Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1137/07.0GAVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PAGAMENTO DE QUANTIA
OBRIGAÇÃO CONJUNTA
Nº do Documento: RP201409171137/07.0GAVNF.P1
Data do Acordão: 09/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Sendo vários os arguidos condenados em pena de prisão que é suspensa na sua execução sob condição de pagamento solidário de uma quantia como reparação do mal do crime, essa obrigação solidária não se coaduna com as finalidades da suspensão, devendo a condição ser conjunta fixando a proporção da reparação a cargo de cada um.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1137/07.0GAVNF.P1
Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão
2.º Juízo Criminal

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório.
B…, C… e D…, interpuseram recurso da sentença que
• condenou:
> cada um deles, na pena de um ano e cinco meses de prisão, pela prática, em co-autoria material, de um crime de coação agravada, previsto e punido pelo art.º 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, suspensa na sua execução, pelo período de um ano e cinco meses, na condição de pagarem solidariamente ao demandante E… a indemnização no valor de € 4.113,75 e ao demandante F… a indemnização no valor de € 2.700,00, até ao fim do período da suspensão; e no pagamento solidário do pedido de indemnização civil aos demandantes E… no valor de € 4.113,75 e F… a indemnização no valor de € 2.700,00, acrescido de juros, à taxa legal, desde a sentença;
> o arguido D… no pagamento da indemnização, a título de danos patrimoniais, no valor de € 79,15 ao demandante E…, acrescidos de juros à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização civil;

• absolveu todos os arguidos do imputado crime de dano, previsto e punível pelo art.º 212.º, n.º 1 do Código Penal

concluindo as motivações com as seguintes conclusões, após convites, aceites, para as aperfeiçoarem:
• o B… e o C…:
1 - A não gravação o ou a sua deficiência corresponde a uma omissão de um ato que pode ter reflexos no exame e na decisão a proferir.
2 - No mínimo a transcrição do depoimento de G… - prestado no dia 12.12.2012 com início pelas 11:59:45 e fim 12:13:45 – é deficiente e não permite a sua percepção, sendo que os ficheiros 113342/114545/102030 e 111817 nada contêm (depoimento da testemunha H… no dia 06.12.2012 – minuto 11:33:45 a 11:45:56; declarações do Arguido B… prestada no dia 20.12.2012 minuto 10:20:29 a 10:20:33 e declarações do Arguido D… prestadas no 20.12.2012 minuto 11:18:17. a 11.18.32).
3 - Há, pois, nulidade insanável, visto que se omitiu um ato (gravação) que a lei prescreve, com evidente influência na boa decisão da causa - art.º 200.º e 201.º do C.P.C..
4 - Sempre, foram incorrectamente apreciados os seguintes meios de prova: Depoimentos de G… prestado no dia 12.12.2012, com início em 11.59.45 a 12.13.45 (correspondente ao Ficheiro 115942 00:14:02 (parte audível) e ainda as declarações dos assistentes E… prestadas no dia 06.06.2012 com inicio 10:17:34 e fim 10:56:19 – (ficheiro 101734 00:38:44); F… – declarações prestadas no dia 06.12.2012 com inicio 11:29:25 e fim 11:33:42 (ficheiro 112925) e ainda o depoimento da testemunha H… – depoimento prestado no dia 06.12.2012 com início em 11:49:28 e fim 12:08:06 (ficheiro 114928 – 00:18:37).
5 - Tendo presente estes meios de prova, a matéria de facto deve ser alterada e para dela ficar a constar:
- O dia em que os factos ocorreram é um dia fixado para a caça.
- O local onde os factos ocorreram é um dos reservados à caça, é um local de caça associativa e como tal sinalizado com os sinais adequados.
6 - Acrescido de que: a estrada onde os assistentes treinavam é pública e que estes não haviam solicitado qualquer licença ou autorização às entidades competentes.
7 - Provada esta matéria, estamos perante um real conflito de direitos e interesses.
8 - Os arguidos agiram no exercício de um direito, ocorrendo, pois, uma causa de exclusão da ilicitude – art.º 31.º b) do C.P..
9 - Sempre da matéria dada como provada parece faltar um elemento essencial do tipo legal, qual seja: mal que tenha relevo e que a comunidade censure.
10 - Razão pela qual os arguidos não poderiam ser condenados por um crime de coação agravada.
Por cautela, caso tal não se entenda:
11 - A indemnização fixada não é ajustada aos danos e às circunstâncias e a mesma não deve ser superior a dois mil euros para o Assistente E… e de mil euros para o assistente F….
12 - Finalmente a douta sentença e contraditória, pois que, condena os arguidos – todos – numa pena, condena os arguidos – todos e solidariamente – numa indemnização e após tudo suspende a pena na condição de apenas dois dos arguidos pagarem a referida indemnização – tudo sem qualquer fundamento ou explicação.
13 - Salvo todo o respeito tal é contraditório e constitui mesmo nulidade insanável e que deve gerar a feitura de uma nova sentença.

• o D…:
1. O arguido/recorrente não se conforma com a condenação de que foi alvo, pois entende que o Tribunal a quo deu como provados determinados factos sem que deles tivesse sido feita qualquer prova.
2. O arguido/recorrente não entende em que prova concreta se apoiou o Tribunal a quo para ter concluído os factos constantes dos pontos 3, 4, 12, 13, 14 e 16 da matéria de facto dada como provada.
3. Os depoimentos dos Assistentes E… a minutos 8:49 a 9:00 da gravação e F… a minutos 12:50 a 13:30 da gravação, conjugados com as declarações do Recorrente a minutos 4 a 5:30 da gravação do dia 20 de Dezembro de 2012, iniciadas às 11:19 horas impõem que o ponto 3 seja dado como não provado.
4. Relativamente ao ponto 4.º também não foi produzida qualquer prova do mesmo: ouvidas as declarações do Assistente E… a minutos 4:40; declarações do Assistente F… a minutos 3:15 e 4:50 da gravação, tudo parece indicar que os assistentes pararam o Jipe porque na via se encontravam cães e pessoas, e não porque estavam receosos;
5. Não se entende ainda a distância de 3 metros que consta assente, pois nenhum dos assistentes referiu tal medida.
6. Os factos 12, 13 e 16 dados como provados também deverão ser dados como não provados, e tal conclusão resultará das declarações do recorrente de minutos 0:35 a 17:30 minutos que esclareceu que quando ouviu o barulho do jipe a passar deu um tiro para o ar para chamar os cães para a sua beira, não tendo havido um único testemunho a referir que o recorrente apontou a arma aos assistentes, ou que tivesse disparado na sua direcção ou na direcção do jipe;
7. Entende o arguido que o único comportamento que lhe poderá ser assacado será aquele que se encontra expresso nos artigos 6.º e 9.º, e que consubstanciará um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal, a ser punido com pena de multa;
Além disso,
8. O recorrente, para além de não se conformar com a condenação, entende que a pena que lhe foi aplicada sentenciou de forma muito excessiva e exagerada a sua conduta.
9. Entende o recorrente que a situação que deu origem aos presentes Autos foi hiperbolizada pelo facto dos arguidos estarem armados.
10. Mas não se pode olvidar que assim estavam porque se encontravam no exercício da caça, devidamente legalizados para o efeito.
11. Tal não significa, porque estão armados e zangados, que vão ou querem matar alguém! Ou que fizeram uso de uma arma com o intuito de assustar ou coagir. O que significa que o medo ou receio confessado pelos Assistentes deriva de um factor que é puramente subjectivo.
12. Além de todas as circunstâncias que abonam a favor dos arguidos, nomeadamente o facto de serem primários, importa também pesar que os factos datam de 14 de Outubro de 2007, data desde a qual o recorrente manteve sempre boa conduta.
13. Atendendo ao tempo decorrido sobre a ocorrência dos factos, entendemos que tal situação deverá relevar enquanto atenuação especial da pena nos termos do artigo 72.º n.º 2 alínea d) do Código Penal.
14. Entende, por isso, o recorrente que a manter-se a condenação pela prática em co-autoria de um crime de coacção agravada, deverá não lhe ser aplicada pena de prisão superior a um ano (mínimo Legal) que por aplicação do artigo 43.º do Código Penal deverá ser substituída por pena de multa.
Na eventualidade de se aplicar ao recorrente uma pena de prisão,
15. A subordinação da suspensão da pena de prisão ao cumprimento de deveres tem um único pressuposto: quando a imposição desse dever é conveniente e adequado à realização das finalidades da condenação.
16. Ora, a sentença não justifica, não fundamenta porque motivo entende que a imposição do cumprimento do dever no pagamento da indemnização se revela conveniente ou adequado à realização das finalidades da condenação!
17. Aliás, aquilo que a sentença refere é que “as exigências de prevenção especial são baixas” e as “exigências de prevenção geral também não são de considerar acentuadas”.
18. Não deve ser solidária a condição de pagamento da indemnização devida aos lesados para a suspensão da execução da pena de prisão pela razão de que o cumprimento da condição apenas por um dos arguidos aproveita ao outro, que vê, assim, satisfeita a condição de suspensão da execução da pena em que foi condenado, sem efectivamente a cumprir e, por isso, sem sentir os efeitos da condenação através da reparação das consequências danosas da sua conduta.
19. 0 tribunal “a quo” também não indagou – e devia tê-lo feito tal como emerge do disposto no artigo 71.º, n.º 2, alínea d) do CP a situar, sempre, a indagação da condição económica do arguido dentro do objecto do processo o mais da situação económica do arguido, mormente a eventual existência de bens, o seu valor, e outros rendimentos que possa auferir, para além daqueles que lhe advém do seu trabalho.
20. Considera o recorrente que a condição imposta é objectivamente impossível de cumprir, pois equivale ao pagamento anual de uma importância superior à que é possível ao arguido auferir.
21. Considera-se, por isso, neste caso totalmente exagerado e desproporcionado o montante de indemnização total fixado em sentença, e desadequado ao cumprimento das finalidades da pena, uma vez que se apresenta como uma obrigação pecuniária muito difícil ou impossível de cumprir.
22. Esta decisão do tribunal a quo viola o princípio da culpa, do direito à liberdade, igualdade e proporcionalidade, devendo por isso a decisão recorrida ser substituída por outra que não condicione a pena de prisão ao dever de pagamento, ou então, por outra que fixe ao recorrente a prestação de um dever compatível com as suas possibilidades económicas e sem pagamento solidário.
23. Entende o recorrente que o montante arbitrado ao demandante F… a título de danos morais – € 2700,00 – é manifestamente excessivo, não devendo ser atribuído montante superior ao valor de € 750.00.
24. No que à indemnização de € 4113,75 arbitrada ao demandante E…, entende o Recorrente que este valor é também excessivo, não devendo ser arbitrado a título de danos morais montante superior a € 1.000.00;
25. A sentença recorrida viola o disposto no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, n.º 2 do artigo 50.º, n.º 2 do artigo 51.º e n.º 2 do artigo 71.º; n.º 1 do artigo 154.º, 155.º todos do Código Penal e 483.º e 496.º do Código Civil.

Aos recursos respondeu o Ministério Público, pugnando pelo não provimento de ambos.

Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento de ambos os recursos.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte dos recorrentes.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir do mérito do recurso.
***
II - Fundamentação.
1. Da decisão recorrida.
1.1 Factos julgados provados:
1. No dia 14 de Outubro de 2007, cerca das 17:15 horas, os assistentes E… e F…, seguiam, num jipe, regularmente equipados com capacetes de competição automóvel todo-o-terreno, por um caminho público, em …, …, Vila Nova de Famalicão, ocupando o primeiro o lugar de condutor e o segundo o lugar de passageiro.
2. Na circunstância, os arguidos encontravam-se nas imediações do referido caminho, no exercício da caça.
3. Porque desagradados e incomodados com o barulho que a condução do jipe provocava e com a inquietação que aquela provocava nos cães que acompanhavam os arguidos na caça, numa das passagens dos denunciantes pelo local, à aproximação, a cerca de 20 metros, e depois de os cães terem interceptado a marcha do jipe, os três arguidos, actuando em comunhão de esforços e de vontades, empunharam as armas caçadeiras com que se encontravam munidos, efectuaram disparos para o ar e apontaram as armas na direcção do jipe.
4. Receosos, os assistentes imobilizaram o veículo junto aos arguidos, a cerca de 3 metros destes.
5. Ato seguido, o arguido C… abriu a porta do veículo do lado do condutor, apontou a arma caçadeira a E… e disse, entre o mais, "sai cá para fora."
6. O arguido D…, por seu turno segurando o assistente E… pelos braços, puxou-o, com o propósito de o retirar do veículo, o que não conseguiu, pelo facto de este ter o cinto de segurança colocado.
7. O mesmo D…, pegou e puxou depois o capacete que E… trazia colocado e nesse acto arrancou e avariou o sistema de comunicação que no mesmo se encontrava incorporado, assim causando estragos em montante não inferior a € 79,15.
8. Seguidamente, o arguido B…, encostou a extremidade do cano da arma que empunhava ao pescoço, do lado esquerdo, de E… e, ao mesmo tempo, que pressionava violentamente o cano contra aquela zona do corpo do visado, referindo-se a ambos os assistente: "eu mato-vos, ides morrer".
9. Momentos depois, o arguido D…, segurando a arma caçadeira, pelo lado da coronha, desferiu com a parte do cano, um golpe na zona lombar do lado esquerdo de E….
10. Os assistentes só conseguiram abandonar o local na sequência da intervenção de terceiras pessoas, que evitaram que os arguidos aí os mantivessem, contra a respectiva vontade.
11. Em consequência directa e necessária das agressões físicas de que foi vítima, E… sofreu escoriação circular, com 3 cm, no terço inferior esquerdo do pescoço e escoriação, também em círculo, com 3 cm, na linha axilar media ao nível do 8º arco costal esquerdo, lesões que lhe demandaram e dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
12. Ao verem os arguidos a empunhar as armas e a efectuar os disparos para o ar e a apontá-las, em seguida na sua direcção, e ao ouvirem as expressões de teor ameaçador que por estes foram dirigidas, os assistentes ficaram receosos e viram-se constrangidos a imobilizar o veículo e/ou manter-se no local, pois temiam que os arguidos B…, C… e D… viessem a atentar contra as suas vidas.
13. Ao ameaçarem os assistentes e ao molestarem fisicamente um destes, tiveram os arguidos o propósito de os obrigar a imobilizar o jipe em que seguiam e a permanecerem, contra a respectiva vontade, no local, não ignorando que os termos da actuação eram adequados a produzir o efeito pretendido.
14. Visaram ainda os arguidos, com a sua conduta, que os assistentes parassem de levar a cabo o treino que estavam a realizar na condução do jipe, no local referido em 1), porque nas proximidades de uma zona de caça, o que lograram, pois os assistentes imediatamente após a supra invocada intervenção de terceiros abandonaram o local.
15. Pese embora o arguido B… não ignorasse que o capacete que E… trazia colocado não lhe pertencia e que aquele não consentiu na respectiva danificação, o arguido não cuidou de ao tentar retirar o capacete de E…, manter íntegro o sistema de comunicação estava associado, ficando indiferente ao facto de o poder estragar.
16. Agiram conjunta, concertada e deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecessem o carácter proibido das suas condutas.
17. Nas circunstâncias de tempo e lugar, os arguidos chamaram ainda aos assistentes: "filhos da puta e cabrões".

Dos pedidos de indemnização civil
18. Ao ver os arguidos a empunharem as armas, a efectuarem os disparos para o ar e apontá-las, em seguida, na direcção de E…, e ao ouvir as expressões em tom sério e ameaçador, que por aqueles eram proferidos, o assistente F… sentiu muito medo, perturbação inquietação, insegurança, nervosismo e temeu seriamente pela sua vida e pela do seu amigo E….
19. Viu assim o requerente a sua vida em efectivo risco.
20. Sentiu, ainda, um enorme sofrimento, pela sua impotência perante a situação e pelo receio de a qualquer momento poder ser morto pelos arguidos, deixando órfão o seu pequeno filho.
21. Naquele dia, e durante muitos meses, teve o requerente, dificuldades em dormir e descansar, principalmente nos dias que antecediam os treinos para competição, sentindo-se nervoso, ansioso e receoso.
22. Bem como se privou de fazer a sua vida normal, evitando locais públicos, com receio e medo de retaliações, até porque os arguidos tomaram conhecimento no mesmo dia, que o requerente apresentou queixa perante as autoridades.
23. Teve F… medo, dificuldades em dormir e descansar, sentindo se nervoso, ansioso e receoso.
24. Sentiu enorme sofrimento, pela sua impotência perante a situação e por a qualquer momento poder ser morto pelos arguidos.
25. Teve pesadelos nos meses seguintes, sentindo-se fatigado, nervoso, irritado, perturbado, tendo este seu estado perturbado o seu ambiente familiar e profissional.
26. Privou-se de frequentar e treinar livremente para as suas provas em determinados locais públicos, nomeadamente, locais perto de zonas de caça e o local onde decorreram os factos.
27. O assistente começou a partir daquele dia a requisitar os serviços da GNR sempre que efectuava treinos, com receio que tal situação se voltasse a repetir.
28. As expressões dos arguidos foram proferidas em voz alta, de modo que foram ouvidas por toda a gente que ali se encontrava e circulava.
29. O requerente é pessoa modesta e bem considerada no meio social.
30. É pessoa sensível, pelo que tais actos e expressões abalaram-no psicologicamente e causaram-lhe grande mágoa, tristeza, humilhação, perturbação e vergonha.
31. Ao ver os arguidos empunharem as armas, a efectuarem os disparos para o ar e apontá-las, em seguida, na sua direcção e ao ouvir as expressões em tom sério e ameaçador, que por aqueles eram proferidas, sentiu o requerente E… um tremendo medo que a qualquer momento uma das armas disparasse e lhe retirasse de uma forma violenta e sem nexo, a sua vida, sentindo-se em pânico, nervoso e ansioso, angustiado e extremamente perturbado.
32. Viu assim a sua vida em efectivo risco, atendendo ao estado agressivo dos arguidos, bem como às expressões proferidas pelos mesmos em tom sério e ameaçador.
33. Sentiu ainda o requerente um enorme sofrimento pela sua impotência perante a situação e por a qualquer momento poder ser morto pelos arguidos, deixando a sua família, completamente desfeita e os seus pequenos filhos órfãos.
34. Naquele dia, e durante muitos meses, teve o requerente E…, frequentemente, pesadelos durante a noite, não lhe permitindo, assim dormir, nem descansar, sentindo-se em consequência de tal fatigado, nervoso e irritado, ansioso e perturbado, tendo este seu estado perturbado o seu ambiente familiar e profissional.
35. Bem como se privou de fazer a sua vida normal, evitando determinados locais públicos, com receio e medo de retaliações, até porque os arguidos tomaram conhecimento no mesmo dia, que o requerente apresentou queixa perante as autoridades.
36. Privou-se, ainda, o requerente de frequentar livremente para as suas provas em determinados locais públicos, nomeadamente, em locais perto de zonas de caça e o local onde decorreram os factos.
37. Com a conduta acima descrita, provocaram ainda os arguidos, ao requerente, dores no pescoço e nas costelas e muitos incómodos.
38. As expressões foram proferidas em alta voz, de modo que foram ouvidas por toda a gente que ali se encontrava e circulava.
39. Foram dirigidas ao requerente E… com intenção de o ofender, tal como o ofenderam.
40. O requerente E… é pessoa honesta e bem considerada no seu meio social.
41. É pessoa sensível, pelo que tais actos e expressões abalaram-no psicologicamente e causaram-lhe grande tristeza e humilhação, perturbação e vergonha.
42. Em consequência directa e necessária dos supra citados actos lesões, o requerente foi assistido no hospital, tendo sofrido despesas hospitalares, no valor de € 113,75.
43. Em consequência do estrago do sistema de comunicação do capacete, o arguido sofreu ainda uma despesa no valor de € 79,15.

Provou-se ainda que:
44. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
45. O arguido B… estudou até ao 4º ano de escolaridade.
46. Está reformado, auferindo cerca de € 780,00 mensais.
47. Vive com a esposa, a qual recebe uma reforma mensal de €240,00, em casa própria, não pagando qualquer prestação.
48. É caçador há mais de quarenta anos.
49. O arguido C… estudou até ao 6.º ano de escolaridade.
50. Trabalha como carpinteiro de PVC, recebendo um salário de € 600,00.
51. Vive em casa do sogro, o arguido B…, com a esposa e com as suas filhas, não pagando qualquer prestação por viver naquela casa.
52.Tem dois filhos menores.
53. A sua esposa aufere um salário mensal de € 540,00.
54. Caça há cerca de dez anos.
55. O arguido D… é operário fabril, ganha um salário mensal de € 850,00.
56. Vive com a esposa e com duas filhas de menor idade.
57. A esposa ganha cerca de € 640,00 mensais.
58. A casa que habita é sua propriedade, pagando cerca de € 410,00.
59. O arguido D… caça desde 1998.
60. No meio social onde os arguidos se inserem são todos considerados pessoas respeitadoras, educadas e pacíficas.
61. O caminho florestal que liga a EM. … à freguesia … a … é público.

1.2. Factos julgados não provados:
O assistente E… começou a partir daí a ter despesas acrescidas com a requisição dos serviços da GNR para treinos de competição, no valor de € 150,00 por cada requisição.
Os arguidos ficaram furiosos quando souberam que os assistentes apresentaram queixa,

1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto:
A fixação dos factos provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e da livre convicção que o Tribunal formou sobre a mesma, sendo que foi uma tarefa norteada pelo princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127.º do Código de Processo Penal, em conjugação com as regras de experiência.
Assim, quanto aos factos, os mesmos resultaram provados essencialmente através das declarações dos assistentes. As mesmas mostraram-se perfeitamente congruentes e coincidentes entre si. Mostrando-se sensibilizados e afectados emocionalmente pela situação ocorrida, em especial o F…, as suas declarações foram objectivas na descrição factual que fizeram dos acontecimentos. Reiteramos que o facto de os assistentes terem demonstrado um estado emocional que os comovia ainda no julgamento, volvidos anos sobre os factos, em especial o assistente F…, tal não afectou a objectividade da descrição factual dos factos. E é compreensível que a situação relatada pelos assistentes, ao verem três homens, que não conheciam, com armas na mão na sua direcção, em estado exaltado, a anunciarem a sua morte, constituía um episódio que comova e perturba as pessoas ao revivê-lo, por terem pressentido que aquele incidente poderia ter tido um desfecho trágico e acabar com as suas vidas. Relatar os factos sem emoção é que seria seguramente estranho. Deste modo, não viu o tribunal que o estado quase choroso do assistente F… ao relatar o sucedido constituísse um artifício ou um exagero para comover o tribunal e tornar mais credível a história. Já o assistente E… mais sereno explicou que como tinha passado por situações de perigo de vida, em face da prática desportiva de corredor de automóveis, tentou, com mais sangue frio, durante a situação, manter-se calmo em ordem a evitar uma precipitação por parte dos arguidos.
Relatou o assistente E… estava a fazer um teste ao veículo, porque na semana seguinte ia entrar numa competição de automobilismo. Seguia ele ao volante e o F… ao lado, como navegador. Para a prova tinham sido colocadas umas pessoas ao longo do percurso, por questões de segurança, para evitar qualquer colisão com pessoas ou até com outros veículos, que assim seriam avisados do treino que estava a ser efectuado pelos assistentes.
Numa das passagens ouviram um tiro, mas não reagiram; quando voltaram a passar no mesmo local em sentido contrário, depararam-se com os três arguidos, que se aproximaram do carro e dispararam, pelo menos dois tiros. Nessa altura, o assistente travou por causa dos cães que estavam à frente do carro e dos arguidos que empunhavam as caçadeiras. As armas foram apontadas na direcção do carro. O arguido C…, elemento mais pequeno do grupo de três homens, abriu a porta e o mais alto, o arguido D…, foi na sua direcção e apontou-lhe a arma. Ouvia os arguidos a dizer, em especial o arguido D…: "Anda cá para fora, filho da puta que eu mato-te." O D… tentou tirar o assistente do carro, mas não conseguiu porque o cinto de segurança não o permitia - pois sendo o veículo de competição tinha um cinto especial -. Então o arguido puxou o assistente e depois amarrou-se à cara deste e danificou o sistema de intercomunicação do capacete, que rondou num dano de cerca de € 70 euros.
Nunca o assistente E… teve uma reação de contra ataque, porque viu que estava metido numa situação complicada e só pedia aos arguidos para terem calma, pois os mesmos estavam com as caçadeiras empunhadas, manifestamente exaltados, e o assistente teve receio de que a qualquer momento pudessem puxar o gatilho. Pareceu-lhe que os arguidos estavam alcoolizados, mas reconheceu que essa percepção que teve foi devido ao estado de exaltação e de agressividade com que inexplicavelmente foram abordados e dos olhos, mas não se apercebeu que os arguidos tivessem um hálito a cheirar a álcool.
Ouviu os arguidos a dizer: "Sai cá para fora, eu mato-te, dou-te um tiro que te fodo."
Como os arguidos não conseguiram tirá-lo do veículo, manteve-se sempre sentado no lugar do condutor.
Depois o arguido B… apontou a arma à sua cara, entre a porta do carro que estava aberta e disse: "Dou-te um tiro na cabeça. Filho da puta." Contornou a porta e dirigiu-se novamente ao assistente, encostando-lhe a arma com os canos ao pescoço do lado esquerdo. Perante isto, o assistente, só pensou que iria morrer.
Como já tinha alguma experiência na vida, manteve a cabeça fria e só pedia calma e nem sequer olhava nos olhos do arguido B…, para não o enfurecer mais ainda. Os outros elementos mantinham-se ao lado, mas depois o arguido D… ainda o atingiu na zona lombar esquerda com os canos da caçadeira que empunhava.
Felizmente que alguns elementos da equipa que estavam na zona e próximo, abeiraram-se dos arguidos e tentaram acalmar os arguidos. Reiterou que teve a serenidade para não reagir fisicamente, só pedindo aos arguidos calma. Os dois colegas que estavam ali a guardar o caminho, começaram a acalmar os ânimos e houve uma troca de palavras. E nesse preciso momento, o assistente aproveitou para arrancar com o veículo.
Referiu a sua estupefacção perante aquela abordagem violenta, pois antes não tinha sido abordado por ninguém a comunicar-lhe que o treino que estava a fazer barulho e concomitantemente a perturbar o exercício de caça de outras pessoas.
Depois foi a casa e foi à GNR apresentar queixa no mesmo dia.
A GNR depois foi ao local e os arguidos ainda estavam lá e foram identificados. Os colegas da equipa ficaram na zona e indicaram à GNR os arguidos.
Ficou com o pescoço e com a parte lombar queimada.
Foi uma pancada com as extremidades dos canos que acabaram por queimá-lo nas zonas atingidas.
Ouviu os arguidos tanto a dizer: mato-vos."- e o B… é que mais directamente lhe disse: "Eu mato-te".
O assistente F… referiu que estavam a fazer um treino ao veículo para preparação para uma competição de automobilismo, seguindo como navegador e havia um outro grupo de pessoas a limitar o terreno e a alertar que estava a ser efectuado o treino, para evitar acidentes.
Durante a prova ouviram um estrondo, parecido com o barulho de um tiro, mas quando passaram pelo mesmo local de onde tinham ouvido o barulho, depararam-se com dois ou três cães e três homens a empunharem armas na sua direcção. Reparou que se tratava de caçadores, que deram dois tiros para o ar.
O assistente, num estado comovente, referiu que naquele momento só pensou que ia morrer. Referiu que o arguido B… encostou a arma ao assistente E…, o que fez com o assistente F… se encolhesse, com medo de também ser atingido.
No estado de perturbação e ansiedade que se encontrava e como tudo se passou do lado do condutor, e porque não tinha total visibilidade, não teve a percepção de qual dos três arguidos abriu a porta. Apercebeu-se que um deles tentou tirar o E… do veículo o que não conseguiu, devido ao cinto de segurança especial que só por conhecedores do sistema consegue ser retirado. Entre os três um dos arguidos mantinha-se mais calmo.
Ao tentarem retirar o E… do seu lugar, ficou avariado o sistema e intercomunicação do capacete. Os arguidos só diziam palavrões, do género: "eu mato-vos, filhos da puta, cabrões."
Apercebeu-se que os arguidos encostaram os canos da caçadeira ao pescoço do E… e depois na zona lombar. As pessoas que estavam a assistir o treino apareceram. Disse que não foram antes deste episódio abordados a alertar que estavam pessoas a caçar e o assistente nem se apercebeu que nas imediações havia uma zona de caça. Descreveu aquele incidente como um descontrolo total. Já em treinos anteriores e noutros locais foram abordados por caçadores a pedir para não fazerem barulho com o veículo e sempre respeitaram. Naquele local, sempre desenvolveram provas de automobilismo e nunca tinham sido abordados por caçadores. E aquela estrada já tinha sido utilizada para treinos de automobilismo e a partir daí contrataram sempre a policia/GNR para controlar os treinos. Tinha a certeza que foram os arguidos os autores daqueles episódio, e esteve com a GNR mais tarde no local, quando os arguidos foram identificados pela GNR.
Ouviu ambas as expressões, tal como: "eu mato-vos" e "eu mato-te", tal como ""cabrões, "filhos da puta". Em momento algum, os arguidos disseram que tinha morrido um cão e também o assistente não se apercebeu que tivessem morto ou atropelado um cão, o que aliás em sua consciência nem sequer aconteceu. E nesse incidente, os arguidos também nunca disseram que os assistentes tinham estado a prejudicar o exercício da sua caça.
Perante estes relatos circunstanciados no tempo, no local e quanto ao modo, claros e congruentes, não teve o tribunal qualquer hesitação em dar-lhes credibilidade. Os mesmos não demonstraram quaisquer hesitações ou atrapalhação, as suas declarações foram consentâneas com os restantes depoimentos. As declarações demonstraram-se plausíveis e consentâneas com as regras da experiência comum. Conjugou-se ainda estas declarações com as fotografias juntas aos autos, a fls. 136, onde são visíveis lesões sofridas por E… que são consentâneas com o descrito por si. Repare-se que sendo o condutor do veículo e não tendo os arguidos conseguido retirá-lo do veículo, o mesmo manteve-se sentado no lugar do condutor e sofreu as lesões do lado esquerdo, o que é verosímil. E reforçada sai essa verosimilhança quando conjugada ainda com a documentação clínica de fls. 62 - que refere precisamente a constatação nesses locais de "duas lesões circulares de cerca de 5 cm de diâmetro com queimadura de 1.º grau". Também o relatório de perícia de avaliação do dano corporal efectuado dois dias depois do evento de fls. 17, constatou a presença de lesões em E…, no "pescoço, escoriação com três centímetros em círculo no terço inferior esquerdo e no tórax", ""escoriação em círculo com três centímetros na linha axilar media ao nível do 8° arco costal esquerdo". Estas lesões são perfeitamente compatíveis com a descrição que o assistente E… efectuou do sucedido.
Ancorou ainda o tribunal a sua convicção nos depoimentos, igualmente isentos, consistentes e credíveis, prestados pelas seguintes testemunhas:
H…, mecânico de automóveis, que fazia parte da equipa de treino e se encontrava a cerca de vinte a trinta metros do sucedido. Corroborou, igualmente, de uma forma verosímil, a versão dos assistentes, tendo de imediato se aproximado dos assistentes e dos arguidos, tal como o colega I… fez.
I…, igualmente mecânico de automóveis, que tal como a anterior testemunha, descreveu os factos de uma forma consentânea com as anteriores pessoas. Foi esta testemunha, que tal como os outros pediu, insistentemente que houvesse calma, e que, aproximando-se dos arguidos e do veículo onde estavam os assistentes, fechou a porta do veículo e permitiu que o assistente E… arrancasse dali para fora.
Descreveu igualmente esta testemunha o estado de ansiedade e perturbação que os assistentes vivenciaram, quer no dia dos factos quer no período que se seguiu.
Também esta testemunha não ouviu os arguidos a dizer alguma vez os arguidos a dizer que os assistentes teriam perturbado a caça com o barulho do veículo e nem viu nenhum cão atropelado.
- J…, companheira do assistente F…, de um modo coerente relatou o estado transtornado em que aquele se encontrava quando chegou a casa, contando que tinha estado para morrer, e que o E… tinha tido uma arma apontada a si. Contou, igualmente, que o assistente F… dizia que só dizia que pensava que naquele momento iria morrer e perder o seu filho. Decorreu do seu depoimento que o assistente F… nos meses que se seguiram ainda se mostrava inquieto, perturbado, ansioso, com dificuldades em dormir e tinha dificuldades em falar do assunto, circunstância esta última que o tribunal pôde aliás confirmar aquando da prestação de declarações pelo assistente F….
Confirmou ainda que desde o dia do incidente que não havia treino que fosse efectuado sem a requisição da presença policial.
Corroborou também que o assistente ficou com medo de retaliações por ter apresentado queixa às autoridades policiais.
- K…, esposa do assistente E…, também confirmou o estado abalado e perturbado que este último apresentava, quando chegou a casa, imediatamente após o sucedido, contando que teve uma arma apontada a si, que só tentou manter a calma, dado que os indivíduos que o abordaram estavam muito exaltados.
Contou-lhe igualmente o seu marido que sofreu um tremendo medo e receio de levar um tiro, vira a sua vida em risco e só dizia que poderia não estar ali.
Relatou esta testemunha o efeito e impacto que aquele episódio teve na vida do assistente, bem como no seio da vida familiar nos meses que se seguiram, pois como não conheciam as pessoas e o seu carácter, não sabiam de que género de pessoas se tratava. Vivenciou a família receio que pudesse acontecer durante alguns tempos, até porque viviam num local ermo. Por sua vez, o assistente E…, no período que se seguiu, tinha pesadelos, andava angustiado, preocupado, mais pensativo, psicologicamente afectado e ausente. Durante uns tempos, o assistente deixou de andar de mota no monte, como fazia antes e a família até se recolheu toda mais em casa, por receio de retaliações futuras.
Mais forte para o assistente foi a dor emocional que sentiu e a mágoa de que a qualquer momento a arma pudesse disparar do que propriamente a queimadura sentida, até porque o seu marido habitualmente é submetido a duras provas físicas por lidar com o alto risco do desporto, mas nada era comprável a ter os canos de uma apontada ao seu corpo.
Reiteramos que estes depoimentos foram consentâneos com as regras da experiência comum e cremos também, tal como o assistente E… e a sua mulher disseram, que não fosse a preparação psíquica do assistente E… por ter lidado com situações limite desportivas em termos físicos e psicológicos, que esta situação mediante um eventual movimento mais impulsivo e irreflectido poderia ter tido um desfecho mais trágico, em face da agressividade e impulsividade descrita pelos arguidos. Mas há que distinguir a situação, este cenário, próprio de um cenário de guerra ou de uma elevada violência, não deixa de ter repercussões muito nefastas sobre a vida de uma pessoa que a sofre, por muito bem preparada que esteja para lidar com situações de risco em práticas desportivas.
- L…, mecânico, e colega dos assistentes das provas de desportivas de automobilismo, que estava no M…, mas mais afastado, apercebeu-se do sucedido igualmente, mas quando se aproximou do veículo já estavam os ânimos mais calmos. Esteve presente na identificação dos arguidos quando as autoridades policiais chegaram.
Sendo amigo e colega de E… na prática desportiva de automobilismo, tomou conhecimento, por conviver com ele, que este andava perturbado, questionando-se constantemente a razão daquela abordagem agressiva por parte dos arguidos.
Como esta testemunha acompanhava o E… na prática desportiva, convivendo com ele diariamente, tinha conhecimento directo de que a equipa de automobilismo deixou de treinar no M… a partir deste incidente, e nas primeiras semanas que se seguiram, o E… andava de tal forma apreensivo e perturbado e até com medo de retaliações - até porque vivia num local isolado de outras habitações - que deixou de andar de mota nos montes, aos fins de semana como o fazia antes. Depois, apesar de ser de Famalicão, passou a escolher lugares em Braga, para a prática desportiva e a ser mais cauteloso, em especial se havia caçadores por perto. Não obstante, referiu que o E… é habitualmente uma pessoa muito calma, pacífica, que nunca teve problemas com caçadores em situações anteriores e que era do conhecimento dele e da equipa que era necessário ter cuidado com os cães e nunca nenhum elemento da equipa foi abordado ou chamado à atenção de que os treinos estariam a prejudicar a prática desportiva de caça.
- N…, técnico profissional de saúde, também elemento da equipa de automobilismo que se deslocou para o M…, para acompanhar o treino, contou que vários elementos estavam ao longo do trajecto que o E… fazia, para avisar da prova. A certa altura ouviu um tiro mas não ligou, até porque já tinha sido caçador. Depois pareceu-lhe ouvir mais dois tiros. Quando se apercebeu do sucedido, aproximou-se do "burburinho com os colegas da equipa", mas já os ânimos estavam mais calmos. Constatou que os arguidos estavam com as caçadeiras e ouviu um colega da equipa mecânica a fechar a porta e a dizer ao E… para se ir embora.
Ficaram todos muito estupefactos perante o sucedido, até porque não compreenderam a razão da actuação dos arguidos caçadores, pois o E… é uma pessoa habitualmente muito pacífica e respeitadora da prática de caça, até porque também tem familiares que são caçadores.
Depois dos assistentes se terem ido embora, esta testemunha manteve-se no local até chegarem os elementos da GNR para identificar os arguidos e estes já estavam mais calmos e até foram educados, dizendo só que aquele local não se destinava à prática de automobilismo.
Como viu os arguidos junto ao veículo do E… e ficou no local desde o sucedido até a policia chegar e identifica-los, tinha a certeza que os arguidos foram as pessoas que abordaram os assistentes.
O…, cabo da GNR, recordava-se de se ter dirigido ao M… e os arguidos não ofereceram qualquer resistência à sua identificação pois caso tal tivesse acontecido, lembrar-se-ia. Não se recordava de mais pormenores em face do tempo decorrido.
P…, militar da GNR, só se recordava de ter sido chamado ao M…, mas já ao tinha ideia da situação em concreto, nem se lembrava de ter sido elaborado um auto de ocorrência.
Em face destes depoimentos e conjugando ainda as lesões que o assistente E… apresentava, decorrentes do encosto dos canos das armas no pescoço e na zona lombar, o que lhe provocou uma queimadura, é manifesto que as armas tinham deflagrado tiros antes.
Para além do mais, as posteriores testemunhas de defesa ouvidas e as declarações dos arguidos não infirmaram a convicção que o tribunal formou a partir daqueles relatos sinceros e credíveis.
A testemunha G… vigilante da zona de caça associativa nas imediações do M… não assistiu aos factos, tendo vindo a saber do sucedido pelo que o arguido B… lhe contou. De acordo com o depoimento desta testemunha, o local que o arguido lhe indicou por onde alegadamente o assistente passou era uma zona de caça e estava devidamente sinalizado como tal, à data dos factos.
E pelo que o arguido B… lhe contou este não tinha dado nenhum tiro naquele dia.
Ora este depoimento quanto aos factos nada de relevante acrescentou, na medida em que não teve conhecimento directo dos factos.
Quanto à personalidade deste arguido, já se afigurou essencial, na medida em que conhecendo os arguidos, tinha-os em consideração como pessoas respeitadoras e educadas, que tinham como passatempo o exercício da caça.
Q…, vizinho do arguido B…, há cerca de trinta anos, conhecia-o como uma pessoa educada, respeitadora, com o comportamento cívico sem máculas.
S…, igualmente vizinho do arguido B…, de uma forma credível e isenta, exaltou a pacatez e a estima social de que gozava no meio vicinal.
T…, amigo e ex vizinho do arguido D…, revelou que nunca lhe conheceu um episódio de agressividade, que se trata de uma pessoa dedicada à família, sendo igualmente uma pessoa respeitada no meio social onde se insere.
O arguido B… admitiu as circunstâncias de tempo e lugar, acompanhado dos co-arguidos.
Disse que o D… deu um tiro dentro da mata e outro já dentro do caminho para chamar os cães, depois o D… meteu-se no caminho à frente do veículo do E…. O C… abriu a porta do carro e os arguidos chamaram alguns nomes e houve uma troca de palavras durante a qual o D… disse que aquilo era tudo dele e tinha dinheiro para pagar os cães, pois os arguidos estavam a chamar a atenção que ele não respeitava os cães.
Negou os restantes factos, ou seja o deflagrar de tiros, que tivesse apontado a arma ao E… e ameaçado de morte.
Ninguém estava ali e ninguém viu como as coisas se passaram.
Para o facto de aparecerem as marcas no corpo no E… não conseguiu dar qualquer explicação, dizendo que ele nunca deflagrou um tiro.
Apesar do F… lhes contar o sucedido, a GNR quando se deslocou ao local não apreendeu as armas.
O C… referiu que nesse dia andava a caçar no monte e o D… ia à frente e o arguido atrás e apercebeu-se que o D… deu dois tiros para chamar os cães, que o E… atropelou, pois viu-os de baixo do jipe. O E… embateu em quatro cães com o carro. O E… meteu-se à estrada com as mãos no ar, a uma distância de oito metros à frente e o jipe quase que o atropelou. Então decidiu ir ao lado do E…, abriu a porta e disse-lhe: "Então nosso amigo, atropela os cães e o quase que atropela o D…?", ao que o E… disse que aquilo era tudo dele, nem que matasse os cães todos, tinha dinheiro para os pagar.
Este arguido foi a primeira pessoa que falou com ele, mas nunca lhe apontou a arma e nem disse: sai cá para fora.
Sequencialmente o D… e B… chamaram atenção para os cães.
O sistema de comunicação do capacete não foi arrancado e nem viu o D… a puxar o capacete.
Não viu ninguém as encostar os canos da caçadeira ao corpo do E…. Após algumas hesitações disse que era natural que alguém tivesse dito que: eu mato-vos. Mas depois, olhando imediatamente para o seu advogado, disse que não ouviu ninguém dizer isso.
Não conseguiu dar uma explicação para o aparecimento das lesões no corpo do E….
O arguido D… disse que não apontou a arma a ninguém, estava a caçar e vinha à frente da caçada e numa altura ouviu um carro a passar, pois de vez em quando passam carros por um caminho ali perto, e foi-se aproximando do caminho. Os cães, aproximaram-se mais do caminho e viu que o carro vinha outra vez e saiu ao caminho e quando vi que o carro estava no caminho, tentou chamar os cães através do tiro, para se aproximarem de si. Quando deu o tiro já via o carro, mas foi para tirar os cães dali, pois não sabia se os cães já tinham atravessado o caminho.
Nem sabia que o carro andava para cima e para baixo, E deu o tiro para os cães passarem pelo caminho e atravessarem ao mesmo tempo o caminho por onde seguia também o E….
Foi a correr em direcção ao carro para este parar e com os braços abertos em direcção ao carro, mas tinha a arma consigo pegado no cavaco, E viu cerca de quatro cães a ficar por baixo do carro, mas não foram embatidos.
Depois viu a porta aberta e o C… junto à porta. E quando se aproxima um homem alto já se tinha aproximado, - uma das testemunhas, talvez U… -. Admitiu que insultou o arguido. Não se aproximou do E…, sem que a testemunha já estivesse também ali perto.
O B… chegou quando o D… se apercebeu da testemunha e aquele tomou o lugar o C….
Negou que tivesse havido ameaças de morte. Não tentou retirar o cinto de segurança do E…, nem lhe tocou. Mas viu uma mão a tocar no capacete, não sabendo de quem era. O E… é que o incentivou os arguidos a insultá-lo.
Os arguidos só queriam fugir dele.
Admitiu depois que tentou meter a mão, mas não conseguiu chegar perto do E….
Nunca lhe apontou a arma com os canos.
As marcas no corpo do E… não foram feitas pelos arguidos. Aquilo foi tudo uma simulação dos assistentes.
As pessoas que se aproximaram até estavam ali depois a conversar normalmente.
Questionado se conseguia dar uma explicação para o facto de ao assistente, no mesmo dia, às 18.14 horas do mesmo dia, ter sido diagnosticado no pescoço e na zona lombar do E… lesões provenientes de queimadura.
Todos arguidos admitiram que cada um tinha uma caçadeira, marca Pietro Beretta.
Ora, é certo que aos arguidos não se impõe a sujeição do dever de relatar a verdade, tal como às testemunhas e aos assistentes.
No entanto, também não confere a lei o direito à mentira, mais quando as declarações se traduzem num manifesto atentado às regras da experiência comum e à inteligência, visando tão só e, desnecessariamente, entorpecer a acção da justiça, no momento da apreciação dos factos.
É um facto que os ânimos estiveram exaltados, é um facto que o assistente no mesmo dia e pouco tempo depois dos factos apresentava lesões decorrentes de queimaduras, com a configuração de um círculo idêntico a canos de caçadeiras. É um facto que cada um dos arguidos admitiram que quando estavam junto do E… tinham consigo as armas. Não se concebe o episódio tal como relatado pelos assistentes e testemunhas presenciais, configurasse uma cabala, uma montagem ou uma simulação por parte dos assistentes. E nem mesmo escudando-se no facto de que perante os factos as autoridades nem sequer apreenderam as armas, para prova do alegado pelo assistente F…, pode levar a outra conclusão, a não ser que perante tal relato as autoridades não cumpriram convenientemente o seu dever, como se impunha para assegurar a prova, pois que nem sequer um auto de ocorrência elaboraram - cfr. fls. 261. As marcas no corpo do assistente são irrefutáveis. A animosidade e o conflito, - pelo menos de palavras -, foram confirmadas pelo arguido. Não se convenceu o tribunal de que só o arguido D… disparou com a sua arma, na medida em que tendo o arguido B… encostado o cano da sua caçadeira ao pescoço da vítima queimou-o, do que resulta que momentos antes tinha de ser efectuado um disparo, pois os canos ainda estavam quentes.
A globalidade da prova produzida, apreciada em conjugação com juízos de normalidade, decorrentes das regras da experiência, foi determinante para fundar a convicção do tribunal no que concerne ao dolo dos arguidos. Com efeito, não tendo os arguidos confessado os factos, a prova do dolo produziu-se, necessariamente, de uma forma indirecta, ainda que objectivada em concretos meios de prova.
Relativamente aos factos constantes do pedido de indemnização civil, teve-se em conta as regras da experiência comum quanto aos efeitos que uma situação como a descrita causa na vida das pessoas, bem como o depoimento das testemunhas já supra referidas (H…, I…, J… e K…, L…, N…).
Quanto à situação económico - social dos arguidos, o Tribunal, teve em conta as declarações prestadas pelos arguidos e pelas testemunhas de defesa (G…, Q…, S… e T…).
Teve-se ainda em consideração o documento de fls. 252 e 253 a qualificar o caminho florestal que liga a EM … à freguesia de … e …, como público.
Por fim, foi tido em conta o teor dos certificados de registo criminal dos arguidos juntos aos autos a venda a dinheiro de fls. 140.
Já quanto à matéria de facto não provada, tal ficou a dever-se à circunstância de relativamente à mesma não ter sido produzida qualquer prova ou qualquer prova suficientemente consistente. Pese embora o tribunal se tenha convencido de que daquele dia em diante os assistentes requisitaram sempre força policial, não foi produzida prova suficiente quanto ao custo.
***
2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. O âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[1] Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso dos vícios ou nulidades da sentença a que se reporta o art.º 410.º, n.os 2, alíneas a), b) e c) e 3 do Código de Processo Penal,[2] o que no caso se não verifica. E se para além da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto for também invocada a nulidade do julgamento e da sentença, alegadamente por, naquele caso não ter sido integralmente documentada, por gravação, a prova oral produzida no julgamento e, neste, por a sentença ser contraditória ao condicionar a suspensão das penas em que condenou todos os arguidos ao pagamento solidário da indemnização civil, são considerações de ordem lógica a impor que primeiramente delas se conheça. Isto porque se o julgamento ou a sentença forem nulos, ainda que em parte, não faz qualquer sentido que se aprecie se as provas impunham diferente decisão, pois que afinal teriam que voltar a ser produzidas.

Assim sendo, as questões a apreciar neste recurso são as seguintes:
• no recurso dos arguidos B… e C…:
1.ª A não documentação de parte das provas orais produzidas na audiência de julgamento produz a nulidade desse acto e, nesse caso, como e quando deve ser arguida e quais as consequências daí decorrentes?
2.ª As declarações prestadas pelos arguidos B… e D… e o depoimento da testemunha G… não foram integralmente gravados e o julgamento é nulo?
3.ª A sentença é contraditória por condenar todos os arguidos numa pena e solidariamente numa indemnização mas suspender a execução daquelas na condição de apenas dois deles pagarem esta última e por isso padece de nulidade insanável?
4.ª A impugnação da decisão da matéria de facto pode fazer-se indicando nas conclusões do recurso, após convite para o seu aperfeiçoamento, o início e o fim dos depoimentos das testemunhas como provas concretas que, na opinião do recorrente, impunham diferente decisão da recorrida?
5.ª Nesse caso, as declarações e o depoimento dos assistente e da testemunha G…, E… e F… e H… indicados nas conclusões do recurso impunham que tivesse sido julgado provados os factos indicados pelo recorrentes nas conclusões 5 e 6 do recurso?
5.ª Em consequência disso, deveria ter sido considerado que os arguidos agiram no exercício de um direito e que isso excluiria a ilicitude nos termos do art.º 31.º, alínea b) do Código Penal?
6.ª A indemnização fixada não deve ser superior a € 2.000,00 para o assistente E… e € 1.000,00 para o assistente F…?

• no recurso do arguido D…:
7.ª A sentença não fundamenta porque motivo entende que a imposição do cumprimento do dever no pagamento da indemnização se revela conveniente ou adequado à realização das finalidades da condenação (e por isso é nula, nos termos dos art.os 379.º, n.º 1, alínea a) e 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)?
8.ª As passagens indicadas pelo recorrente nas conclusões do recurso das suas declarações e dos assistentes impunham que tivesse sido julgado não provados os factos enumerados em 3, 4, 12 a 14 e 16?
9.ª Em consequência, o único comportamento que lhe poderá ser assacado será aquele que se encontra expresso nos artigos 6.º e 9.º e isso consubstanciará um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal?
10.ª A pena deve ser especialmente atenuada por ter decorrido muito tempo desde os factos mantendo ele boa conduta, nos termos do art.º 72.º, n.º 2, alínea d) do Código Penal?
11.ª A pena deve ficar-se pelo mínimo legal de um ano de prisão, substituída por multa?
12.ª Não deve ser solidária a condição de pagamento da indemnização devida aos lesados para a suspensão da execução da pena?
13.ª Sendo o valor dessa condição excessivo e desadequado ao cumprimento das finalidades da pena?
14.ª A indemnização fixada não deve ser superior a € 750,00 para o assistente F… e € a 1.000,00 para o assistente E…?
***
2.2. Antes de passarmos a apreciar as questões atrás enunciadas importa conhecer de uma questão prévia que se prende com a admissibilidade dos recursos interposto pelo recorrente da decisão dos pedidos de indemnização civil que contra ele foram deduzidos por todos os demandantes, por um lado F… e E… e, por outro, D….
Vejamos então essa questão.

Os pedidos cíveis foram deduzidos após o dia 01-01-2008 e os valores que lhes foram dados pelos demandantes montam a € 2.700,00 e € 4.192,00. E porque com a decisão da sua procedência, total no primeiro caso e parcial no segundo, foram os demandados condenados a pagar-lhes as quantias de € 2.700,00 e € 4.113,75 e eles se não conformaram, interpuseram recurso da sentença condenatória.
A alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância era, então, como mesmo muito antes disso, de € 5.000.[3]
Os recursos das decisões em matéria cível só são admissíveis se o valor do pedido exceder o da alçada do tribunal recorrido.[4]
Assim sendo, uma vez que o valor dos pedidos de indemnização civil eram inferiores ao da alçada cível do Tribunal a quo, não eram admissíveis os recursos da decisão dos mesmos pelo Tribunal a quo. Sendo certo que a sua admissão não vincula esta Relação,[5] nem a sua não rejeição sumária pelo relator vincula a conferência.[6] Pelo que adiante assim o decidiremos.

Apreciemos agora as questões suscitadas nos recursos, despidas, naturalmente, das que estritamente se circunscreviam à decisão dos pedidos de indemnização civil. E para isso começaremos pelo recurso interpostos pelos arguidos B… e C….

2.3. Recurso dos arguidos B… e C….
2.3.1. Entre as questões aí suscitadas importa começar por saber se a não documentação de parte das provas orais produzidas na audiência de julgamento produz a nulidade desse acto e, nesse caso, como e quando deve ser arguida e quais as consequências daí decorrentes.
Como é sabido, «as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade».[7] A documentação «…é efectuada, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, quando aqueles meios não estiverem disponíveis».[8]
As nulidades processuais penais são, em regra, sanáveis, pois que a lei expressamente estabelece que apenas são insanáveis as que assim considerar.[9]
Assim, embora a lei configure como nulidade a omissão ou deficiente gravação das provas prestadas oralmente no julgamento, não a qualifica como insanável. Pelo que outra conclusão se não pode daí retirar que não seja considerá-la sanável.

Ora, a lei do tempo estabelecia que «sempre que for realizada gravação, o funcionário entrega no prazo de quarenta e oito horas uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico necessário».[10] E que, «salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual».[11] Destarte, a nulidade ter-se-á por sanada caso não seja arguida pelo interessado, em reclamação autónoma e perante o Tribunal de 1.ª instância,[12] no prazo de 10 dias subsequentes à prática do acto, descontado o prazo de 48 horas da entrega do respectivo suporte pelos serviços judiciais ao interessado que o tenha requerido, vale dizer, contado da sessão da audiência de julgamento em que o depoimento foi produzido (e pretensamente gravado).[13] E ainda assim é, deve dizer-se, somente nos casos em que a deficiente gravação se mostre impeditiva do cabal exercício do direito ao recurso e consequente conhecimento dele, pois que, fora isso não deve ter quaisquer consequências processuais.[14]

Baixando ao caso sub iudicio, diremos que os recorrentes apenas invocaram a nulidade em causa com o requerimento de interposição do recurso e não em requerimento autónomo, dirigido ao juiz do julgamento, o qual, de resto, foi apresentado muito para lá do prazo de 10 dias subsequente à sessão do julgamento em que os depoimentos foram produzidos e, como por eles foi alegado, deficientemente gravados.[15] O que nesta parte importa que o recurso não possa ser provido.
Mas ainda que assim não fosse sempre a solução seria a mesma. Com efeito, não enunciando o recorrente a essencialidade das partes dos depoimentos que não foram gravadas, limitando-se a afirmar que a transcrição do depoimento da testemunha G… é deficiente e o da testemunha H… e dos arguidos B… e D… nada contêm. Ora, no que concerne às declarações dos arguidos, nem sequer foram invocadas para fundamentar o recurso, pelo que em nada interessam e por isso nunca a hipotética omissão da gravação poderia produzir a nulidade, como atrás referimos. Já quanto aos depoimentos das ditas testemunhas, não refere o que disseram que pudesse ter interesse e nem por isso deixou de impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto!

Assim sendo e em conclusão diremos que, sanada que se mostra a invocada nulidade decorrente da hipotética e alegada deficiente gravação daquela prova oral produzida na audiência de julgamento, nesta parte o recurso não merece provimento. E com isso fica prejudicado o conhecimento da questão subsequente, a qual consistia em saber se essas declarações prestadas e depoimentos não foram integralmente gravados e o julgamento era nulo.

2.3.2. Apreciemos agora se a sentença é contraditória por condenar todos os arguidos numa pena e solidariamente numa indemnização mas suspender a sua execução na condição de apenas dois deles a pagarem e se por isso padece de nulidade insanável.
A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição da pena de prisão que visa promover as finalidades da punição,[16] a saber, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.[17] Pode ser condicionada ao cumprimento de deveres ou à imposição de condutas; no primeiro caso, quanto tem primordialmente em vista a reparação do mal causado com o crime[18] e, no segundo, a promoção da reintegração do agente na sociedade.[19] Não que com isto se pretenda dizer que à imposição de deveres seja alheia qualquer ideia de ressocialização do agente do crime, naturalmente, mas apenas que isso deles poderá resultar de forma indirecta.[20]
O incumprimento culposo dos deveres ou das regras de conduta tem como consequência que o tribunal faça uma solene advertência ao faltoso, lhe exija garantias do cumprimento das obrigações ou prorrogue o período de suspensão inicial[21] e pode levar até à revogação da suspensão da execução da pena de prisão e à consequente determinação do cumprimento da mesma.[22] Subjacente à execução da pena de suspensão da execução da pena de prisão está, por conseguinte, uma ideia de culpa e, portanto, de responsabilidade pessoal e individual do condenado na pena, assumindo esse dever uma inequívoca natureza penal. De resto não é despiciendo notar-se que com a sua imposição se pode evitar «que a opinião pública e o próprio agente fiquem com a impressão de que o facto praticado acabou por ficar sem adequada reação de quem tem o jus puniendi».[23]

Baixando agora ao caso sub iudicio, vemos que o Tribunal subordinou a suspensão da execução das penas de prisão impostas aos recorrentes ao cumprimento do dever de pagarem solidariamente aos ofendidos as indemnizações em que foram condenados. O que vale por dizer que o pagamento pode ser feito apenas por um deles que a todos libera,[24] pode ser integralmente exigido de cada um deles[25] sem que possam exigir a divisão[26] e o cumprimento por qualquer deles produz a extinção da obrigação relativamente a todos.[27]

Ora, tendo em vista as finalidades da suspensão da execução da pena e as consequências resultantes do regime da solidariedade da obrigação de pagamento da indemnização civil imposta aos arguidos, não restam dúvidas de que a imposição a todos eles do dever de pagamento da indemnização em regime de solidariedade não se coaduna com as finalidades da suspensão das penas em que eles foram condenados.[28] Basta pensar que se um dos arguidos não pagar culposamente a indemnização e um dos outros o fizer integralmente isso tem por efeito considerar-se cumpridos os deveres condicionantes da suspensão da execução de ambas as penas de prisão impostas a um e outro, ao arrepio dos fins visados com a suspensão da execução das penas de prisão no que tange ao incumpridor.
Não que com isso a sentença seja nula e muito menos que o seja de modo insanável, pois que tal só acontece nos casos previstos no art.º 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e nele se não enquadra o caso em análise. No entanto, ao assim decidir cometeu o Tribunal a quo um error in judicando, o qual deve ser corrigido adequando a condição à medida da responsabilidade de cada um dos recorrentes. Sendo certo que esta «modificação da condição de suspensão da execução da pena da[os] recorrente[s] em nada interfere com a sua condenação solidária no pagamento da indemnização civil ao demandante», pois que uma e outra têm naturezas diferentes, o que, naturalmente, se mantém [29].

2.3.3. Resta por apreciar neste recurso se a impugnação da decisão da matéria de facto pode fazer-se indicando nas conclusões do recurso, após convite para o seu aperfeiçoamento, o início e o fim dos depoimentos das testemunhas como provas concretas que, na opinião do recorrente, impunham diferente decisão da recorrida.
Pretendendo impugnar amplamente a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar na motivação e nas conclusões:[30]
- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
- As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
- As provas que devem ser renovadas.

No que concerne à primeira daquelas especificações (isto é, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados), importa dizer que só é cabalmente cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado.[31] Quanto à segunda e à terceira daquelas especificações, quando as provas tenham sido gravadas fazem-se, por referência ao consignado na acta,[32] pela indicação pelo recorrente das concretas passagens em que funda a impugnação.[33] E nesse caso, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.[34] Sendo que a especificação das passagens na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações basta ao recorrente transcrevê-las.[35] E se tal não cumprir, omitindo nas conclusões o que alegou na motivação, deve ser convidado a suprir essa omissão, no prazo de 10 dias, pelo relator do processo, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada,[36] sem que com isso possa alterar o objecto do recurso fixado na motivação.[37]

Baixando ao caso sub iudicio, diremos que os recorrentes deram cumprimento ao primeiro dos ónus supra referidos, tanto na motivação como também nas conclusões do recurso, pois que indicaram expressamente os factos que impugnam por considerarem erradamente julgados.

Porém, já assim não procederam quanto ao segundo dos referidos ónus, pois que não indicaram, nas conclusões, por referência ao suporte digital,[38] qualquer passagem dos indicados depoimentos testemunhais produzidos na audiência de julgamento nem ali procederam à sua transcrição. E isto mesmo depois de terem sido convidados para suprir tal omissão, no prazo de 10 dias, sem que com isso pudessem modificar o objecto do recurso fixado na motivação.
Destarte, não se poderá conhecer do recurso da decisão proferida sobre a decisão da matéria de facto em sede de impugnação ampla.

2.4. Recurso do arguido D….
2.4.1. A primeira questão que importa aqui conhecer é a de saber se a sentença não fundamenta porque motivo entende que a imposição do cumprimento do dever no pagamento da indemnização se revela conveniente ou adequado à realização das finalidades da condenação e, por isso, diremos nós, é nula, nos termos dos art.os 379.º, n.º 1, alínea a) e 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Como sabemos, é nula a sentença que, além do mais que aqui não releva considerar, não contiver a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas quer serviram para formar a convicção do Tribunal.[39]
A exigência de fundamentação das decisões judiciais tem natureza imperativa é um princípio geral de relevância constitucional.[40] Com isso se visa alcançar um triplo objectivo: permitir a compreensão da decisão e, consequentemente, a sua aceitação, tanto pelos seus destinatários directos, quer pela comunidade jurídica em geral; garantir que a prova foi racionalmente apreciada e garantir o efectivo exercício do direito ao recurso,[41] ou seja, que o mesmo se faça na plena compreensão do acto de que se recorre.[42] É que, como há muito lembrou Eduardo Correia, «só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, ‘convencer’ as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por ‘convencido’ sugere.» [43]
A fundamentação da matéria de facto nas decisões judiciais penais desdobra-se em dois níveis de exigência: a enumeração dos factos provados e não provados e a explicitação do exame crítico das provas, feito pelo julgador, de tal forma que se entenda como, juntamente com as regras de experiência comum e da lógica, se formou a convicção do Tribunal.[44]
A exposição dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, deve ser completa mas concisa, contendo as provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo Tribunal, bem como a análise critica da prova.[45] Esta análise deverá consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais determinado meio de prova, ou determinados meios de prova, foi ou foram valorados num certo sentido e outros não; ou seja, a explicação dos motivos que levaram o Tribunal a considerar certos meios de prova como merecedores de credibilidade e não credíveis e, ainda, na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada. Ou, como escreveu a Relação de Évora, «a apreciação crítica das provas consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida. Tal exposição, ainda que concisa, como refere o n.º 2 do citado artigo 374.º, deve permitir compreender o motivo pelo qual o tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que sustentam a decisão negativa ou positiva da matéria de facto em causa, sem que tal origine, como é evidente, a obrigação de decompor cada um dos termos ou conceitos que são usados para expressar o maior ou menor poder de convicção de cada um dos meios de prova.»[46]
Pelo que só com a demonstração de que a opção concretamente tomada não é «… ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras de experiência comum na apreciação da prova, abrindo as portas a todo o possível arbítrio.»[47] Em suma, «a fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o art.º 410.º, n.º 2. […] E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade».[48]

Descendo agora ao caso concreto, constatamos que da sentença recorrida consta o seguinte:
«A obrigação de reparação do mal do crime, como condicionante da suspensão da prisão, cumpre, no caso, uma importante função adjuvante das finalidades da punição. Contribui efectivamente para a reinserção social do arguido, que assim melhor se reabilita, apagando, na medida do possível, o seu acto criminoso. Facilita, ainda, a reposição da situação do lesado antes do cometimento do crime. Em suma, "permite cuidar ao mesmo tempo do delinquente e da vítima" (Manso Preto, Algumas considerações sobre a suspensão condicional da pena, in Textos, Centro de Estudos Judiciários, 1990-91, p. 173)", melhor assegurando "o direito do cidadão a ser punido com a pena justa" (Faria Costa, Linhas de Direito Penal e de Filosofia alguns cruzamentos reflexivos, 2005, p. 230).
A suspensão condicionada é, pois, um "meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora sobre o agente, sem privação da liberdade". A sua vantagem "reside precisamente na possibilidade de adaptar a sanção às circunstâncias e necessidades do agente" (JeschecK, Weigend, Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 898-899. E sobre o papel e funções da reparação no ordenamento penal alemão - como isenção ou atenuante de pena; como condição imposta ao condenado; como substitutivo da sanção penal; como consequência jurídica autónoma do direito penal juvenil - ver Pablo Galan Palermo, Suspensão do Processo e Terceira Via: avanços e retrocessos do sistema penal, in Que Futuro para o Direito Processual Penal, 2009, pp. 613 a 643).
Permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena, que não se limita assim a descansar na "ideia da ameaça da pena e do seu efeito intimidativo", sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005 reimp., p.339).
Nas palavras de Pablo Galan Palermo, a reparação "constitui um comportamento positivo posterior" do agente que "compensa o injusto, repara o dano social, cumpre com o fim de prevenção especial ressocializadora, cumpre com o fim de prevenção penal integradora" (loc. cit. p. 642-643).
Mas para que se cumpra tal desiderato, deve o arguido encontrar-se em condições de poder cumprir a obrigação pecuniária, na quantidade e no tempo determinados na sentença.
Para tanto, deve o juiz averiguar das possibilidades do cumprimento do dever a impor, de forma a fixá-lo num modo quantitativa e temporalmente compatível com as condições do condenado, só assim se prosseguindo o seu direito a uma pena justa.
A esta compatibilização se refere o art. 51.º do CP, cujo n.º 2 estipula que "os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir", prevendo-se no n.º 3 a modificação dos deveres por ocorrência de circunstâncias relevantes supervenientes. Daí o dizer-se que este n.º 2 completa com um princípio da razoabilidade, os princípios gerais que norteiam a fixação da pena - da adequação e da proporcionalidade.
Pese embora, a solidariedade do pagamento que infra se condenará (€ 4113,75 ao assistente E… e € 2.700,00 ao assistente F…), considera-se que mesmo que o tribunal impusesse a cada um dos arguidos individualmente o pagamento da indemnização, não obstante o sacrifício, que é inerente, às condenações, representa tal um encargo mensal durante o período de suspensão de execução da pena de prisão (dezassete meses) de € 400,00 no total, o que seria suportável por cada um dos arguidos individualmente. Mas como este montante até será a pagar pelos três arguidos, suportará cada um certamente um valor inferior aos € 400,00, o que se afigura razoável, em face das suas condições socioeconómicas».

Assim sendo, não são precisas mais palavras para qualquer cidadão perceber com toda a facilidade que a sentença não padece do mal que lhe aponta o recorrente e que fundamenta, ad nauseam usque, a questão em apreço. Explica, com meridiana clareza, tanto sob o ponto de vista legal, como doutrinal, o instituto em apreço e procede à integração jurídica dos factos. Daí que nesta parte também se imponha o naufrágio do recurso.

2.4.2. Importa agora apurar se as passagens indicadas pelo recorrente nas conclusões do recurso das suas declarações e dos assistentes impunham que tivesse sido julgado não provados os factos enumerados em 3, 4, 12 a 14 e 16.
É comummente aceite que o julgamento da causa é o que se realiza em primeira instância e que o recurso visa apenas corrigir erros de procedimento ou de julgamento que nele possam ter resultado, incluindo erros de julgamento da matéria de facto. Pelo que em caso algum possa servir para obter um novo julgamento, agora em segunda instância.[49] O objecto do recurso é a decisão recorrida e não o julgamento da causa, propriamente dita.[50] E óbvias razões existem para que assim seja.
Com efeito, a produção da prova decorre perante o tribunal de primeira instância e no respeito de dois princípios fundamentais: o da oralidade[51] e o da imediação.[52] E com isso visa-se assegurar o princípio basilar do julgamento em processo penal: o da livre apreciação da prova por parte do julgador.[53]
O princípio da imediação pressupõe um contacto directo e pessoal entre o julgador e as pessoas que perante ele depõem,[54] sendo esses depoimentos que irá valorar e servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.[55] E é precisamente essa relação de proximidade entre o tribunal do julgamento em primeira instância e os meios de prova que lhe confere os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes e que de todo em todo o tribunal do recurso não dispõe.[56] Há na verdade que atender e valorar factores tão diversos como as razões de ciência que os depoentes invocam ou a linguagem que utilizam, verbal ou não verbal, a espontaneidade com que depõem, as hesitações e o tom de voz que manifestam, as emoções que deixam transparecer, quer de inquietude quer de serenidade, através de expressões faciais, movimento repetido e descontrolado de mãos ou de pés, encolher de ombros, as contradições que evidenciam e o contexto em que tal acontece.[57]
Por isso é que quando a decisão do julgador se estriba na credibilidade numa uma fonte probatória assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode exercer censurar se ficar demonstrado que o iter da convicção trilhado ofende as regras da experiência comum. O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância, só podendo o tribunal de recurso modificar aquela decisão quando não encontrar qualquer suporte nos meios de prova produzidos no processo.[58] A menos que a convicção formada pelo julgador contrarie as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos.[59]
Tanto mais assim é que a alteração do decidido em primeira instância só poderá ocorrer, de acordo com a alínea c), do n.º 3, do a art.º 412.º do Código de Processo Penal, se a reavaliação das provas produzidas impuserem diferente decisão, mas já não se tal for uma das soluções possíveis da sua reanálise segundo as regras da experiência comum.[60] Em suma, sempre que a convicção do julgador em primeira instância surja como uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo tribunal de recurso.[61] E não é a circunstância, consabidamente recorrente nos processos judiciais, sejam eles de natureza criminal ou outra, de terem sido apresentadas versões distintas acerca de determinados factos ou até mesmo parte inverosímil de determinado depoimento, que impõe ao julgador ter de os aceitar ou recusar in totum, antes se impondo a tarefa de os cotejar para detectar em cada um deles o que lhe merece ou não crédito e em que termos.[62]

Ora, no caso sub iudicio verifica-se precisamente isso e não, como o recorrente quis fazer crer, uma situação em que as provas que especificou diferiram daquilo que foi considerado pelo Tribunal recorrido. Quer dizer, a decisão da matéria de facto a que o Tribunal recorrido chegou teve em conta precisamente a circunstância da versão dos factos apresentada pelos assistentes E… e F… colidirem frontalmente com aquela que ele próprio trouxe ao julgamento e que foram valoradas pelo Mm.º Juiz a quo de modo de forma diferente da do recorrente. Tanto assim é que na fundamentação da decisão da matéria de facto o Tribunal a quo referiu que «quanto aos factos, os mesmos resultaram provados essencialmente através das declarações dos assistentes». E depois explicita o relatado pelos assistentes e o contraponto por parte do recorrente e dos restantes arguidos e, bem assim, as razões porque assim entendeu, designadamente a congruência e plausibilidade das referidas declarações daqueles mas não as destes. Por fim – o que até nos permite aquilatar e concordar com a razoabilidade do julgado e da sua concordância e respeito pelas regras da experiência comum – acresce a confirmação da versão do assistente que resulta dos depoimentos das testemunhas que apresentaram razão de ciência para saber: por exemplo, o depoimento prestado pela testemunha H…, que se encontrava no local, a cerca de 20 a 30 metros e que corroborou as declarações dos assistentes mas não o depoimento prestado pela testemunha G…, que sabia apenas o que o arguido B… lhe contou.

As coisas não são, pois, como o recorrente quis fazer crer, em que as declarações do assistente E…, concatenadas com as que o também assistente F… e ele próprio prestaram na audiência de julgamento, imporiam concluir por uma decisão diversa da recorrida. E para melhor se perceber que assim não é e que as declarações do assistente E… foram, afinal, em sentido diametralmente oposto ao apontado pelo recorrente permitimo-nos citar as seguintes passagens das declarações prestadas pelo referido assistente na audiência de julgamento (gravadas no dia 06-12-2012, entre as 10:17:35 horas e as 10:56:19, constantes do suporte digital que acompanhou o recurso):
De 04:14 ms a 05:44 ms: «… quando realmente fomos confrontados por três elementos que se aproximam um bocado, que vão… que disparam dois ou três tiros para o ar… Andavam por ali uns cães, eu travei precisamente por causa dos cães… os cães meteram-se no caminho e… e… os três… os três elementos dispararam. Não sei se dispararam os três mas pelo menos dois dispararam e aí já com uma atitude digamos, ofensiva, em direcção… eu travo pelos cães, logicamente, que estavam ali a ladrar à frente do carro e as pessoas também… basicamente estavam na frente do carro, claro… eles aproximaram-se, tinham dado dois ou três tiros em direcção… não digo rasante à viatura mas não foi propriamente para o ar pois nós percebemos que as armas estavam apontadas um bocado na nossa direcção».
De 05:54 ms a 07:00 ms: «Ele abriu-me a porta… um dos elementos abre-me a porta… tenho ideia foi o elemento mais pequeno do grupo que terá abrido a porta… talvez o senhor que está ao meio… abriu-me a porta do meu lado e o senhor mais alto… ah… portanto vem… ahhh… do meu lado esquerdo, portanto, eu sou o condutor, e abre-me a porta … o senhor mais alto vem do meu lado esquerdo e… abrem-me a porta e… aponta-me a arma … e depois começaram, a me insultar… anda cá para fora filha da puta que eu mato-te».
De 07:12 ms a 08:11 ms: «Quem me abre a porta é o senhor C… .. ah… depois… ah… o… senhor… que está ao lado… o… quero-me lembrar o nome… sim senhor, o senhor D… … ah… portanto… aproxima-se também e tenta-me tirar do carro. Por aquilo que me apercebi, amarrou-se a mim, ao facto ou… enfim, o cinto, ele depreendeu que eu estava preso com o cinto… é um cinto de cinco apoios, não é… só quem tem a noção de como aquilo funciona é que sabe como se abre o cinto… ele não percebeu imediatamente a situação, ficou um bocado, se quisermos, vou utilizar esta… chateado por eu não sair logo… deu-me a entender que ele queria me tirar do carro para me bater, foi isso que… e puxou. Tanto me puxou e como eu saí, amarrou-se a mim, à minha cara… ao meu capacete… que me arrebentou o sistema de intercomunicação documento capacete».
De 09:41 ms a 14:21 ms: «Eles iam me ofendendo, em termos verbais… sai cá para fora que eu mato-te, filha da puta… ahhh… dou-te um tiro nos cornos, que te fodo… ahhh… e depois, com uma abordagem do senhor D…, com uma abordagem… com o facto de me querer tirar do carro e não ter conseguido, arrebentou-me o capacete… vem o senhor mais idoso… ahhh… e aponta a arma… o senhor B… … e aponta a arma à minha cabeça, a cerca de meio metro de mim… e ameaça-me verbalmente também, dou-te um tiro nos cornos, que te fodo… encostou-me a arma ao pescoço… queimei-me… eu fiquei ali e pensei vou morrer… deu-me uma coronhada com a arma aqui nas costelas».

Destarte e em conclusão diremos que, baseando-se a pretensão recursiva numa avaliação da prova produzida na audiência de julgamento diversa daquela que foi seguida pelo Tribunal recorrido e sem que se detecte qualquer desconformidade desse julgamento com as regras da experiência comum, em que essa leitura da prova permite, sim, mas não impõe decisão diversa da recorrida, naturalmente que nesta parte o recurso está votado ao completo fracasso. E por isso nessa medida não merece provimento, devendo antes manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto. Daí que fique prejudicado o conhecimento das duas questões subsequentes, pois que pressupunham que outra fosse a decisão desta, vale dizer, se em consequência, o único comportamento que lhe poderia ser assacado era aquele que se encontra expresso nos artigos 6.º e 9.º e isso consubstanciaria um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal, a ser punido com pena de multa.

2.4.3. Apreciemos agora a questão de saber se, como pretende o recorrente, a pena deve ser especialmente atenuada por ter decorrido muito tempo desde os factos mantendo ele boa conduta, nos termos do art.º 72.º, n.º 2, alínea d) do Código Penal.
A lei estabelece que «o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena»[63] e que para este preciso efeito é considerada, entre outras, a circunstância de «ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta».[64]
Ora, conforme dissemos atrás o recorrente optou por não assumir as consequências da sua conduta, quer trazendo a juízo uma versão deturpada da verdade com o fito, não conseguido, de se obstar ou apenas atenuar a acção da justiça, quer não curando de reparar, na medida do que lhe mostrasse possível, o mal que fez aos assistentes. Aliás, nem um singelo pedido de desculpas o recorrente alegou ter apresentado aos assistentes. E se verdade que «no meio social onde os arguidos se inserem são todos considerados pessoas respeitadoras, educadas e pacíficas»,[65] isso não significa que verdadeiramente o sejam mas apenas que como tal são considerados. No caso, diga-se em abono da verdade, erradamente, como muitas vezes acontece com a vox populi, pois que, como vimos, não só os factos evidenciaram uma grande carga de violência, negadora da reputação do recorrente como pessoa pacífica, como o mesmo nunca se preocupou com as suas consequências para os assistentes durante os últimos seis anos, ou seja, desde 14-10-2007, data da prática dos factos, até 14-10-2013, data da prolação da sentença recorrida.[66]
Podemos pois dizer que no caso sub iudicio o decurso do tempo não atenuou antes acrescentou a necessidade da pena e por isso não se pode dizer que seja caso de atenuar a pena ao recorrente.

2.4.4. Apreciemos agora a questão de saber se a pena deve calibrar-se pelo mínimo legal de um ano de prisão.
Em primeiro lugar importa ter presente que a medida abstracta legalmente prevista para o crime de coação é de um a cinco anos de prisão.[67] Pelo que a mediana legal se encontra nos três anos de prisão. Depois, releva ter presente que relevam para a calibração concreta da pena as circunstâncias referidas no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, a saber:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

No caso, o grau de ilicitude do facto no crime de é elevado, considerando, por um lado, que o arguido agiu num cenário de desproporção de forças, ditada pela superioridade numérica inicial face aos assistentes e acentuada pelo uso de caçadeiras quando os ofendidos estavam desarmados e, por outro, as consequências deles decorrentes para o assistente e ofendido E…. Já a intensidade do dolo é máxima, pois que directo, sendo plena a sua consciência da ilicitude dos factos que cometeu. A ausência de antecedentes criminais tem o seu relevo, como o considerou a sentença recorrida,[68] ainda que convenha dizer que a ausência de condenações anteriores não só não têm valor atenuativo de relevo quando corresponde à normalidade esperada de um homem comum como nem sequer é indicativo seguro de que exista bom comportamento anterior, sabido que muita criminalidade nem sequer é participada.[69] Tanto mais assim é quando num quadro em que o recorrente optou por não assumir as consequências da sua conduta, quer trazendo a juízo uma versão deturpada da verdade, quer não curando de reparar, na medida do que lhe mostrasse possível, o mal que fez aos assistentes. É certo que o fez no exercício de uma faculdade e que isso o não pode prejudicar, como naturalmente o não prejudica, mas naturalmente que também o não pode beneficiar. No que concerne às necessidades da prevenção geral já não nos parece que se possa dizer, como na sentença recorrida, que «não são de considerar acentuadas, uma vez que este tipo de crimes não ocorrem assim com tanta frequência, quando comparados com outros». Pelo contrário, o que nos é permitido ver é precisamente o incremento da criminalidade violenta, com uso cada vez mais recorrente ao uso de armas de fogo, a exigir que as sentenças criminais enviem à sociedade a mensagem adequada.

Não tem pois cabimento a queixa do recorrente segundo a qual a situação que deu origem aos presentes autos teria sido hiperbolizada pelo facto dos arguidos estarem armados, não se podendo olvidar que assim estavam porque se encontravam no exercício da caça, devidamente legalizados para o efeito e tal não significa, porque armados e zangados, que fossem ou queriam matar alguém, ou que fizeram uso de uma arma com o intuito de assustar ou coagir, o que significaria, seguindo ainda o fio condutor da sua tese, que o medo ou receio confessado pelos assistentes derivaria de um factor puramente. Então o que pretenderia o recorrente que o assistente sentisse ao vê-lo e aos demais arguidos a uma distância de 20 metros, a empunhar espingardas caçadeiras, a disparar para o ar e a apontarem-nas na direcção do jipe, onde ele se encontrava, no lugar do condutor, um deles abrir a porta do mesmo e apontar-lhe a caçadeira e dizer-lhe para sair enquanto um outro o puxava para de lá o retirar, incluindo pelo capacete que cobria a sua cabeça e um terceiro encostar-lhe a arma ao pescoço e assim o queimar, o segundo desferir-lhe uma coronhada nas costelas, o que lhe causou escoriações nas partes afectadas e tudo isto enquanto lhe chamavam e ao assistente F… filhos da puta e cabrões? Medo, naturalmente, mas não apenas por uma qualquer afectação subjectiva do assistente derivada de uma personalidade excessivamente temerosa. Embora o medo seja, por definição, um sentimento próprio dos seres humanos e por estes vivenciado sempre de modo subjectivo, ou seja, por cada um de forma e intensidade diferente mesmo perante situações semelhantes.[70] É certo que os arguidos por ali se encontravam no exercício da caça, mas isso em caso algum lhes conferia o direito de impedir que outros cidadãos, mormente os assistentes, usassem do mesmo espaço público para outros fins igualmente lícitos. O facto de por ali caçarem não os legitimava a exercerem poderes de polícia, que exclusivamente competem às forças públicas do Estado,[71] para mais impedindo os assistentes de exercerem o seu direito constitucional de livre deslocação por caminhos públicos.[72]

Por tudo isto e em síntese diremos que a decisão do Tribunal a quo de fixar a pena em 1 ano e 5 meses de prisão e, portanto, aquém da sua mediana, é justa e respeita as exigências dos art.os 40.º, n.º 1, 70.º, 71.º, n.os 1 e 2, 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal. Pelo que, nesta parte, o recurso não poderá ser provido. E porque excedendo a pena o mínimo de um ano de prisão estabelecido pelo art.º 43.º, n.º 1 do Código Penal para poder ser substituída por multa, naturalmente que também nesta parte o recurso seguirá o mesmo destino.

3.4.5. Cumpriria agora apurar se a condição de pagamento da indemnização devida aos lesados para a suspensão da execução da pena não deve ser solidária. Porém, essa questão já foi supra apreciada a propósito do recurso interposto pelos co-arguidos B… e C… e naturalmente que se impõe aqui à mesma solução a que ali se chegou, vale dizer que nesta parte o recuso deverá se provido. E com isso fica prejudicado o conhecimento das duas questões subsequentes, pois que passavam por saber, na primeira, se o valor dessa condição era excessivo e desadequado ao cumprimento das finalidades da pena (pois que agora já será apenas em 1/3 desse valor) e, a segunda, se a indemnização fixada não deve ser superior a € 750,00 para o assistente F… e € a 1.000,00 para o assistente E… (isto porque, tendo em conta o seu valor, o recurso nesta parte não foi admitido). Pelo que resta decidir em consonância com o atrás referido.
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III - Decisão.
Termos em que relativamente a ambos os recursos se acorda em:
• rejeitar e deles não conhecer na parte relativa à decisão proferida sobre os pedidos de indemnização civil;
• conceder provimento na parte em que a sentença recorrida condicionou a suspensão da execução das penas de prisão dos recorrentes B… e C… ao pagamento solidário das indemnizações civis, a qual nessa parte se revoga e agora se decide que o mesmo será conjunto e na proporção de 1/3 para cada um deles;
• negar-lhes provimento quanto ao mais e, consequentemente, nessa medida manter a sentença recorrida.

Sem custas (art.º 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
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Porto, 17-09-2014.
Alves Duarte
Castela Rio
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[1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[2] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, no processo n.º 1248/07.2PAALM.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, assim sumariado: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» Na Doutrina e no sentido propugnado, vd. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 1049.
[3] Art.º 31.º, n.º 1 da LOFTJ, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto e reafirmado depois pelo art.º 31.º, n.º 1 da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto.
[4] Art.º 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
[5] Art.º 414.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
[6] Art.os 420.º, n.º 1, alínea b) e 417.º, n.º 6, alínea b) do Código de Processo Penal.
[7] Art.º 363.º do Código de Processo Penal. Note-se que a nulidade é do julgamento e não da sentença, que a precedeu, como se decidiu no acórdão da Relação do Porto de 17-04-2013, no processo n.º 217/10.0GBPRD.P1, publicado em http://www.dgsi.pt (no qual o ora relator foi adjunto). De resto, as nulidades próprias da sentença encontram disciplina própria não naquele mas no 379.º do Código de Processo Penal.
[8] Art.º 364.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[9] Art.os 119.º e 120.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[10] Art.º 101.º, nº 3 do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (regime que no fundamental se mantém, agora no art.º 101.º, n.º 4 desse diploma, após a reforma determinada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).
[11] Art.º 105.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[12] Como há muito ensinou Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, volume II, página 507 e seguintes (e também Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, página 183), «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».
[13] Neste sentido decidiram os acórdãos da Relação de Coimbra, 21-03-2012, no processo n.º 8/04.7TASEI.C1 e da Relação do Porto, 06-01-2010, no processo n.º 400/06.2PDVNG.P1 e de 17-04-2013, no processo n.º 217/10.0GBPRD.P1 (no qual o ora relator foi adjunto), todos publicados em http://www.dgsi.pt. Diga-se que esta foi a solução do acórdão Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência, de 07-03-2014, no processo n.º 419/11.1TAFAF.G1-A.S1, recentemente publicado em http://www.dgsi.pt, que fixou a seguinte jurisprudência: «A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar já sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte, e a satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada».
[14] Acórdão da Relação de Évora, 13-05-2014, no processo n.º 307/07.6JAPTM.E1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[15] Basta ver que a sentença foi depositada no dia 14-10-2013 e o recurso só foi interposto no dia 13-11-2013.
[16] Art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal.
[17] Art.º 40.º, n.º 1 do Código Penal.
[18] Art.º 51.º do Código Penal.
[19] Art.º 52.º do Código Penal.
[20] Maia Gonçalves, Código Penal Português - Anotado e Comentado, Almedina, 2007, 18.ª edição, página 221.
[21] Art.º 55.º do Código Penal.
[22] Art.º 56.º do Código Penal.
[23] Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial com notas e comentários, Almedina, 2014, página 326.
[24] Art.º 512.º, n.º 1 do Código Civil.
[25] Art.º 519.º, n.º 1 do Código Civil.
[26] Art.º 518.º do Código Civil.
[27] Art.º 523.º do Código Civil.
[28] Acórdãos das Relações do Porto, de 17-09-2008, no processo n.º 6041/97.6TDPRT.P1 e de 21-04-2010, no processo n.º 6041/97.6TDPRT.P1 e de Coimbra, de 06-07-2011, no processo n.º 1069/07.2TALRA.C1, publicados em http://www.dgsi.pt.
[29] Acórdão da Relação de Coimbra, de 06-07-2011, no processo n.º 1069/07.2TALRA.C1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[30] Art.º 412.º, n.º 3, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal.
[31] Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2009, 3.ª edição actualizada, página 1121, «só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado. Por exemplo, é insuficiente a indicação de todos os factos ocorridos entre duas datas ou de todos os factos ocorridos em determinado espaço fechado ou certo aglomerado urbano».
[32] O citado n.º 2 do art.º 364.º do Código de Processo Penal.
[33] Art.º 412.º, n.º 4 do Código de Processo Penal. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, 6.ª Edição, Porto Editora, página 241, passagem é um substantivo feminino que, entre outras coisas irrelevantes para esta temática, significa «frase ou trecho de um discurso.»
[34] Art.º 412.º, n.º 6 do Código de Processo Penal.
[35] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 3/2012, de 08-03-2012, no processo n.º 147/06.0GASJP.P1-A.S1 — 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 77, de 18 de Abril de 2012.
[36] Art.º 417.º, n.os 3 do Código de Processo Penal.
[37] Art.º 417.º, n.os 4 do Código de Processo Penal.
[38] Não foi feita gravação das declarações nem de testemunhos em cassete magnética.
[39] Art.os 379.º, no 1, alínea a) e 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
[40] Art.º 205.º, n.º 1 da Constituição da República.
[41] Agora ele também erigido em direito fundamental, como se vê do art.º 32.º, n.º 1, in fine da Constituição da República Portuguesa.
[42] Neste sentido, vd. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 55/85, de 25-03-1985, publicado no Diário da República, II Série, de 28/5/85 e da Relação de Coimbra, de 24-02-2010, visto em www.dgsi.pt.
[43] No Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o art.º 653.º do projecto, em 1.ª revisão ministerial, de alteração do Código de Processo Penal, no Boletim Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume XXXV, página 184.
[44] Art.º 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Neste sentido pode ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 408/07, de 11 de Julho e n.º 680/98, de 2 de Maio, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[45] Embora o juiz não deva efectuar assentada das declarações e depoimentos produzidos na audiência de julgamento, tarefa totalmente inútil pois que, por um lado o que importa apreender são as razões que levaram o Tribunal a decidir em certo sentido face aos meios de prova disponíveis e, por outro, em caso de recurso da decisão da matéria de facto sempre o Tribunal superior procederá à audição ou visualização dessa prova, como se vê do n.º 6 do art.º 412.º do Código de Processo Penal.
[46] Acórdão da Relação de Évora, de 11-03-2008, no processo n.º 2277/07-1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[47] Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, III, 3.ª edição revista e actualizada, página 289.
[48] Marques Ferreira, em Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, página 230.
[49] Germano Marques da Silva, em Forum Justitiæ, Maio de 1999, citado no acórdão da Relação de Guimarães, de 20-03-2006, visto em www.dgsi.pt, onde sustentou que «o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.»
[50] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/2006, de 18 de Janeiro, Processo n.º 199/2005, da 2.ª Secção, consultado em http://w3b.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060059.html, de onde respigámos o seguinte trecho: «O que a decisão recorrida disse (e quis dizer) é que o julgamento é efectuado na 1.ª Instância: esse é o verdadeiro julgamento da causa, em que imperam os princípios da imediação e da oralidade e são produzidas todas as provas e as testemunhas, o arguido e o ofendido são ouvidos em pessoa. O recurso para a Relação, mesmo em matéria de facto, não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada (ou todas as questões abordadas na decisão da 1.ª Instância) é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente (ou tornaria a decidir as questões suscitadas). Antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. O Tribunal Superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de direito). Assim, o julgamento em 2.ª Instância não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas a admitidas alegações escritas). Este o entendimento presente na afirmação do acórdão recorrido que constitui um dado adquirido no estádio actual de evolução do processo penal, entre nós, e que não enferma de nenhum pecado constitucional.»
[51] Art.º 96.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[52] Art.º 340.º e seguintes do Código de Processo Penal.
[53] Art.º 127.º do Código de Processo Penal.
[54] E também, naturalmente, com as coisas, nestas incluindo os documentos.
[55] Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-04-2009, processo n.º 2912/06.9TALRA.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[56] Acórdão da Relação de Évora, de 14-03-2006, processo n.º 1050/05-1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[57] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, visto em http://www.dgsi.pt.
[58] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[59] Art.º 127.º do Código de Processo Penal. Neste mesmo sentido vd. os Acórdãos da Relação de Évora, de 14-03-2006, processo n.º 1050/05-1 e da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, ambos consultáveis em http://www.dgsi.pt.
[60] Acórdãos da Relação de Évora, de 03-05-2007, no processo n.º 80/07-3 e da Relação de Coimbra, de 24-02-2010, no processo 138/06.0GBSTR.C1, publicados em http://www.dgsi.pt.
[61] Acórdão da Relação do Porto, de 12-05-2004, processo n.º 0410430, visto em http://www.dgsi.pt.
[62] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, visto em http://www.dgsi.pt.
[63] Art.º 72.º, n.º 1 do Código Penal.
[64] Art.º 72.º, n.º 2, alínea d) do Código Penal. Que essa circunstância se prende apenas com a necessidade da pena, prescindindo, pois, da diminuição da ilicitude e da culpa, vd. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, página 235.
[65] Facto provado enumerado em 61.
[66] Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, página 235, pode considerar-se para efeitos de atenuação especial que «a boa conduta posterior ao facto pode incluir a espontânea reparação do dano».
[67] Art.º 155.º, n.º 1, alínea d) (parte final) do Código Penal.
[68] Quando considerou que «as exigências da prevenção especial são baixas, mostrando-se os arguidos inseridos socialmente e sem antecedentes criminais…».
[69] Neste sentido, vd. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, páginas 252 e 253 e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-07-1984, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 339, página 223 e da Relação de Lisboa, de 04-10-2011, no processo n.º 1484/10.4PFLRS.L1-5, visto em http://www.dgsi.pt.
[70] Veja-se o que nos diz o dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, ano de 1976, página 928: «Sentimento de inquietação que se sente com a ideia de um perigo real ou aparente».
[71] Art.º 272.º, n.os 1 e 2 da Constituição da República.
[72] Art.os 44.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1 da Constituição da República.