Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9560/21.1T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FACTOS CONSTITUTIVOS
ÓNUS DA PROVA
CESSÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP202211089560/21.1T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 11/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Diversamente do que acontece nos embargos à execução de sentença, a oposição à execução baseada em outro título pode fundar-se em qualquer causa que fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração, dado o executado não ter tido ocasião de, em acção declarativa prévia, se defender amplamente da pretensão do exequente/embargado.
II - Pode, pois, o executado alegar, como fundamento de embargos de executado, matéria de impugnação e de excepção, embora não possa reconvir.
IIi - Nos embargos de executado as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseia em normas de direito substantivo, não se alteram (não se modificando pela diferente posição ocupada pelo credor e devedor nos autos).
IV - Cabe ao executado/embargante a prova dos fundamentos alegados, cfr. art.º 342.º, n.º 1 do C.Civil, dado que estes são factos constitutivos da oposição deduzida, mas é ao embargado/exequente que incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, ou seja, de que o título é válido e a relação jurídica material que lhe deu causa corresponde à realidade dos factos, isto sem descurar a natureza e a força probatória do documento que constitui o título exequendo.
V - A cessão de créditos para ser permitida não carece de consentimento do devedor (salvaguardando-se apenas os casos elencados no art.º 577.º do C.Civil) e para ser eficaz perante o devedor, deve ser notificada ao mesmo, judicial ou extrajudicialmente, ou por ele aceite (ou, no caso especificado do 583.º, n.º 2 do C. Civil, por ele conhecida).
VI - A notificação feita ao devedor (pelo cedente ou pelo cessionário) da ocorrência da cessão de créditos não tem valor constitutivo desse negócio, mas mero valor de eficácia, ou dito de outra forma, o direito de crédito transmite-se imediatamente com o negócio de alienação passando o cessionário a ser o titular do direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 9560/21.1T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto - Juiz 2
Recorrente – AA
Recorrida – H..., SA
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Rodrigues Pires

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que H..., SA intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto contra AA, pedindo o pagamento coercivos das quantias totais de €220.790,53 e de €28.403,06 e respectivos juros vincendos, dando à execução dois Contratos de Mútuo, com hipoteca, celebrados entre a Banco 1... e o executado, formalizados por respectivas escrituras, e pelos quais aquela entregou a este as quantias de €179.567,00 e €22.0000,00, veio este opor-se à execução mediante a dedução de embargos de executado, pedindo a extinção da execução e a condenação da embargada como litigante de má-fé.
Para tanto, alegou em síntese inexistir título executivo uma vez que a embargada não é parte no título dado à execução. É ineficaz relativamente a si qualquer cessão de créditos, uma vez que a mesma não lhe foi notificada.
Mais alegou que se verifica a excepção dilatória de litispendência uma vez que deu entrada em 13.05.2021, de uma acção de simples apreciação negativa em que é autor o aqui embargante e réus a aqui embargada e a W..., SA, tendo por fundamento as dúvidas do embargante quanto a ser devedor e a sê-lo a qual das ali rés é a sua credora e porque montante.
Mais alegou ainda ter sido coagido a pagar um valor que não era devido para que fosse emitido distrate de hipoteca, pelo que a embargada actua em manifesto abuso de direito e no mais impugna o valor peticionado,
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Regularmente notificado o embargado veio contestar pedindo a improcedência da oposição.
Para tanto, alegou que a cessão de créditos foi notificada ao embargante por carta de 02.11.2017. Mais defendeu a inexistência de litispendência por na acção declarativa o embargante ter peticionado a declaração de inexistência de crédito e a emissão de declaração de distrate.
Finalmente alegou que sobre o embargante impendia a obrigação de alegar e provar que a dívida foi extinta pelo pagamento.
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Realizou-se a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e considerando-se que os autos continham os elementos essenciais, passou-se a conhecer do mérito da causa, tendo-se proferido sentença de onde consta: “Pelo exposto, julgo os embargos improcedentes por não provados, determinando que a execução prossiga os sues ulteriores termos.
Custas pelo embargante.
R.N. e dê conhecimento ao Exm.º AE”
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O executado/opoente inconformado com tal decisão dela interpôs recurso de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue os embargos totalmente procedentes e julgue extinta a execução e condene a apelada como litigante de má-fé.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões:
1. Em sede de audiência prévia, considerou o Tribunal ter condições para decidir de mérito da presente acção, pelo que, com surpresa, foram as partes convidadas a proceder a alegações, assim tendo acontecido.
2. Proferida sentença, a mesma julgou totalmente improcedente os embargos apresentados, dando como provados, ipsis verbis, os factos alegados no requerimento executivo.
3. Não se conformando com a sentença proferida, impugna a mesma, com os seguintes fundamentos:
4. O Tribunal deu como provados 15 factos, dizendo apenas o seguinte: “Por documento e confissão das partes nos articulados resultam provados os seguintes factos”.
5. Sem prejuízo do que se dirá adiante, de que não existem quaisquer factos confessados e de que toda a factualidade e documentos foram impugnados pelo executado/embargante, ora recorrente, o Tribunal não cumpriu com a sua obrigação de fundamentar a factualidade dada como provada.
6. Em momento algum é referido na sentença a motivação do Tribunal que levou a dar cada um dos factos como provados, de modo a que se consiga perceber o percurso cognitivo levado a cabo pelo Tribunal que levou a proferir a decisão que proferiu sobre a matéria de facto.
7. Dando os factos como provados, a Meritíssima Juiz fundamentou, sem mais, de direito, deixando de fazer, como lhe competia, a fundamentação de cada um dos factos que segundo a sua convicção deu como provados.
8. O dever de fundamentação das decisões judiciais resulta, desde logo, de imposição constitucional, nos termos do n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), estando plasmado em vários preceitos legais, nomeadamente, no prescrito no artigo 154.º, bem como no n.º 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC).
9. Encontrando-se a sentença completamente omissa de fundamentação que leve a compreender a razão de ser de cada um dos factos que o Tribunal deu como provados, a sentença é nula nos termos da alínea b) do n.º 1 artigo 615.º do CPC. Nulidade que se invoca com as devidas e legais consequências;
10. Com a decisão proferida, o Tribunal violou ainda os artigos 154.º, o artigo 607.º, ambos do CPC, assim como os artigos 2.º, 3.º e 205.º da CRP.
11. Não obstante, o Tribunal elencar como questões a decidir, inexistência de título executivo; ineficácia da cessação de créditos em relação ao embargante; litispendência/causa prejudicial, abuso de direito, litigância de má-fé, nenhuma apreciação foi feita pelo Tribunal, no que concerne ao abuso de direito;
12. Pelo que de acordo com a alínea d) do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula. Nulidade que se arguiu com as devidas e legais consequências.
Sem prescindir, por mero dever de patrocínio,
13. Sem prejuízo da supra arguição da nulidade, relativamente à falta de fundamentação no que diz respeito à matéria de facto, tendo em conta a impugnação relativamente à matéria de facto e dos documentos apresentados, jamais o Tribunal poderia proferir uma decisão de mérito em sede de saneador, como o fez;
14. No artigo 28.º dos embargos apresentados, o embargante/recorrente impugnou toda a factualidade e documentos constantes no requerimento executivo, nomeadamente, as obrigações a que fazem referência, o capital e juros peticionados, bem como as despesas de contencioso.
15. Nos artigos seguintes (29.º a 38.º) o embargante/recorrente prossegue a impugnação, referindo que, sem prejuízo da falta de título executivo e de liquidação, a exequente não faz prova dos montantes alegados como fazendo parte da quantia exequenda;
16. A executada apresenta valores como se lhe tivessem sido cedidos os contratos de mútuo, o que não aconteceu, mas alegadamente um crédito derivado dos mesmos.
17. Não é feita qualquer referência à forma de cálculo dos juros – exorbitantes -, não tendo procedido a exequente à liquidação da obrigação, como lhe competia.
18. Tendo em conta a impugnação apresentada, salvo melhor opinião, o Tribunal não poderia decidir de mérito em sede de saneador como decidiu.
19. Os únicos documentos que se encontram nos autos e que não foram impugnados, são as certidões apresentadas pelo embargante/executado, ora recorrente, por requerimento, em 03.12.2021, referentes à acção declarativa de simples apreciação negativa interposta pelo embargante/recorrente contra a exequente e a “W..., SA”, bem como a data da citação da mesma (processo n.º 3802/21.0T8VNG, a correr termos no Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 2), para fazer prova do abuso direito perpetrado pela exequente, da litigância de má-fé e da litispendência ou das questões prejudiciais, da falta de liquidação, não podendo a mesma resultar de simples cálculo aritmético.
20. Acresce que, o embargante no artigo 7.º dos embargos alegou não existir prova da notificação do executado/embargante da alegada cessão de créditos.
21. Não vislumbra, pois, o embargante/recorrente, à excepção dos pontos 1., 2., 3., 4., 12., e 13., dos factos provados, como pôde o Tribunal dar como provada toda a matéria de facto, nomeadamente, de que à data do incumprimento do contrato (de mútuo) encontrava-se em dívida o valor de capital de €171.723,90, acrescidos de juros no valor de €44.642,92 e despesas contratuais de €4.423,71 (ponto 9.); que em relação ao segundo contrato, que à data de incumprimento o capital em dívida cifrava-se em €21.643,53, a que acrescem juros vencidos no montante de €6.238,26 e despesas contratuais no valor de €521,27 (ponto 10.); de que o embargante foi notificado da carta regista data de 02.11.2017 (ponto 15.).
22. Nenhum elemento de prova existe no processo, mas apenas simples alegação da exequente/embargada, impugnada pelo executado/embargante, de qual o montante do alegado valor em dívida cedido, da data do alegado incumprimento, taxas de juro e montante dos mesmos.
23. O alegado contrato de cessão de créditos encontra-se incompleto, de tal forma que não é possível relacionar com um documento denominado de “Documento Complementar” junto com o mesmo.
24. Sem qualquer prova, o Tribunal deu como provada, ipsis verbis, toda a matéria alegada no requerimento, não obstante, as excepções alegadas e a impugnação apresentada pelo executado/embargante.
25. Nem mesmo o facto constante no ponto 11. dos factos provados resulta de uma correcta apreciação dos elementos do processo, uma vez que o Tribunal confunde a data em que o requerimento executivo se encontra disponível na plataforma CITIUS (10.06.2021) com a efectiva entrada do requerimento executivo, cuja data figura no formulário, como sendo no dia 02.06.2021.
26. Tal como resulta da alegação do embargante/recorrente e, daí, considerar que existe abuso de direito e litigância de má-fé por parte da exequente, esta deu entrada da execução contra o aqui recorrente/executado/embargante, no dia seguinte (02.06.2021) a ter sido citada para a acção de simples apreciação negativa, onde se discute a existência ou inexistência do crédito sobre o embargante e por parte de quem, se a exequente ou a “W..., SA“ (processo n.º 3802/21.0T8VNG, a correr termos no Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 2- Tribunal da Comarca de Lisboa).
27. Pelas razões expostas, tendo em conta a matéria controvertida, com a excepção da matéria constante nos documentos (certidões) apresentados pelo requerimento de 03.12.2021, bem como as certidões apresentadas pela exequente, o Tribunal não poderia dar como provada a matéria constante nos pontos 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 13. e 15. dos factos provados, pelo que aqui se deixa impugnada.
28. O ponto 14. dos factos provados não reflecte, de todo, a causa de pedir da petição inicial do processo n.º 3802/21.0T8VNG, a correr termos no Juízo de Cascais - Juiz 2- Tribunal da Comarca de Lisboa, mas apenas uma parte muito reduzida, dando uma errada ideia aos autos pelo que se impugna o seu teor, devendo ter a seguinte redacção: “O embargante naquela acção alega como causa de pedir: que contraiu dois mútuos junto da Banco 1... (Banco 1...), dando como garantia em hipoteca o imóvel que constituía a sua casa de morada de família: fracção autónoma designada pela letra “Q” e que corresponde a um apartamento de tipologia T4, sito no 5.º andar direito da Rua ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos e com dois lugares de garagem e arrumos no piso -1 (cave) do edifício, ambos identificados com a letra “Q”, registado na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., bem como na respectiva Matriz sob o n.º ...; O valor dos mútuos contraídos junto da Banco 1... em 14.12.2004 e 12.11.2013 são de €179.500,00 e €22.000,00, respectivamente, o que perfaz o montante total mutuado de €201.500,00, sendo que o pagou durante vários anos as prestações mensais, amortizando o capital e juros; por diversas vicissitudes de natureza pessoal, viu-se obrigado a vender a supra referida fracção, como forma de honrar os seus compromissos financeiros; quando em 31.12.2019 o autor (embargante) decidiu vender a aludida fracção através da celebração de um contrato-promessa de compra e venda, sendo em seguida, na sequência da preparação da escritura pública do contrato prometido, confrontado com a informação prestada pela Banco 1... de uma alegada cessão de créditos a favor da 1.ª ré, (executada/embargada) mas sem saber porque razão, informou ainda que seria uma empresa, a W..., SA, 2.ª ré, a tratar de todos os assuntos relacionados com a alegada cessão; a alegada cessão do crédito da Banco 1... nunca o autor (embargante) foi notificado; das diligências feitas pelo autor (embargante), nunca obteve por parte das rés (exequente/embargada e W..., SA), nem da Banco 1... (Banco 1...) o acesso ao aludido de contrato de cessão, tendo dito expressamente a Banco 1... não o poder fornecer; desconhece assim o autor (embargante) as condições essenciais da alegada cessão, nomeadamente, os termos e o valor, e qual das rés (exequente/embargada e W..., SA) é alegadamente credora; Não obstante ser a 1. R. quem figura neste momento como credora hipotecária, é a 2.ª ré (W..., SA) quem responde sempre às solicitações/interpelações dirigidas àquela, nomeadamente, para comparecer na escritura do contrato prometido, conforme resulta da última interpelação (terceira); A 2.ª ré, W..., SA, impõe o pagamento do valor de €244.431,17 como condição para ir à escritura e proceder ao distrate da hipoteca, o que excede largamente o valor mutuado ao autor, (embargante) que este amortizou (capital e juros, ao longo dos anos, em prestações mensais); das informações prestadas pela Banco 1..., o valor em dívida àquela instituição seria de €184.270,62 (€163.571,61, referente ao contrato 116.21.000167-7 e €20.699,01, relativo ao contrato 116.27.000213-6); A ser verdade aquela informação e a existir um contrato de cessão de créditos, o que não se concede, o valor que está a ser exigido pela 2.ª ré (W..., SA) corresponde a um acréscimo de €50.000,00, relativamente ao valor alegadamente cedido, o que corresponde a 25% desse valor, o que é inconcebível; tal situação causa incerteza e insegurança no tráfego jurídico, desde logo porque existem duas entidades, a 1.ª ré e a 2.ª ré, (exequente/embargada e W..., SA, respectivvamente) como que fundidas uma na outra, arrogando-se de credoras, uma hipotecária (1.ª ré) e outra fazendo exigências para proceder ao distrate (2.ª ré), sem demonstrarem a qualidade de que se arrogam; Impondo a 2.ª ré (W..., SA) um valor completamente absurdo para a realização do distrate (€244.431,17), faltando a 1.ª ré (executada/embargada) à escritura por não aceitar o autor (embargante) aquele valor imposto, mas tão só aceitar o valor legalmente exigível que venha ser demonstrado por justo título e por quem tenha poderes para o acto; tal situação tem causado graves prejuízos ao autor, (embargante) de natureza patrimonial e não patrimonial, sendo os patrimoniais os decorrentes de não permitir ao autor (embargante) dispor do bem imóvel, a fim de resolver e estabilizar a sua situação económico/financeira e os não patrimoniais, o nervosismo, a ansiedade que lhe causa toda esta situação, acrescida com a ameaça de uma acção executiva por parte da 2.ª ré - W..., SA - (!!!?) ; O autor (embargante) é advogado e jamais quer ver a sua imagem pública afectada por uma acção executiva. Porém, vê-se impossibilitado em resolver a situação; o autor/embargante nunca contratou com as rés, (exequente/embargada e W..., SA) porém, vê-se ameaçado com uma acção executiva, mas sem nunca ter acontecido, sem conhecer o alegado contrato de cessão de créditos e o valor do mesmo; o autor (embargante) é confrontado com duas entidades, as rés (exequente/embargada e W..., SA), em que ambas se comportam como credoras de uma forma extrajudicial, mas sem demonstrarem a qualidade e o valor de que se arrogam, prejudicando seriamente o autor (embargante), ameaçando-o como acção executiva, mas sem nunca a interporem; E fazendo-o publicamente, dando dos factos conhecimento ao Banco de Portugal, com as consequências daqui decorrentes; Tendo em conta o supra exposto, pretende o autor (embargante) pôr fim à incerteza jurídica da inexistência ou existência do direito de crédito de qualquer montante, bem como qual das rés (exequente/embargada e W..., SA) o alegadamente detém sobre o autor (embargante); uma vez que o autor/embargante nada contratou com as rés (exequente/embargada e W..., SA), só pode concluir e declarar que não existe qualquer crédito a favor da rés, (exequente/embargada e W..., SA) rogando ao Tribunal que assim o declare; Pelo que, em consequência, deve ser desonerado do imóvel de que o autor é proprietário, descrito no artigo 1.º deste articulado, o registo de hipoteca que incide sobre o mesmo, a favor da 1.ª ré”.
29. Tendo em conta o teor do doc.2 junto com o requerimento de 3.12.2021, deve também ser aditado aos factos provados um ponto com o seguinte teor: “a executada foi citada para aludida acção de simples apreciação negativa em 01.06.2021”.
30. De acordo com o supra exposto relativamente ao ponto 11. dos factos provados, em que resulta do formulário do requerimento executivo que o mesmo deu entrada no dia 02.06.2021, a redacção do aludido ponto dos factos provados deve ter o seguinte conteúdo: “A execução entrou em juízo no dia 02/06/2021”.
31. O Tribunal ao decidir em sede de saneador, como não podia, e a dar como provados os factos como deu, violou várias disposições legais, nomeadamente, dos artigos 414.º, 574.º, a alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º, os n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º, todos do Código de Processo Civil (CPC); os artigos 341º e 342.º do Código Civil (CC); os artigos 2.º, 3.º e 20 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
32. O embargante alegou a falta de título executivo, uma vez que a exequente não figura no contrato de mútuo, junto como sendo o título executivo, nem a alegada cedência do mútuo foi notificada ao embargante/recorrente.
33. Acresce que, como foi sobredito a alegada cedência não se encontra completa, não podendo, por isso, relacionar-se a alegada cedência com o documento designado de “documento complementar” como sendo um integrante do outro.
34. Contudo, o Tribunal decidiu não assistir razão ao embargante, considerando que o embargante foi notificado da decisão e, ainda que não tivesse sido, se considerava notificado com a citação da execução.
35. O embargante/recorrente, não se conforma com a decisão proferida, pela que aqui a deixa impugnada.
36. Isto porque, não resulta do requerimento executivo, a alegação de que o embargante foi notificado da alegada decisão, nem prova dos documentos apresentados com o processo executivo da alegada notificação.
37. Não obstante a impugnação feita pelo embargante, o Tribunal considerou como provado, que o embargante foi notificado.
38. Porém, ainda que assim não tivesse acontecido, defende o Tribunal que com a citação a cessão tornou-se eficaz, “…não tendo a falta de notificação extrajudicial qualquer relevância para os termos da presente lide, mesmo porque no caso o consentimento dos devedores não era necessário.
39. O embargante não pode concordar com tal entendimento.
40. Apesar de a questão ser controvertida na nossa jurisprudência, o embargante/recorrente defende que a melhor posição é aquela que considera que a citação não corrige a falta de alegação e prova, no requerimento executivo, da notificação do embargante.
41. Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão de 19.09.2017, processo n.º 7825/16.3T8CBR.C1, à qual o embargante/recorrente adere, disponível em www.dgsi.pt, destacando-se aqui alguns pontos da sua fundamentação: ”…Veja-se que, no âmbito do processo sumário (como, aliás, aqui acontecia), a penhora é efectuada antes da citação e, portanto, a admitir-se – como pretende a Apelante – que a notificação da cessão de créditos pode ser efectuada por via da citação para a execução, tal significaria que o devedor veria o seu património agredido pelo cessionário antes de essa cessão lhe ser notificada e, portanto, num momento em que tal cessão ainda não produzia, quanto a ele, qualquer efeito (…)
42. Para dizer mais à frente: “Mas, ainda que não se qualifique como verdadeira ilegitimidade processual, entendemos que a circunstância de não ter sido alegada a notificação da cessão aos devedores ou a sua aceitação configura a falta de um pressuposto do qual depende a admissibilidade da execução contra os executados, porquanto – reafirma-se – não resulta do título executivo nem do requerimento executivo que tal cessão já tenha operado e produzido efeitos relativamente aos devedores e que, como tal, a exequente esteja em condições de instaurar contra os mesmos uma acção executiva.”
43. Ao julgar improcedente a presente questão suscitada, o Tribunal violou vários dispositivos legais, nomeadamente, o n.º 5 do artigo 10.º, o n.º 1 do artigo 53.º, o artigo 54.º, o artigo 703.º, todos do CPC; o n.º 1 do artigo 577.º, o artigo 583.º, o n.º 1 do artigo 588.º, todos do CC; os artigos 2.º, 3.º e 20.º da CRP.
44. O embargante/recorrente alegou que em clara atitude de má-fé e abuso de direito, uma vez que a embargada tendo sido citada no dia 01.06.2021, para o processo n.º 3802/21.0T8VNG, que corre termos no Juízo Central Cível de Cascais, Juiz 2, do Tribunal da Comarca de Lisboa, no dia seguinte, dia 02.06.2021, deu entrada da presente execução. Como forma de fugir à discussão naquela acção e mais uma vez pretender coagir o embargante.
45. Encontrando-se assim pendente uma acção, para a qual a embargada foi citada antes de existir a presente acção executiva, onde se discute se a mesma é ou não credora e, caso o seja, de que montante.
46. Pelo que, por via da litispendência ou porque naquela acção se discutem questões prejudiciais à presente acção executiva, a execução deveria ser extinta ou sustada, até, no caso da sustação, à decisão das questões de relevo, nomeadamente, a legitimidade e a liquidação da alegada obrigação.
47. Concluindo que, a alegada obrigação não é por isso líquida, nem pode resultar de simples cálculo aritmético.
48. O Tribunal, também, nesta questão não deu razão ao executado/embargante, ora recorrente, tecendo ao longo da sua fundamentação, algumas considerações que aqui se destacam: (…) “Uma causa é prejudicial à outra quando a decisão daquela possa prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tirar a razão de ser à existência da segunda. (…) (…) A razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos" (…) (…) “Ora, nesta acção, por meio dos presentes embargos, a questão suscitada pode ser aqui dirimida, não dependendo do que ali venha a ser decidido (note-se que o embargante ali alega desconhecer se existe algum crédito)” (…) (…) “Sendo unânime que impende sobre o executado o ónus de alegar e provar os factos extintivos/modificativos da execução, conforme dispõem os art.ºs 731.º e 729.º, al. g), a questão pode aqui ser apreciada e decidida, pelo que não depende de naquela outra acção se decidir do valor em divida (o pedido naquela oura acção declarativa é o de inexistência de qualquer credito) Impendia, assim, sobre o embargante, o ónus de alegar e provar o montante em divida art.º 342.º, n.º2, do C.C., sendo que se revela despicienda a remessa dos autos para julgamento uma vez que o embargante soçobrou no cumprimento do ónus de alegação dos factos extintivos ou modificativos do direito de credito do embargado, limitando-se a alegar que o valor liquidado mostra-se incorrecto, como que se impendesse sobre o embargado o ónus de provar o valor devido. (…)”!
49. Não pode aqui também o embargante/recorrente concordar com a decisão de improcedência decidida pelo Tribunal sobre as questões suscitadas, pelas razões que se demonstrarão, pelo que aqui se deixa impugnada a decisão proferida.
50. Desde logo, o Tribunal incorre em erro quando entre parêntesis refere: “note-se que o embargante ali alega desconhecer se existe algo crédito.”
51. Tal erro poderá decorrer da forma tão redutora como o Tribunal descreveu no ponto 14. dos factos provados, a causa de pedir na acção que decorre no processo n.º 3802/21.0T8VNG, a correr termos no Juízo de Cascais - Juiz 2- Tribunal da Comarca de Lisboa. Por via disso, sentiu o embargante a necessidade de impugnar tal ponto e descrever na íntegra a sua causa de pedir naqueles autos.
52. Trata-se de uma acção de simples apreciação negativa destinada a aferir, tendo em conta a incerteza jurídica criada pela exequente e a W..., SA, se o embargante deve, a quem e que valor.
53. O Tribunal começa por enquadrar bem, em abstracto, ao referir que uma causa é prejudicial à outra quando a decisão daquela possa prejudicar a decisão desta, ou seja, quando a procedência da primeira tirar a razão de ser à existência da segunda, acrescentando que a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos.
54. Contudo, quando aprecia os factos ao caso em concreto, decide em sentido diverso, considerando que por meio dos presentes embargos, a questão suscitada pode ser aqui dirimida, não dependendo do que ali venha a ser decidido.
55. Não poderia ser mais pertinente, para contrariar o entendimento do Tribunal, o despacho saneador relativo ao processo que o embargante fez referência (processo n.º 3802/21.0T8VNG, que corre termos no Juízo Central Cível de Cascais, Juiz 2) – cf. doc. 1 junto em anexo que aqui se dá por integralmente reproduzido -, como tendo relevância o que aí será decidido para os presentes autos, por forma a não colocar dois Tribunais com decisões diferentes, ou seja, para que exista a coerência de julgamentos a que faz referência o Tribunal.
56. Com efeito, naquela acção de simples apreciação negativa, onde figura como A. o aqui embargante/recorrente e como rés, a exequente e a “W...”, foi proferido despacho saneador, onde refere relativamente ao objecto do litígio e temas de prova o seguinte: “Por que os autos não dispõem todos os elementos fácticos que permitam a prolação de uma decisão de mérito, pressupondo a prévia produção de prova, atentas as posições constantes dos articulados, de acordo, com o disposto nos artigos 595.º e 596.º do Código de Processo Civil, passar-se-á a identificar-se o OBJECTO DO LITÍGIO e a enunciar-se os TEMAS DA PROVA, nos seguintes termos: “São questões controvertidas que importa apreciar e decidir: - Apurar se deve ser declarada a inexistência de qualquer crédito das rés sobre o autor e, em consequência, ser determinado o cancelamento da hipoteca registada sob a fracção propriedade do autor em nome da 1.ª ré “Constituem temas da prova a apurar: 1. A cessão dos créditos detidos pela Banco 1... sobre o autor e a H...; 2. A notificação ao autor da mencionada cessão de créditos; 3. O valor do crédito detido pela 1.ª ré sobre o autor”.
57. Ou seja, todas as certezas que manifestou ter o Tribunal a quo, nomeadamente, quanto ao valor do crédito cedido, naquele outro processo é tema de prova.
58. Porém, conforme resulta do supra exposto, o valor da quantia exequenda, juros e despesas apenas se encontram alegados no requerimento executivo, não tem qualquer prova que a sustente e foram impugnados pelo embargante.
59. Pelo que, jamais o Tribunal poderia dar tais valores como provados, como deu.
60. Cumpre, pois, colocar a dúvida: Qual será então o valor da alegada dívida do executado, a que o Tribunal dá como provado nos pontos 9. e 10. dos factos provados, sem que tais valores se encontrem no título executivo, nem se encontrem liquidados, ou aqueles que venham a ser determinados pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, processo n.º 3802/21.0T8VNG, a correr termos no Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 2 ?
61. É completamente incompreensível a fundamentação do Tribunal quando refere: (…)Sendo unânime que impende sobre o executado o ónus de alegar e provar os factos extintivos/modificativos da execução, conforme dispõem os art.ºs 731.º e 729.º, al. g), a questão pode aqui ser apreciada e decidida, pelo que não depende de naquela outra acção se decidir do valor em divida (o pedido naquela oura acção declarativa é o de inexistência de qualquer credito). Impendia, assim, sobre o embargante, o ónus de alegar e provar o montante em divida art.º 342.º, n.º2, do C.C., sendo que se revela despicienda a remessa dos autos para julgamento uma vez que o embargante soçobrou no cumprimento do ónus de alegação dos factos extintivos ou modificativos do direito de credito do embargado, limitando-se a alegar que o valor liquidado mostra-se incorrecto, como que se impendesse sobre o embargado o ónus de provar o valor devido. (…)
62. Trata-se de uma inadmissível inversão do ónus da prova.
63. Seguindo o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal, o título executivo até poderia ser apresentado desprovido da quantia exequenda, pois caberia ao executado fazer prova do montante da mesma.
64. O valor em dívida não é um facto extintivo/modificativo da execução, mas antes matéria de liquidação da obrigação da quantia exequenda.
65. Factos extintivos ou modificativos da execução, seria o embargante alegar e fazer prova de pagou a quantia exequenda na totalidade (extintivo) ou parcialmente (modificativo).
66. E aí, sim, prescrevendo o n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil (CC) que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita, caberia ao embargante fazer prova de tais factos.
67. Contudo, o que embargante colocou em causa foi o valor da quantia exequenda, pois nenhuma prova resulta que a sustente, nomeadamente, o documento apresentado como título executivo.
68. Aliás, o executado/embargante, nos embargos deduzidos, sem prejuízo da referia acção que se encontra a correr no Juízo Central Cível de Cascais, fundamentou que jamais poderia a quantia exequenda ter o valor do requerimento executivo, conforme decorre dos artigos 9.º a 17.º dos embargos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
69. Conforme resulta do previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CPC, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução.”
70. Sendo que, o artigo 713.º do CPC refere que: “a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.”
71. Ora, em lado algum do título executivo apresentado pela exequente resulta líquida a quantia exequenda, constituída por capital, juros e despesas.
72. É meramente apresentado um contrato de mútuo, onde a exequente não figura como parte, alegando no requerimento executivo incumprimento desde 2014, mas sem o demonstrar, escondendo qual o valor que alegadamente lhes foi cedido, sendo certo que tal valor já teria de contemplar todos os montantes em dívida à data da cedência.
73. E feita uma alegação de valores de capital, juros e despesas, sem qualquer prova que os sustente.
74. Não se consegue descortinar qual a razão de ser da quantia exequenda apresentada, de onde apareceram os valores que a compõem, capital, juros e despesas.
75. Razão pela qual, o embargante impugnou os valores apresentados e alegou a falta de liquidação da quantia exequenda, fazendo uso o embargante dos fundamentos da oposição, nos termos da alínea e) do artigo 729.º, aplicável ex vi artigo 731.º, ambos do CPC.
76. Ao contrário do que refere o Tribunal, é, pois, ónus do exequente fazer prova da quantia exequenda, que deverá ser suportada por um título, que caso não seja líquido deverá ser feita a respectiva liquidação.
77. Apreciando o requerimento executivo e os documentos que o suportam, ninguém consegue compreender o ali alegado, nomeadamente, relativamente à quantia exequenda (capital, taxa de juro, data de incumprimento definitivo, montantes dos juros e de que modo foram calculadas as despesas).
78. Nem mesmo tal resulta da alegada cessão de créditos.
79. Dúvidas que subsistem há longo tempo, por culpa da executada e que obrigou o embargante a interpor uma acção contra aquela e contra a “W..., SA”, por forma a clarificar toda a situação.
80. Considerando as provas inequívocas juntas ao processo (certidões apresentadas por requerimento datado de 03.12.2021), não impugnadas pela exequente/embargada, verificada a falta de liquidação do título executivo, de que a liquidação não resulta de simples cálculo aritmético e de que esta questão está a ser dirimida numa acção proposta no Tribunal da Comarca de Lisboa, processo n.º 3802/21.0T8VNG, a correr termos no Juízo de Cascais - Juiz 2, acção essa em que a executada foi citada antes de propor a presente acção, sem prejuízo do supra exposto, deveriam ser julgada procedente o pedido formulado no artigo 26.º dos embargos, concretizado no pedido final, devendo ser extinta, ou subsidiariamente, sustada a presente execução e penhora.
81. Razão reforçada pelo objecto do litígio e temas de prova definidos naquela acção de simples apreciação negativa (cfr. doc. 1).
82. Não o fazendo, o Tribunal violou vários preceitos legais, nomeadamente, o n.º 1 do artigo 272.º, a alínea c) do n.º 1 do artigo 276.º, ambos do CPC; os artigos 2.º, 3.º, 20.º, todos da CRP.
83. Resulta dos artigos 9.º e 23.º dos embargos - que por uma questão de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos – que foi a executada (ou a W..., SA), quem se colocou na situação de não receber com o produto da venda do imóvel hipotecado.
84. Tudo fez o executado para pagar, a quem demonstrasse poder proceder ao distrate da hipoteca.
85. Porém, a embargante e/ou a “W..., SA”, recusaram ir à escritura, sem que o embargante lhes pagasse um valor exorbitante que, tal como agora, nunca justificaram como lá chegaram.
86. Tal situação inviabilizou o negócio de compra e venda, sofrendo o embargante, em consequência, uma acção condenatória por parte dos promitentes-compradores (cfr. artigo 21.º dos embargos).
87. Criada a situação de incumprimento do contrato promessa de compra e venda por parte da exequente/embargada, viu-se o embargante obrigado a interpor uma acção de simples apreciação negativa contra a embargada e contra a “W..., SA”, no sentido de clarificar a situação.
88. Contudo, sendo a embargada citada no dia 01.06.2021, no dia seguinte, interpôs a presente acção executiva (cfr. certidões apresentadas por requerimento datado de 03.12.2021), onde derrama valores ainda mais elevados, sem qualquer justificação, para que por meio de uma executiva, que é mais célere e agressiva, obtenha valores que não conseguirá justificar na acção declarativa.
89. Na perspectiva do embargante, parece evidente que foi pela actuação da exequente/embargada que não recebeu o valor que deveria ter demonstrado ter direito, quem nem nesta acção consegue demonstrar.
90. A exequente/embargada vem suscitar o incumprimento do executado/embargado, movendo-lhe a presente execução, quando foi aquela que impediu que o executado/embargante celebrasse o negócio prometido, para poder pagar.
91. Pelo que, encontra-se assim a exequente/embargada em claro abuso de direito, na modalidade venire contra factum proprium, que deveria ser reconhecido pelo Tribunal, mas que antes este decidiu não apreciar.
92. Deveria assim o Tribunal considerar a inexigibilidade do crédito exequendo e a consequente extinção da execução.
93. Para além da violação já invocada, da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por o Tribunal se abster de apreciar a excepção de abuso de direito, violou ainda o artigo 334.º do CC e os artigos 2.º, 3.º e 20.º, todos da CRP.
94. Relativamente à litigância de má-fé, na perspectiva do embargante/recorrente, a mesma é clara, conforme resulta do supra referido no que concerne ao abuso de direito, melhor descrido nos artigos 39.º a 42.º.
95. De uma forma muito sintética, fundamenta o Tribunal a não condenação da embargada (que por lapso referiu como embargante) como litigante de má-fé, uma vez que se concluiu que deduziu pretensão a que tinha direito.
96. Não se consegue descortinar como o Tribunal chegou a esta conclusão, com os elementos de prova existente nos autos.
97. Conforme já referido, à excepção das certidões juntas com o requerimento datado de 03/12/2021, todos os factos e documentos foram impugnados pelo embargante.
98. Resulta de tais certidões que a embargada avançou com a presente acção executiva, no dia a seguir a ter sido citada (01.06.2021) para a acção onde se iria discutir se é a embargante a credora e, caso o demonstrasse, qual o valor de que era credora.
99. Tal acção deu origem a que seja tema de prova da embargada: a cessão dos créditos detidos pela Banco 1... sobre o autor (embargante) e a H... (embargada); a notificação ao autor (embargante) da mencionada cessão de créditos; o valor do crédito detido pela 1.ª ré (embargada) sobre o autor (embargante) – cfr. doc. 1 -.
100. Porém, ao invés de esperar pela discussão na acção declarativa de que ficasse demonstrado a sua qualidade e montante, não se coibiu de avançar com a presente execução, alegando pretensão cuja falta de fundamento não poderia ignorar, nomeadamente, os valores da quantia exequenda.
101. Deste modo, a embargada faz também um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir um objectivo ilegal: antecipar-se a penhorar e receber, enquanto tem uma acção declarativa contra si pelos mesmos factos.
102. Pelo que, deveria a embargada ter sido condenada pelo Tribunal em multa exemplar, assim como numa indemnização a pagar ao embargante, a fixar a final, que deverá contemplar as despesas sofridas, a satisfação dos restantes prejuízos, assim como os honorários do mandatário.
103. Não o fazendo, o Tribunal violou os artigos 542.º, 543.º do CPC, bem como os artigos 2.º, 3.º e 20.º, todos da CRP.

A exequente/apelada juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. No exercício da sua actividade creditícia a Banco 1..., celebrou com o Executado AA, dois Contratos de Mútuo, formalizados por Escrituras que constituem os títulos executivos dados à execução, pelos quais entregou ao segundo as quantias de €179.567,00 e €22.0000,00.
2. Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma “Q”, sita na Rua ... em ... - Matosinhos, descrita na CRP de Matosinhos sob o n.º ... e inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Matosinhos sob o artigo ...;
3. Hipoteca esta que foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através da AP. ... de 2004/12/14 e AP. ... de 2013/11/12.
4. No Documento Complementar anexo à Escritura supra mencionada, ficou convencionado que o pagamento do referido mútuo seria efectuado em prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros.
5. O executado faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, em 06 de Abril de 2014 e 12 de Novembro de 2014.
6. Por Contrato de venda de créditos, assinado em 02 de Novembro de 2017, a Banco 1... vendeu os créditos identificados como ..., ..., que detinha sobre os executados e todas as garantias acessórias a ele inerentes, à H..., SA
7. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito cedido.
8. No âmbito do contrato supra mencionado, incluiu-se o crédito sobre os ora executados, melhor identificados na relação de créditos cedidos constante do referido contrato e do respectivo DOCUMENTO COMPLEMENTAR, parte integrante do mesmo, conforme Contrato de Cessão de Créditos junto.
9. Á data de incumprimento do primeiro dos contratos encontrava-se em dívida o capital de €171.723,90, a que acrescem juros de ora vencidos à data da entrada em juízo da execução no valor de €44.642,92 e despesas contratuais no valor de €4.423,71-
10. Á data do incumprimento, em relação ao segundo contrato (€22.000) o capital em divida cifrava-se em €21.643,53 a que acrescem juros de mora vendos desde aquela data e até à data da entrada em juízo da execução no valor de €6.238,26 e despesas contratuais no valor de €521,27.
11. A execução entrou em juízo em 10.06.2021.
12. O embargante deu entrada em 13.05.2021 de uma acção de simples apreciação negativa em que são réus a embargada e a “W..., SA”.
13. Nessa acção o embargante peticiona se declare a inexistência do crédito de qualquer montante das rés perante o autor, conforme se arrogam e, em consequência, ser cancelado o registo de hipoteca e eventualmente outros dados e registos que se encontrem efectuados a favor da 1.ª ré.
14. Alega como causa de pedir o desconhecimento da cessão e de quem é o verdadeiro credor; desconhecer o valor exacto em divida, nada dever a qualquer das rés que assim não detém qualquer crédito sobre si e, em consequência, deverá declara-se extinta a hipoteca que incide sobre o imóvel e contida a favor da aqui embargada.
15. Por carta registada datada de 02.11.2017, recebida pelo embargante, a Banco 1... comunicou ao embargante:
“Banco 1...
Lisboa, 02 de novembro de 2017
EXMO. (A) DR.
AA
RUA ..., ... 5 DTO
...
... ...

ASSUNTO: COMUNICAÇÃO DE CESSÃO DE CRÉDITO
NIF ... – Operação nº ... da Banco 1...

Exmo(a). Senhor(a)
Vimos pela presente informar V, Exa. Que, por contrato a celebrar em 2017-11-02, a Banco 1..., S.A. cedeu à sociedade H..., SA o(s) Crédito(s) acima referido(s) com V. Exa em 2004-05-17. Mais se Informa que a referida cessão foi efetuada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro (conforme alterado) que estabelece o regime das cessões de crédito para efeitos de titularização.
Nos termos do disposto no artigo 582.º do Código Civil com a cessão do(s), serão igualmente transmitidos à H..., S.A. todas as garantias e acessórios de direito transmitido, designadamente, o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações.
Por efeito de tal cessão de créditos e das disposições legais em vigor, extinguir-se-á o interesse ao recebimento de indemnizações que a Banco 1..., S.A. detém nos contratos de Seguro dos ramos vida e não vida associados ao contrato em assunto, subscritos no Grupo Banco 1..., e de quaisquer modalidades mutualistas de proteção ao crédito subscritas junto do Banco 1... pelo que a posição de beneficiário nestes contratos de Seguro será transferida da Cedente Banco 1..., S.A. para a Cessionária H..., SA.
Em Consequência, e com efeitos a partir da data acima referida i.e. 2017-11-02, todas as importâncias devidas a título de pagamento do(s) crédito(s) identificado(s) em referência, deverão ser pagas à H..., SA, para conta bancária com:
IBAN ...
...
JUNTO DO Banco 2...

Representada para estes efeitos pela W..., SA, com quem deverá(ão) tratar, a partir de agora, de todos os assuntos respeitantes à gestão do crédito(s) cedido(s) e cujos contactos abaixo se indicam:
W..., SA
Edifício ..., Rua ..., n.º ...
Quinta ...
... ...
Portugal
Telefone: + (351) ...
Fax: + (351) ...
Informa-se, por último e para os efeitos do disposto na Lei n.º 67/98 (Lei da Proteção de Dados Pessoais) que a cessão de créditos supra referida importa a comunicação à H..., SA dos seus dados pessoais, que assumirá, a partir da presente data, a qualidade de responsável pelo tratamento desses dados, mantendo-se a finalidade do tratamento. Mais informamos que os seus dados pessoais poderão ser tratados, comunicados e acedidos por entidades subcontratadas por esta ou por parceiros comerciais e outros terceiros, nomeadamente para efeitos de eventuais transações sobre os créditos em causa.
V. exa. mantém, na qualidade de titular dos dados, os direitos de acesso, retificação, cancelamento e oposição, nos casos previstos na lei acima referenciada, sendo que quaisquer pedidos de informação ou esclarecimentos em relação aos referidos dados e aos seus direitos deverão, a partir da presente data, ser dirigidos à sociedade W..., SA para a morada Edifício ..., Rua ..., n.º ..., Quinta ..., ... ... ou, em alternativa para o endereço de e-mail serviço.clientes@.... Sem prejuízo do exposto, mais se informa que para cumprimento de obrigações legais decorrentes da regulamentação bancária e contabilística, a Banco 1..., S.A., manterá o acesso a dados pessoais de V. Exa. na estrita medida e período em que tal seja necessário para cumprimento das referidas obrigações.

Com os nossos cumprimentos
Em nome e representação da Banco 1..., S.A.
BB
(Secretário Geral)”

Factos julgados não provados não há.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
*
Ora, visto o teor das alegações do executado/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Das alegadas nulidades da decisão recorrida.
2.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
3.ª – De Direito.
*
*
1.ªquestão – Das alegadas nulidades da decisão recorrida.
Começa o executado/apelante por defender que a sentença recorrida é nula, por falta de fundamentação da decisão da matéria de facto e por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 615.º, als. b) e d) do C.P.Civil.
*
1.1- Da alegada nulidade por falta de fundamentação da decisão da matéria de facto.
Como é sabido, não se pode confundir a motivação ou fundamentação da sentença, cfr. art.º 607.º n.ºs 2 a 4 do C.P.Civil, cuja falta que pode gerar a nulidade da sentença, cfr. al. a) do n.º1 do art.º 615.º do C.P.Civil, com a fundamentação a que se reporta o art.º 607.º n.º4, - fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que poderá consubstanciar uma nulidade processual, cfr. art.º 195.º do C.P.Civil, sendo, que ao que julgamos, será a esta que se refere o executado/apelante.
Resulta do preceituado no n.º2 do art.º 662.º do C.P.Civil, deve ainda a Relação, por força do disposto no n.º2 do art.º 662.º do C.P.Civil, “mesmo oficiosamente”:
a), a renovação “da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”;
b) a produção de novos meios de prova em segunda instância, “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada”;
c) a anulação da decisão da matéria de facto, mesmo oficiosamente, sempre que não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) se determine que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o Tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Mas se, à partida a consequência deverá ser a anulação da sentença, essa medida deve ser tomada em último recurso, ou seja, apenas quando de outro modo não seja possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que essa anulação determina ao nível da celeridade e da eficácia. Neste sentido refere A. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma de Processo Civil”, vol. I, pág. 251-255, que “a anulação da decisão de 1.ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas “ e, mais adiante que “Deparando-se a Relação com respostas que sejam de reputar deficientes, obscuras ou contraditórias, se a reapreciação dos meios de prova permitir sanar a deficiência, obscuridade ou a contradição, a Relação fá-lo-á sem necessidade de reenviar o processo ao tribunal recorrido, após o que prosseguirá com a apreciação das demais questões que o recurso suscite. No caso inverso, cabe-lhe assinalar as referidas nulidades, determinar a anulação (parcial) do julgamento e ordenar que o tribunal a quo as superar“.
Segundo o disposto no n.º 4 do art.º 607.º do C.P.Civil, “na fundamentação da sentença, o juiz declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Assim entende-se que a motivação da decisão da matéria de facto passa por dois estádios próprios a que se refere o art.º 607.º n.º 4 do C.P.Civil:
1. exige-se que o julgador faça “o exame crítico das provas”, ou seja, que se debruce serena e prudentemente sobre as provas constantes do processo e sobre as produzidas em audiência de julgamento, as filtre no seu confronto intrínseco, que avalie a razão de ciência das testemunhas inquiridas, que as pondere à luz dos seus próprios conhecimentos e da experiência da vida, etc. e,
2. exige-se ainda que o julgador faça a “especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção” a que chegou, o que deve envolver também as razões ou motivos porque revelaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito de julgador.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, pág. 256 que “Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados que quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivo da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade à, julgamento, garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certa conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultam de documentos particulares, etc”.
Também Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, a pág. 386 escreve que “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.
Em suma, entende-se que a exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, entendam, sem qualquer dificuldade o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova produzida e adquirida pelo Tribunal. Sem olvidar que, como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, “A fundamentação passou a exercer, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao ato jurisdicional”.
Mas também é nosso entendimento que o n.º4 do art.º 607.º do C.P.Civil não exige que a fundamentação fática tenha de ser indicada separadamente em relação a cada facto considerado provado e não provado, cfr. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 629; Remédio Marques, in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, pág. 410, contrariamente ao que é defendido por alguma doutrina mais minudente, mas que segundo julgamos não tem apoio legal, desde logo, na letra da lei, cfr. v.g. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 348.
E, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, págs. 72 e 73, a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Entendemos também, como refere Francisco Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, vol. II, pág. 350 que: “A estatuição do citado n.º4 do art.º 607.º (1.º segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança (…). Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado) (…) A omissão total ou parcial da análise crítica e/ou de motivação gera uma nulidade processual secundária (preterição de formalidade exigida por lei) com previsão no art.º 195.º, porquanto com manifesta “influência no exame e/ou na decisão da causa”, que a lei sujeita, todavia, ao regime especial de arguição dos art.ºs 149.º, 195.º e 199.º”.
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Depois destas considerações, vejamos o caso dos autos.
Em fundamentação da matéria de facto proferida em 1.ª instância escreveu-se:
Dos factos
Por documento e confissão das partes nos articulados resultam provados os seguintes factos:
(…)”, ou seja, elencaram-se e expuseram-se os 15 factos que se julgaram provados.
Após o que se passou à fundamentação de Direito, para o que se escreveu: “Fixados os factos, vejamos o direito (…)”.
Na verdade, a decisão recorrida foi proferida no âmbito de despacho saneador-sentença. E o tribunal recorrido enumera a natureza dos meios probatórios que formaram a sua convicção, ou seja, prova documental e prova por confissão das partes, contudo não se pronuncia, como devia fazer, quais os factos que julgou provados pelo teor de que documentos e quais os que julgou provados por confissão das partes, pelo menos, por remissão para o que as mesmas alegaram ou não impugnaram nos seus articulados.
Vendo a decisão recorrida, para nós como para qualquer normal cidadão não é possível aferir como é que se formou a convicção do julgador de 1.ª instância relativamente aos factos que julgou provados, ou seja, por que razão assim decidiu.
Donde resulta manifesto que a 1.ª instância omitiu formalidade que a lei obriga, como acima já se deixou consignado. Trata-se do cometimento de uma nulidade secundária que tem influência no exame e decisão da causa e que deveria, em princípio, ser reclamada junto do tribunal recorrido, todavia, como o executado/apelante só teve dela exacto conhecimento quando notificado da decisão ora recorrida, a mesma pode e deve ser conhecida por este tribunal e por via do presente recurso por estar contida e a coberto da decisão recorrida.
Todavia, ao abrigo do preceituado na al. c) do n.º2 do art.º 662.º do C.P.Civil, porque constam dos autos todos os elementos que nos permitirão decidir sobre a impugnação da decisão da matéria de facto feita pelo executado/apelante, não obstante a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto da decisão recorrida, julgamos que não estamos perante uma situação em que se imponha a anulação da decisão recorrida, todavia, apreciar-se-á da fundamentação da decisão da matéria de facto devida aquando da decisão da questão da impugnação da decisão da matéria de fascto.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, procedem as conclusões do executado/apelante.
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1.2. – Da nulidade por omissão de pronúncia.
Defende de seguida o executado/apelante que não obstante a 1.ª instância ter elencado como questões a decidir: a inexistência de título executivo; a ineficácia da cessação de créditos em relação ao embargante; a litispendência/causa prejudicial; o abuso de direito e a litigância de má-fé, nenhuma apreciação foi feita pelo Tribunal, no que concerne ao abuso de direito.
Vejamos.
No seu requerimento de embargos, o executado/apelante defende que pretendeu liquidar a dívida (que ao que parece sabe ter para com o exequente) através da venda do imóvel, tendo já compradores para o efeito, com a celebração do contrato-promessa de compra e venda, mas para tanto teria de ver a hipoteca que incidia sobre tal imóvel ser distratada. Todavia, bem sabendo de tal, o exequente disse à executado, ora apelante que ou pagava o que ele entendia que lhe devia, ou não iam à escritura de compra e venda para darem o distrate da hipoteca e avançariam para a acção executiva, sendo que, porque o exequente não compareceu, a escritura de compra e venda acabou por se não realizar. Termina o executado/apelante dizendo que a situação de alegado incumprimento com o exequente foi por si criada, encontrando-se em claro abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium” ao intentar a presente execução.
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Vejamos.
Como é sabido, segundo o disposto no art.º 615.º n.º1 al. d), do C.P.Civil, a sentença é nula se deixa de conhecer na sentença de questões de que devia tomar conhecimento ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 608.º n.º2 do C.P.Civil, cfr. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 690 e Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, pág. 247, segundo o qual deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade da al. d) do n.º1 do art.º 615.º do C.P.Civil, é assim a sanção pela violação do disposto no art.º 608.º n.º 2 do C.P.Civil, o qual impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação mas, por outro lado, de só poder ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso do tribunal (omissão ou excesso de pronúncia).
Da sentença recorrida consta, além do mais, que: “(…) Questões a decidir
São as seguintes:
- inexistência de titulo executivo;
- ineficácia da cessação de créditos em relação ao embargante;
- litispendência/causa prejudicial
- abuso de direito
- litigância de má-fé”.
(…)
Improcede, também, o pedido de condenação do embargante como litigante de má-fé, uma vez que se conclui que deduziu pretensão a que tinha direito”.
Ou seja, de forma assaz linear, a 1.ª instância concluiu que o exequente ao intentar a execução de que este é um apenso estava a exercer um direito legítimo, ou seja, havendo de se entender assim, que se afastou a observação de qualquer situação de actuação em abuso de direito, mormente, na modalidade de venire contra factum proprium.
Pelo que entendemos, embora pela forma acima apreciada, que o tribunal recorrido decidiu “o embargante … deduziu pretensão a que tinha direito…”, mas não conheceu em termos de ter fundamentado essa decisão, ou seja, não explicitou, como devia, naquela parte da sentença recorrida a razão por que considerou que o embargante exercia um direito que legitimamente lhe assistia, na medida em que lhe é imposto e permitido, da questão do invocado abuso de direito do exequente ao intentar a execução de que este é um apenso. Logo, mais adiante nos pronunciaremos sobre esta questão.
Procedem as respectivas conclusões do executado/apelante.
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2.ªquestão – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
De seguida vem o executado/apelante alegar que: “(…) tendo em conta a impugnação relativamente à matéria de facto e dos documentos apresentados, jamais o Tribunal poderia proferir uma decisão de mérito em sede de saneador, como o fez.
No artigo 28.º dos embargos apresentados, o embargante/recorrente impugnou toda a factualidade e documentos constantes no requerimento executivo, nomeadamente, as obrigações a que fazem referência, o capital e juros peticionados, bem como as despesas de contencioso.
Nos artigos seguintes (29.º a 38.º) o embargante/recorrente prossegue a impugnação, referindo que, sem prejuízo da falta de título executivo e de liquidação, a exequente não faz prova dos montantes alegados como fazendo parte da quantia exequenda.
A executada apresenta valores como se lhe tivessem sido cedidos contratos de mútuo, o que não aconteceu.
Não é feita qualquer referência à forma de cálculo dos juros – exorbitantes -, não tendo procedido a exequente à liquidação da obrigação, como lhe competia.
Tendo em conta a impugnação apresentada, salvo melhor opinião, o Tribunal não poderia decidir de mérito em sede de saneador como decidiu”.
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Importa salientar que o C.P.Civil permite o conhecimento do mérito na fase do saneador: “O despacho saneador destina-se a: (…) b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”, cfr. art.º 595.º, n.º 1, al. b) do C.P.Civil. Assim, o juiz conhecerá – total ou parcialmente – do mérito da causa no despacho saneador quando não houver necessidade de provas adicionais, para além das já processualmente adquiridas nos autos, encontrando-se, por tal, já habilitado, de forma cabal, a decidir conscienciosamente.
Francisco Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, Vol. II, pág. 204 descreve diversos casos em que é admissível ao juiz conhecer do mérito da causa no despacho saneador. Tal sucederá quando:
“a) os factos alegados pelo autor em qualquer dos articulados legalmente admitidos forem inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido (inconcludência), caso em que o réu será absolvido do pedido;
b) todos os factos integradores de uma excepção peremptória se encontrem já provados, com força probatória plena (ou pleníssima), por confissão, admissão ou documento, do que resultará a absolvição do réu do pedido;
c) se deverem ter por provados todos os factos integradores da causa de pedir por não existirem excepções peremptórias, serem os factos em que se fundariam inconcludentes ou plenamente provada a inocorrência de alguns desses factos, v.g., por prova dos factos contrários (procedência do pedido);
d) se se evidenciar a inconcludência dos factos em que se funda a excepção peremptória ou prova, com força probatória plena, dos factos contrários (do que resulta ter a acção que prosseguir para apuramento dos factos que integram a causa de pedir)”.
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, pág. 659, referem casos em que é passível o conhecimento do mérito da causa no saneador, referem que: “O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo.
Tal pode acontecer por inconcludência do pedido (…), procedência ou improcedência de excepção peremptória (…) e procedência ou improcedência do pedido.
Este conhecimento só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa”.
Ora, “in casu”, o juiz da 1.ª instância considerou estar em condições de conhecer, de imediato, do mérito da causa, nos termos em que o fez no saneador-sentença, ora recorrido, considerando provados os factos decorrentes do teor de vários documentos juntos aos autos principais, com o requerimento executivo.
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Vendo o alegado pelo executado/apelante o mesmo insurge contra os factos julgados provados em 1.ª instância, mormente:
1. No exercício da sua actividade creditícia a Banco 1..., celebrou com o Executado AA, dois Contratos de Mútuo, formalizados por Escrituras que constituem os títulos executivos dados à execução, pelos quais entregou ao segundo as quantias de €179.567,00 e €22.0000,00.
2. Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma “Q”, sita na Rua ... em ... - Matosinhos, descrita na CRP de Matosinhos sob o n.º ... e inscrita na matriz predial urbana da bfreguesia de Matosinhos sob o artigo ...;
3. Hipoteca esta que foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através da AP. ... de 2004/12/14 e AP. ... de 2013/11/12.
4. No Documento Complementar anexo à Escritura supra mencionada, ficou convencionado que o pagamento do referido mútuo seria efectuado em prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros.
5. O executado faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, em 06 de Abril de 2014 e 12 de Novembro de 2014.
6. Por Contrato de venda de créditos, assinado em 02 de Novembro de 2017, a Banco 1... vendeu os créditos identificados como ..., ..., que detinha sobre os executados e todas as garantias acessórias a ele inerentes, à H..., SA
7. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito cedido.
8. No âmbito do contrato supra mencionado, incluiu-se o crédito sobre os ora executados, melhor identificados na relação de créditos cedidos constante do referido contrato e do respectivo DOCUMENTO COMPLEMENTAR, parte integrante do mesmo, conforme Contrato de Cessão de Créditos junto.
9. Á data de incumprimento do primeiro dos contratos encontrava-se em dívida o capital de €171.723,90, a que acrescem juros de ora vencidos à data da entrada em juízo da execução no valor de €44.642,92 e despesas contratuais no valor de €4.423,71.
10. Á data do incumprimento, em relação ao segundo contrato (€22.000) o capital em divida cifrava-se em €21.643,53 a que acrescem juros de mora vendos desde aquela data e até à data da entrada em juízo da execução no valor de €6.238,26 e despesas contratuais no valor de €521,27.
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Como é sabido, a oposição à execução mediante embargos de executado é o modo de que o executado dispõe para se libertar (total ou parcialmente) da execução contra si instaurada, seja com base em razões de natureza processual, seja aduzindo argumentos materiais (que contendam com a existência ou a subsistência da obrigação) seja pela verificação de um vício de natureza formal que obsta ao prosseguimento da execução. Constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado e na dependência do processo executivo, fisicamente correndo por apenso.
Assim, embora os embargos constituam um procedimento estruturalmente autónomo, estão funcionalmente ligados ao processo executivo (fala-se em função instrumental da oposição, até porque sem execução não há oposição à execução), visando a pronúncia que neles é feita, quer sobre o mérito, quer sobre matéria processual, servir exclusivamente as finalidades e os fins da execução. Este carácter incidental ou instrumental dos embargos, funcionalmente vinculados ao processo executivo em que se enxertam, resulta claramente do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 732.º do C.P.Civil, nos termos dos quais a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte, além de que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Preceitua o art.º 731.º do C.P.Civil que, “não se baseando a execução em sentença (…), além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”.
Diversamente do que acontece nos embargos à execução de sentença, a oposição à execução baseada em outro título pode fundar-se em qualquer causa que fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração, dado o executado não ter tido ocasião de, em acção declarativa prévia, se defender amplamente da pretensão do exequente/embargado. Pode, pois, o executado alegar, como fundamento de embargos de executado, matéria de impugnação e de excepção, embora não possa reconvir.
Nos embargos de executado (tal como nas acções de simples apreciação negativa), as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseia em normas de direito substantivo, não se alteram (não se modificando pela diferente posição ocupada pelo credor e devedor nos autos, ou pelo executado/embargante e pelo exequente/embargado): o titular do direito continua sempre a ter de provar os factos que o constituem, enquanto o titular do dever correspondente tem o de provar os factos que impedem, modificam ou extinguem os feitos dos primeiros, cfr. art.º 342.º do C.Civil.
E como se infere do Assento do STJ de 14.05.96, in DR 159/96, Série II, de 11.07.96, in BMJ 457.º, pág. 59, nos embargos de executado, a distribuição do ónus da prova observa as regras gerais sobre esta matéria, pelo que cabe ao executado/embargante a prova dos fundamentos alegados, cfr. art.º 342.º, n.º 1 do C.Civil, dado que estes são factos constitutivos da oposição deduzida. Mas, por outro lado, é ao embargado-exequente que incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, ou seja, de que o título é válido e a relação jurídica material que lhe deu causa corresponde à realidade dos factos.
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In casu” o exequente/embargado deu à execução dois contratos de mútuo, constante de escrituras pública e autenticada, respectivamente, celebrados entre a Banco 1... e o executado/apelante e pelos quais o mesmo se declarou e confessou devedor do mutuante por determinadas quantias. Tais contratos estão alegadamente incumpridos pelo executado. Sendo que por contrato de cessão de créditos a Banco 1... vendeu esses créditos que detinha sobre o executado/apelante à ora exequente. E assim esta, munida de tais contratos de mútuo e do contrato de cessão de créditos, demandou o executado, ora apelante para haver dele o pagamento coercivo da quantia total de €249.193,92, sendo €171.723,90 de capital em dívida do 1.º mútuo, juros vencidos de €44.642,92 e despesas de €4.423,71, no total de €220 790,53 e €21.643,53 de capital em dívida do 2.º mútuo, juros vencidos de €6.238,26 e despesas de €521,27, no total de €28.403,06, a título da dívida resultante desses mesmos contratos.
Nos art.ºs 28.º e 29.º a 38.º da sua oposição à execução, limitou-se o executado/apelante a dizer que: A embargada impugna toda a factualidade e documentos contantes no requerimento executivo, nomeadamente, as obrigações a que faz referência, o capital e juros pedidos, bem como despesas de contencioso. A embargada não faz prova dos montantes alegados como fazendo parte da quantia exequenda. Sem prejuízo do supra exposto, no que concerne à falta de título e executivo e de liquidação, jamais a executada poderia dever os valores peticionados. Porém, a embargada faz as suas contas como se lhe tivessem sido cedidos os contratos de mútuo, o que não aconteceu. A ser verdade o alegado, mas sem conceder, à embargada ter-lhe-ia sido cedido dois créditos. À data da alegada cessão, já os valores contemplavam os juros e penalizações por incumprimento. Não obstante, apesar do embargada, alegadamente, ter adquirido um crédito em 2017 no valor de 184.270,62€ - onde já contemplava juros e penalizações – quer depois de receber tal crédito cobrar juros de quando o crédito não era seu. Sem especificar sequer o montante dos juros. Alegando a embargada interpelações que nunca fez. Como se pode verificar, o embargado não procedeu sequer à liquidação da obrigação no momento e espaço que tinha para o fazer. Pelo que, o embargante impugna o valor da quantia Exequenda”.
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Ora, de harmonia com o disposto no art.º 371.º n.º1, do C. Civil “Os documentos autênticos fazem prova plena (…) dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (…). Por sua vez, nos termos do art.º 374º do C.Civil, sob a epígrafe «Autoria da letra e da assinatura»:
1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.”
E o art.º 376.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe «Força probatória», preceitua:
1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento”.
A letra e a assinatura, ou a assinatura de um documento particular, só se consideram como verdadeiras, se forem expressa ou tacitamente, reconhecidas/não impugnadas pela parte contra quem o documento é exibido ou se, legal ou judicialmente, forem havidas como tais.
Estabelecida a genuinidade do documento, ou seja, a veracidade da sua subscrição pela pessoa a quem o documento é atribuído, dela resulta a veracidade do respectivo contexto: “A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência e de vontade) que nele constam como feitas pelo respectivo subscritor”. “Ao invés dos documentos autênticos, que fazem prova por si mesmos da proveniência que ostentam, os documentos particulares não provam, só por si, a sua procedência da pessoa que aparentemente assume a sua autoria ou paternidade”. A autenticidade do documento particular “só pode ser aceite mediante reconhecimento tácito ou expresso da parte” contra o qual é oferecido e «à qual é imputada a sua autoria” “ou através de reconhecimento judicial”.
Vistos tais preceitos legais e o alegado pelo executado/apelante em sede de oposição à execução, manifesto é de concluir que o mesmo não impugnou de forma válida e/ou eficaz a força probatória resultante do teor dos contratos de mútuo celebrados entre a Banco 1... e ele próprio, por via dos quais se confessou devedor de determinadas quantias, pelo que “sibi imputet”.
A exequente veio dar a execução tais contratos e mais invocar o seu incumprimento por parte do mutuário/executado, e este, relativamente a este facto também não invocou em sua defesa qualquer facto extintivo ou modificativo do mesmo, como era seu ónus, cfr. n.º2 do art.º 342.º do C.Civil, mormente, o pagamento dos montantes invocados em dívida, logo também “sibi imputet”.
Pelo que, sem necessidade de outros considerandos não tendo sido impugnada a subscrição pelo executado/apelante dos contratos de mútuo que constituem o título executivo em que se fundamenta a execução, e deles resultando duas declarações/confissões de dívida, segundo o preceituado no art.º 358.º, n.º2 do C.Civil, essa confissão “… extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”, logo nenhuma censura nos merece a decisão de provados proferida em 1.ª instância relativamente aos factos elencados sob o n.ºs 1 a 5, 9 e 10.
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Relativamente aos factos julgados provados em 1.ª instância e aí elencados sob os n.ºs 6, 7 e 8, dir-se-á que a sua realidade resulta do teor do respectivo contrato junto com o requerimento executivo e respectivo Documento Complementar, a sua força probatória, cfr. art.º 376.º do C.Civil não foi de forma alguma válida e/ou eficazmente impugnado pelo executado/apelante, logo nenhuma censura nos merece o assim decidido em 1.ª instância, que assim se mantêm inalterados.
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Quanto aos demais factos julgados provados em 1.ª instância, ou seja:
11. A execução entrou em juízo em 10.06.2021.
12. O embargante deu entrada em 13.05.2021 de uma acção de simples apreciação negativa em que são réus a embargada e a “W..., SA”.
13. Nessa acção o embargante peticiona se declare a inexistência do crédito de qualquer montante das rés perante o autor, conforme se arrogam e, em consequência, ser cancelado o registo de hipoteca e eventualmente outros dados e registos que se encontrem efectuados a favor da 1.ª ré.
14. Alega como causa de pedir o desconhecimento da cessão e de quem é o verdadeiro credor; desconhecer o valor exacto em divida, nada dever a qualquer das rés que assim não detém qualquer crédito sobre si e, em consequência, deverá declara-se extinta a hipoteca que incide sobre o imóvel e contida a favor da aqui embargada.
15. Por carta registada datada de 02.11.2017, recebida pelo embargante, a Banco 1... comunicou ao embargante: (…)”
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Dúvidas não podem haver de que é realidade que a execução de que este é um apenso entrou em juízo em 10.06.2021, como bem se pode verificar pela análise do próprio processo, logo é totalmente irrazoável o pretendido pelo executado/apelante. Pelo que nada há alterar relativamente a tal facto provado em 1.ª instância.
Atento o teor do respectivo documento junto pelo executado/apelante com a sua petição dos presentes embargos e o que alegou a tal respeito, não impugnado pela exequente/embargada, é manifesta a realidade constante dos factos julgados provados em 1.ª instância a aí elencados sob os n.ºs 12, 13 e 14, pelo que se mantêm inalterados.
Finalmente e no que respeita ao facto julgado provado em 1.ª instância e enumerado sob o n.º 15 dir-se-á que alegou o executado em sede dos presentes embargos que: “…Ainda que tivesse sido indicado o contrato de cessão de créditos como título executivo, o que não aconteceu, o mesmo não está completo, não decorrendo de tal que o crédito cedido é também o do embargante….em momento algum se verifica a prova da notificação do embargante, nem sequer resulta do alegado, para que tal documento pudesse ser considerado título executivo”.
Na sua contestação aos presentes embargos veio a exquente, além do mais, alegar que “…tal como se pode comprovar pelo documento junto pelo próprio embargado na p.i., a Banco 1... enviou carta a avisar que teria cedido os créditos à H..., SA e que a empresa W... SA estaria a gerir os mesmos”.
Efectivamente, assim é, foi o próprio executado quem juntou aos autos com a presente oposição, o documento comprovativo de que a Banco 1... em 2 de Novembro de 2017 o notificou por carta registada de que havia cedido os créditos que tinha sobre si (ora executado) à “…sociedade “H..., SA” o(s) crédito(s) acima referido(s), celebrados com V. Exa. …” e “…todas as garantias e acessórios do direito transmitido, designadamente, o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações“.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos está efectivamente provada a realidade constante do ponto 15 dos factos provados em 1.ª instância.
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Pelo que se deixa consignado, considerando ainda o teor dos documentos juntos com o requerimento executivo e com a petição dos presentes embargos acima referidos e como é sabido, devendo o Juiz apreciar livremente todas as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, cfr. art.º 607.º n.º5 do C.P.Civil, julgamos que a decisão proferida em 1.ª instância sobre os factos em apreço neste recurso deve manter-se inalterada, já que não se vislumbra que a mesma enferme de erro e, muito menos, erro grosseiro ou manifesto, não merecendo esta, por isso, qualquer censura.
Improcedem as respectivas conclusões do executado/apelante.
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3.ªquestão – De Direito.
Em suma, defende o executado /apelante que nada deve à exequente, nem a mesma possuiu título executivo contra si para o demandar como o fez na execução de que este é um apenso.
Como resulta do requerimento executivo, e documentos com o mesmo juntos, o exequente deu à execução dois contratos de mútuo, celebrados entre a Banco 1... e o executado/apelante e pelos quais o mesmo se declarou e confessou devedor do mutuante por determinadas quantias. Tais contratos estão alegadamente incumpridos pelo executado. Sendo que por contrato de cessão de créditos a Banco 1... vendeu esses créditos que detinha sobre o executado/apelante à ora exequente. E assim esta, munida de tais contratos de mútuo e do contrato de cessão de créditos demandou o executado, ora apelante para haver dele o pagamento coercivo da quantia total de €249.193,92, sendo €171.723,90 de capital em dívida do 1.º mútuo, juros vencidos de €44.642,92 e despesas de €4.423,71, no total de €220.790,53 e €21.643,53 de capital em dívida do 2.º mútuo, juros vencidos de €6.238,26 e despesas de €521,27, no total de €28.403,06.
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3.1. - Da cessão de créditos.
A 1.ª instância julgou os embargos de executado totalmente improcedentes para o que considerou, além do mais, que: “(…) A primeira questão suscitada pelo embargante é a da inexistência de titulo jurídico, uma vez que a embargada não consta do mesmo como sendo titular de qualquer credito.
A exequente deu à execução como títulos executivos dois contratos de mutuo, celebrados entre o aqui embargante e o Banco 1... Geral, em consequência dos quais este entregou ao primeiro, com a obrigação deste lhe restituir as quantias de as quantias de €179.567 e €22.0000.
(…)
Porém, a lei prevê expressamente a possibilidade de transmissão dos créditos – art.º 577.º, do C.C.
De acordo com o n.º1 do art.º 577º, do C.C. o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do credor. E a cessão, produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada.
Por outro lado, nos termos do art.º 588.º, n.º1, do C.C. “na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito (…)
A partir da notificação da cessão ou da sua aceitação, a titularidade do crédito passa para a esfera a esfera do cessionário, pelo que o devedor apenas se desobriga se efectuar a este a prestação.
No caso em apreço, a questão suscitada é de subsumir à excepção dilatória de legitimidade e não de existência de título.
É inequívoco que os contratos de mútuo configuram título executivo- art.º 703.º, n.º1, al. b), do C.P.C
Se é certo que que o embargado não consta dos contratos como credor, resulta dos factos provados que por meio de contrato de cessão de créditos celebrado entre o Banco 1... Geral e o aqui embargado aquele cedeu a este os dois créditos que detinha sobre o embargante- art.º 577.º, do C.C., pelo que este sucedeu na posição daquele e, por conseguinte, tem legitimidade para a execução de que estes são apensos.
(…)
No caso dos autos resultou provado que o Banco 1..., por carta registada remetida para a morada do embargante notificou-o da cessão, indicando como cessionário o aqui embargado e que seria representado para efeitos de cobrança da dívida pela W.... Ainda que assim não tivesse sucedido, do acima exposto sempre teríamos de concluir que com a citação para a execução, a cessão tornou-se eficaz quanto ao embargante, não tendo a falta de notificação extrajudicial qualquer relevância para os termos da presente lide, mesmo porque no caso o consentimento dos devedores não era necessário.
Com efeito, conforme decorre da supra invocada disposição legal, a cessão de créditos configura um contrato pelo qual o credor (cedente) transmite a terceiro (cessionário), independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, o que dispensa o consentimento dos devedores (…)”.
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Em sede do presente recurso vem de novo o executado/apelante insistir, sem qualquer razão e mesmos na ausência de qualquer razoabilidade, na alegação de “falta de título executivo, uma vez que a exequente não figura no contrato de mútuo, junto como sendo o título executivo, nem a alegada cedência do mútuo foi notificada ao embargante/recorrente”.
Vejamos.
Preceitua o n.º1 do art.º 577.º do C.Civil que o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.
Estabelece o art.º 583.º, no seu n.º 1, que a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite. Enquanto o seu n.º 2 reza que se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão.
Segundo o Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, II, pág. 293 a cessão de créditos trata-se de um “contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito (artigo 577.º)”. Para o Prof. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações” II, pág. 14, são “requisitos da cessão de créditos: a) um negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou de parte do crédito; b) a inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa transmissão; c) a não ligação do crédito, em virtude da própria natureza da prestação, à pessoa do credor”.
A cessão de créditos opera-se entre as partes (cedente e cessionário), independentemente da sua notificação ao devedor. No entanto, em relação ao devedor é necessário que a cessão lhe seja notificada, nos termos preceituados do n.º1 do art.º 583.º do C.Civil, isto sem se olvidar que tal preceito legal não prevê uma enumeração taxativa dos meios pelos quais o devedor obtém o conhecimento da cessão e, por outro, que o objectivo da lei com a cessão é precisamente o de promover as vantagens associadas à livre circulação de créditos num tempo em que estes assumem uma importância económica crescente.
A razão de ser da exigência do conhecimento da cessão pelo devedor, reside, como bem se apontou no Ac. do STJ de 6.11.2012, in www.dgsi.pt, “na necessidade da protecção do interesse do devedor pois, que, em princípio, não admite a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim que proteger a boa-fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjectiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente”.
Em suma, a cessão de créditos para ser permitida não carece de consentimento do devedor (salvaguardando-se apenas os casos elencados no art.º 577.º do C.Civil); a cessão de créditos para ser eficaz perante o devedor, deve ser notificada ao mesmo, judicial ou extrajudicialmente, ou por ele aceite (ou, no caso especificado do 583.º, n.º 2 do C. Civil, por ele conhecida). Por conseguinte, não tem valor constitutivo da cessão de créditos a notificação feita ao devedor (pelo cedente ou pelo cessionário), mas mero valor de eficácia. Ou dito de outra forma, o direito de crédito transmite-se imediatamente com o negócio de alienação passando o cessionário a ser o titular do direito.
Mas, como é óbvio a cessão não pode afectar, em termos de prejudicar, a posição que o devedor tinha para com o cedente, ainda que se tratasse de obrigação com vencimento posterior à cessão, desde que a sua constituição seja anterior ao conhecimento desta, ou sua conterrânea, cfr. Prof. A. Varela, in obra citada, pág. 287 e nota 1.ª, Prof. Vaz Serra, “Cessão de Créditos ou de Outros Direitos”, in BMJ, 1955, 130, mas também obviamente que ficam fora da defesa do devedor cedido as circunstâncias do negócio causa da cessão, outorgado entre cedente e cessionário, do qual resultou a transmissão do crédito e que apenas relevam entre estes, cfr. Luís Pestana de Vasconcelos, in “Dos Contratos de Concessão Financeira [Factoring]”, apud “Studia Iuridica”, 43, BFDUC, 1999, pág. 314.
Donde e em conclusão: i) - a cessão de créditos para ser permitida não carece de consentimento do devedor (salvaguardando-se apenas os casos contados elencados no art.º 577.º do C.Civil); ii) - a cessão de créditos para ser eficaz perante o devedor, deve ser notificada ao mesmo, judicial ou extrajudicialmente, ou por ele aceite (ou, no caso previsto no art.º 583.º, n.º 2, por ele conhecida).
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Retornando ao caso dos autos, está neles provado que:
- no exercício da sua actividade creditícia a Banco 1..., celebrou com o executado, ora apelante, dois Contratos de Mútuo, formalizados por Escrituras 6.05.2005 e de 12.11.2013, que constituem os títulos executivos dados à execução, pelos quais entregou ao segundo as quantias de €179.567,00 e €22.000,00, e conforme teor dos docs. juntos aos autos executivos com o requerimento inicial, e pelos quais o executado/apelante se confessou devedor da Banco 1... pelo valor de €179.500,00 e de €22.000,00, respectivamente;
- por Contrato de Venda de Créditos, assinado em 02 de Novembro de 2017, a Banco 1... vendeu os créditos identificados como ..., ..., que detinha sobre o executado, ora apelante e todas as garantias acessórias a ele inerentes, à ora exequente H..., SA conforme teor do documento junto ao requerimento executivo;
- A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito cedido, sendo que no âmbito de tal contrato de cessão de créditos, se incluiu o crédito sobre o executado, ora apelante, conforme resulta do teor do doc. que constitui a relação de créditos cedidos constante do referido de cessão e do respectivo Documento Complementar, parte integrante do mesmo, conforme do doc. de onde consta o referido Contrato de Cessão de Créditos.
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Visto este complexo fáctico, dúvidas não restam de que a exequente/cessionária, alegou e provou documentalmente, a existência e validade da cessão de créditos invocada, a sua qualidade de cessionária/e consequentemente a sua legitimidade como exequente, e ainda que entre os créditos cedidos (carteira de créditos) se conta o crédito dado à execução de que este é um apenso.
Logo e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as respectivas conclusões do apelante.
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3.2. – Da alegada litispendência ou da causa prejudicial.
A respeito desta questão, considerou-se na decisão recorrida, além do mais, que: “(…) A Litispendência pressupõe a repetição de uma causa. A qual ocorre “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. [art.º581.º, n.º1, do C. P.C.]
Nestes três elementos, pois, os elementos essenciais que, por um lado, caracterizam e individualizam as acções e, por outro, permitem o juízo de identidade: quem pretende – as pessoas, “easdem personas”; o que pretendem – os bens ou as coisas que se pretendem, ‘eadem res’; porquê pretendem – o fundamento ou a causa por que se pretende, ‘eadem causa petendi’.
In casu assumem específico significado a causa petendi e o petitum.
(…)
O nosso legislador optou, assim, na referência ao facto jurídico, pela teoria da substanciação segundo a qual “a causa de pedir será o facto gerador de direito, divergindo a acção sempre que seja diferente o facto constitutivo invocado (diferente como acontecimento concreto): o que substancia (daqui a designação ‘teoria da substanciação’) ou fundamenta a acção (a pretensão) igualmente a individualiza”.
Vale dizer: a causa de pedir é o próprio facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer fattispecie jurídica que a lei admita como criadora de direito, abstracção feita da relação jurídica que lhe corresponda.
Sobre a identidade do pedido.
“Há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” [art.º 581.º, n.º3, do C.P.C.]
(…)
Na acção executiva o pedido é o da cobrança coerciva da quantia exequenda, naquela outra acção é a declaração de inexistência de qualquer credito da aqui embargada sobre o embargante e o cancelamento da hipoteca. Ou seja, os pedidos são, substantivamente, diferentes.
A causa de pedir é aqui o título executivo (em concreto dois títulos): dois contratos de mútuo celebrados entre o Banco 1... e o embargante, sendo que o embargado cedeu na posição deste por meio de contrato de cessão de créditos; naquele outro processo a causa de pedir é a inexistência de qualquer credito do embargado sobre o embargante, o desconhecimento do valor em divida, a duvida sobre o credor, isto é, são causas de pedir que embora se assemelhem, são diferentes na sua substância.
Improcede, pois a arguida excepção de listispendência.
Nem se diga que aquela configura causa prejudicial.
Vejamos
Como é sabido a instância suspende-se, nos termos dos art.ºs. 272.º, do C.P.C. quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento da outra já proposta ou
quando ocorre motivo justificado. Uma causa é prejudicial à outra quando a decisão daquela possa prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tirar a razão de ser à existência da segunda.-
A razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos".
A decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja sentença possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito.
Acresce que ao ser ordenada a suspensão da instância dever-se-á averiguar se tal não irá acarretar desvantagens, ou que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
(…)
No caso em apreço o embargante alega que a decisão a proferir naquela outra acção declarativa é prejudicial em relação à presente por ali estar em causa se o crédito aqui peticionado existe na esfera jurídica do credor, uma vez que desconhece se o valor peticionado existe.
Ora, nesta acção, por meio dos presentes embargos, a questão suscitada pode ser aqui dirimida, não dependendo do que ali venha a ser decidido (note-se que o embargante ali alega desconhecer se existe algum credito).
Com efeito, nos termos do disposto no art.º 10.º, do C.P.C. é pelo título que se aferem os limites objectivos e subjectivos da acção executiva.
Dos títulos constam as partes primitivas, valores mutuados e data do incumprimento, liquidando-se na execução, por simples cálculo aritmético os valores devidos à data da entrada em juízo da execução.
Sendo unânime que impende sobre o executado o ónus de alegar e provar os factos
extintivos/modificativos da execução, conforme dispõem os art.ºs 731.º e 729.º, al. g), a questão pode aqui ser apreciada e decidida, pelo que não depende de naquela outra acção se decidir do valor em divida (o pedido naquela oura acção declarativa é o de inexistência de qualquer crédito).
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Mais uma vez, e sem qualquer razão e mesmo de rigor jurídico, insiste o executado/apelante que “por via da litispendência ou porque naquela acção se discutem questões prejudiciais à presente acção executiva, a execução deveria ser extinta ou sustada, até, no caso da sustação, à decisão das questões de relevo, nomeadamente, a legitimidade e a liquidação da alegada obrigação”.
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Na verdade e nos termos do art.º 580.º, n.º 1, do C.P.Civil, a litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso. A litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente, cfr. art.º 582.º n.ºs 1 e 2.
O art.º 581.º prevê os requisitos da litispendência (como também do caso julgado). Assim, refere o n.º 1 que “Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – n.º 2.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” – n.º 3.
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” – n.º 4.
A excepção dilatória da litispendência visa obstar a que a mesma questão jurídica, materializada na formulação da mesma pretensão, com base na mesma factualidade, seja objecto de duas ou mais acções que tenham as mesmas partes, e a sua verificação conduz à absolvição da instância, cfr. Manuel Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 306.
Estes princípios estão consagrados no n.º 2 do mesmo artigo, quando refere “Tanto a excepção da litispendência como a de caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”, como é reconhecido tanto pela doutrina como pela jurisprudência.
Em princípio, o âmbito da litispendência é o mesmo que o do caso julgado. Todavia é-o apenas em princípio, pois há que atender à função de cada um dos elementos que concorrem para a solução dentro de um e outro instituto.
O que interessa, essencialmente, é o que constitui o objecto da acção e não questões de natureza prejudicial ou de defesa.
Haverá litispendência e caso julgado para os pedidos que venham a formular-se na acção e em qualquer momento.
Ter-se-á de analisar causa de pedir e pedidos em função da litispendência e caso julgado, que podem não ser coincidentes, cfr. Anselmo de Castro, in “Direito Processo Civil”, Vol. II, pág. 245.
Segundo Alberto do Reis, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. III, pág. 95, quando haja dúvidas sobre a identidade das acções, deve presidir o critério, deve lançar-se mão do princípio segundo o qual o tribunal pode correr o risco de contradizer ou reproduzir decisão proferida na primeira acção. Se isso acontecer, então estaremos perante duas acções idênticas.
Por sua vez, Antunes Varela, in “Manual de Direito Processo Civil”, pág. 302, põe em destaque, para efeitos de sabermos se estamos perante repetição de acções, o elemento formal (identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido) e a directriz substancial consignada no artigo 580.º n.º 2 do CPC., traduzida no perigo de o tribunal ser colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. E, foca não só a acção no plano do pedido, mas também nos fundamentos da defesa, como sejam excepções peremptórias que interfiram com a prossecução ou não do pedido. E se porventura os fundamentos de defesa vierem a ser causa de pedir noutra acção em que aquele que era réu na primeira acção passou a ser autor na segunda, apesar de não haver identidade de pedidos, a questão central de o tribunal ser colocado em contradizer ou reproduzir uma decisão anterior é patente, segundo este autor. E, sendo assim, justificam-se a litispendência e o caso julgado para evitar este perigo.
E neste sentido, é dominante a jurisprudência do STJ, que destaca, como fundamentos da litispendência e do caso julgado, para além do elemento formal (identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido), o elemento material consignado no art.º 580.º n.º 2 do C.P.Civil. E dá-lhe ênfase de molde a que prevaleça, em certos casos, sobre o elemento formal.
O que interessa para esta jurisprudência é saber se exista ou não perigo de o tribunal se contradizer ou reproduzir decisão anterior. Basta essa possibilidade, para que se justifiquem as excepções dilatória de litispendência e caso julgado.
Depois de expostos os pontos de vista na doutrina e jurisprudência, ressalta que é indispensável, para a determinação da identidade das acções, para efeitos da litispendência, que se conjugue o elemento formal com o material de molde a que sobressaia, em cada caso, a relação jurídica fundamental, em discussão em cada processo.
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Com interesse, está provado nos autos que:
- o executado/apelante deu entrada em 13.05.2021 de uma acção de simples apreciação
negativa em que são rés a exequente e a “W..., SA”, conforme o alegado pelo executado/apelante no art.º 9.º da petição inicial dos presentes embargos;
- nessa acção o executado/apelante peticiona se declare a inexistência do crédito de qualquer montante das rés perante o aí autor, conforme se arrogam e, em consequência, ser cancelado o registo de hipoteca e eventualmente outros dados e registos que se encontrem efectuados a favor da 1.º ré, conforme teor do doc. 1. junto pelo executado/apelante com a mesma petição inicial;
- alega aí o autor, ora executado/apelante, como causa de pedir o desconhecimento da cessão e de quem é o verdadeiro credor; desconhecer o valor exacto em dívida, nada dever a qualquer das rés, que assim não detêm qualquer crédito sobre si e, em consequência, deverá declara-se extinta a hipoteca que incide sobre o imóvel e registada a favor da aqui embargada, conforme teor do doc. 1. junto pelo executado/apelante com a mesma petição inicial.
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Ora, no caso em apreço, estamos perante uma acção declarativa (de apreciação negativa), e uma acção executiva, a que foi deduzida a presente oposição à execução.
Os títulos executivos dados à execução são duas escrituras de mútuo pelas quais o executado/apelante se confessa devedor de determinadas quantias.
Ora, segundo o disposto no art.º 731.º do C.P.Civil, “não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmila executória, além dos fundamentos de oposição especificados no art.º 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros factos que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”.
Destarte, pelo menos, teoricamente, é possível deduzir como fundamento de oposição à execução de outro título que não uma sentença, a excepção dilatória da litispendência, já que sempre seria possível ao ora executado deduzir, em processo de declaração, a existência de tal exepção.
Mas “in casu” é evidente que inexiste qualquer situação de litispendência, desde logo por força da natureza diversa das providências judiciárias em confronto, cfr. art.º 10.º, n.ºs 1, n.º 2, al. b) e n.º 4, do C.P.Civil. De facto, na acção executiva de que estes autos são apenso visa-se a realização coerciva de um direito de crédito cuja causa de pedir é a confissão de dívida do executado/apelante, enquanto na acção declarativa invocada pelo apelante se visa tão-só a declaração de inexistência de qualquer crédito do ora exequente sobre o executado, o desconhecimento do valor em dívida e a dúvida sobre o credor.
Assim, por evidente diversidade do efeito jurídico visado numa acção executiva e numa acção declarativa, nunca pode haver litispendência entre uma acção declarativa e uma acção executiva.
Como justamente se assinala, o que eventualmente se poderia questionar era a existência de uma causa prejudicial que pudesse contender com a subsistência do título exequendo. Na verdade e nos termos do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, al. c) e 272.º, n.º 1 do C.P.Civil, o Tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão de uma causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer motivo justificado.
Como é sabido, uma causa está dependente do julgamento de outra, isto é, pende causa prejudicial, quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira possa influir ou afectar o julgamento ou decisão da segunda, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser à mesma.
Ou dito de outro modo, uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou razão de ser da segunda, cfr. J. Alberto dos Reis, in “Comentário”, 3.º, pág. 268.
Causa prejudicial é aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada. Uma causa está dependente do julgamento de outra quando esta última tenha por objecto questão ou questões cuja solução, por si só, possa modificar alguma situação jurídica que deva ser apreciada na decisão da primeira. A A prejudicialidade consubstancia-se, assim, na relação de consumpção parcial entre objectos processuais, em termos de impossibilidade de apreciação do objecto processual dependente sem interferir na apreciação do objecto prejudicial.
Por outro lado, a suspensão judicial, por que é dessa que efectivamente se trata, “in casu”, preceitua ainda que o Tribunal pode ordenar a suspensão quando entender que ocorre outro motivo justificado, isto é, motivo diferente da pendência de causa prejudicial e que, em seu juízo, justifique a suspensão.
Todavia, não estando tipificados os “outros motivos” para a suspensão judicial, cabe ao intérprete avaliar e justificar, caso a caso, da bondade da decisão de suspender a instância, tanto mais que o poder outorgado ao juiz pelo artigo 272.º, n.º 1, do C.P.Civil, “não tem carácter discriminatório; é um poder legal limitado”. Pois que na verdade, o poder vinculado previsto no art.º 272.º, do C.P.Civil, de sobrestar na decisão, tem como objectivo a economia e a coerência de julgados, ou seja, evitar que a mesma questão possa vir a ser objecto de decisões desencontradas ou incoerentes.
Porém, em 24 de Maio de 1960, foi proferido Assento do Supremo Tribunal de Justiça, publicado na primeira série do Diário do Governo de 15 de Junho de 1960, com o seguinte teor “A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284.º do Código de Processo Civil.
O primeiro fundamento do então artigo 284.º do C.P.Civil era o seguinte: O juiz pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta”, fundamento que corresponde à primeira parte do n.º 1 do artigo 272.º do actual C.P.Civil, razão pela qual se nos afigura que este assento continua a vigorar com o valor da jurisprudência uniformizada (DL n.º329-A/95, de 12.12, art.º 17.º n.º2). Deste modo, nem por via da pendência de causa prejudicial poderia ser acolhida uma pretensão de suspensão da acção executiva, como sucedâneo da pretendida litispendência.
Improcedem assim as respectivas conclusões do executado/apelante.
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3.3 – Da obrigação exequenda.
Defende ainda o executado/apelante que, subsidiariamente, o impugnou toda a factualidade e documentos constantes no requerimento executivo, nomeadamente, as obrigações a que faz referência, o capital e juros peticionados, bem como as despesas de contencioso “… Porém, conforme resulta do supra exposto, o valor da quantia exequenda, juros e despesas apenas se encontram alegados no requerimento executivo, não tem qualquer prova que a sustente e foram impugnados pelo embargante.
Pelo que, jamais o Tribunal poderia dar tais valores como provados, como deu”.
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Na decisão recorrida fez-se constar, além do mais, que: “(…) Com efeito, nos termos do disposto no art.º 10.º, do C.P.C. é pelo titulo que se aferem s limites objectivos e subjectivos da acção executiva.
Dos títulos constam as partes primitivas, valores mutuados e data do incumprimento, liquidando-se na execução, por simples cálculo aritmético os valores devidos à data da entrada em juízo da execução.
Sendo unânime que impende sobre o executado o ónus de alegar e provar os factos extintivos/modificativos da execução, conforme dispõem os art.ºs 731.º e 729.º, al. g), a questão pode aqui ser apreciada e decidida, pelo que não depende de naquela outra acção se decidir do valor em divida (o pedido naquela oura acção declarativa é o de inexistência de qualquer credito).
Impendia, assim, sobre o embargante, o ónus de alegar e provar o montante em divida - art.º 342.º, n.º2, do C.C., sendo que se revela despicienda a remessa dos autos para julgamento uma vez que o embargante soçobrou no cumprimento do ónus de alegação dos factos extintivos ou modificativos do direito de credito do embargado, limitando-se a alegar que o valor liquidado mostra-se incorrecto, como que se impendesse sobre o embargado o ónus de provar o valor devido”.
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Está provado e foi alegado pela exequente no seu requerimento executivo que:
- no exercício da sua actividade creditícia a Banco 1..., celebrou com o executado, ora apelante, dois Contratos de Mútuo, formalizados por Escrituras que servem de título à execução de que este é um apenso e respectivo Documento Complementar;
- para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre o fracção autónoma “Q”, sita na Rua ..., ... – 5.º Dr. em ... - Matosinhos, descrita na CRP de Matosinhos sob o n.º ... e inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Matosinhos sob o artigo ...; tal hipoteca está registada na referida Conservatória do Registo Predial através da AP. ... de 2004/12/14 e AP. ... de 2013/11/12;
- no Documento Complementar anexo à Escritura supra referida ficou convencionado que o pagamento do referido mútuo seria efectuado em prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros;
- o executado, ora apelante, faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, em 6.04.2014 e 12.11.2014, respectivamente, e apesar de interpelado para o respectivo pagamento, não o efectuou.
- encontram-se em dívida, à data da execução:
Relativamente ao 1.º contrato de mútuo - Capital em dívida: €171.723,90; Juros: €44.642,92 e Despesas €4.423,71, no total de €220.790,53 e relativamente ao 2.º contrato de mútuo - Capital em dívida: €21.643,53; Juros: €6.238,26 e Despesas €521,27, no total de €28.403,06, sendo consequentemente peticionado o pagamento coercivo da quantia total de €249.193,92, a que acrescerão os respectivos juros de mora vincendos, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida à taxa de 4.480% e 5.670% respectivamente, onde se inclui a sobretaxa de mora de 3%, bem como o respectivo Imposto de Selo, nos termos legais aplicáveis.
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A acção executiva visa a implementação das providências adequadas à efectiva reparação do direito violado, e tem por base um título pelo qual se determinam o seu fim e limites, cfr. art.º 10.º n.ºs 4, 5 e 6 do C.P.Civil. Podem servir de base à execução os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação, cfr. art.º 703.º, nº 1, e al. b), do Código de Processo Civil).
A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efectivar por via da acção executiva. O fundamento substantivo da acção executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração.
Na verdade, e como acima já se deixou consignado, a oposição à execução mediante embargos de executado é o modo de que o executado dispõe para se libertar (total ou parcialmente) da execução contra si instaurada, seja com base em razões de natureza processual, seja aduzindo argumentos materiais (que contendam com a existência ou a subsistência da obrigação), seja pela verificação de um vício de natureza formal que obsta ao prosseguimento da execução.
Constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado e na dependência do processo executivo, fisicamente correndo por apenso. O carácter incidental ou instrumental dos embargos, funcionalmente vinculados ao processo executivo em que se enxertam, resulta claramente do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 732.º do C.P.Civil, nos termos dos quais a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte, além de que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Como preceitua o art.º 731º do C.P.Civil, “não se baseando a execução em sentença (…), além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”. Ou seja, pode, pois, o executado alegar, como fundamento de embargos de executado, matéria de impugnação e de excepção, cfr. art.º 571º, n.º 2 do C.P.Civil.
Nos embargos de executado as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseia em normas de direito substantivo, não se alteram (não se modificando pela diferente posição ocupada pelo credor e devedor nos autos - como autor ou réu, ou pelo executado/embargante e pelo exequente/embargado): o titular do direito continua sempre a ter de provar os factos que o constituem, enquanto o titular do dever correspondente tem o de provar os factos que impedem, modificam ou extinguem os feitos dos primeiros, cfr. art.º 342.º do C.Civil, ou dito de outro modo, nos embargos de executado, a distribuição do ónus da prova observa as regras gerais sobre esta matéria, pelo que cabe ao executado/embargante a prova dos fundamentos alegados, cfr. art.º 342.º, n.º 1 do C.Civil, dado que estes são factos constitutivos da oposição deduzida. Mas, por outro lado, é ao embargado-exequente que incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, ou seja, de que o título é válido e a relação jurídica material que lhe deu causa corresponde à realidade dos factos, isto, sem descurar a natureza e a força probatória do documento que constitui o título exequendo.
Como acima também se deixou consignado, o executado/apelante não alegou ou não soube alegar factos, válida e eficazmente, impugnantes dos factos alegados pelo exequente e constitutivos do seu direito. Mormente, e no que concerne ao montante da dívida exequenda, diz o executado/apelante que não é devedor de tal quantia mas, não alegou e consequentemente, não pode provar, que assim não é, ou seja, não alegou qualquer facto modificativo ou extintivo da dívida invocado pelo exequente, v. g. que pagou a mesma, ou parte dela, etc.
Logo e sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merece o decidido e este respeito em 1.ª instância.
Improcede4m as respectivas conclusões do executado/apelante.
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3.4. – Do alegado abuso de Direito e litigância de má-fé.
Defende, por fim, o executado/apelante que a exequente “… avançou com a presente acção executiva, após haver ter sido citada para a acção onde se iria discutir se o é e, caso o demonstrasse, qual o valor de que era credora. Ao invés de esperar pela discussão na acção declarativa de que ficasse demonstrado a sua qualidade e montante, não se coibiu de avançar com a presente execução, alegando pretensão cuja falta de fundamento não poderia ignorar, nomeadamente, os valores da quantia exequenda.
Deste modo, a embargada faz também um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir um objectivo ilegal: antecipar-se a penhorar e receber, enquanto tem uma acção declarativa contra si pelos mesmos factos.
Pelo que, deve a embargada ser condenada pelo Tribunal em multa exemplar, assim como numa indemnização a pagar ao embargante, a fixar a final, que deverá contemplar as despesas sofridas, a satisfação dos restantes prejuízos, assim como os honorários do mandatário”.
Mas, manifestamente não lhe assiste qualquer razão.
Senão vejamos.
Ora do teor dos vários documentos e alegações feitas nos articulados, julgamos que a determinado momento o executado, ora apelante, bem sabendo ser devedor da Banco 1... e consequentemente da cessionária dos seus créditos, e que estava em incumprimento desde 2014, a ora exequente, tentou negociar com a primeira uma eventual “reestruturação da sua dívida”, pretendendo para tanto proceder à venda do bem hipotecado, para o que necessitaria do distrate da hipoteca por parte da exequente. Todavia, as partes não terão alcançado acordo quanto ao montante a ter em conta como estando em dívida ao nível de tal ne4gociação. E tendo-se gorado em tal negociação a obtenção de um resultado de acordo com os interesses do executado, tal como o executado/apelante afirma, logo foi advertido de que “… ou pagava ou não iam à escritura de compra e venda para darem o distrate da hipoteca. E ainda com ameaça de se não fosse pago aquele valor… avançariam com uma acção executiva…”.
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Ao abuso de direito se reporta o art.º 334º do CV.Civil, que dispõe:
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado”, vol. 1, pág. 299, “que o exercício de um direito só poderá ser ilegítimo quando houver manifesto abuso, ou seja, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante.”
Um dos comportamentos que tem sido apontado como variante do abuso de direito, por violação manifestamente excessiva dos limites impostos pelo princípio basilar da boa-fé, é o denominado venire contra factum proprium, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in obra e local citado e Baptista Machado, in “Obra dispersa”, vol. I, pág. 385, 393 e 394.
Pode definir-se venire contra factum proprium como o exercício de uma posição jurídica contrária ao comportamento anteriormente assumido pelo exercente. Esta modalidade do abuso de direito postula duas atitudes da mesma pessoa que se encontram diferidas, espaçadas temporalmente. O primeiro destes comportamentos designado como factum proprium é contrariado pelo segundo. Esta contradição de comportamentos “constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, um manifesta violação dos limites impostos pelo princípio da boa-fé; pelo que não é de admitir que essa pessoa possa invocar e opor um vício por ela causado culposamente, vício, este que a outra parte confiou em que não seria invocado e que nesta convicção orientou a sua vida”.
O Prof. Baptista Machado, in obra citada, pág. 415 a 418, ensina que o efeito jurídico próprio do instituto só se desencadeia quando se verificam três pressupostos:
1. Uma situação objectiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
2. Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;
3. Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa-fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico.
Expostos estes princípios, é manifesto que não se provou, nem sequer se alegou, a existência de qualquer conduta da Banco 1... ou da cessionária, ora exequente, que pudesse ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura, ou seja, de que não iria demandar em sede executiva o ora apelante. Antes pelo contrário, houve negociações mas, no âmbito das mesmas - que não chegaram a bom termo, de harmonia com o que era defendido pelo executado/apelante, o que é perfeitamente legítimo em qualquer negociação - bem ficou o mesmo logo bem ciente de que teria de pagar o montante em dívida, pois até, como o mesmo reconhece, logo foi advertido de que a credora iria intentar a respectiva acção executiva.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos não se vislumbra qualquer situação de abuso de direito por parte da exequente ao intentar contra o executado/apelante a execução de que este é um apenso para haver dele o pagamento coercivo do montante em dívida.
Improcedem, assim, as respectivas conclusões do executado.
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Também visto o que resulta dos autos não se vislumbra qualquer litigância de má-fé por parte da exequente. Na verdade, preceitua o n.º1 do art.º 542.º do C.P.Civil, que tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir. E como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo, “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Como se sabe, foi no intuito de moralizar a actividade judiciária que o art.º 542.º n.º2 do C.P.Civil contém hoje um conceito de má-fé que abrange a negligência grave, sendo pois hoje é sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, como dela se diz quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
Com efeito, a má-fé substancial ou material directa, quer dolosa, quer com culpa grave ou erro grosseiro, esta última designada por lide temerária, diz respeito ao fundo da causa, à relação substancial deduzida em juízo, não acontecendo, frequentemente, desacompanhada da outra modalidade, a que alude a al. b) do n.º 2 do art.º 542.º do C.P.Civil, ou seja, da má-fé substancial indirecta, que se verifica, quando se “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa”, cfr. Prof. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 355 a 358 e Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 258 e segs.
Em resumo e conclusão, pode dizer-se que a má-fé traduz-se na violação do dever de probidade que os art.ºs 7.º e 8.º do C.P.Civil impõem às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, pois que tal instituto visa sancionar os deveres impostos às partes de cooperação, de probidade, de lisura processual, em suma, de boa-fé processual, cfr. art.ºs 7.º e 8.º do C.P.Civil.
Ora, “in casu” verificamos que se alguém terá tentado alterar a verdade dos factos, deduzir oposição cuja falta de fundamento não desconheceria, ou, pelo menos entorpecer a acção da justiça foi o executado/apelante. Quanto à exequente/apelada verificamos que a mesma apenas se limitou a exercer em tribunal um direito que lhe é legítimo, pela forma que a lei lhe permite fazer, já que a acção de simples apreciação negativa interposta pelo executado/apelante não tem virtualidade de obstar à instauração da execução, e fê-lo mediante a alegação de factos que transparecem de vários documentos que juntou aos autos.
Logo e também quanto a esta imputação, improcedem as derradeiras conclusões do executado/apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo executado/apelante.

Porto, 2022.11.08
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Rodrigues Pires