uma escritura de mútuo com hipoteca, datada de 31/07/2006, no valor de € 278.838,46, a serem liquidados nos termos e condições constantes dos docs. de fls. 171 a 209 (processo em papel) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al. B) da matéria de facto assente).
3. Desde 2008 que o requerido sofre de uma incapacidade permanente global de 68% (al. C) da matéria de facto assente).
4. Em 19/06/2012 foi atribuída à requerida uma incapacidade permanente de 69% (al. D) da matéria de facto assente).
5. A presente ação deu entrada em tribunal em 15 de fevereiro de 2014 (al. E) da matéria de facto assente).
6. Desde o ano de 2007, que os requeridos deixaram de pagar as prestações acordadas nos contratos referidos em 2 da matéria de facto assente (resposta ao n.º 1 da base instrutória).
7. Nessa sequência o banco requerente instaurou contra os requeridos a execução n.º 3430/08.6YYPRT, que correu termos nos Juízos de Execução do Porto, para cobrança da quantia de € 541.562,67 e reclamou no âmbito da execução n.º 489/07.7TBPRG, que corre termos no 2º Juízo deste tribunal, a quantia de € 550.536,52 (resposta aos n.ºs 2 e 3 da base instrutória).
8. A quantia referida em 7 permanece em dívida, acrescida de juros de mora (resposta ao n.º 4 da base instrutória).
9. Para além do crédito referido em 8, os requeridos têm várias ações contra si instauradas, ascendendo um dos créditos peticionado a € 2.442.654,22 (resposta ao n.º 5 da base instrutória).
10. Os requeridos encontram-se reformados por invalidez, auferindo o requerido uma pensão de € 2.776,86/mês (resposta ao ponto 6 da base instrutória).
11. Os requeridos são titulares de vários imóveis, todos onerados com hipotecas e penhoras (resposta ao ponto 7 da base instrutória).
12. O imóvel (descrito sob o art. 474) que serve de garantia ao crédito do requerente tem um valor não superior a € 400.000,00 (resposta ao n.º 8 da base instrutória).
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Com interesse para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
- Que os requeridos auferem um rendimento anual de € 82.000,00 (n.º 6 da base instrutória);
- Que o património imobiliário dos requeridos tenha o valor global de € 1.850.000,00, ascendendo o imóvel garantido pelos contratos referidos em 2, ao valor de € 800.000,00 (n.ºs 7 e 8 da base instrutória);
- Que os requeridos dispõem de um direito de crédito sobre a sociedade I…, S.A., no valor de € 215.000,00 e sobre a sociedade J…, S.A., no valor de € 2.953.149,00 (n.ºs 9 e 10 da base instrutória).
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3. O direito
- Da omissão de fundamentação de facto, na resposta aos pontos 5 e 7 da base instrutória -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 2 e 13 a 15 suscitam os apelantes a omissão de fundamentação da decisão de facto, em relação à resposta aos pontos 5 e 7 da base instrutória.
A omissão de fundamentação da decisão de facto, como decorre do art. 662º/2 d) CPC, impõe que o tribunal da Relação, mesmo a título oficioso, determine a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, para completar a fundamentação.
Importa, pois, apurar se a decisão padece do apontado vício.
A decisão da matéria de facto está subordinada ao critério estabelecido no art. 607º/4 CPC, onde se prevê que na fundamentação da sentença o juiz declare quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações que tirou dos factos instrumentais e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Deste regime decorre que cumpre ao juiz explicar os motivos que influenciaram e determinaram a decisão acerca da matéria de facto.
Nesse processo de decisão cumpre concretizar os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção, o que não significa catalogar as razões que foram revelando no decurso da audiência e que determinaram, uma a uma, que se formasse a convicção do tribunal, mas apontar seletivamente, entre as razões que “decidiram“, aquela ou aquelas que tiveram a maior força persuasiva[1].
Face ao critério estabelecido na lei e no sentido de garantir a transparência das decisões, cumpre ao juiz no ato de julgar a matéria de facto demonstrar o raciocínio lógico que conduziu à decisão, ponderando os diversos meios de prova e a sua natureza, fazendo uma análise crítica da prova[2].
A doutrina tem defendido que cumpre explicar o motivo pelo qual se deu particular relevância a um depoimento em detrimento de outro, bem como, se deu particular relevo a um relatório pericial em prejuízo de outro, ou relevância ao depoimento de um perito em detrimento de um laudo pericial[3].
A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo, determinar a sua relevância e proceder à sua valoração.
TEIXEIRA DE SOUSA vai mais longe, sugerindo um método de análise:
“Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos”[4].
Contudo, a lei apenas prevê um critério e não impõe um método de análise, permitindo desta forma ao julgador procurar a fórmula que melhor preencha o critério legal, face ao caso concreto.
A necessidade de fundamentação não importa perda de liberdade de julgamento, a qual se mostra garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação da prova ( art. 655º CPC )[5].
Quando a prova é gravada, a sua análise critica constitui complemento fundamental da gravação, mas não dispensa a fundamentação, porque só através desse ato é possível apurar o convencimento do juiz[6].
A falta de motivação determina a remessa do processo ao tribunal da 1ª instância, nas circunstâncias previstas no art. 662º/2 d)/3 d) CPC ou, eventualmente, a anulação do julgamento, ao abrigo do art. 662º/2 c) CPC.
Daqui decorre que a determinação da fundamentação sobre certos pontos da matéria de facto cede quando seja impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção de prova.
A verificar-se esta situação o juiz do tribunal “a quo” tem de justificar a razão da impossibilidade e como refere LEBRE DE FREITAS: “[c]abendo à Relação valorar a relevância de tal impossibilidade, nomeadamente para determinar a eventual anulação da decisão proferida”[7].
De igual modo, cumpre salientar, que apenas a falta de fundamentação em relação a factos essenciais, justifica a remessa do processo à 1ª instância para efeitos de fundamentação da decisão.
Julgado provado ou não provado um facto, sem fundamentação, que não se revele concretamente essencial para a decisão da causa, a exigência a posteriori da fundamentação, em via de recurso, é inútil, sendo a falta de fundamentação irrelevante.
No caso concreto, analisado o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da decisão, conclui-se que o juiz do tribunal “a quo”, fazendo um juízo critico da prova, observou o critério legal, na fundamentação da decisão da matéria de facto.
Desde logo, começou por autonomizar a fundamentação dos factos provados da fundamentação dos factos não provados. Ponderou os vários meios de prova - documentos, depoimento das testemunhas - e em seguida, expôs a relevância dos vários meios de prova, para apurar os factos controvertidos, de forma crítica, ou seja, procedeu à valoração da prova, indicando a razão de ciência da testemunha e a relevância do seu depoimento na apreciação dos factos, para concluir porque motivo deu relevância a certos depoimentos das testemunhas ou não os valorou, em confronto com os documentos.
No conjunto da prova produzida, de acordo com as normas da experiência e com observância do princípio da livre apreciação da prova, indicou o que se afigurou decisivo para a fundamentação da decisão, fazendo menção de forma expressa aos motivos pelos quais formou a sua convicção.
No que concerne à resposta ao ponto 5 da base instrutória – ponto 9 dos factos provados – fundamentou a decisão nos documentos juntos aos autos, o que aliás confere com o alegado pelos requeridos no art. 84º da oposição.
A respeito da resposta ao ponto 7 da base instrutória – ponto 11 dos factos provados -, a justificação assenta nas certidões prediais, juntas aos autos, que revelam que em nome dos requeridos mostram-se inscritos vários imóveis, mas todos onerados com hipotecas ou penhoras. Acresce que na oposição os requeridos não alegam que tais ónus se mostram cancelados.
Resulta, assim, dos termos da decisão, a fundamentação dos factos em causa, sendo certo que para preencher tal ónus cumpre apenas indicar os fundamentos que foram decisivos, para a decisão, pois não se trata de catalogar as razões que se foram revelando no decurso da audiência e que determinaram, uma a uma, que se formasse a convicção do tribunal.
No caso presente indicou-se em concreto a prova relevante para fundamentar a decisão, dando relevância apenas aos documentos citados e se não se referem outros elementos de prova, logo deve concluir-se que não mereceram relevo e por isso, não pode ser imputada qualquer omissão do dever de fundamentação.
Desta forma, apenas pela via da impugnação da decisão de facto, pode ser alterada a decisão que se proferiu com base em tal avaliação da prova e com fundamento em erro na apreciação da prova.
Conclui-se, que o juiz do tribunal “a quo” procedeu a uma análise critica da prova, pois conheceu do conteúdo dos vários meios de prova, determinou a relevância e procedeu à respetiva valoração, com indicação dos fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.
Neste contexto, a fundamentação da matéria de facto respeita o critério legal, motivo pelo qual não se justifica a remessa do processo à 1ª instância para completar a fundamentação ou a anulação da decisão.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 2 e 13 a 15.
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- Da violação do princípio do inquisitório -
Os apelantes, nas conclusões de recurso sob o ponto 9, suscitam a violação do princípio do inquisitório, na medida em que o tribunal não diligenciou por apurar e declarar o rendimento auferido pela requerida, quando constava dos autos a fls. 560 tal informação.
Em tese geral, os princípios processuais servem para sustentar e congregar normas dispersas, para auxiliar o interprete e aplicador do direito na adoção das soluções mais ajustadas ou para impor aos diversos sujeitos determinadas regras de conduta processual[8].
O art. 11º do Código da Insolvência consagra como um dos princípios do processo de insolvência, o princípio do inquisitório, prevendo que o juiz pode fundamentar a decisão em factos que não tenham sido alegados pelas partes.
Contudo, o princípio do inquisitório não se manifesta no teor da decisão a proferir, mas na atitude e conduta do juiz na promoção dos termos e atos processuais.
Os apelantes limitam-se a censurar a conduta do juiz à luz dos princípios que regem o processo de insolvência. Contudo, o tribunal de recurso não julga a conduta do juiz, mas as decisões por este proferidas.
Questão diferente, consiste em saber se a decisão é omissa a respeito de factos relevantes para a apreciação do mérito e que resultaram da discussão da causa.
Neste particular, afigura-se-nos que não pode ser apontada tal omissão, porque o documento a que se reportam os apelantes – Doc. nº 16 a 18, juntos a fls. 197 verso do presente apenso – reporta-se ao salário que a requerida auferia no exercício da sua atividade profissional e face aos factos alegados na oposição e provados, a requerida, bem como o requerido, encontram-se numa situação de incapacidade para o exercício da atividade profissional, que motivou nomeadamente, a propositura da ação contra a entidade seguradora, no sentido de ser reconhecimento o direito de acionar o seguro para pagar o empréstimo contraído junto da requerente. O requerido aufere uma pensão de reforma, como se julgou provado. Quanto à requerida não resulta do documento em causa, nem dos elementos que instruem o presente apenso, o valor que aufere a título de reforma.
Desta forma, não podia o tribunal perante tais elementos de prova, julgar provado o rendimento mensal da requerida.
Improcedem, desta forma, as conclusões sob o ponto 9.
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- Reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto aos concretos pontos 5, 6, 7, 8, 9 e 10 da base instrutória –
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1, 3 a 12, 16 a 35 vieram os apelantes requerer a reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto aos concretos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10 da base instrutória, com fundamento em erro na apreciação da prova, com indicação dos meios de prova a reapreciar e alteração que se sugere na decisão.
Cumpre, antes do mais, verificar se estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto.
Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O legislador na linha dos anteriores diplomas, que regiam sobre esta matéria, continua a não prever o prévio aperfeiçoamento das conclusões de recurso, quando o apelante não respeita o ónus que a lei impõe. Desta forma, o efeito de rejeição não é precedido de despacho de aperfeiçoamento, o que se explica pelo facto da possibilidade de impugnação da decisão de facto resultar de uma alteração reclamada no domínio do processo civil e estar em causa a impugnação de decisão de matéria de facto que resultou de um julgamento em relação ao qual o tribunal “ad quem” não teve intervenção e por isso, só a parte interessada estará em condições de poder impugnar essa decisão[9].
A consagração do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, inicialmente prevista no DL 39/95 de 25/02, constituiu uma nova garantia das partes no regime de processo civil e de acordo com o regime proposto pelo legislador, implicou a criação de um especifico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.
Como se escreveu no preâmbulo do DL 39/95 de 25/02 o duplo grau de jurisdição: “ […] nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
A lei não consente, por isso, como se afirma no preâmbulo do citado diploma, que “o recorrente se limit[e] a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido”.
O especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, relativo à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação, “[…] decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redação do artigo 712º CPC) — e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1” instância — possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correta. Daí que se estabeleça”, continua o mesmo preâmbulo, “no artigo 690°-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto. Tal ónus acrescido do recorrente justifica, por outro lado, o possível alargamento do prazo para elaboração e apresentação das alegações, consentido pelo n° 6 do artigo 705”.
A respeito do regime previsto escreveu LOPES DO REGO que: “[a] consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação“[10].
O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, no ensinamento do mesmo Autor:
“- na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento – o ponto ou pontos da matéria de facto – da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento;
- no ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões porque discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios (constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente;
- finalmente – e por força do estatuído no nº2 – quando os meios probatórios incorretamente valorados, na ótica do recorrente, pelo tribunal apenas constem de registo ou gravação (não estando, portanto, ainda materialmente “incorporados” nos autos), incumbe ainda ao recorrente o ónus de proceder à transcrição, mediante escrito datilografado, das passagens da gravação em que se funda o invocado erro na apreciação das provas”[11].
ABRANTES GERALDES ponderando as alterações introduzidas pelo DL 183/2000 de 10/08 e na Lei de Autorização Legislativa nº 6/07 de 02/02, sintetiza o sistema que passou a vigorar sempre que o recurso envolva impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da seguinte forma:
“- o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões;
- quando o recorrente funde a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
- relativamente aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova, há que distinguir duas situações:
- se a gravação foi efetuada por meio (equipamento) que não permite a identificação precisa e separada dos depoimentos recai sobre a parte o ónus de transcrição dos depoimentos, ao menos na parte relativa aos segmentos que, em seu entender, influam na decisão;
- se a gravação foi efetuada por meio (equipamento) que permite a identificação precisa e separada dos depoimentos, o funcionário que monitoriza a gravação e que está presente na audiência deve assinalar “ na ata o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos ”, como o determina o art. 522º-C/2”[12].
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o âmbito do ónus de alegação em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, dando nota do sentido interpretativo exposto pronunciaram-se, entre outros, nos seguintes arestos:
> Ac STJ 06/11/2006 (Proc. 06S2074 – www.dgsi.pt)
“Como se vê, o art. 690º - A pretende que o recorrente identifique claramente os erros de julgamento que aponta à decisão factual da 1ª instância, indicando os pontos que reputa incorretamente julgados e os meios probatórios que sustentam a sua censura.
Esse ónus alegatório tem por objetivo evitar a impugnação genérica da decisão de facto, com a intolerável sobrecarga que daí adviria para o Tribunal de recurso e o indesejável favorecimento de situações em que o meio impugnatório só é utilizado com intuito de mera dilação processual.”

> Ac. STJ 24.01.2007 (Proc. 06S2969 – www.dgsi.pt)
“Ora, analisando a alegação da apelação (fls. 455-471), constata-se que a recorrente se limita a efetuar uma apreciação crítica da prova relativamente a quatro aspetos de relevância jurídica para a apreciação da causa (autorizações provisórias; cálculo da pensão de aposentação; declaração do tempo de serviço; tipo de funções exercidas), juntando em anexo à alegação a transcrição dos depoimentos das testemunhas da recorrida e o respetivo suporte digital.
Em nenhum momento da sua alegação, a recorrente aludiu aos pontos de facto que considera incorretamente decididos – e que necessariamente pressupunha uma referência à matéria que constava da decisão de facto -, do mesmo modo que também não identificou as passagens da gravação da prova em que se funda a sua pretensão de ver alterada a matéria de facto, tendo-se limitado, neste ponto, a juntar um documento onde se encontram transcritos todos os depoimentos das testemunhas por si apresentadas em audiência.
Ou seja, a recorrente, não só não indicou os concretos pontos de facto que pretendia ver alterados, remetendo antes genericamente para meros aspetos jurídicos, como também não indicou os concretos meios probatórios que justificariam a alteração, limitando-se, neste caso, a juntar o registo datilografado e fonográfico da prova apresentada em julgamento.
A recorrente não cumpriu, portanto, minimamente o ónus que lhe impunha o 690º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, e, na linha da orientação jurisprudencial há pouco exposta, não poderá haver lugar ao convite para completamento ou aperfeiçoamento da alegação, justificando-se antes a rejeição do recurso à semelhança do que sucede, na correspondente disposição do artigo 690º do CPC, com a falta de alegações.”

> Ac. STJ 06.02.2008 (Proc. 07S3903 - www.dgsi.pt)
“No caso previsto na alínea B) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522º C”.
Como se vê, o art. 690º - A pretende que o recorrente identifique claramente os erros de julgamento que aponta à decisão factual da 1ª instância, indicando os pontos que reputa incorretamente julgados e os meios probatórios que sustentam a sua censura.
Esse ónus alegatório tem por objetivo evitar a impugnação genérica da decisão de facto, com a intolerável sobrecarga que daí adviria para o Tribunal de recurso e o indesejável favorecimento de situações em que o meio impugnatório só é utilizado com intuito de mera dilação processual.

> Ac STJ de 19.03.2009 (Proc. 08B3745 - – www.dgsi.pt):
“… quando exista gravação dos depoimentos prestados em audiência, a Relação vai, na sua veste de tribunal de apelação, reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, para tal atendendo aos elementos acima enunciados.
E a alusão aos «pontos da matéria de facto», contida no n.º 2 do art. 712º, visa «acentuar o caráter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do n.º 1 do art. 690º-A: na verdade, o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspeto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente.”

> Ac. STJ de 23.11.2011 (CJ STJ XIX, III, 126):
“I. Deve ser rejeitada – sem qualquer prévio convite ao aperfeiçoamento – a impugnação da matéria de facto em que apenas se invoque, genericamente, que da audição e ponderação do teor das testemunhas, conjugadas com os documentos juntos, impõe uma resposta diversa aos pontos da matéria de facto que se indicam.
II. Efetivamente, a lei exige que se alegue o porquê da discordância, que se apontem as passagens precisas dos depoimentos que fundamentam a concreta divergência, que se explique em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido.
III. Exigência esta também imposta pelo princípio do contraditório, pela necessidade que a parte contrária tem de conhecer os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar”.
As alterações introduzidas no Código de Processo Civil, com a Lei 41/2013 de 26/06, mantêm no essencial o regime de reapreciação da decisão da matéria de facto, sendo por isso, válidas as referências expostas em sede de doutrina e jurisprudência.
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[13].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - , motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Tal ónus impede que se requeira a impugnação genérica da matéria de facto controvertida e bem assim, a reapreciação de toda a prova.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e os apelantes indicaram os pontos de facto impugnados.
Porém, não estão reunidos os pressupostos de ordem formal para admitir a reapreciação da decisão da matéria de facto, porque a reapreciação versa sobre toda a matéria de facto controvertida, mais propriamente sobre os factos alegados pelos requeridos para demonstrar a respetiva solvabilidade.
Na seleção da matéria de facto, o juiz do tribunal “ a quo” integrou na base instrutória 10 pontos de facto, sendo certo que os quatro primeiros pontos podem considerar-se admitidos por acordo nos articulados, face ao alegado sob os art. 34º, 35º, 36º e 41º da oposição, onde os requeridos-apelantes admitem a cessação do pagamento, a instauração da execução, a reclamação do crédito no âmbito do Proc. 498/07.7TBPRG e o valor reclamado, bem como, o não pagamento da divida ao requerente.
As certidões dos respetivos processos comprovam a sua instauração e valor reclamado pelo requerente.
A matéria contorvertida reconduz-se, assim, aos factos que constam dos pontos 5 a 10 da base instrutória e é a respeito de tal matéria que os apelantes pretendem a reapreciação da prova e de toda a prova.
Face aos ónus previstos na lei, a reapreciação de toda a matéria de facto e prova produzida não é consentido pela lei, na medida em que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto visa apenas detetar erros pontuais na apreciação da matéria de facto e não converter a reapreciação na realização de um novo julgamento.
Acresce referir que os documentos, a que se reportam os apelantes nas conclusões de recurso, não fazem prova plena dos factos que invocam para justificar a alteração da decisão de facto, mesmo a título oficioso.
Como se prevê no art. 662º/1 CPC: “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Com efeito, nestas circunstâncias, o tribunal da Relação deve oficiosamente alterar a decisão da matéria de facto.
Enquadram-se na previsão da norma as situações em que constem do processo elementos que, por si só, determinem uma decisão diversa e cujo valor probatório seja insuscetível de ser afetado ou perturbado pela análise de outros meios probatórios, como ocorre quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força probatória plena de certo meio de prova.
Como refere ABRANTES GERALDES: “[e]m qualquer dos casos, a Relação limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório, deve integrar na decisão o facto que, assim, considere provado ou retirar da mesma o facto que ilegitimamente foi considerado provado”[14].
Nos termos do art. 663º/2 CPC aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais se insere o art. 607º, segundo o qual na fundamentação deve o juiz tomar em consideração os factos admitidos por acordo e os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, desde que tenham sido oportunamente alegados.
No caso presente, no ponto 5 da base instrutória pretende-se apurar se nas ações insturadas contra os requeridos foram peticionados créditos no valor de € 604.811,00 e €2.442.654,22.
Resulta das certidões juntas aos autos que foram instauradas contra os apelantes várias ações, na sua maioria processos de execução, o que aliás os próprios apelantes confirmam nos art. 34º a 88º da oposição à insolvência. No Proc. de Execução Comum sob o nº 118/09.4TBSJP, 1º Juízo, o ali exequente L…, C.R.L. promoveu a execução para pagamento da quantia € 2 442 654,22. Não se questionava o resultado da ação e por esse motivo o juiz do tribunal “a quo” não tinha de se pronunciar nesse sentido e da certidão que consta dos autos decorre que o valor peticionado corresponde ao valor de € 2.442.654,22.
A respeito da declaração de rendimento da requerida-apelada, como já se referiu, do documento junto aos autos não decorre o valor da pensão atribuída, nem ainda, o valor do rendimento anual do casal.
A respeito da matéria do ponto 7 da base instrutória – ponto 11 dos factos provados - resulta da certidão da Conservatória do Registo Predial, que consta do presente apenso a fls. 444 a 454 – doc nº 5 a 9, juntos com a petição de insolvência -, a inscrição do registo de aquisição dos diversos prédios a favor dos apelantes e respetivos ónus ou encargos. Não se mostram juntos aos autos documentos que comprovem o cancelamento de tais ónus ou encargos.
A resposta não contém factos novos, não alegados, quando se reporta aos ónus, pois tal matéria mostra-se alegada pela requerente, no art. 14º, para justificar a sua pretensão.
Desta forma, não se pode considerar que a resposta se mostra excessiva.
No que concerne à matéria dos pontos 9 e 10 da base instrutória – factos não provados -, as certidões das ações juntas aos autos, enquanto meio de prova têm a força probatória dos originais, nos termos do art. 383º CC.
Tratando-se de certidões de documentos autênticos, nos termos do art. 371º CC, fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.
Atendendo ao valor probatório que é atribuído ás certidões, apenas comprovam a pendências das mesmas ações e pedidos ali formulados. Daqui decorre que os referidos documentos não comprovam o alegado direito de crédito dos apelantes.
Conclui-se, assim, que os apelantes não respeitaram o ónus de alegação e desta forma não estão preenchidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, sendo certo que os documentos que indicam não tem o valor probatório que pretendem atribuir.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 1, 3 a 12, 16 a 35.
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- Da verificação do facto-índice nos termos do art. 20º/b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Os apelantes insurgem-se contra a decisão, por entenderem que os factos não são suscetíveis de preencher a previsão do art. 20º/1 b) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e não se demonstrando o facto indíce não deve ser decretada a insolvência.
Cumpre, pois, apreciar se os factos provados são suscetíveis de configurar as situações – tipo que fazem presumir a situação de insolvência, nos termos do art. 20º/1 b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores - art. 1º/1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas ou de forma abreviada CIRE ( DL 53/2004 de 18/03, na redação do DL 200/2004 de 18/08, DL 76 -A/2006, de 29 de março, DL 282/2007, de 7 de agosto, DL 116/2008, de 4 de julho, DL 185/2009, de 12 de agosto e Lei 16/2012 de 20 de abril ).
Considera-se em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas – art. 3º/1 da citada lei.
As pessoas coletivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis – art. 3º/2 da mesma lei.
Cessa, contudo, o disposto neste preceito quando o ativo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as seguintes regras:
- consideram-se no ativo e no passivo os elementos identificáveis, mesmo que não constantes do balanço, pelo seu justo valor;
- quando o devedor seja titular de uma empresa, a valorização baseia-se numa perspetiva de continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável, mas em qualquer caso com exclusão da rubrica de trespasse;
- não se incluem no passivo dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos distribuíveis ou do ativo restante depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos demais credores do devedor ( art. 3º/3 ).
A lei atribui aos credores o direito de requererem a insolvência do devedor, nas circunstâncias enunciadas no art. 20º do DL 53/2004 de 18/03, na redação do DL 200/2004 de 18/08.
Como referem JOÃO LABAREDA e CARVALHO FERNANDES: “[t]rata-se daquilo a que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações[…]“[15].
Pretende-se desta forma, que o credor instaure a ação sem ter que demonstrar a efetiva situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, tal como se prevê no art. 3º/1 CIRE.
Recai sobre o credor o ónus de alegação e prova dos factos-índice[16].
O art. 20º/1 b) prevê a possibilidade do credor requerer a insolvência do devedor desde que se verifique:
“Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.”
Nesta situação o incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto índice quando, pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar e portanto o requerente deve trazer ao processo essas circunstâncias das quais, uma vez demonstradas, é razoável deduzir a penúria generalizada[17].
Este tem sido, aliás, o sentido interpretativo acolhido na jurisprudência dos tribunais superiores, citando-se, entre outros, o Ac. Rel. Porto 18 de junho de 2013, Ac. Rel. Lisboa de 25 de outubro de 2012, Ac. Rel. Coimbra de 14 de maio de 2013 e Ac. Rel. Guimarães de 27 de setembro de 2012[18].
Cabe ao devedor provar a sua solvência baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no art. 3º/3 – art. 30º/4 do citado diploma.
Como refere MENEZES LEITÃO “[…]o que se trata é de ilidir a presunção de insolvência resultante da verificação do facto-índice, a qual deve ter por base a escrituração legalmente obrigatória, sem prejuízo do critério especial referido no art. 3º/3 ( art. 30º/4 )“[19].
Na situação concreta, atenta a matéria de facto apurada, conclui-se que a requerente é credora dos requeridos, porquanto assiste-lhe o direito ao pagamento do preço devido como contrapartida pelo fornecimento de mercadorias do seu comércio - art. 874º, 879ºc) CC.
A requerida não logrou provar o pagamento dos créditos reclamados, nem ainda, qualquer outro facto extintivo do direito da requerente ( art. 342º/2 CC ).
Provou-se, ainda, que os requeridos têm várias ações contra si instauradas, ascendendo um dos créditos peticionado a € 2.442.654,22 (resposta ao n.º 5 da base instrutória).
Os requeridos encontram-se reformados por invalidez, auferindo o requerido uma pensão de € 2.776,86/mês (resposta ao ponto 6 da base instrutória).
Os requeridos são titulares de vários imóveis, todos onerados com hipotecas e penhoras (resposta ao ponto 7 da base instrutória).
O imóvel (descrito sob o art. 474º) que serve de garantia ao crédito do requerente tem um valor não superior a € 400.000,00 (resposta ao n.º 8 da base instrutória).
Decorre da análise destes factos que, para além dos débitos referenciados pelo requerente-apelado existem outros débitos, nomeadamente a entidades bancárias. Associado a estes factos, a pendência de ações executivas, para efeitos de obter o pagamento, sendo certo, que o crédito reclamado num dos processos ascende a um valor elevado - € 2.442.654,22 -, sobretudo se comparado com o crédito da requerente-apelada.
Apesar de possuírem bens imóveis, verifica-se que estão onerados e o imóvel objeto de hipoteca foi avaliado em montante inferior ao crédito da requerente, o que significa que não dispõem de liquidez para garantir o pagamento dos débitos. Face ao critério previsto na lei, a solvabilidade do devedor afere-se pela possibilidade de cumprir as obrigações vencidas, o que manifestamente não ocorre na situação presente. Constituía um ónus dos requeridos provar que possuíam bens em valor suficiente que permitissem satisfazer o passivo que assumiram e bem assim, que estavam em condições de garantir o pagamento dos vários débitos, ainda que mediante acordos de pagamento, factos que não provaram.
Por outro lado, os requeridos não lograram provar a celebração de um contrato de seguro de vida válido e eficaz que garante o pagamento do débito reclamado pela requerente-apelada.
Os requeridos não lograram provar que dispõem de uma situação económica e financeira que lhes permite solver todas as obrigações vencidas. Não se apurou que os bens que possuem são suficientes para garantir o cumprimento das suas obrigações.
Os factos e aspetos enunciados constituem circunstâncias que indiciam a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
Conclui-se, assim, que estão reunidos os pressupostos para decretar a insolvência dos requeridos, porquanto a requerente logrou provar os factos-indíce, nos termos do art. 20º/1 b) DL 53/2004 de 18/03, na redação do DL 200/2004 de 18/08 e os requeridos não provaram a sua solvabilidade, o que conduz à declaração da insolvência e por isso, a sentença recorrida não merece censura.
Face ao exposto improcedem as conclusões de recurso.
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As custas são suportadas pela massa insolvente, nos termos do art. 304º do CIRE.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
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Custas a cargo da massa insolvente.
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Porto, 22 de Setembro de 2014
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
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[1] RUI AZEVEDO DE BRITO apud ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES “Temas da Reforma de Processo Civil”, vol.II, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 2000, pag. 258.
[2] Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, ob.cit., pag. 257 e JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, ob.cit., pag. 661.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, ob.cit., pag. 256 e JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, ob. cit., pag. 660.
[4] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª EDIÇÃO, Lisboa, Lex, 1997, pag. 348.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, ob.cit., pag. 259.
[6] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, Coimbra, Coimbra Editora, 2000 pag. 281.
[7] LEBRE DE FREITAS E ARMINDO RIBEIRO MENDES Código Processo Civil Anotado, vol III, Tomo I, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pag. 126.
[8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma do Processo Civil, vol.I, pag. 23.
[9] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 128.
[10] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Comentários ao Código de Processo Civil Coimbra, Almedina, 1999, pag. 465.
[11] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Comentários ao Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 465-466.
[12] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra, Almedina, 2008, pag. 141-142.
[13] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag. 126.
[14] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pag. 226.
[15] LUIS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª Edição, Lisboa, Quid Júris, 2013, pag. 201.
[16] LUIS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, ob. cit., pag. 205.
[17] LUIS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, ob. cit, pag. 205.
[18] Ac. Rel. Porto 18 de junho de 2013, Proc. 3698/11.0TBGDM-A.P1, Ac. Rel. Lisboa de 25 de outubro de 2012, Proc. 1808/11.7TBALQ.L1-8, Ac. Rel. Coimbra de 14 de maio de 2013, Proc. 2317/12.2T2AVR-B.C1 e Ac. Rel. Guimarães de 27 de setembro de 2012, Proc. 676/12.6TBGMR.G1 – todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[19] LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO Direito da Insolvência, 4ª ed.-2012, pag.151 e LUIS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado ob. cit., pag. 205.

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.