Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
933/12.1TTBCL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: TAXA DE ÁLCOOL NO SANGUE
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ALCOOLÍMETRO
Nº do Documento: RP20140630933/12.1TTBCL.P1
Data do Acordão: 06/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Os alcoolímetros usados pelas empresas de construção para verificar se os seus trabalhadores estão a trabalhar sob efeito de álcool não precisam de se encontrar calibrados e certificados apenas pelo Instituto Português da Qualidade.
II – Para determinar em concreto a justa causa do despedimento o que releva é se, em consequência da conduta do autor, fica definitivamente prejudicada a relação de confiança essencial à manutenção da relação de trabalho.
III – Constitui justa causa de despedimento o trabalhador de uma empresa de construção civil apresentar por duas vezes valores de álcool no sangue superiores a 0,5 g/l, quando já antes tinham ocorrido situações similares e o trabalhador fora advertido de que aquele comportamento não era aceite pela entidade empregadora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 933/12.1TTBCL.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B…, residente no …, …, Barcelos, patrocinado pelo Ministério Público, veio intentar contra C…, SA, com sede na Rua …, .., …, Barcelos, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
Foi designada e realizada a audiência de partes, não se tendo logrado obter acordo destas.
A ré apresentou articulado motivador, nos termos previstos no artigo 98º-J, do CPT, pedindo que se declare o despedimento do autor regular e lícito, ou, se assim se não entender, ser excluída a reintegração do trabalhador.
Alega, em síntese:
1. O Autor aceitou expressamente a decisão.
2. No dia 3 de Agosto de 2011, o aqui Autor declarou, para além do mais, fazer cessar o contrato de trabalho celebrado com a aqui contestante, em virtude do despedimento por justa causa/facto imputável ao trabalhador.
3. Nessa mesma data acordou o Autor com a aqui contestante o acerto final de contas decorrente da celebração do contrato de trabalho.
4. Do mesmo modo que declarou receber – como efetivamente recebeu – o cheque com o valor correspondente aos direitos que lhe cabiam.
5. Nos termos constantes do acordo, a quantia recebida pelo Autor inclui todas as remunerações em dívida e de que ele pudesse ser credor por força da relação laboral existente entre ambas as partes, “designadamente quanto a retribuições, salários, férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, proporcionais de subsídio de férias e de Natal, indemnizações, compensações, trabalho suplementar e horas extraordinárias”.
6. A Ré é uma empresa que se dedica, com fins lucrativos e caráter de regularidade, à atividade de construção civil e obras públicas.
7. No âmbito e exercício da sua atividade, em 01.08.2005, a Ré contratou o Autor para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria Pedreiro de 2ª.
8. No dia 22.06.2012, a aqui contestante verificou que o Autor tinha comportamentos inadequados para a função que exercia e que impossibilitavam a manutenção da relação laboral, vindo a culminar no despedimento do Autor com justa causa, por facto a ele imputável.
9. A Ré é uma empresa certificada, no âmbito da qualidade, estando, por isso, obrigada ao cumprimento das normas e procedimentos aplicáveis a essa certificação.
10. O Autor revelou propensão para o consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
11. O que, por diversas vezes, o impediu de prestar os serviços para os quais foi contratado com zelo, dedicação e principalmente com a segurança necessária para o desempenho da atividade a que estava adstrito.
12. Desde a data da sua admissão, o Autor foi sorteado aleatoriamente para ser submetido a quatro testes de alcoolemia, sendo certo que em todas as vezes acusou uma taxa de álcool no sangue superior ao limite mínimo imposto por lei.
13. Por esses factos foi-lhe instaurado processo disciplinar tendo sido decidido aplicar ao trabalhador a sanção disciplinar de “Suspensão do Trabalho por Três dias com Perda de Retribuição”.
14. No dia 23 de Setembro de 2011, pelas 14:30 horas, foi o trabalhador submetido a um teste de alcoolemia tendo, novamente, acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,62 g/l.
15. Razão pela qual foi o Autor impedido de continuar a trabalhar nesse mesmo dia e foi-lhe instaurado novo processo disciplinar.
16. No dia 22 de Junho de 2012, pelas 13:57 horas, o Autor foi, uma vez mais, submetido a um teste de alcoolemia tendo, novamente, acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,97g/l.
17. Mais uma vez foi o trabalhador impedido de trabalhar nesse dia e foi advertido de que se encontrava em situação de total incumprimento e numa situação passível de motivar o despedimento por justa causa.
18. No dia 28 de Junho de 2012, pelas 13.58 horas, foi o Autor submetido a outro teste de alcoolemia, efetuado pelo Técnico de Higiene e de Segurança da Ré, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,71 g/l.
19. Razão pela qual foi o Autor impedido de continuar a trabalhar nesse mesmo dia.
20. Este tipo de comportamento põem em causa a segurança não só do trabalhador, mas dos seus colegas, e, bem assim, a produtividade da empresa.
21. Pelos motivos supra expostos, impunha-se a imediata instauração do competente processo disciplinar ao trabalhador em questão.
22. O termo de abertura do processo foi lavrado em 05 de Julho de 2012, pela instrutora nomeada para o efeito, foram inquiridas as testemunhas que presenciaram os factos, e, posteriormente, elaborada e enviada ao trabalhador a competente nota de culpa.
23. O trabalhador não apresentou qualquer defesa.
24. Pelo que à Entidade Patronal não restou senão decidir pela aplicação da sanção proposta de despedimento.
25. Caso não se entenda pela legalidade do despedimento, sempre se deve decidir pela não reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho, pelas graves consequências que tal reintegração pode vir a trazer para a Entidade Patronal.
O autor veio contestar e reconvir, pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento, condenando-se a entidade empregadora a pagar ao trabalhador:
a) €4.160,00 de indemnização por despedimento ilícito, sem prejuízo do montante que resultar à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida;
b) €1.698,66 de remunerações intercalares vencidas, a que acrescem as que se vencerem até ao trânsito em julgado daquela decisão judicial;
c) Juros de mora desde a data da citação vincendos até integral pagamento.
Alega, em síntese:
1.O trabalhador não celebrou com a entidade empregadora qualquer acordo para a cessação do contrato de trabalho, tanto mais que a ré já o tinha despedido, invocando justa causa, por decisão proferida em 31.7.12.
2.Não obstante ter assinado o documento junto pela entidade empregadora, intitulado acerto de contas por cessação do contrato de trabalho, e cujo teor se impugna, só o fez porque a ré lhe comunicou que só lhe pagava os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, no montante de €1.503,59, se assinasse tal documento.
3.Por que necessitava de dinheiro, o trabalhador assinou tal documento, que foi elaborado e redigido pela ré, sem o ler.
4.Fê-lo por ter acreditado na ré e que o mesmo apenas se reportava ao pagamento dos referidos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, sendo totalmente alheio o seu teor.
5.Acresce ainda que o trabalhador não acordaram em qualquer compensação pecuniária global, nem o trabalhador renunciou a quaisquer créditos, nomeadamente a indemnizações.
6.É, por isso, nula a referida declaração.
7.A ré nunca deu a conhecer ao trabalhador, nomeadamente por escrito, o seu regulamento interno.
8.Apesar de o trabalhador ter efectuado os referidos testes, a verdade é que a ré nunca lhe deu conhecimento que podia requerer contraprova.
9.Desconhece que tipo de aparelho foi utilizado e se o mesmo estava aferido e certificado, impugna-se as alegadas taxas de alcoolemia.
10.O trabalhador nunca pôs em causa a sua segurança no trabalho, nem a dos seus colegas, nem prejudicou a realização do trabalho.
11.Inexiste, assim, justa causa para o despedimento do autor.
12.O autor foi admitido pela ré em 1 de Agosto de 2005 para exercer as funções de pedreiro de segunda sob as suas ordens, direcção e fiscalização.
13.Funções que exerceu ininterruptamente até ao dia 3 de Agosto de 2012.
14.No ano de 2012, a ré pagou ao autor a remuneração mensal ilíquida de €520,00.
A ré respondeu, impugnando a matéria do pedido reconvencional, reafirmando a existência de fundamento para o despedimento e a sua consequente licitude.
Foi admitida a reconvenção.
Foi proferido despacho saneador e dispensada a elaboração de despacho contendo a matéria de facto assente e base instrutória.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.
Foi proferida sentença, com o seguinte teor: 1. Declaro lícito o despedimento de B… levado acabo pela entidade empregadora “C…, S.A.”. 2. Julgo o pedido reconvencional totalmente improcedente por não provado e, consequentemente, absolvo “C…, S.A.” dos pedidos contra si deduzidos por B….
Inconformado interpôs o autor o presente recurso de apelação, concluindo:
1.a prova da instauração de processo disciplinar é feita através de documento;
2.por isso, deverá ser eliminado da factualidade provada o facto descrito no seu ponto 52º;
3.da prova documental junta aos autos pela ré resulta que os alcoolímetros por ela utilizados nos testes que realizou ao recorrente só foram certificados pelo Instituto Português da Qualidade em 26 de Setembro de 2012, ou seja, em data posterior à da realização dos testes;
4.por isso, deverão ser dados como não provados os factos dados como provados sob os pontos 57º e 67º;
5.de acordo com o regulamento interno da recorrida, os testes de controlo de alcoolemia deverá ser efectuado com aparelho devidamente aferido e certificado pelas entidades competentes;
6.de acordo com o previsto no Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro, controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição compete ao Instituto Português da Qualidade proceder ao controlo metrológico e à aprovação dos modelos e instrumentos de medição, nos quais se inclui os alcoolímetros;
7.no caso, os instrumentos usados pela recorrida, não se encontram aferidos nem certificados, à data da realização dos testes, por aquele instituto;
8.pelo que não podem valer como meio de prova;
9.por isso, deverá ser alterada a factualidade dada como provada sob os pontos 13º, 14º, 15º, 16º, 19º, 22º, da factualidade assente, eliminando-se a referência à taxa de álcool ainda indicada, eliminado o facto provado sob o ponto 25º;
10.a nota de culpa delimita os contornos da decisão disciplinar do empregador (princípio da vinculação temática), pois não poderão aí ser invocados factos não constantes da nota de culpa (nem referidos na defesa do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a sua responsabilidade);
11.também o tribunal se encontra restringido à factualidade descrita na nota de culpa;
12.no caso em apreço, o tribunal ultrapassou esse limite, conhecendo factos não descritos na nota de culpa;
13.A justa causa de despedimento pressupõe a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador, a título de culpa, violadora de deveres contratuais, legais ou decorrentes de conceitos indeterminados, como a boa fé, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo;
14.no caso em apreço, a dar-se como provada a factualidade descrita na nota de culpa, atento o regulamento interno da recorrida, não se verifica a impossibilidade de manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador;
15.pelo que inexiste justa causa para o despedimento do autor;
16.ao decidir como decidiu, o tribunal violou o disposto nos arts. 329º do CT, 3º do Reg. Interno da recorrida, cla. 78ª, nº 1 do CCT celebrado pela Aecops, arts. 8º do D.L. nº 291/90, de 20.9, 357º, no 4, 387º, nº 3 e 353º, nº 1 do CT.
A ré alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, não tendo emitido parecer, por o autor ser patrocinado pelo Ministério Público.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº. 1, do CPC, por remissão do art. 87o, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões colocadas pelo recorrente:
I. Erro na apreciação da matéria de facto;
II. Consequente ilicitude do despedimento.

II. Factos provados:
1.Consta do documento junto a fls. 50/51, datado de 03.08.2011 e denominado “Acerto de contas por cessação de contrato de trabalho”, que o autor declarou, para além do mais, fazer cessar o contrato de trabalho celebrado com a ré, em virtude do despedimento por justa causa/facto imputável ao trabalhador, dando aqui por reproduzido, o seu teor.
2.No mesmo documento consta que declarou o Autor acordar, com a ré, o acerto final de contas decorrente da cessação do contrato de trabalho.
3.Do mesmo modo que consta que declarou receber – como efetivamente recebeu – o cheque no montante de € 1.503,59, correspondente à “compensação pecuniária de natureza global pela cessação do seu contrato de trabalho”.
4.Nos termos constantes de tal “Acerto de contas por cessação de contrato de trabalho”, as partes declararam que a quantia recebida pelo Autor inclui todas as remunerações em dívida e de que ele pudesse ser credor por força da relação laboral existente entre ambas as partes, “designadamente quanto a retribuições, salários, férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, proporcionais de subsídio de férias e de Natal, indemnizações, compensações, trabalho suplementar e horas extraordinárias”.
5.Consta ainda desse documento que o Autor declarou, “expressamente, e de livre vontade, nada mais ter a receber da Primeira (ré) para além do montante global referido na cláusula segunda supra, encontrando-se totalmente saldadas as contas entre si, não havendo responsabilidade por créditos e/ou dívidas e, na eventualidade de existirem, aqui renuncia, expressamente, a exercer tal direito, sob pena de abuso de direito”.
6.A Ré é uma empresa que se dedica, com fins lucrativos e caráter de regularidade, à atividade de construção civil e obras públicas.
7.No âmbito e exercício da sua atividade, em 01.08.2005, a Ré contratou o Autor para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria de Pedreiro de 2ª.
8.Passando o Autor, a partir dessa data, a exercer essas funções para a Ré.
9.O Autor, ao serviço da ré, consumiu, pelo menos, em 4 datas distintas, bebidas alcoólicas.
10.O que o impediu de continuar a prestar os serviços para os quais foi contratado, nesses dias.
11.Nos termos do Regulamento Interno da empresa sobre o consumo de bebidas alcoólicas, nomeadamente a alínea b) do artigo 6°, prevê-se que, por iniciativa da entidade patronal podem ser efetuados testes de alcoolemia a qualquer trabalhador, aleatoriamente, mediante sorteio realizado pelo Departamento de Recursos Humanos ou pelo Gabinete de Prevenção e Segurança.
12.Assim, é corrente, os técnicos de higiene e segurança que prestam serviços para a Ré sortearem obras e selecionarem aleatoriamente trabalhadores para efeitos de controle de taxas de alcoolemia.
13.Desde a data da sua admissão, o Autor foi sorteado aleatoriamente para ser submetido a quatro testes de alcoolemia, e nessas quatro ocasiões, acusou uma taxa de álcool no sangue superior a 0,5g/l.
14.Pelo menos, em quatro ocasiões em que o Técnico de Higiene e de Segurança da empresa, Eng. F…, por sorteio, efetuou o sobredito teste de alcoolemia a trabalhadores afetos à obra em que se encontrava o Autor, o Autor acusou taxas de álcool no sangue superiores a 0,5 g/l.
15.No dia 12 de Julho de 2011, pelas 13.35 horas, foi o Autor submetido a um teste de alcoolemia, efetuado pelo Técnico de Higiene e de Segurança da Ré.
16.Tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 1,50 g/l.
17.Razão pela qual foi o Autor impedido de continuar a trabalhar nesse mesmo dia.
18.Por esses factos foi-lhe instaurado processo disciplinar, tendo-lhe sido aplicada sanção disciplinar, não apurada.
19.No dia 23 de Setembro de 2011, pelas 14:30 horas, foi o trabalhador submetido a um teste de alcoolemia tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,62 g/l.
20.Razão pela qual foi o Autor impedido de continuar a trabalhar nesse mesmo dia.
21.Por esses factos foi-lhe instaurado novo processo disciplinar.
22.No dia 22 de Junho de 2012, pelas 13:57 horas, o Autor foi submetido a um teste de alcoolemia tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,97g/l.
23.O trabalhador foi impedido de trabalhar nesse dia.
24. No dia 28 de Junho de 2012, pelas 13.58 horas, foi o Autor submetido a outro teste de alcoolemia, efetuado pelo Técnico de Higiene e de Segurança da Ré.
25.Tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,71 g/l.
26.Razão pela qual foi o Autor impedido de continuar a trabalhar nesse mesmo dia.
27.Este tipo de comportamentos põem em causa a segurança do trabalhador, dos seus colegas, e a produtividade da empresa.
28.Nas situações referidas 15), 16), 19), 22), 24) e 25), o trabalhador foi advertido de que aquele comportamento não era aceite pela entidade empregadora.
29.E que estas situações não se podiam verificar.
30.O estado de embriaguez do trabalhador potencia situações de risco para si, para os colegas e para a própria obra.
31.Tendo sido transmitido ao trabalhador que deveria ter atenção e cumprir as prescrições no âmbito da segurança e saúde no trabalho, e que já tinha no seu registo individual diversos processos disciplinares.
32.De acordo com o art. 11º do Regulamento Interno da ré, "será considerado reincidente o trabalhador que tenha, pelo menos, dois testes positivos no período de dois anos, contados da data do 1º teste positivo”.
33.De acordo com o art. 10º, nº 3 do dito Regulamento, “no caso do trabalhador submetido ao teste de álcool, registar pela terceira vez valor superior a 0,5 g/l num período de um ano, é instaurado um processo disciplinar com consequência de despedimento com justa causa”.
34.As questões de segurança estão sempre presentes nos Planos de Segurança de cada obra a realizar.
35.A Ré ordenou que se instaurasse processo disciplinar ao autor.
36.O termo de abertura do processo foi lavrado em 05 de Julho de 2012, pela instrutora nomeada para o efeito, Dra. D….
37.Foram inquiridas testemunhas.
38.E, posteriormente, elaborada e enviada ao trabalhador a nota de culpa.
39.O trabalhador não apresentou qualquer defesa.
40.O trabalhador agiu sempre de forma livre e consciente, tendo consciência dos seus actos.
41.A ré despediu o autor, invocando justa causa, por decisão proferida em 31.07.2012.
42.O documento de fls. 50/51, intitulado “acerto de contas por cessação do contrato de trabalho” foi elaborado e redigido pela ré.
43.Das cláusulas de tal acordo não consta que o trabalhador renunciou a quaisquer créditos, nomeadamente a indemnização por antiguidade.
44.Os factos nº 15), 16) e 19) não constam da nota de culpa.
45.A ré deu a conhecer ao trabalhador, o seu regulamento interno.
46.O autor exerceu funções, pelo menos, até ao dia 31 de Julho de 2012.
47.Dia em que foi despedido pela ré, alegando justa causa.
48.No ano de 2012, a ré pagou ao autor a remuneração mensal ilíquida de €520,00.
49.A Ré explicou ao autor o teor do documento denominado “acerto de contas por cessação de contrato de trabalho”.
50.Documento que, por lhe ter sido facultado, o Autor leu e assinou.
51.Os testes de alcoolemia datados de 12 de Julho de 2011 e 23 de Setembro de 2011 não constam da nota de culpa.
52.Os quais resultaram em processos disciplinares anteriores movidos contra o trabalhador e que nunca foram por ele impugnados.
53.O Regulamento Interno da empresa encontra-se afixado nos locais onde decorrem as obras da empresa.
54.Foi o próprio Autor que declarou aquando da realização do teste que não pretendia submeter-se à contraprova do teste de alcoolemia.
55.O que fez, em todos os testes realizados.
56.Relativamente ao aparelho utilizado para medição do teor alcoólico, consta do artigo 3º do Regulamento da empresa que os testes são realizados por “aparelho devidamente homologado e calibrado pelas entidades competentes, escolhido entre os disponíveis no mercado.”
57.Todas as taxas resultantes dos testes de alcoolemia efectuados ao autor foram obtidas através de aparelhos certificados.
58.Teve o trabalhador de ser dispensado do trabalho, devido ao seu estado.
59.A Ré colocou à disposição do autor os montantes mencionados no “acerto de contas”.
60.Dado o ramo de atividade que exerce, a Ré tem ao seu serviço mais de 10 trabalhadores.
61.O Autor não ocupava funções de administração ou direção na empresa.
62.Qualquer erro no exercício de funções por parte de qualquer trabalhador da Ré – especialmente os que trabalham em obra – pode ser gerador de defeitos e consequente responsabilidade por parte da Ré em relação aos seus clientes.
63.O autor foi algumas vezes alertado para alterar os seus comportamentos.
64.Não obstante todos os avisos proferidos, o autor não alterou esse comportamento.
65 Com o comportamento do autor, há o risco de se apresentarem obras com defeitos.
66 O autor sabe que os seus comportamentos não podem ser tolerados pela ré.
67 Nos testes de alcoolemia foram utilizados aparelhos de medição do nível de alcoolemia certificados pelo Instituto Português da Qualidade.
68.No caso dos testes realizados ao Autor, foram utilizados os aparelhos da marca Envitec, modelos A100544 e A100545.

III. O Direito
1. Impugnação da matéria de facto
1.1. Admissibilidade do recurso para reapreciação da matéria de facto
O recorrente veio impugnar a decisão de facto alegando: o tribunal não podia dar como provado tal facto [foram instaurados processos disciplinares contra o trabalhador e que nunca foram por ele impugnados] com base na prova testemunhal, uma vez que a sua prova depende de documento (processo disciplinar e consequente decisão disciplinar).
Mais acrescenta: tal factualidade [as taxas de alcoolemia apresentadas pelo autor] deveria ser dado como não provada, uma vez que os aparelhos utilizados nos testes de alcoolemia realizados ao autor só foram certificados pelo Instituto Português da Qualidade em 26 de Setembro de 2012, ou seja, em data posterior à da realização dos testes.
A recorrida vem alegar: sob pena de rejeição de recurso, devia o Recorrente especificar: Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; Os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada; e Indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda. Todavia, o Recorrente não cumpriu tais ónus na alegação que ofereceu no recurso de apelação, pelo que deve este ser rejeitado ou, pelo menos, não pode a Relação conhecer da pretendida alteração da matéria de facto, por violação.
Nos termos do art. 640º, nº 1, do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Impõe-se aqui um ónus rigoroso ao recorrente, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso.(1)
A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com o ónus específico de alegação do recorrente no que concerne à delimitação do objecto do recurso e à respectiva motivação, pelo que não pode ser recebido o recurso sobre a decisão da matéria de facto se o recorrente não indicar os segmentos por ele considerados afectados de erro de julgamento e os motivos da sua discordância por via da concretização dos meios de prova produzidos susceptíveis de implicar decisão diversa da impugnada.(2)
Segundo Lopes do Rego, “A expressão ‘ponto da matéria de facto’ procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 640º: na verdade, o alegado ‘erro de julgamento’ normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo ‘facto’, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente”.(3)
Certo é, porém, que basta uma referência que possibilite identificar os factos impugnados e os fundamentos da impugnação para se poder considerar cumprido tal formalismo.(4)
Ora, o recorrente indica especificamente os pontos da matéria dada como provada, factos 52, por um lado, 57 e 67, bem como 13 a 16, 19, 22 e 25, por outro.
Relativamente ao entendimento da decisão a proferir ela é clara, dar como não provada tal matéria, e quanto aos meios de prova o recorrente alega que o processo disciplinar anterior apenas poderia ser provado documentalmente e, no seu entender, não se de que os aparelhos para medição dos níveis de alcoolemia se encontravam devidamente calibrados.
Assim se conclui que a recorrente cumpriu minimamente o ónus constante do artigo 640º, nº 1, do CPC, pelo que é admissível o recurso nesta parte.(5)

1.2. Reapreciação da matéria de facto
1.2.1. Alega o recorrente: O tribunal deu como provado que em consequência dos testes de alcoolemia datados de 12 de Julho de 2011 e 23 de Setembro de 2011 foram instaurados processos disciplinares contra o trabalhador e que nunca foram por ele impugnados – v. factos 51 e 52. O tribunal fundamentou a resposta positiva a tal facto com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pela ré. Salvo o devido respeito, entendemos que o tribunal não podia dar como provado tal facto com base na prova testemunhal, uma vez que a sua prova depende de documento (processo disciplinar e consequente decisão disciplinar). Pois, o princípio da processualidade do exercício do poder disciplinar laboral previsto no art. 329º, nº 2 do CT determina que a aplicação de qualquer sanção disciplinar seja necessariamente precedida de um processo, com vista a apurar a gravidade da infração e o grau da culpa do trabalhador e a determinar a sanção disciplinar adequada. Ora, a ré não juntou aos autos qualquer prova documental donde resultasse a instauração de processo disciplinar e a aplicação das respetivas sanções disciplinares contra o aqui trabalhador pelos factos que tiveram lugar nos dias 12 de Julho de 2011 e 23 de Setembro de 2011.
A recorrida entende ser de manter a decisão, alegando: foi diversas vezes afirmado pela Ré/Recorrida nos presentes autos que esses mesmos testes de alcoolemia apenas foram referidos no sentido de enquadrar a situação de reincidência do Autor/Recorrente, Bem como para enquadrar o facto de a Recorrida não poder tolerar mais o comportamento do Recorrente, tendo que lhe aplicar a pena mais gravosa.
Os factos em questão são os seguintes: Os testes de alcoolemia datados de 12 de Julho de 2011 e 23 de Setembro de 2011 não constam da nota de culpa (51). Os quais resultaram em processos disciplinares anteriores movidos contra o trabalhador e que nunca foram por ele impugnados (52).
É evidente que o processo disciplinar terá que revestir a forma escrita, uma vez que o processo se inicia com a comunicação por escrito da nota de culpa (art. 353º, nº 1, do Código do Trabalho), sendo escrita a resposta do trabalhador (art. 355º, nº 1, do Código do Trabalho), a obrigação de apresentação de cópia do processo disciplinar à comissão de trabalhadores (art. 356º, nº 5, do Código do Trabalho), sendo a decisão igualmente escrita (arts. 357º, nº 5, e 382º, nº 2, do Código do Trabalho).(6)
Trata-se portanto de formalidade ad substantiam (arts. 382º, nº 2, do Código do Trabalho, e 364º, nº 1, do Código Civil), pelo que a sua prova só pode ser efectuada mediante documento, conforme salienta o recorrente.
Resta a repreensão do recorrente que já se encontra provado no facto 28, que não foi questionado.
Assim, procede nesta parte a apelação considerando-se como não provada a matéria do facto 52.
1.2.2. Mais sustenta o recorrente: O tribunal deu também como provado que: -“Todas as taxas resultantes dos testes de alcoolemia efetuados ao autor foram obtidas através de aparelhos certificados – facto 57; - nos testes de alcoolemia foram utilizados aparelhos de medição do nível de alcoolemia certificados pelo Instituto Português da Qualidade” – facto 67. Porém, tal factualidade deveria ser dado como não provada, uma vez que os aparelhos utilizados nos testes de alcoolemia realizados ao autor só foram certificados pelo Instituto Português da Qualidade em 26 de Setembro de 2012, ou seja, em data posterior à da realização dos testes, conforme se verifica pelos documentos juntos a fls. 131 a 134 dos autos. Por isso, tais fatos deverão ser eliminados da factualidade provada.
A recorrida apenas alegou ser de indeferir a pretensão do recorrente.
Trata-se dos seguintes factos: Todas as taxas resultantes dos testes de alcoolemia efectuados ao autor foram obtidas através de aparelhos certificados [57]. Nos testes de alcoolemia foram utilizados aparelhos de medição do nível de alcoolemia certificados pelo Instituto Português da Qualidade [67].
A fundamentação da decisão relativamente a estes factos assentou no depoimento testemunhal e nos documentos de fls. 131/134, denominados “certificado de calibração” e de fls. 152/154 denominados “relatório de calibração” valem pelo teor da análise e das conclusões que encerram, relativamente aos aparelhos utilizados pela ré na elaboração dos testes de alcoolemia, ré, que, não deixa de atender à prossecução da regularidade das condições de utilização e de credibilização de tais aparelhos, ao providenciar por tais certificados e relatórios, não tendo sido produzida qualquer prova que os infirme.
Analisando os documentos em causa:
Documento de fls. 131 a 134 – Certificação pelo Instituto Português de Qualidade, a requerimento de C…, SA, de alcoolímetros (dois) Envitec, Alcoquant 6020, A100544 e A100545, datados de 26-9-2012;
Documento de fls. 131 a 134 – Certificação pela E…, Lda., a requerimento de C…, SA, de alcoolímetros (dois) Envitec, Alcoquant 6020, A100544, datado de 2.2.2012, e A100545, datado de 5-7-2011.
Os aparelhos Envitec, Alcoquant 6020 encontram-se aprovadoc pela ANSR - Autoridade Nacional Segurança Rodoviária, pelo Despacho nº 249/2009, publicado no DR II Série, de 6 de Janeiro de 2009.
As medições em questão foram efectuadas em 12 de Julho de 2011 (facto 15), 23 de Setembro de 2011 (facto 19) e 22 de Junho de 2012 (facto 22).
Como se verifica, tais medições foram efectuadas antes da certificação feita pelo Instituto Português de Qualidade, conforme alega o recorrente, mas posteriormente à certificação dos mesmos instrumentos efectuada por E…, Lda.
Assim, assiste razão ao recorrente no que respeita à matéria do ponto 67 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redacção: Nos testes de alcoolemia foram utilizados aparelhos de medição do nível de alcoolemia certificados por E…, Lda.
Relativamente a saber se era obrigatória a certificação pelo Instituto Português de Qualidade (ponto 57 da matéria de facto provada) é questão que se analisará conjuntamente com a restante matéria impugnada.
1.2.3. Efectivamente, vem o recorrente alegar: resulta do art. 3º do Regulamento Interno da ré sobre o consumo de bebidas alcoólicas, junto a fls. 55 a 60 dos autos, que os testes “são realizados por aparelho homologado e calibrado pelas entidades competentes”.
Por outro lado, de harmonia com a clª 78ª, nº 5 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a AECOPS — Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços e outras e o SETACCOP — Sindicato da Construção, Obras Públicas e Serviços Afins e outros (Revisão global), publicado no BTE no 12, de 29.3.2010, rectificado com republicação integral pelo CCT publicado no BTE no 17, de 8.5.2010, e cuja regulamentação foi estendida pela Portaria 495/2010, de 13 de Julho, o controlo de alcoolemia deverá ser efectuado “(...) com material apropriado, devidamente aferido e certificado”.
Ora, o Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro, regulamentado pela Portaria nº 962/90, de 9 de Outubro, estabeleceu o regime jurídico do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição.
De harmonia com o seu art. 8º compete ao Instituto Português da Qualidade proceder ao controlo metrológico e à aprovação dos modelos e instrumentos de medição, nos quais se inclui os alcoolímetros.
Por seu turno, atento o disposto no art. 1º da Portaria nº 1556/2007, apenas os alcoolímetros quantitativos estão sujeitos a controlo metrológico obrigatório.
Porém, no que toca aos alcoolímetros qualitativos, como é o caso dos usados pela recorrida, apesar de não se obrigatório o seu controlo metrológico, podem também ser certificados e calibrados pelo Instituto Português da Qualidade a requerimento da parte interessada – certificação facultativa – cfr. art. 10º do citado decreto-lei.
Como já vimos, os alcoolímetros qualitativos utilizados pela recorrida (Envitec, modelos A100544 e A100545) não se encontravam calibrados nem certificados pelo Instituto Português da Qualidade à data em que foram realizados os testes a que sujeitou o aqui recorrente.
Ora, não obedecendo os alcoolímetros utilizados pela recorrida às regras constantes do seu próprio regulamento nem ao disposto no aludido CCT, o tribunal não poderia dar como provados, como deu, as taxas de alcoolemia.
Por isso, deverão ser eliminadas as taxas de alcoolemia constantes da aludida factualidade.
Alega a recorrida: se o Recorrente queria colocar a idoneidade/veracidade dos testes em causa, bem como a fiabilidade dos instrumentos metrológicos utilizados, deveria ter sido solicitada contraprova, ou impugnado o valor dos mesmos. Mas não foi isso que aconteceu, na verdade, o Recorrente sempre assumiu o resultado dos exames!
É a seguinte a matéria de facto: Desde a data da sua admissão, o Autor foi sorteado aleatoriamente para ser submetido a quatro testes de alcoolemia, e nessas quatro ocasiões, acusou uma taxa de álcool no sangue superior a 0,5g/l [13]. Pelo menos, em quatro ocasiões em que o Técnico de Higiene e de Segurança da empresa, Eng. F…, por sorteio, efetuou o sobredito teste de alcoolemia a trabalhadores afetos à obra em que se encontrava o Autor, o Autor acusou taxas de álcool no sangue superiores a 0,5 g/l [14]. No dia 12 de Julho de 2011, pelas 13.35 horas, foi o Autor submetido a um teste de alcoolemia, efetuado pelo Técnico de Higiene e de Segurança da Ré [15]. Tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 1,50 g/l [16]. No dia 23 de Setembro de 2011, pelas 14:30 horas, foi o trabalhador submetido a um teste de alcoolemia tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,62 g/l [19]. No dia 22 de Junho de 2012, pelas 13:57 horas, o Autor foi submetido a um teste de alcoolemia tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,97g/l [22]. Tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,71 g/l [25].
O que está em causa é apenas determinar se o recorrente apresentava a taxa de alcoolemia referida nos aludidos pontos da matéria de facto provada.
Como já se referiu, os instrumentos em causa encontravam-se calibrados e certificados, sendo apenas de aferir se a calibragem e certificação tinha que ser efectuada pelo Instituto Português da Qualidade, como pretende a recorrente, ou se podia ser realizada pela entidade privada que os certificou a 5-7-2011 e 22-2-2012.
Nos termos da cláusula 80ª, nº 1, do CTT entre a AECOPS — Assoc. de Empresas de Construção e Obras Públicas e outras e a Feder. Portuguesa dos Sind. da Construção, Cerâmica e Vidro e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego nº 13, de 8 de Abril de 2005, não é permitida a realização de qualquer trabalho sob o efeito do álcool, nomeadamente a condução de máquinas, trabalhos em altura e trabalhos em valas. Considera-se estar sob o efeito do álcool o trabalhador que, submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, apresente uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,5 g/l (nº 2 da mesma cláusula).
Estabelece o nº 5 da aludido cláusula 80ª que o controlo de alcoolemia será efectuado com carácter aleatório entre os trabalhadores que prestem serviço na empresa, bem como àqueles que indiciem estado de embriaguês, devendo para o efeito utilizar-se material apropriado, devidamente aferido e certificado.
Mais se acrescenta que as partes outorgantes constituirão uma comissão de acompanhamento permanente para fiscalizar a aplicabilidade das matérias que integram a presente cláusula, constituída por oito membros, designados pelos representantes que integram a comissão paritária, quatro em representação de cada uma das partes (nº 12 ainda da cláusula 80ª).
Como se pode verificar, nenhuma exigência consta da cláusula que a certificação tenha que ser efectuada pelo Instituto Português da Qualidade.
Nos termos do art. 1º, nº 1, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro, o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como da quantidade dos produtos pré-embalados e, ainda, dos bancos de ensaio e demais meios de medição abrangidos pelo artigo 6.º é exercido nos termos do presente diploma e dos respectivos diplomas regulamentares.
Estabelece o art. 8º, nº 1, do mesmo diploma que compete ao Instituto Português da Qualidade: a) Superintender em todas as actividades que se destinem a assegurar o controlo metrológico estabelecido no presente diploma e seus regulamentos; b) Proceder à aprovação de modelos de instrumentos de medição a que se refere o artigo 2.º e à aprovação e verificação dos meios de medição a que se referem os artigos 6.º e 7.º; c) Reconhecer a qualificação de entidades para: i) A realização dos ensaios necessários à aprovação de modelos e à verificação de instrumentos de medição; ii) O exercício da actividade de reparação e ou instalação de instrumentos de medição; iii) A realização de operações de primeira verificação ou verificação periódica.
Daqui resulta que o controlo não tem necessariamente que ser efectuado pelo Instituto Português da Qualidade, excepto nos casos previstos na lei, como acontece com o controlo dos alcoolímetros usados pela entidades fiscalizadores do trânsito automóvel, podendo ser efectuados por outras entidades, públicas ou privadas, reconhecidas pelo Instituto Português da Qualidade.
É certo que o contrário parece resultar da Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro (art. 5º). Porém, a Portaria só se aplica a alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos (art. 1º).
Ora, os alcoolímetros usados na actividade privada visam o mero despiste das situações de consumo excessivo de álcool, pelo que integram a categoria de alcoolímetros qualitativos e não quantitativos.(7)
Os alcoolímetros aqui em causa são meramente qualitativos, pelo que não é obrigatória a sua certificação periódica pelo Instituto Português da Qualidade, podendo ser a mesma realizada por entidades privadas devidamente credenciadas para o efeito, como aconteceu no caso dos autos.(8)
Aliás, conforme salienta a recorrida, o próprio recorrente vem alegar que, no que toca aos alcoolímetros qualitativos, como é o caso dos usados pela recorrida, apesar de não se obrigatório o seu controlo metrológico, podem também ser certificados e calibrados pelo Instituto Português da Qualidade a requerimento da parte interessada – certificação facultativa. O que significa que o próprio recorrente reconhece e aceita a certificação por entidades privadas.
Assim, improcede a apelação neste ponto.

2. (I)licitude do despedimento
Alega o recorrente: na nota de culpa, junta a fls. 67 a 71, apenas são imputados ao recorrente dois controlos positivos de alcoolemia: um no dia 22 de Junho de 2012, em que acusou uma TAS de 0,97 g/l; e outro no dia 28 de Junho de 2012, em que acusou uma TAS de 0,71 g/l. Tudo o demais nela alegado é de conteúdo genérico, vago e conclusivo. É a este factualismo que o tribunal, a ter como provado, está vinculado independentemente da demais factualidade assente e é apenas sobre ele que deverá ponderar a verificação dos requisitos da justa causa. Porém, no caso, como se verifica pela douta sentença, o tribunal ponderou outros factos para além dos constantes da nota de culpa.
Acrescentando: um dos requisitos da justa causa de despedimento é a verificação da impossibilidade de manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador. No caso em apreço, tal requisito não se verifica. Na verdade, e sem querer discutir da legalidade do regime de sanções previsto no arto11o do Regulamento Interno da recorrida, concluiu-se que os comportamentos que o autor teve nos referidos dias não justificam, perante tal regulamento, ou seja, perante a ré, o despedimento do autor. Pois, de acordo com tal regulamento, a sanção disciplinar aplicável seria a da suspensão da prestação de trabalho por um período de 3 dias. Ou seja, se para ré o comportamento do trabalhador não compromete de forma irremediável e imediata o vínculo laboral, o tribunal terá que concluir que pela inexistência de justa causa.
Respondeu a recorrida: o Autor é reincidente neste tipo de condutas, preenchendo o conceito a que se refere o artigo 11º do Regulamento Interno da Recorrida. Nos termos desse regulamento, conhecido pelos colaboradores da Recorrida, “será considerado reincidente o trabalhador que tenha, pelo menos, dois testes positivos no período de dois anos, contados da data do 1º teste positivo”. Sendo que, nos termos do disposto no artigo 10º, nº 3 do dito Regulamento, “no caso do trabalhador submetido ao teste de álcool, registar pela terceira pela terceira vez valor superior a 0,5 g/l num período de um ano, é instaurado um processo disciplinar com consequência de despedimento com justa causa”. Desta forma, o Recorrente, com os seus comportamentos, não só violou o artigo 11º nº 3 do Regulamento Interno da empresa sobre o consumo de bebidas alcoólicas, assim como violou os deveres laborais a que se encontrava adstrito enquanto trabalhador, designadamente o previsto na alínea c), d), h) e i) do nº 1 do art. 128º do Código do Trabalho. E ainda o disposto na Cláusula 80ª (Prevenção e controlo de alcoolemia) do Contrato Coletivo de Trabalho para a Indústria da Construção Civil e obras públicas, que dispõe, a este respeito que: “Não é permitida a realização de qualquer trabalho sob o efeito do álcool, nomeadamente a condução de máquinas, trabalhos em altura e trabalhos em valas. Considera-se estar sob o efeito do álcool, o trabalhador que, submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, apresente uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,5 g//l.” E por fim, mas não menos importante, não esqueçamos que, o Recorrente em momento algum colocou em causa o resultado dos testes de alcoolemia, pelo contrário, sempre aceitou o seu resultado, abandonando o local de trabalho. Ora, toda essa factualidade está dada como provada e, não foi requerida a sua alteração, pelo que mesmo que fosse procedente a tese do Recorrente, a verdade é que a decisão sempre seria mantida.
Nos termos do art. 338º do Código do Trabalho, é proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
O art. 351º do mesmo Código define justa causa de despedimento como o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, especificando no seu nº 2, al. a), que constitui, nomeadamente, justa causa de despedimento a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores.
Finalmente esclarece o nº 3 do mesmo preceito que na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Por seu lado, estatui o art. 330º do Código do trabalho que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.
Podemos, pois concluir que a noção legal de justa causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral. Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um bónus pater familias, de um empregador razoável, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto.(9)
A impossibilidade prática da subsistência da relação juslaboral é um conceito normativo-objectivo,(10) numa perspectiva de inexigibilidade da sua manutenção, que resulta de um comportamento que afecta, de modo irreparável, a relação de confiança, o dever de lealdade, na sua faceta subjectiva, criando, irreversivelmente, a dúvida, no espírito do empregador, sobre a idoneidade da conduta futura do trabalhador.
Conforme salienta Monteiro Fernandes, não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo. Assim, a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória.(11)
A determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes (intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, carácter das relações entre as partes), se conclua pela premência da desvinculação.(12)
O que releva é se, em consequência da conduta do autor, fica definitivamente prejudicada a relação de confiança e lealdade essenciais à manutenção da relação de trabalho.
Analisando em concreto, ponderou-se na sentença sob recurso:
A justa causa invocada tem de ser apreciada em concreto, isto é, o comportamento do trabalhador tem de ser analisado integrado dentro da organização produtiva que é a empresa da entidade empregadora e face aos interesses desta, na medida em que trabalhador é um elemento da empresa, integrado na respectiva organização dinâmica, pelo que o seu comportamento também tem de ser visto em acção, para se poder aferir da sua gravidade e consequências dentro e para a empresa.
Para isso, interessa, além do mais, indagar das relações entre o trabalhador e os seus colegas de trabalho, da relação entre o trabalhador e a empresa, saber da prática disciplinar da empresa em relação ao trabalhador em causa e todas as outras circunstâncias concretas do caso.
É fazendo o cotejo crítico de todos estes elementos e circunstâncias que, caso a caso, se há-de concluir pela existência ou não de justa causa, face ao grau de gravidade da conduta, em si mesma e nas suas consequências, que determine a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral.
Isto porque, se atendermos ao princípio da proporcionalidade e fazendo apelo a juízos de equidade, for possível a conservação do contrato pela aplicação de sanção mais leve, é isso o que deve ser feito, dado constituir o despedimento a sanção mais grave, e à qual apenas se deve recorrer quando outra sanção não possa eficazmente ser aplicada.
Claro está que, no caso em apreço, o comportamento imputado ao autor, como integrador de justa causa para o seu despedimento, se prende com o apuramento, por mais que uma vez, de álcool detectado no ar expirado em decorrência dos testes a que foi submetido por um técnico de higiene e segurança da empresa, na obra onde eles se encontravam a trabalhar, in casu, por F….
A ré, no seguimento da política que desenvolve em matéria de segurança e saúde no trabalho, elaborou e divulgou, comprovadamente, pelos seus trabalhadores, a existência de um Regulamento interno sobre o consumo de bebidas alcoólicas, com isso visando, obviamente, evitar colocar em risco, tanto os próprios trabalhadores, como colegas de trabalho e terceiros. Na verdade e, com isso temos de concordar, reduzindo, a ingestão de álcool, a capacidade física e intelectual do trabalhador, o seu consumo em determinadas quantidades, (aqui, idêntico ao mínimo legal para efeitos criminais - 0,5 g/l ou superior), pode colocar em perigo a segurança - individual ou colectiva - no trabalho, nomeadamente em actividades consideradas de maior risco, como os trabalhos em altura, condução de viaturas ou manejo de máquinas, por exemplo.
No entanto e, também por com isso concordarmos, os testes de alcoolemia, podendo brigar com a reserva da intimidade da vida privada do trabalhador, devem ser efectuados com a devida cautela, tanto na realização, em si mesma considerada, como no tratamento dos resultados. Portanto, devem ser realizados apenas por ordem do empregador, ou por médico, enfermeiro ou técnico especializado (como no presente caso), por ordem do primeiro, em local separado, na presença de um representante dos trabalhadores ou de um colega, se este o desejar, e devem ser precedidos de consentimento informado. Pois, embora se defenda que o trabalhador não pode recusar a realização do exame, sob pena de inversão do ónus da prova, atento o disposto no art. 344º, nº 2 do Cód. Civil e incorrer em procedimento disciplinar, que pode terminar pela verificação de justa causa de despedimento, certo é que deve ser esclarecido no acto, em concreto, que pode exigir contraprova.
No caso que apreciamos, alcançamos convicção que, a generalidade dos procedimentos a que acima nos reportamos foram observados, chamando à colação os depoimentos das quatro testemunhas inquiridas e, sobretudo, F…, que se pronunciou sobre o carácter aleatório da selecção dos trabalhadores para efeitos de submissão ao teste, excepção feita – e que não nos repugna – sempre que um dado trabalhador vem sendo conotado com consumos excessivos decorrentes da mera observação, quando ostensiva, ou de anteriores resultados positivos em testes levados a efeito, tal como nos deu conta da informação que presta ao trabalhador, desde o tipo de teste que realiza, ao carácter sigiloso do mesmo e, por essa razão, a possibilidade de, querendo, poder ser o mesmo realizado na presença de terceira pessoa, como sucedeu no caso do autor que se submeteu a testes na presença do encarregado geral de obras e do encarregado G….
A testemunha deu-nos ainda conta da informação veiculada sobre a possibilidade de contraprova, sendo que, sobre esta matéria, não tendo o autor optado por essa faculdade, apesar de se ter apurado que reagia aos resultados obtidos nos testes, é forçoso concluir que se conformou com esses mesmos resultados.
Por essa mesma razão - reagia mas por aí se quedava – também nada somos a concluir sobre a certificação de calibração dos aparelhos utilizados, ao que parece, levada a efeito há alguns anos, pela empresa, por considerarmos que, ao não pôr em causa a sua fiabilidade, no momento de cada teste (a par de não ter desejado efectuar contraprova) teremos de considerar como assentes os diversos resultados obtidos; e, por outro lado, nada resultando da prova produzida que coloque em questão a fiabilidade e calibração dos aparelhos utilizados por F…, documentada nos autos, pelo facto do autor nada ter demonstrado, a esse respeito, que refute quer a qualidade e alcance dos aparelhos, quer os resultados apresentados, em relação aos quais se mostram relatórios de controle periódicos, salvo melhor opinião, temos de com eles nos conformar.
Mais se apurou que, invocando a ré a violação de várias normas, desta feita, presentes no Regulamento Interno que possui sobre esta matéria há vários anos, normas essas que se mostram vertidas nos factos provados nos 1 a 5 e que a empresa fez constar da nota de culpa vertida no processo disciplinar e disso deu conhecimento ao trabalhador, se pode concluir pela sustentabilidade da sua acusação disciplinar e decisão que se lhe seguiu, assente que está a demonstração dessa violação, tanto mais que se provou que o autor tinha conhecimento da existência desse Regulamento, não só pela sua afixação mas, sobretudo, pela sua divulgação no âmbito da formação obrigatória em que participou.
Acresce, mostrarem-se os seus comportamentos contrários ao disposto na Cláusula 78a do CCT para a Indústria da Construção Civil e Obras Públicas, que prevê o seguinte:
“1 – Não é permitida a realização de qualquer trabalho sob o efeito do álcool, nomeadamente a condução de máquinas, trabalhos em altura e trabalhos em valas.
2 – Considera-se estar sob o efeito do álcool, o trabalhador que, submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, apresente uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,5 g//l.
3 – Aos trabalhadores abrangidos pelo Código da Estrada é aplicável a taxa de alcoolemia prevista naquele Código.
4 – O estabelecimento de medidas de controlo de alcoolemia, deverá ser precedido de acções de informação e sensibilização organizadas conjuntamente com os representantes dos trabalhadores eleitos nos termos definidos na lei nos domínios da segurança e saúde no trabalho.
5 – O controlo de alcoolemia será efectuado com carácter aleatório entre os trabalhadores que prestem serviço na empresa, bem como àqueles que indiciem estado de embriaguez, devendo para o efeito utilizar-se material apropriado, devidamente aferido e certificado.
6 – O exame de pesquisa de álcool no ar expirado será efectuado pelo empregador ou por trabalhador com competência delegada para o efeito, ambos com formação adequada, sendo sempre possível ao trabalhador requerer a assistência de uma testemunha, dispondo de quinze minutos para o efeito, não podendo, contudo, deixar de se efectuar o teste caso não seja viável a apresentação da testemunha.
7 – Assiste sempre ao trabalhador submetido ao teste, o direito à contraprova, realizando-se, neste caso, um segundo exame nos dez minutos imediatamente subsequentes ao primeiro.
8 – A realização do teste de alcoolemia é obrigatória para todos os trabalhadores, presumindo-se, em caso de recusa, que o trabalhador apresenta uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,5 g/l.
9 – O trabalhador que apresente taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,5 g/l, ficará sujeito ao poder disciplinar da empresa, sendo a sanção a aplicar graduada de acordo com a perigosidade e a reincidência do acto.
10 – Sem prejuízo do disposto no número anterior e como medida cautelar, caso seja apurada ou presumida taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,5 g/l, o trabalhador será imediatamente impedido, pelo seu superior hierárquico, de prestar serviço durante o restante período de trabalho diário, com a consequente perda da remuneração referente a tal período.
11 – Em caso de teste positivo, será elaborada uma comunicação escrita, sendo entregue cópia ao trabalhador.
12 – As partes outorgantes constituirão uma comissão de acompanhamento permanente para fiscalizar a aplicabilidade das matérias que integram a presente cláusula, constituída por oito membros, designados pelos representantes que integram a comissão paritária, quatro em representação de cada uma das partes.
13 – Sempre que as empresas desenvolvam acções de prevenção e controlo de alcoolemia de acordo com as disposições previstas na presente cláusula, não se torna necessária a elaboração de Regulamento interno para o efeito.”
Analisando a semelhança do seu teor, não é difícil perceber que se trata da fonte na qual o Regulamento Interno da ré, foi beber a sua inspiração para os comandos normativos que encerra.
O trabalhador/autor é pedreiro de 2ª e presta serviço nas várias obras adjudicadas à ré, pelo que, ao exercer as suas funções utilizando diversos tipos de máquinas, certamente, durante alguns dias, em altura (na medida em que a ré se dedica à construção indiferenciada de obras), integrado em equipa, sendo portador de taxa de alcoolemia nos termos e nos dias em que as mesmas lhe foram detectadas, tal configura, a nosso ver, comportamento temerário, já que somos levados a acreditar que põe em causa a sua integridade física bem como a dos demais trabalhadores que ali desempenham funções.
Somos, igualmente, sensíveis à alegação da ré, na parte referente não tanto à sua imagem mas, sobretudo, à possibilidade de entregar obras com eventuais defeitos atenta a diminuição das faculdades cognitivas que tal consumo, pelo autor, encerra, em termos de finalização e brio nas suas tarefas, para além dos nefastos riscos a que pode estar sujeita no caso de fiscalização, caso venha a ser detectado que permite a prestação de trabalho por indivíduo que se mostra alcoolizado, claro está, para efeitos de apreciação da sua postura no cumprimento de regras de segurança no trabalho.
A acrescer, em desfavor do autor, há ainda a considerar que já tinha outros controlos positivos e, por essa razão, tinha sido avisado por outros funcionários da ré, os dois encarregados e por F…, de que teria de evitar tais comportamentos, pelas más consequências que do mesmo poderiam resultar, para além da proibição vertida em Estatuto e, não obstante, o autor não arrepiou caminho.
O autor alega que, em relação aos demais controlos positivos, apenas os efectuados no ano de 2012, se mostram contemplados na nota de culpa e na decisão, na medida em que, os realizados no decurso do ano de 2011, embora não mencionados na nota de culpa, foram incluídos e valorados na decisão, o que constitui nulidade.
Analisado o procedimento disciplinar, concluímos que assim seja.
A nota de culpa é a peça fundamental do procedimento disciplinar, na medida que é através dela que se dá conhecer ao trabalhador o conteúdo da acusação que impende sobre ele. É a nota de culpa que delimita os contornos da decisão disciplinar do empregador, pois não poderão aí ser invocados factos não constantes da nota de culpa (nem referidos na defesa do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a sua responsabilidade), bem como a matéria que o tribunal poderá conhecer na acção, decorrendo daí a exigência da descrição circunstanciada dos factos.
É facto que, se entre a nota de culpa e a decisão final, o empregador vem a dar como provados, nesta última, factos que não constavam da primeira, e que neste sentido são factos novos para o procedimento disciplinar e sobre os quais não foi respeitado o direito de contraditório ou de defesa, tais factos, se agravarem a culpa do trabalhador, não podem ser considerados – neste sentido, vd. Ac. da RP no âmbito do Proc. Nº 422/12.4TTVNG.P1, de 17/06/2013.
Mas também se pode ler no mesmo aresto, em posição que sufragamos, que “Se porém, apenas alguns dos factos não constarem da nota de culpa, esses factos não podem ser invocados como fundamento do despedimento, não podem ser ponderados. Mas não se vê razão para que invalidem totalmente o procedimento, se outros, constantes da nota de culpa, subsistirem, e se neles se poder ainda fundar o juízo sobre a justa causa. Trata-se, digamos, dum princípio de economia ou aproveitamento procedimental (...) Temos pois para nós que a violação do artigo 357º nº 4 do CT no que toca à invocação, na decisão de despedimento, de factos (não atenuantes da sua responsabilidade) não constantes da nota de culpa e sobre os quais ao trabalhador não foi dada possibilidade de se defender gera a invalidades desses factos enquanto fundamento de despedimento, mas não a invalidade do procedimento disciplinar”.
Em conformidade com a orientação que acabamos de expor, temos que, para efeitos de apreciação da validade/legalidade do procedimento disciplinar, há que atender aos dois controlos efectuados em 2012, desatendendo-se, para efeitos da decisão aí proferida, aos dois controlos de 2011.
Vale isto por dizer que, em relação aos dois resultados positivos obtidos em 2011 (factos provados nos 15, 16 e 19), apurados a partir da prova testemunhal, dos documentos de fls. 61 e 62 e da Ficha Individual junta aos autos, a sua valoração não pode deixar de ser efectuada em termos de apreciação global dos comportamentos do autor, enquanto ao serviço da ré e, no que à questão dos consumos de álcool diz respeito, aos seus comportamentos anteriores e posteriores a tais controlos, aqui se salientando, mais uma vez, as advertências que desde o início foi recebendo sobre esta matéria, e que não logrou observar.
Outra apreciação se pode, nesta sede, fazer e que se prende com a apreciação da globalidade dos factos elencados nos autos, que incluem os que constam do processo disciplinar, nota de culpa e decisão, e todos os demais vertidos nos articulados, mormente, no que foi apresentado pela ré, na medida em que, ao poder, o autor, tomar posição sobre os mesmos, designadamente, na contestação apresentada, não consideramos que estejam postas em causa as suas garantias de defesa.
Isto posto, dir-se-á que o comportamento culposo e grave do trabalhador apenas constituirá justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade da subsistência da relação laboral, o que sucederá sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de ser aplicada, perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador.
Face a esta factualidade, não temos quaisquer dúvidas de que o comportamento do Trabalhador é grave e culposo, não se concebendo, olhando ao contexto envolvente e demais factos provados, qualquer situação que justifique ou permita o seu comportamento.
Actuando assim o Trabalhador violou, grosso modo, o dever de zelo e diligência na prestação de trabalho, para além do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho, quanto a nós, de fulcral importância pelo flagelo que, habitualmente, as consequências do consumo em excesso de álcool, provoca, com desenlaces que, não raras vezes, atingem significativos níveis de tragédia, sendo os seus comportamentos passíveis de serem imputados, por via da sua violação, ao disposto no art. 128º do CT, no seu nº 1, als. c), e), i) e j).
A isto acresce a conclusão de que o autor podia e tinha a capacidade de agir de outro modo, tanto mais que fora advertido, por diversas vezes, pelos seus superiores para evitar tais condutas e, não obstante, veio a manter o mesmo comportamento, o que demostra recusa em cumprir as instruções desses mesmos superiores hierárquicos.
Não podemos ainda olvidar a falta de justificação do autor em relação aos seus comportamentos, pese embora registemos a postura com que o mesmo se apresentou em julgamento, mormente, na fase conciliatória a que, legal e, inicialmente, tivemos de dar lugar, tal como, a explicação que parece ter dado a um dos Encarregados inquiridos relacionada com alegados problemas pessoais – divórcio – a qual, ainda que verídica, não o desobrigava de ter adoptado diferente postura, mais abstinente, face aos perigos que a mesma envolvia.
Constituem, pois, comportamentos que em si e pelas suas consequências, se têm de qualificar com gravidade bastante e idónea a quebrar, de modo definitivo, a confiança que, porventura, a ré começou por nele depositar e que resulta por beliscar, pelo menos até ao primeiro controlo no ano de 2011 (atenta a data de início do contrato de trabalho em 01.08.2005), mostrando-se, deste modo, como adequada e proporcional, a sanção de despedimento, e não outra qualquer, assente que está na violação de regras básicas da segurança no trabalho.
No mesmo sentido se tem pronunciado a Jurisprudência, de forma quase unânime, salientando-se algumas decisões proferidas, em idênticas situações, com idênticos contornos, e com considerações ético-jurídicas em tudo semelhantes, nos Acórdãos da relação de Lisboa no âmbito dos processos com o nº 978/10.6TTALM.L1-4 de 26.10.2011, 660/10.4TTALM.L1-4 de 28.09.2011, 7013/2007-4 de 05.12.2007, 475/07.7TTFUN.L1-4 de 06.10.2010., da Relação do Porto no processo 9340614 de 22.11.1993 e, finalmente, no âmbito do processo nº 0554320 do Supremo tribunal de Justiça datado de 27.04.2006, todos passíveis de consulta em www.dgsi.pt, e para os quais se remete.
Por conseguinte, julgo lícito o despedimento, por verificação de justa causa.
Concorda-se inteiramente com este raciocínio.
A situação que assume particular gravidade pelas consequências possíveis da tal conduta do recorrido, devidamente elencadas na sentença.
Lembra Júlio Gomes que, no respeitante às consequências da conduta do trabalhador, estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.(13)
O consumo de álcool assume particular gravidade na indústria da construção civil e obras públicas, quer pelas implicações a nível do resultado dos trabalhos, quer, sobretudo, pelas implicações ao nível da segurança do próprio trabalhador e dos demais.(14)
No caso, o recorrente apresentou níveis de álcool acima do permitido por duas vezes, no que importa considerar, a 22 e 28 de Julho de 2012, o que significa que a primeira situação não teve qualquer efeito de censura no seu comportamento, tendo o recorrente sido devidamente alertado para a gravidade da sua conduta e que a empresa não aceitaria a mesma, indiciando propensão para o consumo de bebidas alcoólicas, que na situação dos autos torna inviável a manutenção da relação de trabalho.
Assim, deve improceder a apelação.

Em conclusão:
I – Os alcoolímetros usados pelas empresas de construção para verificar se os seus trabalhadores estão a trabalhar sob efeito de álcool não precisam de se encontrar calibrados e certificados apenas pelo Instituto Português da Qualidade.
II – Para determinar em concreto a justa causa do despedimento o que releva é se, em consequência da conduta do autor, fica definitivamente prejudicada a relação de confiança essencial à manutenção da relação de trabalho.
III – Constitui justa causa de despedimento o trabalhador de uma empresa de construção civil apresentar por duas vezes valores de álcool no sangue superiores a 0,5 g/l, quando se verificaram duas situações num curto espaço de tempo e o trabalhador fora advertido de que aquele comportamento não era aceite pela entidade empregadora.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Sem custas, por isenção do recorrente.

Porto, 30-6-2014
Rui Penha - relator
Maria José Costa Pinto
João Nunes
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(1) Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Coimbra, Almedina, 2006, pág. 170.
(2) Acórdão do STJ de 1-7-2004, processo nº 04B2307, relator Salvador da Costa, acessível em www.dgsi.pt.
(3) Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 608.
(4) José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pág. 6.
(5) Sobre a questão pode ver-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4-11-2013, processo 481/09.7TTVRL-A.P1, relator Eduardo Petersen Silva.
(6) Albertina Pereira, Procedimento Disciplinar Velhas e Novas Questões, acessível em http://www.trp.pt.
(7) Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-2-2007, processo 2602/06-2, relator Anselmo Lopes, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-4-2012, processo 1253/11.4PBLRA.C1, relator Jorge Dias, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
(8) Veja-se o estudo de Maria Margarida de Campos Bizarro, Caracterização do Consumo de Bebidas Alcoólicas Durante a Realização de Trabalho na Construção Civil: Implicações para a Segurança Ocupacional, Universidade do Minho, Setembro de 2007, págs. 36-38.
(9) Acórdão do STJ de 27-6-2007, processo 07S1050, relator Sousa Grandão, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
(10) Jorge Leite, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 1985, pág. 250, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, págs. 947 e 952, e João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pág. 371.
(11) Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, págs. 557 e 575.
(12) Acórdão do STJ de 25-1-2012, processo 268/04.3TTLSB.L1.S1, 4ª Secção, relator Pinto Hespanhol, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
(13) Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pág. 951.
(14) Veja-se Maria Margarida de Campos Bizarro, obra citada, págs. 24-31.