Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
53714/16.2YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: CONTRATO DE SUBEMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
PROVA DA EXISTÊNCIA DOS DEFEITOS
IMPUTAÇÃO AO SUBEMPREITEIRO
Nº do Documento: RP2017092753714/16.2YIPRT.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º783, FLS.167-181)
Área Temática: .
Sumário: I - A reapreciação da prova pela Relação tem a mesma amplitude dos poderes da 1.ª instância e visa garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, sendo de manter sempre que se mostre apreciada em conformidade com os princípios e as regras do direito probatório.
II - Os documentos particulares não assinados e sem declarações contrárias aos interesses dos declarantes não têm qualquer força probatória.
III - As declarações de parte que não sejam desfavoráveis não fazem prova da sua veracidade, desacompanhadas de outros elementos probatórios para poderem ser apreciadas segundo a livre convicção do tribunal.
IV - A excepção dilatória de direito material do não cumprimento prevista no art.º 428.º, n.º 1, do Código Civil pode ter lugar em situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual.
V - Porém, num contrato de subempreitada, compete ao empreiteiro a prova da existência dos defeitos e da sua imputação ao subempreiteiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Do Tribunal da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – J4.

Processo n.º 53714/16.2YIPRT.P1
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Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:
I. Relatório
B…, com sede na Rua …, …, Paredes, requereu, em 17/5/2016, procedimento de injunção contra C…, LDA., com sede na Rua …, n.º …, 1.º, Porto, pedindo o pagamento da quantia de 9.588,23€, correspondente ao capital de 8.911,97€, juros de mora de 574,26€ e taxa de justiça de 102,00€.
Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com a requerida um contrato de “fornecimento de bens ou serviços”, em 1/6/2015, nos termos do qual procedeu ao fornecimento e montagem de instalações eléctricas, telecomunicações e infra-estruturas de segurança melhores descritas nas facturas 2015/.. emitida em 01-06-2015 no valor de 4.598,73€ e 2015/.. emitida em 09-06-2015 no valor de 4.313,24€, as quais ainda não foram pagas, na data do seu vencimento nem posteriormente, não obstante terem sido aceites os serviços nelas discriminados.

A requerida deduziu oposição, onde excepcionou o não cumprimento de dois contratos, que admitiu terem sido celebrados – um relativo à moradia na Rua …, no Porto (factura ..) e outro referente à loja da D…, em Barcelos (factura ..) –, dado não terem sido integralmente cumpridos, apesar da respectiva interpelação, concluindo pela procedência dessa excepção e pela sua absolvição da instância.

A requerente pronunciou-se quanto à excepção deduzida, alegando, em suma, a boa execução de todos os serviços, a sua aceitação e a inexistência de qualquer reclamação ou devolução das facturas, bem como o abuso de direito na sua invocação.

Apresentados os autos à distribuição e distribuídos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, prevista no DL n.º 269/98, de 1/9, foi designado dia para julgamento, ao qual se procedeu, com observância do formalismo legal.
E, por sentença de 20/3/2017, foi decidido julgar a acção parcialmente procedente e condenar a ré a pagar à autora a quantia de 8.911,97€ (oito mil, novecentos e onze euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, comercial, contados desde a data de vencimento das facturas referidas no requerimento de injunção, até ao seu efectivo e integral pagamento.

Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso para este Tribunal e apresentou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A) Tratando-se o procedimento de injunção de uma acção com vista à condenação pelo pagamento de uma quantia, deverá o seu autor provar e demonstrar a existência e o montante do seu crédito – facto constitutivo do direito.
B) Nos termos do art. 342.º do C. Civil, «àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado»- no caso concreto o montante do crédito.
C) O único meio de prova idóneo a comprovar a existência do crédito seriam as alegadas facturas FA 2015/.. e 2015/...
D) Ainda que assim não se entenda, face à prova testemunhal produzida o tribunal de que se recorre jamais poderia dar como provados os seguintes factos:
a) Que a factura FA 2015/.. emitida pelo A. corresponde ao auto de medição n.º datado de Maio de 2015.
b) Que a ré nunca pagou à autora a fatura FA 2015/.. (datada de 1/6/2015) e que até à presente data se mantém em dívida.
c) Por isso, a autora emitiu a Fatura FA 2015/.. com data de 09/07/2015, que até à presente data se mantém em dívida, uma vez que a ré nunca a pagou, nem a devolveu à autora.
E) Tais factos apenas poderiam ser provados através de prova documental e não com prova testemunhal, como foi entendimento do tribunal a quo.
F) Ainda que assim não se entenda, da prova produzida na audiência de julgamento, não ficou demonstrado, nem o montante do crédito nem a data a partir da qual a Apelante se constituiu em mora.
G) Por essa razão, não poderia jamais o tribunal a quo condenar a Apelante ao pagamento da quantia de 8.911,97€,pois não resulta da matéria assente qual o montante preciso do crédito.
H) E muito menos poderia o Tribunal condenar a Apelante ao pagamento da indemnização moratória.
I) É que nas obrigações tituladas por facturas, o momento da constituição em mora nem sempre corresponde à data do cumprimento da prestação.
J) Não poderia por esta razão, face unicamente à prova testemunhal produzida, o douto tribunal condenar a Apelante ao pagamento em juros.
K) O tribunal a quo deveria ter considerado provada a seguinte matéria de facto:
«17. No que concerne à obra localizada na Rua … no Porto, ficaram por realizar os seguintes serviços por parte da autora:
- substituição de espelhos de interruptores duplos por simples (no quarto nascente do piso 2 e no quarto do piso 1);
- Instalação de tomadas de cozinha;
- Instalação de espelhos de sala;
- Instalação de 4 pontos de iluminação encerrados no jardim, na zona após lavandaria;
- Instalação de ponto de luz na zona de entrada do Q. B. no volume de apoio à piscina;
- Instalação de ponto de luz de parede exterior e tomada junto à sala;
- Iluminação na banca e no topo do armário da cozinha.»
L) A prova da existência dos serviços que ficaram por realizar foi demonstrada pelas declarações do representante legal da Apelante.
M) O tribunal fundou uma errada convicção acerca das declarações de parte do representante legal da Apelante.
N) O tribunal deveria também ter valorado o e-mail de 12 de Novembro de 2015, junto aos autos como doc. n.º 1 que bem documenta a denuncia à Apelada dos trabalhos que estavam por concluir.
O) Também deveria ter o douto tribunal considerado o e-mail de 1 de Outubro de 2015 (junto aos autos como doc. n.º 3), no qual a arquitecta contratada pela dona da obra vem denunciar os problemas na instalação electrica e os trabalhos por concluir.
P) O tribunal de que se recorre não podia ignorar o doc. n.º 4 , junto aos autos – comunicação da dona da obra a reclamar à Apelante a existência de problemas na instalação eléctrica –
R) O tribunal aquo não só desconsiderou prova documental importante para discussão da causa como ignorou as declarações do representante legal da Apelante.
S) Face ao exposto, deverá ser dado como provado que a Apelada não concluiu a obra integralmente e em consequência deverá ser julgada válida a excepção de não cumprimento arguida pela Apelante.
TERMOS EM QUE
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida, com as suas consequências legais
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA”

A autora contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente (cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), importando conhecer as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e tendo presente que nele se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:
1. Se deve ser alterada a matéria de facto impugnada no sentido propugnado pela apelante;
2. Se à autora assiste o direito que invocou no requerimento de injunção e reconhecido na sentença;
3. E se é legítimo à ré/recorrente invocar a excepção do não cumprimento do contrato.
II. Fundamentação
1. De facto
Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
1. A autora dedica-se à comercialização, fornecimento e montagem de instalações elétricas, telecomunicações e infraestruturas de segurança.
2. Por solicitação da Ré e após adjudicação desta, o A. procedeu ao fornecimento e montagem de instalação elétrica para uma moradia sita à Rua … na cidade do Porto.
3. Os trabalhos adjudicados consistiam na instalação de equipamentos elétricos correspondentes às infraestruturas exteriores e interiores, instalação da rede de energia, da rede de tubagem, da rede de alimentação de equipamentos, na instalação de sistema de vídeo porteiro, na instalação de sistema de telecomunicações (rede de cabo coaxial e de fibra ótica), nos ensaios e medições necessários à receção da instalação pelo cliente, estando, ainda, incluídos o fornecimento de todos os equipamentos bem como a mão de obra necessária à conclusão dos trabalhos adjudicados.
4. Ao longo da execução dos trabalhos adjudicados, foram realizados diversos autos de medição, tendo a ré pago à autora os trabalhos correspondentes aos autos de medição nº 1, 2 e 3.
5. A ré efetuou o pagamento correspondente a ¾ dos trabalhos efetuados pelo A. na obra do …, sem nunca ter apresentado qualquer reclamação ou reserva.
6. A fatura FA 2015/.. emitida pelo A. corresponde ao auto de medição nº 4 datado de Maio de 2015.
7. Data em que se concluíram os trabalhos, após a realização dos ensaios, medições e vistorias necessários, tendo a autora naquela data entregue a obra à Ré, que a aceitou, não tendo apresentado à autora qualquer reclamação devido a deficiente execução ou utilização de materiais não apropriados ou desconformes com o contratado e constantes do respetivo projeto.
8. Todos os equipamentos colocados ficaram prontos e a funcionar e os trabalhos concluídos de acordo com o projeto.
9. A ré nunca pagou à autora a fatura FA 2015/.. (datada de 01/06/2015) e que até à presente data se mantém em dívida.
10. Por solicitação da ré e após adjudicação desta, a autora procedeu ao fornecimento e montagem de instalação elétrica, telecomunicações e infraestrutura de segurança de uma Loja em Barcelos para a “D…”.
11. Os trabalhos adjudicados consistiam na execução de nova instalação elétrica, infraestrutura de segurança e telecomunicações, na remodelação da loja existente, estando, ainda, incluídos o fornecimento dos equipamentos bem como a mão de obra necessária à conclusão dos trabalhos adjudicados, estando previsto o início dos trabalhos para o dia 15 de Junho de 2015, a mudança de bastidor para o dia 03 de Julho ao final do dia e a conclusão dos trabalhos com a entrega da obra no dia 07 de Julho de 2015.
12. Os trabalhos adjudicados ficaram concluídos, tendo a obra sido entregue pela autora à ré na data acordada com todos os equipamentos em funcionamento, após a realização dos ensaios, medições e vistorias necessários.
13. Por isso, a autora emitiu a Fatura FA 2015/.. com data de 09/07/2015, que até à presente data se mantém em dívida, uma vez que a ré nunca a pagou, nem a devolveu à autora.
14. A autora recebeu um e-mail no dia 12 de Novembro de 2015 por parte da ré no qual eram elencados trabalhos descritos no ponto 17) infra.
15. Após a entrega da obra na loja “D…”, a autora foi por diversas vezes interpelada telefonicamente pela ré para proceder à instalação de um tubo para telecomunicações, solicitações que foram ignoradas pela autora requerida.
16. A ré contratou a empresa E… Unipessoal, Lda. que procedeu à instalação de um tubo de telecomunicações na Loja da D…, em Março de 2016.
2. De direito
2.1. Da alteração da matéria de facto
O art.º 662.º, n.º 1, do CPC dispõe que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como temos vindo a escrever em vários arestos que nos dispensamos de aqui identificar, desta norma resulta que a modificação da decisão de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância, devendo, para tanto, os recorrentes observar os ónus impostos pelo art.º 640.º do mesmo Código[1].
Não está em causa a verificação desses ónus, sendo que eles foram observados pela recorrente, nas alegações e nas conclusões, pelo que nada obsta à reapreciação da matéria de facto impugnada.
Na reapreciação que agora importa efectuar, procedendo a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da nossa própria convicção, por forma a assegurar o duplo grau de jurisdição sobre a mesma matéria, teremos em conta que a prova deve ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas no seu meio social, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, já que tudo isto contribui, afinal, para a formação de raciocínios e juízos que conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão de cada facto.
O Prof. José Alberto dos Reis já ensinava, há muito, que “prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[2].
A essas regras de apreciação está sujeita a prova testemunhal, como expressamente dispõe o art.º 396.º do Código Civil.
Dada a sua reconhecida falibilidade, impõe-se uma especial avaliação crítica com vista a uma valoração conscienciosa e prudente do conteúdo dos depoimentos e da sua força probatória, devendo sempre ter-se em consideração a razão de ciência do depoente e as suas relações pessoais ou funcionais com as partes.
Há, ainda, que apreciar a prova no seu conjunto, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência, em face do princípio da aquisição processual (cfr. art.º 413.º do CPC).
Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação do julgador, consagrada no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, impõe-se-lhe indicar “os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”[3].
Dito isto, vejamos o caso dos autos.
A ré/recorrente impugnou os factos dados como provados sob os n.ºs 6, 9 e 13, bem como os dados como não provados sob o n.º 17, sustentando que estes devem ser considerados provados e aqueles, ao que parece, como não provados.
Os factos provados encontram-se transcritos nos respectivos números da fundamentação de facto, acima transcritos, pelo que nos dispensamos de os repetir aqui.
Os factos não provados e impugnados são os seguintes:
17. No que concerne à obra localizada na Rua … no Porto, ficaram por realizar os seguintes serviços por parte da autora:
- Substituição de espelhos de interruptores duplos por simples (no quarto nascente do piso 2 e no quarto do piso 1);
- Instalação de tomadas na cozinha;
- Instalação de espelhos na sala
- Instalação de 4 pontos de iluminação enterrados no jardim, na zona após lavandaria;
- Instalação de ponto de luz na zona de entrada do Q. B. no volume de apoio à piscina;
- Instalação de ponto de luz de parede exterior e tomada junto à sala;
- Iluminação na banca e no topo do armário da cozinha.”
Na motivação da decisão de facto, quanto a esta matéria e outra dela não dissociada, o Ex.mo Juiz escreveu o seguinte:
“No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração crítica e conjugada dos meios de prova juntos aos autos, atentas as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
Neste sentido, procedeu o Tribunal à análise das declarações de parte da autora e da ré, prestada através dos respetivos representantes legais (ex vi arts. 466.º e art. 453.º, n.º 2 do Cód Processo Civil), bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência final, compaginando o seu teor com o manancial de prova documental constantes dos autos, a que oportunamente se fará referência, a saber: email de fls. 11, a fatura n.º 32/A de fls. 12, emails trocados entre arquiteta/dono de obra e a ré, de fls. 32-38, e o email trocado entre partes de fls. 39[4] [1].
Desde logo, diga-se, quanto à matéria constante dos pontos n.ºs 1), 2), 3), 6), na parte relativa à emissão da fatura 2015/.., 9), 10), 11), 1.ª parte até “estando previsto…”, 13), quanto à emissão da fatura 2015/..; que a mesma se encontra admitida por acordo, em função da sua não impugnação especificada, ex vi art. 574.º, 2 e art. 607.º, n.º 4 do Cód. Processo Civil[5] [2].
Note-se que na sua oposição, em momento algum, a requerida põe em causa a contratação, a realização, ainda que alegadamente parcial, de trabalhos/prestação de serviços e a correspondente emissão de fatura, bem como o não pagamento do preço devido, pois a sua defesa fundou-se, exclusivamente, no grau de alegada incompletude e cariz defeituoso do cumprimento da obrigação assumida pela autora, razão pela qual invoca a exceção do não cumprimento do contrato (art. 428.º do Código Civil).
Aliás, também em função dessa admissão por acordo, considerou-se lógica e necessariamente improcedente a alegação da ré de que a autora não cumpriu o seu ónus probatório (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), juntando aos autos prova documental, ainda que por mera cópia simples, das faturas referidas no requerimento de injunção. Tal matéria – a emissão das faturas, datas, e respetivo cálculo dos valores liquidados foi processualmente adquirida como incontrovertida à luz dos normativos citados.
Isto posto, avançando para análise dos demais elementos probatórios, foi determinante para a formação de convicção pelo Tribunal a narrativa lógica, coerente, temporalmente circunstanciada, e nessa medida, verosímil, que a autora trouxe a juízo, através das declarações prestadas pelo seu representante legal, sócio-gerente, compaginado que foi o seu teor com os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, inclusivamente da ré, que não infirmaram, pelo contrário, confirmaram, os enunciados de facto constantes do requerimento de injunção.
Todos esses elementos probatórios contrastaram com as declarações de parte prestadas pelo representante legal da requerida que se apresentou notoriamente nervoso, prolixo, hesitante, pouco perentório e assertivo, respondendo com interrogações, focando todo o seu discurso na existência na pendência de outras ações e/ou litígios entre as partes que em nada contendiam com o objeto destes autos.
Nessa medida, as suas declarações não nos mereceram qualquer credibilidade ou verosimilhança, pois de carácter emocionalmente vincado e pouco distanciado de uma tese de invariável culpa da autora, meramente fundada em considerações genéricas e pouco precisas sobre a realização dos trabalhos solicitados.
Vejamos com ulterior recorte.
F…, casado, empresário, sócio-gerente da requerida, relatou as relações comerciais tidas com a autora há mais de 10 anos, focando, como já foi referido, episódios anteriores que em nada contendem com a matéria dos autos. Contudo, não deixou de afirmar que quanto à obra de … procedeu ao pagamento de 3 dos 4 autos de medição em que a obra ficou escalonada, sem reclamações ou devoluções de faturas à autora. Referiu igualmente o cariz informal desse escalonamento ou programação de obra, não conseguindo elucidar o Tribunal para a existência de um “deadline” ou prazo de conclusão, sendo certo que não deixou de reconhecer, também, que a loja da D… foi entregue atempadamente ao cliente.
As suas declarações foram vagas e genéricas quanto aos alegados defeitos elencados no email de fls. 11 (note-se, em rigor, que o valor probatório deste documento como interpelação para remoção de defeitos de obra é nulo, atendendo ao seu teor literal, pois o mesmo remete para a opinião do dono da obra e arquiteta quanto à existência de defeitos na instalação elétrica, limitando-se a requerer um comentário da autora).
O declarante escudou-se na razão de ciência direta do engenheiro G…, funcionário da ré, que teria acompanhado a obra de perto, mas que não foi oferecido como testemunha por esta última, também não sabendo ou podendo afirmar se se ele aceitou a obra, nenhuma certeza avançando quanto à aceitação ou não da obra (o que se impunha soubesse, atenta a sua qualidade de sócio gerente da ré).
Quanto à obra da “D…” também não deixou de confirmar que a respetiva fatura não foi paga na sua totalidade e que o cabo/tubo em causa no e-mail de fls. 39 lhe foi pedido pelo cliente, tendo pago 136 euros a um terceiro por tal serviço e, de novo, de forma exaltada, nervosa e dúbia, quedou-se incapaz de explicar por que razão, tendo a obra terminado a 7 de Julho de 2015, e nunca tendo o cliente colocado em causa o funcionamento pleno dos serviços da Loja que abriu ao público (o que confirmou), viria a ser necessária, apenas em Março de 2016 (note-se!), a colocação do tubo/cabo referido a fls. 39.
Por sua vez, também em declarações de parte, o sócio-gerente da autora, H… revelou-se assertivo, calmo e perentório. Sem hesitações, confirmou que as duas faturas em causa foram emitidas, após a conclusão dos trabalhos, estando a totalidade dos valores titulados pelas mesmas por pagar até a presente data.
Da sua razão de ciência direta confirmou o ter prestado apoio aos técnicos da I… na instalação final da fibra, após a conclusão dos serviços da autora, com ensaio final de luz, e narrou exatamente o procedimento seguido desde a solicitação de um serviço de instalação elétrica, segurança e telecomunicações prestado pela autora, sua execução e conclusão.
Aventou a existência de fiscalização permanente por parte da ré em ambas as obras, com a presença do encarregado de obra ou do próprio sócio gerente J…, confirmando alguma informalidade no trato por telefone, nomeadamente para a comunicação do final dos trabalhos para ulterior verificação, justificável na medida da relação comercial já existente entre as partes. E nesse domínio de informalidade de relação comercial, confirmou também que qualquer reclamação quanto a prestação dos seus serviços lhe era comunicada, por regra, pela ré, o que não sucedeu em relação às obras em apreço.
Nesse sentido o Tribunal compaginou as suas declarações com o teor do e-mail de fls. 39 e ausência de resposta à solicitação nesse documento constante (e que a testemunha K… confirmou igualmente). Tratava-se de trabalho que lhe foi pedido depois da emissão da fatura em julho de 2015, um extra necessário em função da troca do cliente da ré de operador de telecomunicações (a obra havia sido finalizada com os técnicos da I…, não faltando qualquer cabo ou tubo da sua arte, o que afirmou perentoriamente, pois a loja abriu logo na semana seguinte a ter abandonado a obra e ficou a funcionar em pleno – facto instrumental também confessado pelo gerente da ré, ouvido em juízo).
O Tribunal sopesou igualmente a sinceridade demonstrada nas suas declarações ao admitir que na loja da D… surgiu um problema na armadura de repartição que foi por si substituída antes da finalização da obra.
Justificou o conhecimento demonstrado sobre tal matéria com a referência espontânea e honesta ao facto de o prestador desse serviço (L…, cfr. fatura de fls. 12) ter sido seu funcionário no passado, tendo-lhe transmitido a razão de tal solicitação, bem como ouvindo dizer o mesmo ao restante pessoal da loja.
Em particular, no que concerne à obra de remodelação de uma moradia na Rua …, reafirmou a execução de projeto fornecido pelo cliente, a existência de uma fiscalização permanente, por parte de uma arquiteta, por conta do dono da obra, bem como do engenheiro da ré, presente ao menos semanalmente na obra.
Explicou pormenorizadamente a razão pela qual alguns dos trabalhos listados no e-mail de fls. 11 não lhe podiam ser assacados como sendo sua responsabilidade. A substituição dos espelhos das tomadas não estava prevista no projeto inicial, sendo um extra; e o ponto de luz junto da piscina não foi executado porque esta não chegou a ser construída/colocada, bem como os quatro projectores referidos não foram sequer faturados.
Descreveu o envio das referidas faturas em causa por correio, as interpelações telefónicas feitas pela sua mulher, para além do envio de emails, nada recebendo por conta daquelas, razão pela qual ignorou e não respondeu às solicitações do e-mail de fls. 11 e 39.
Ora, aqui chegados, importa referir que foi a versão fatual trazida aos autos pela autora, também através das suas declarações de parte, que encontrou integral corroboração nos depoimentos das testemunhas inquiridas e não versão trazida pela oposição da ré.
Assim, M…, eletricista, trabalhador da autora, e que prestou serviços nas duas obras, afirmou com certeza ter passado cabo e feito todas as ligações, de acordo com os projetos.
Em consonância com as declarações do seu patrão, confirmou a conclusão e ensaio da obra da D…, com ensaios finais: quadro elétrico, luz, rede-cabo e telecomunicações, tendo verificado tudo no final da obra, testes finais de compatibilidade. Corroborou ainda a existência de uma fiscalização contínua da obra pelo engenheiro da ré e próprio gerente.
Com especial razão de ciência quanto à obra de Barcelos, pois trabalhou lá desde o seu início, corroborou as declarações do seu patrão sobre a presença dos técnicos da fibra da I…, dois dias após a conclusão dos trabalhos, na execução do acompanhamento pós-obra que costumam prestar (indicam caminhos das tubagens, como fizeram as obras). Foi no decurso desse acompanhamento que se apercebeu que estava tudo a funcionar, pois não teve notícia de reclamações e soube da abertura ao público da loja.
Quanto à moradia de …, na qual ajudou a passar cabo pontualmente, asseverou, de forma indubitável e perentória, ter sido quem procedeu à instalação do ponto de luz e a tomada na parede exterior da sala. Também confirmou ter presenciado os ensaios finais de toda a instalação elétrica (inclusivamente da cozinha) com o engenheiro G… da ré, nenhum problema ou falha surgindo.
De forma espontânea, e qua tale verosímil, sublinhou o facto de nunca ter sido construída uma piscina na obra, a execução por si da instalação das tomadas da ilha da cozinha e da iluminação dos móveis da cozinha, pontos de luz com armaduras e luz fluorescente.
Também N…, eletricista, funcionário da autora desde 2006, teve intervenção direta na moradia do …, desde o início da obra até aos ensaios finais, feitos por si e pela testemunha anterior com o engenheiro da ré. Confirmou a execução prevista do projeto quanto a tubagem, tomadas, quadros, tratamento final, instalação elétrica completa, cabos tomadas, e telecomunicações. A testemunha confirmou igualmente o teste de todas as tomadas (inclusivamente as da ilha da cozinha, pois foi quem fez a sua instalação) antes do técnico da O… se deslocar a habitação, tudo funcionando então. Afirmou sem margem para hesitações que da arquiteta que acompanhava a obra nunca teve notícia de qualquer erro, falha ou insuficiência até ao momento em que a abandonaram.
Foi igualmente perentório ao negar que a obra tivesse ficado sem espelhos (confirmando as declarações do seu patrão quanto à colocação extra de espelhos simples).
A testemunha fundou o seu depoimento com um dado instrumental relevante, e que mereceu atenção do Tribunal quanto ao grau de execução dos trabalhos de instalação elétrica, ou seja, o facto de a dona de obra se ter mudado para a residência nos dias imediatamente subsequentes aos ensaios finais realizados.
Foi consentâneo o seu depoimento com o da testemunha no que concerne à não execução da referida piscina, e consequentemente da desnecessidade de colocação do referido ponto de luz, tendo confirmado a colocação de armaduras e pontos de luz nos topos dos armários da cozinha, com uma caixa para aplique, e luz fluorescente numa sanca na cozinha (valorando-se a certeza com que tais pormenores foram referidos, tal como a testemunha anterior).
Na linha do que vimos de expor, o depoimento de P…, mulher do sócio-gerente e empregada de escritório da sociedade autora, foi também linear descritivo no âmbito da sua direta razão de ciência: foi a testemunha quem emitiu as duas faturas em causa, tal emissão derivada de ordem do seu marido em função da conclusão dos trabalhos.
Afirmou que as mesmas foram emitidas, enviadas para a ré por correio, com vencimento a 60 dias, estão lançadas na contabilidade, nunca foram devolvidas, e nunca foram pagas, após tal prazo de vencimento, sendo as únicas faturas emitidas por conta da ré nessa situação. Nessa sequência a testemunha afiançou ter ligado várias vezes para os escritórios da ré (já após a data do vencimento das faturas), obtendo apenas repostas dilatórias quanto ao pagamento, mas nenhuma reclamação quanto à execução dos trabalhos. Quanto ao email de fls. 11, pese embora não o tenha recebido, desconhecendo-o, afirmou que possa ter sido lido pelo seu marido (das declarações deste último resultou ter tido conhecimento de tal email, optando por omitir uma resposta à ré pois, para além da obra ter sido realizada integralmente, já havia passado o prazo de pagamento da fatura relativa a tais serviços, sido interpelada para o pagamento, permanecendo a mesma inadimplente).
Alguma dúvida ou reserva restasse sobre o cumprimento das obrigações da autora restasse, as mesmas foram dissipadas pelo depoimento de K…, técnica comercial da ré, desde há 12 anos, fazendo o acompanhamento de obras e pós-vendas. Confirmou, desde logo, a existência de chamadas telefónicas por parte da testemunha P…, no período que sucedeu à emissão das faturas (contudo, sem razão de ciência quanto ao seu teor, uma vez que apenas reencaminhava as chamadas referentes a questões financeiras, donde não se pode deixar de inferir a veracidade do depoimento de P…, quanto às interpelações para pagamento aludidas).
K… não acompanhou diretamente qualquer das obras, não esteve presente, e apenas soube por mero ouvir dizer do decurso dos trabalhos. Em particular, quanto à moradia de …, nunca teve qualquer reunião com Q…, tendo sido um ex-colega a reencaminhar o email de fls. 11 para a autora.
Quanto à loja da D…, sendo esse cliente da sua carteira e incumbência de acompanhamento, apenas voltou a contactar com o dossier/processo em Outubro de 2015, pois até então esteve ausente por licença de maternidade, nada sabendo nada em concreto.
Quanto ao email de fls. 39, do qual se confessou autora, fazendo um “copy/paste” da pretensa reclamação recebida pelo cliente (D…) usou uma formulação bastante dúbia e hesitante: primeiro aventa que “quase que confirmava que tinha sido feito, era só preciso analisar” (discutindo-se o referido tubo de telecomunicações), para depois afirmar que tal tubo não tinha sido colocado pela autora, e, posteriormente que, a ser colocado, teria sido pela autora (tal dúvida ou hesitação levaram o Tribunal a sopesar como menor verosimilhança a versão trazidas aos autos pela testemunha).
Aliás, a própria formulação do email, seu elemento literal, pende mais no sentido de uma mera dúvida quanto a uma nova instalação, pois em rigor, a sua redação, e transcrevendo: “o cabo que lá foi deixado anteriormente para a I…”, acaba até por confirmar o depoimento de M… e declarações de H… quando à perfeita funcionalidade da obra para o operador I… que instalou a fibra, arrancando a abertura ao público de seguida.
Neste sentido, repare-se que a própria testemunha P… confirmou que a loja abriu antes de lá ter ido o E… fazer a instalação do referido tubo que, como vimos, resultou de uma opção do cliente pela mudança de operador e não de uma falta de execução de trabalhos por parte da autora.
Finalmente, o seu depoimento coincidiu com as suas declarações de parte da autora quanto aos contactos com H…, e a ausência de resposta (que, como foi explanado pela parte se devia à ausência de qualquer pagamento por conta das faturas vencidas).
Quanto à demais matéria dada como não provada, a mesma resultou da ausência ou insuficiência de prova nesse sentido, nomeadamente a pouca credibilidade que nos mereceram as declarações de parte da ré e da testemunha K… inquirida, pelas razões já expostas”.
Depois de ouvida toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e analisada a que se encontra junta aos autos, cumpre dizer que nenhuma razão assiste à recorrente.
Explicando:
O doc. n.º 1, de 12/11/2015, é cópia do email de fls. 11, referido na motivação acabada de transcrever e aí abundantemente analisado no confronto com a demais prova produzida, análise essa com a qual se concorda. Trata-se de um email enviado pela ré à autora, que não contém qualquer assinatura desta, como é óbvio, e foi por si impugnado (cfr. art.º 19.º da resposta).
O doc. n.º 3, junto a fls. 32, constitui cópia de um email enviado, em 1/10/2015, por uma tal Q… a G… e F…, pessoas que não são partes neste processo, nomeadamente autores, não se mostrando assinado pela autora. Este documento, apesar de não ter sido impugnado na audiência de discussão e julgamento, onde foi junto pela ré, não resultando da acta que tivesse sido dada essa oportunidade à autora, mostra-se impugnado antecipadamente, seja pelo teor do requerimento seja pelo da resposta.

Assim, para além de não se reportarem à matéria impugnada, aqui em discussão, jamais poderiam fazer qualquer espécie de prova.
Tais documentos, não se mostrando assinados e não contendo declarações desfavoráveis à autora/declarante, jamais poderiam ser atendidos como documentos particulares que são.
Com efeito, o art.º 373.º, n.º 1, do Código Civil, estatui que “os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar”.
Por sua vez, o art.º 374.º, n.º 1, do mesmo Código estabelece que “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (…)”.
E, de harmonia com o disposto no art.º 376.º do mesmo diploma:
1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (…).
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (…)”.
Pires de Lima e Antunes Varela escreveram:
“O n.º l deste artigo deve ser interpretado em harmonia com o disposto no n.º 2. Só as declarações contrárias aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas, e não as favoráveis…”[6].
Menezes Cordeiro ensina:
“O documento particular assinado, a sua letra e assinatura ou só a assinatura consideram-se verdadeiras (374.º/l), quando reconhecidas pela parte contra quem o documento é apresentado; quando não impugnadas por essa mesma parte; quando, sendo atribuídas à parte em causa, esta declare não saber se lhe pertencem; quando sejam legal ou judicialmente havidas como verdadeiras…O documento particular cuja autoria seja reconhecida e salvo a arguição e a prova da sua falsidade, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (376.º/l). Quanto aos factos contidos na declaração: consideram-se provados na medida em que se apresentem contrários aos interesses do declarante; a declaração é, contudo, indivisível, em termos aplicáveis à confissão (376.º/2)”[7].
Os aludidos documentos não contêm qualquer declaração desfavorável à autora, nem sequer se mostram por ela assinados.
Como tal, não têm qualquer força probatória.
Por outro lado, não vislumbramos razões para a matéria de facto poder ser alterada com base nas declarações de parte do legal representante da ré – F….
Embora as declarações de parte, à semelhança do depoimento de parte, visem obter a confissão, relativamente ao reconhecimento de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão, só podem valer como elemento probatório a apreciar livremente pelo tribunal (cfr. art.ºs 361.º do Código Civil e 466.º, n.º 3, do CPC), no confronto com a demais prova produzida.
As declarações prestadas por aquele representante não são desfavoráveis à sua representada. Muito menos consubstanciam qualquer confissão, nem como tal foi considerado em sede de audiência de discussão e julgamento, visto que nada foi reduzido a escrito em acta, como devia, caso tivesse havido confissão de alguma delas (cfr. art.º 463.º do CPC).
Por isso, as declarações de parte prestadas não podem impor, só por si, qualquer alteração da matéria de facto.
Tais declarações também não fazem qualquer prova, quanto aos factos que lhes são favoráveis, pela simples razão de que não podem valer como confissão e não foram confirmados por outra prova convincente para, na livre apreciação do tribunal, poderem basear uma convicção acerca da sua veracidade.
Note-se que as declarações de parte, previstas no art.º 466.º do CPC, tal como o depoimento de parte, estão inseridos no capítulo da prova por confissão, visando qualquer desses meios obter unicamente a confissão, como prevista no Código Civil[8].
É a confissão judicial provocada que as declarações e os depoimentos de parte visam obter, sendo aquela
obtida em juízo e consistindo no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (cfr. art.ºs 352.º e 356.º, n.º 2, ambos do Código Civil).
Importa, ainda, ter presente que, tal como adverte Lebre de Freitas, o depoimento de parte (e, dizemos nós, também as declarações de parte) “não constitui, no nosso direito, um testemunho da parte, livremente valorável em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente … mas um meio de provocar a confissão”[9] .
A confissão, como meio de prova e de prova plena contra o confitente, pressupõe o reconhecimento da verdade de factos contrários ao interesse desse confitente, não constituindo «prova a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária»[10].
Relativamente ao reconhecimento de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório a apreciar livremente pelo tribunal (art.ºs 361.º do Código Civil e 466.º, n.º 3, do CPC), no confronto com a demais prova produzida.
No caso, esta prova não permite dar como provada a matéria dada como não provada sob o n.º 17, nem dar como não provada a matéria dada como provada sob os n.ºs 6, 9 e 13.
Aliás, quanto à existência das facturas e falta do seu pagamento, ela ficou perfeitamente demonstrada em audiência de discussão e julgamento como consta proficientemente justificada na motivação acima transcrita e já haviam sido confessadas pela ré na oposição à injunção, como ali também consta.
Com efeito, a ré não impugnou a emissão das facturas nem o seu conteúdo, alegado no requerimento da injunção.
Não o tendo feito, consideram-se confessados os respectivos factos, nos termos do art.º 574.º, n.º 2, aplicável ex vi do art.º 549.º, n.º 1, ambos do CPC.
Nem se diga que tais factos apenas podem ser provados pela junção das respectivas facturas. Na verdade, em parte alguma se verifica a exigência da prova documental para a celebração do contrato ou contratos em causa. E, ainda que houvesse tal exigência, tornando-se necessária a junção da prova documental, bastaria ao juiz conceder prazo ao autor para a junção dos documentos exigidos, seguindo-se a audiência final, no caso de ser suscitada alguma questão em torno deles. Não sendo esse o caso, na falta de qualquer impugnação, restava-lhe dá-los como provados nos termos do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, como efectivamente deu. Isto quer quanto à celebração do contrato quer quanto aos juros moratórios peticionados, por força da confissão.
Trata-se, portanto, de prova, na medida em que os factos ficam provados em consequência do silêncio da ré quanto à sua existência, decorrente da falta de impugnação dos mesmos e da sua aceitação, na medida em que os pressupôs para fundar a oposição que deduziu, estribada exclusivamente na excepção do não cumprimento do contrato, a qual pressupõe a sua existência.
Este meio de prova permite a aquisição definitiva, para o processo, da factualidade alegada, constituindo uma presunção inilidível, já que a lei considera “admitidos por acordo os factos que não forem impugnados”.
A prova do contrato invocado ou o seu conteúdo não é feita, exclusivamente, por documento, razão por que não pode funcionar a exclusão prevista na 2.ª parte do n.º 2 do citado art.º 574.º.
Não sendo caso abrangido por qualquer excepção ali prevista, os factos alegados consideram-se “admitidos por acordo”, pelo que devem considerar-se confessados por força da 1.ª parte do mesmo preceito, como foram.
Da reapreciação efectuada por este Tribunal, procedendo a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da nossa própria convicção, considerada a prova em causa no seu conjunto, não há razões para nos afastarmos do entendimento tido na 1.ª instância, relativamente aos factos impugnados, pois que não se vislumbra qualquer desconformidade notória entre a dita prova e a respectiva decisão, em violação dos princípios que devem presidir à apreciação da prova, ou seja, critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas no seu meio social, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, já que tudo isto contribui, afinal, para a formação de raciocínios e juízos que conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão de cada facto.
Não têm a virtualidade de abalar aquela convicção os documentos indicados pela apelante, que nenhuma força probatória têm, como se disse, nem as declarações prestadas pelo seu representante legal.
Da análise crítica da prova indicada como fundamento da impugnação, bem como da restante prova, não pode ficar-se com a convicção indicada pela recorrente.
E é essa análise crítica e integrada dos depoimentos com os outros meios de prova que os juízes devem fazer, pois a sua actividade, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos, muito menos truncados e interessados, como é o caso das declarações de parte do representante da ré/recorrente.
A fundamentação da decisão de facto mostra-se criteriosa, exaustiva, muito bem fundamentada e tem pleno suporte na gravação da prova e nos demais elementos constantes dos autos, tendo sido feita uma correcta análise do seu valor probatório.
Por isso, não pode este Tribunal alterar os factos impugnados, pelo que se mantêm.
Improcedem, assim, ou são irrelevantes as respectivas conclusões.
2.2. Do direito invocado pela autora
É pacífico que estamos perante dois contratos de subempreitada celebrados entre a autora e a ré, os quais tiveram por objecto a execução de duas obras que esta se encontrava vinculada a realizar, mediante um preço.
É o que resulta dos factos provados e do disposto nos art.ºs 1207.º e 1213.º, ambos do Código Civil.
Assim foi entendido na sentença recorrida e com esse entendimento se conformaram as partes.
Ao contrato de subempreitada é aplicável o regime do contrato de empreitada, do qual aquele é dependente (cfr. art.º 1213.º do Código Civil), pelo que, também aqui, faremos referência a esse regime.
É sabido, e temos vindo a repeti-lo em vários acórdãos[11], que o contrato de empreitada é um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual[12].
Ao mesmo aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos art.ºs 1207.º a 1230.º do Código Civil e as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis[13].
Quanto àquele regime particular, importa notar o seguinte:
A obra deve ser executada pelo empreiteiro (ou subempreiteiro) em conformidade com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art.º 1208.º).
Ocorrendo defeitos, o dono da obra (ou empreiteiro, no caso de subempreitada) tem, em primeiro lugar, o direito de exigir a sua eliminação ou nova construção se não puderem ser suprimidos (art.º 1221.º, n.º 1).
Caso isto não se concretize, pode pedir a redução do preço ou a resolução do contrato (art.º 1222.º).
Complementarmente, se ainda houver prejuízos, tem o direito de ser indemnizado nos termos gerais (art.º 1223.º).
Está prevista também a impossibilidade de execução da obra, por causa não imputável a qualquer das partes (art.º 1227.º), bem como a desistência da empreitada por parte do dono da obra (art.º 1229.º).
Mas outras situações podem surgir e perturbar a vida do contrato, pelo que há necessidade de recorrer aos princípios gerais.
“Assim, se o devedor faltar culposamente ao cumprimento das obrigações, torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao outro contraente.
O direito de indemnização daqui resultante varia consoante haja mora ou incumprimento definitivo, figuras distintas não só na sua natureza como nos seus efeitos.
No caso de mora, que consiste numa dilação da prestação devida mas ainda possível, a obrigação do devedor traduz-se na reparação dos danos causados ao credor, resultantes da mora (art.º 804.º).
Por sua vez, o incumprimento implica, para o devedor, a responsabilidade pelos prejuízos causados pela inexecução; e faculta ao credor o direito de resolução (art.ºs 798.º e 801.º).
Nos casos em que se verifique um incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos por parte do empreiteiro (maxime, através de recusa), o dono da obra pode optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato, nos termos do citado artigo 1222.º, podendo ainda efectuar a reparação da obra pelos seus próprios meios ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos[14], de acordo com o princípio geral estabelecido no artigo 798.º do Código Civil”[15].
Dito isto, atenhamo-nos ao caso dos autos.
A ré/apelante foi demandada, enquanto empreiteira, pela subempreiteira com vista a obter o pagamento de parte do preço das obras subempreitadas, por esta executadas.
Um dos efeitos do aludido contrato é a obrigação de pagar o preço.
Este deve ser pago, na falta de cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra (art.º 1211.º, n.º 2, do Código Civil).
As obras foram executadas e entregues à ré/empreiteira, que as aceitou, sem qualquer reserva ou reclamação (cfr. factos provados sob os n.ºs 7 e 12).
Por isso, devia pagar o preço nos termos convencionados.
O pagamento não se mostra totalmente efectuado, sendo que a sua prova sempre devia ser feita pela ré, já que lhe compete o respectivo ónus por se tratar de um facto extintivo do direito invocado pela autora, constituindo uma excepção peremptória, a qual nem sequer foi alegada (cfr. art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil).
À autora apenas competia fazer a prova da celebração dos contratos e do respectivo preço, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, o que logrou fazer, como revelam os factos provados e confessou a própria ré no articulado que deduziu.
Por isso, muito se estranha que venha agora insurgir-se contra o preço aposto nas facturas referidas no requerimento de injunção (n.ºs .. e ..), pondo-as em causa e impugnando os factos dados como provados sob os n.ºs 6, 9 e 13.
Não tendo logrado obter a alteração desses factos, improcede a questão suscitada, quer no quer se refere ao preço dos trabalhos em dívida, quer quanto aos juros moratórios devidos, por se constituir em mora após o vencimento das facturas.
Improcede, por conseguinte, esta questão.
2.3. Da excepção de não cumprimento do contrato
A ré recusa-se pagar a importância reclamada, invocando, exclusivamente, em tempo oportuno, a excepção de não cumprimento, com fundamento na existência de defeitos da obra, não eliminados pela autora, ou não execução na totalidade dos trabalhos convencionados.
Contudo, dos factos provados, únicos que importa aqui considerar, não resulta que existam defeitos, nem que ficassem por executar alguns trabalhos.
Quanto à obra do …, ficou provado que, em Maio de 2015, os trabalhos ficaram concluídos e que a obra foi entregue à ré, que a “aceitou, não tendo apresentado à autora qualquer reclamação devido a deficiente execução ou utilização de materiais não apropriados ou desconformes com o contratado e constantes do repetivo projecto” (n.º 7 dos factos provados) e que “todos os equipamentos colocados ficaram prontos e a funcionar e os trabalhos concluídos de acordo com o projecto” (n.º 8 dos factos provados).
E relativamente à obra na loja “D…”, também ficou provado que “os trabalhos adjudicados ficaram concluídos, tendo a obra sido entregue pela autora à ré na data acordada com todos os equipamentos em funcionamento, após a realização dos ensaios, medições e vistorias necessários” (n.º 12 dos factos provados).
Esta factualidade nem sequer foi impugnada no recurso pela recorrente.
E a que impugnou, com aquela finalidade, - n.º 17 dos factos não provados - nem sequer logrou obter a sua alteração, porque não lhe assiste qualquer razão, como se deixou dito, e também porque conflituava com aqueloutra dada como provada e não impugnada.
A factualidade dada como provada nos n.ºs 14, 15 e 16 não justifica a recusa de pagamento do preço, não só porque não foi dada como provada qualquer inexecução ou execução imperfeita, mas também porque a interpelação feita no sentido de proceder à “instalação de um tubo para telecomunicações” não respeita à execução do contrato celebrado, referente à loja referida, ou, pelo menos, não está demonstrado que lhe diga respeito.
Como decorre do citado art.º 1208.º, são considerados defeitos da obra, os vícios que excluam ou reduzam o valor da obra, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, e as desconformidades com o que foi convencionado[16].
As deficiências podem ocorrer quer nos materiais utilizados pelo empreiteiro, quer nas operações de aplicação destes, seja pela incorrecção do método adoptado, seja pela deficiente execução[17].
Por sua vez, a excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) encontra-se prevista no art.º 428.º do Código Civil, cujo n.º 1 estabelece que, “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
Esta excepção tem sido qualificada uniformemente como excepção dilatória de direito material. É excepção de direito material, porque fundada em razões de direito substantivo; é dilatória, porque não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente.
Como escreveu Almeida e Costa, “analisa-se a «exceptio» na faculdade atribuída a qualquer das partes de um contrato bilateral, em que não haja prazos diferentes para a realização das prestações, de recusar a prestação a que se acha adstrita, enquanto a contraparte não efectuar o que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”[18].
Ou como refere José João Abrantes[19], “a excepção de contrato não cumprido tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor sem, por sua vez, cumprir a obrigação correspectiva a seu cargo ou sem, pelo menos, oferecer o cumprimento simultâneo”.
“É pois uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem alega”.
“O exercício da excepção não extingue o direito de crédito de que é titular o outro contraente. Apenas o neutraliza ou, melhor, apenas o paralisa temporariamente”.
“A excepção mostra-se assim como um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição”.
“Traduz-se esse direito em que o excipiens poderá legitimamente recusar a sua prestação, sem com isso incorrer em mora”.
Deste modo, o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento da prestação nem enjeita o dever de a cumprir, pretendendo, com a sua invocação, somente o efeito dilatório de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito. Neste caso, a recusa do cumprimento é lícita, o que impede a aplicação do regime da mora (art.º 804.º e seguintes) e, naturalmente, o do incumprimento definitivo (art.º 808.º), mesmo que tenha havido interpelação da outra parte. Se as duas obrigações forem puras, a excepção de não cumprimento é, assim, sempre invocável, nem sequer podendo ser afastada mediante a prestação de garantias (art.º 428.º, n.º 2).
O mesmo regime se aplica aos casos em que houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, podendo recorrer à excepção de não cumprimento o contraente que estiver obrigado a cumprir em segundo lugar. Assim, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes, desde que o seja pelo contraente cuja prestação deva ser feita depois da do outro contraente, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro[20].
Esclarecendo melhor, continuando a transcrever o nosso citado acórdão de 17/6/2014:
“Tendo havido, porém, estipulação de prazos certos diferentes para o cumprimento das prestações, um dos contraentes obriga-se a cumprir em primeiro lugar, o que implica uma renúncia da sua parte à excepção de não cumprimento do contrato e a consequente constituição em mora pelo decurso do prazo [artigo 805.º, n.º 2, alínea a)].
Apesar da redacção do artigo 428.º, n.º 1, naturalmente que nesta hipótese o contraente que esteja obrigado a cumprir em segundo lugar continua a poder usar da excepção de não cumprimento, não entrando em mora se não realizar a sua prestação enquanto a contraprestação não for realizada.
A limitação constante da parte inicial do artigo 428.º, n.º 1, aplica-se, por isso, apenas ao contraente que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, continuando a ser admissível para o outro o recurso à excepção de não cumprimento”[21].
Neste mesmo sentido, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela que, “mesmo estando o cumprimento das obrigações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá ser sempre invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro”[22].
Nuno Manuel Pinto Oliveira defende também que o art.º 428.º “deverá aplicar-se por interpretação declarativa aos casos em que as duas prestações devam ser realizadas em simultâneo e deverá aplicar-se por interpretação extensiva aos casos em que o contraente que quer invocar a excepção é aquele que está obrigado a cumprir em segundo lugar”[23].
Esta excepção também se aplica às situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual, assumindo-se, então, como exceptio non rite adimpleti contractus[24], podendo, consequentemente, o contraente recusar a prestação enquanto a outra não for completada ou rectificada. “Neste caso, estamos perante uma verdadeira excepção em sentido técnico, correspondendo a um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição – a prestação devida não é negada em termos definitivos, ficando, apenas, suspensa, no que diverge da resolução por incumprimento”[25].
Nestes casos, como alerta Almeida Costa, há que ter presente o princípio da boa fé no cumprimento dos contratos, consagrado no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil e a possibilidade do recurso ao abuso do direito, nos termos do artigo 334.º, donde “resulta a exigência de uma apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se insignificante, bem como se impõe a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção”[26].
Assim, são pressupostos do exercício da aludida excepção: a existência de um contrato bilateral; o não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação ou o seu cumprimento defeituoso; e não contrariedade à boa-fé[27].
Para além disso, o excipiens tem não só de denunciar os defeitos ou o inexacto cumprimento, como ainda exigir a eliminação dos defeitos denunciados ou o integral cumprimento, ou então a substituição da prestação, a realização de nova prestação, a redução do preço ou o pagamento de uma indemnização pelos chamados danos circa rem[28].
E, como decorre do que já se deixou dito, para que a excepção possa operar, terá que haver proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção, o que é exigido pelos ditames da boa fé (art.º 762.º, n.º 2, do Código Civil), que postula, nos contratos bilaterais, o respeito pela ideia da preservação do equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas; esse equilíbrio de prestações é inerente ao sinalagma de tal modo que, se não se puder estabelecer esse nexo de correspectividade, é inoperante a invocação da excepção[29]. Como bem sublinha José João Abrantes[30], o devedor, em regra, apenas poderá recusar a sua prestação na parte proporcional ao incumprimento do outro contraente. Daí que, existindo uma prestação incompleta do empreiteiro, o dono da obra só pode recusar a parte do preço correspondente à parte da obra não executada[31].
Não há dúvidas de que a empreitada é um contrato sinalagmático, porquanto dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes: a obrigação de realizar uma obra pelo empreiteiro tem, como contrapartida, a obrigação de pagar o preço, sendo esta, de resto, a obrigação principal que recai sobre o dono da obra. Embora de natureza e prazos diferentes, as prestações de cada uma das partes estão ligadas pelo nexo sinalagmático próprio dos contratos bilaterais.
A excepção de não cumprimento, que se justifica por razões de boa fé, de moralidade, de equidade e de justiça comutativa, sanciona a unidade das obrigações que para cada uma das partes derivam do contrato, evitando que uma delas tire vantagens sem suportar os encargos correlativos.
Porém, como também já se referiu, para o seu exercício, é condição indispensável que o credor tenha denunciado os defeitos e exigido a sua reparação.
Mostra-se ainda necessário que a parte do pagamento, cujo pagamento foi recusado, seja proporcional à desvalorização da obra provocada pela existência da desconformidade. A determinação dessa proporcionalidade deve ter como critério de referência aquele que foi indicado para apurar o valor de redução do preço da obra, por defeitos não supridos”[32].
O mesmo regime é aplicável ao contrato de subempreitada, como se disse, com as devidas adaptações no que respeita aos sujeitos das obrigações.
No caso dos autos, não faz sentido a invocação da excepção do não cumprimento do contrato.
Com efeito, relativamente à factura n.º FA 2015/.., no montante de 4.598,73€, referente ao auto de medição n.º 4, datada de 1/6/2015, a ré emitiu esse mesmo auto e aceitou a obra sem qualquer reserva, aprovando os trabalhos nele indicados (cfr. factos provados sob os n.ºs 6 a 8). E quanto à factura n.º FA 2015/.., no valor de 4.313,24€, emitida em 9/7/2015, também aprovou todos os trabalhos executados, aceitando-os sem reserva (cfr. factos provados sob os n.ºs 11 a 13).
Além de terem sido aceites, a ré não provou, como lhe competia, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, que os defeitos que posteriormente detectou e que mandou reparar fossem imputáveis à autora (cfr. factos não provados sob os n.ºs 17, 18 e 19).
Por isso, não pode valer-se, agora, da mencionada excepção dilatória de direito material para evitar o pagamento das facturas relativas a trabalhos constantes dos correspondentes autos de medição e que aceitou.
Aliás, segundo se depreende das alegações e das conclusões, a excepção do não cumprimento pressupunha a alteração da matéria de facto.
Não tendo logrado alcançar esse desiderato, é manifesto que também não podia proceder tal excepção.
Improcedem, assim, ou são irrelevantes as restantes conclusões da apelação.

O recurso tem, pois, que improceder, com a consequente manutenção da sentença, tal como foi proferida, a qual não merece censura alguma.
Sumariando:
1. A reapreciação da prova pela Relação tem a mesma amplitude dos poderes da 1.ª instância e visa garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, sendo de manter sempre que se mostre apreciada em conformidade com os princípios e as regras do direito probatório.
2. Os documentos particulares não assinados e sem declarações contrárias aos interesses dos declarantes não têm qualquer força probatória.
3. As declarações de parte que não sejam desfavoráveis não fazem prova da sua veracidade, desacompanhadas de outros elementos probatórios para poderem ser apreciadas segundo a livre convicção do tribunal.
4. A excepção dilatória de direito material do não cumprimento prevista no art.º 428.º, n.º 1, do Código Civil pode ter lugar em situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual.
5. Porém, num contrato de subempreitada, compete ao empreiteiro a prova da existência dos defeitos e da sua imputação ao subempreiteiro.
III. Decisão
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
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Custas pela apelante.
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Porto, 27 de Setembro de 2017
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
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[1] No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, págs. 221 e 222.
[2] In Código de Processo Civil anotado, vol. IV, pág. 570.
[3] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348 e Ac. da RC de 3/10/2000, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 27.
[4] [1] O D.L. n.º 290-D/99, de 2 de Agosto (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 09-04) que regula a validade, eficácia e valor probatório dos documentos electrónicos e da assinatura digital, estabelece que se entende por documento electrónico, o documento elaborado mediante processamento electrónico de dados – ut. art. 2° , al. a) do citado diploma.
Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 3.° do mesmo diploma, o valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada e com os requisitos previstos no mesmo é apreciado nos termos gerais de direito.
Neste âmbito, importa ainda considerar o art.º 4.º do diploma citado, nos termos do qual: «As cópias de documentos electrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil, se forem observados os requisitos aí previstos».
[5] [2] De referir que em relação à matéria em causa, admitida por acordo, logo incontrovertida, porque tacitamente confessa, não se aplicam as restantes exceções do n.º 2 do artigo 574.º: “(…) salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito (…)”
[6] In “Código Civil Anotado”, vol. I, 3.ª ed., pág. 330.
[7] In “Tratado de Direito Civil Português”, vol. I, Tomo IV, págs. 496 e 497.
[8] Neste sentido, a Professora Isabel Alexandre, num artigo sobre “A fase da instrução e os novos meios de prova no Código de Processo Civil de 2013”, publicado na Revista do Ministério Público 134 (Abril - Junho 2013 págs. 9-42), esclarecendo que “A prestação de informação ou esclarecimento sobre facto que interesse à decisão de causa não deve … ser qualificada como meio de prova diversa dos previstos no Código Civil, mas como um meio de obtenção de um meio de prova já previsto no ordenamento (a confissão)” - cfr. pág. 35.
[9] In Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 2.ª ed., pág. 497.
[10] Cfr. José Alberto dos Reis, in Código Processo Civil, Anotado, Vol. IV, pág. 70.
[11] Designadamente o de 17/6/2014, proferido no processo n.º 473/11.6TBLSD.P1, disponível em www.dgsi.pt, que aqui seguiremos de perto, transcrevendo alguns excertos, no que relevar para a economia deste recurso, bem como o de 10 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 131275/14.0YIPRT.P1, onde se seguiu o mesmo método, por uma questão de coerência e de economia e, ainda, o de 8/3/2016, proferido no processo n.º 77752/14.0YIPRT.P1.
[12] Cfr. Pedro Martinez, Contrato de Empreitada, 1994, págs. 66 e 67.
[13] Cfr. Pedro Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, 1994, pág. 302.
[14] Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 2.ª edição, página 146, e acórdão desta Relação de 27/11/2012, proferido no processo n.º 1394/08.5TBVCD.P2, em que o aqui relator e o 1.º adjunto intervieram como adjuntos.
[15] Nosso citado acórdão de 17/6/2014.
[16] João Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 2.ª edição, página, 64.
[17] Cura Mariano, ob. cit., pág. 66 e acórdão desta Relação e Secção de 22/2/2011, proferido no processo n.º 1549/07.0TBMTS.P1, em que o aqui relator e o 1.º adjunto intervieram como adjuntos.
[18] Direito das Obrigações, 5.ª edição, página 290.
[19] A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Conceito e Fundamento, páginas 127 e seguintes.
[20] Acórdão do STJ de 8/4/2003, processo n.º 02A4061, em www.dgsi,pt.
[21] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, página 263.
[22] Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, página 405.
[23] Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, páginas 790 e 791.
[24] Vide Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, página 440.
[25] Acórdão da RL de 5/6/2008, processo n.º 2248/2008-2, em www.dgsi.pt.
[26] Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 290/291 e RLJ, ano 119, 1986/1987, página 144 e acórdão do STJ de 22/1/2013, processo n.º 4871/07.1TBBRG.G1.S1, em www.dgsi.pt., donde foram extraídas as citações acabadas de fazer.
[27] José João Abrantes, “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, edição de 1986, págs. 39 e segs.
[28] Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada”, pág. 328; Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2004, pág. 126 e acórdãos desta Relação e Secção de 29/6/2010, processo n.º 612/05.6TBAMT.P122, disponível em www.dgsi.pt, e de 22 de Maio de 2012, no processo n.º 2534/09.2TBVNG.P1, em que o aqui relator e 1.º adjunto intervieram como adjuntos; e da RC de 26/6/2012, processo n.º 1193/09.7TBCBR.C1, e de 29/1/2013, processo n.º 17498/11.4YIPRT.C1, ambos disponíveis no mesmo sítio.
[29] Ac. STJ de 19.06.2007, processo n.º 07A1651, em www.dgsi.pt.
[30] Ob. cit. págs. 110/111 e 118.
[31] Cfr. Acórdãos do STJ de 28.04.2009, processo n.º 09B0212, em www.dgsi.pt, e de 03.10.2002, CJ –STJ-, Ano X, Tomo III, pág. 83.
[32] Cura Mariano, ob. cit., pág. 168.