Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2160/18.5T9MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: DESPESAS HOSPITALARES
Nº do Documento: RP202010142160/18.5T9MTS.P1
Data do Acordão: 10/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Existindo entre a lesão e as despesas hospitalares adequado nexo causal o pagamento é devido, independentemente do estabelecimento hospitalar onde foi efetuado tratamento ser público, privado ou do setor social, pois não exclui o dever de indemnizar os danos a natureza do estabelecimento hospitalar que prestou tratamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 2160/18.5T9MTS.P1
TRP 1ª Secção Criminal
Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C. S. nº 2160/18.5T9MTS do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz 3 em que é arguido B…

C… deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 21.808,30€, a título de indemnização pelos danos sofridos, sendo 11.808,30€ a título de danos patrimoniais e 10.000,00€ a título de danos não patrimoniais, e o demais que se liquidasse em execução de sentença, conforme requerimento de fls. 386.

Por acórdão de 9/3/2020 foi decidido:
Por todo o exposto, julgo:
- Improcedente a acusação deduzida contra o arguido B… pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido pelo art.º 148 n.º 1 (por não constituir a conduta crime), pelo que dela o absolvo.
- Procedente a acusação deduzida contra o arguido B… mas pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo art.º 38 n.º 1 r) e n.º 2 do Decreto-Lei 315/2009 (para a qual se convola a incriminação constante da pronúncia), condenando o mesmo na coima de 750€.
- Parcialmente provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo lesado C… contra o arguido, condenando este no pagamento àquele da quantia de 608,12€, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido cível, a título de indemnização por danos patrimoniais, e no pagamento da quantia de 3.500,00€, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data desta sentença, a título de compensação por danos não patrimoniais.
- No mais julgo o pedido de indemnização civil improcedente, dele absolvendo o demandado.
- Condeno o arguido nas custas criminais do processo, fixando em 1 UC a taxa de justiça
- As custas do pedido cível ficam a cargo do demandante e demandado, na proporção dos respectivos decaimentos.”

Recorre o lesado o qual no final da respectiva motivação apresenta as seguintes conclusões:
I. O presente recurso destina-se à impugnação da Sentença, proferida pelo Tribunal a quo, que judiciou parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Recorrente, condenando o Recorrido no pagamento à aquele da quantia de 608,12€, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da notificação do pedido cível, a título de indemnização por danos patrimoniais, e no pagamento da quantia de 3.500,00€, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da Sentença, a título de compensação por danos não patrimoniais.
II. O Tribunal a quo, no que se refere ao pedido de indemnização civil e ao quantum indemnizatório, judiciou da seguinte forma:
“No caso presente, resultou provado que o arguido, em desrespeito pelos deveres de cuidado que sobre ele impendiam, permitiu que os cães que estavam à sua guarda saíssem da jaula, corressem em direcção ao ofendido e um deles o mordesse na perna, provocando-lhe os danos físicos descritos nos factos assentes.
Verificado está, pois, o condicionalismo do art.º 71 do Código de Processo Penal, do que resulta também a verificação dos 4 primeiros pressupostos da obrigação de indemnizar (existência de acção ilícita e culposa, com ocorrência de nexo de causalidade entre a conduta do agente e as lesões sofridas).
[…]
Ponderando tudo quanto se expôs, entende-se como adequada a fixação da compensação devida ao ofendido, pelos danos não patrimoniais sofridos, em 3.500,00€.
Uma vez que a definição do montante supra é efectuada por referência à data desta sentença, os juros de mora serão devidos desde esta decisão actualizadora e não desde a data da notificação.
No que se reporta aos danos patrimoniais peticionados e decorrentes da mordedura do animal, constata-se que em transportes para tratamentos e em medicamentos o ofendido gastou 608,12€.
[…]
O ofendido é livre de escolher onde quer ser tratado. Todavia, nem tudo o que o ofendido gaste nos tratamentos que entende fazer deve ser suportado por aquele que às lesões deu causa: o arguido. A este deverá ser imputado o ressarcimento das despesas que tiveram a sua causa directa e necessária na sua conduta. Ora não há dúvida de que o ofendido carecia de tratamento. Este começou a ser-lhe prestado no hospital D… e no hospital E…, onde supostamente deveria ter continuado a ser acompanhado. A dada altura, porém, o ofendido decidiu-se pelo sector privado, sem que tenha sido demonstrado que aqueles hospitais não lhe prestaram ou podiam continuar a prestar-lhe os cuidados de que carecia. Tratando-se de uma opção livre do ofendido, considera-se que os respectivos custos devem por si ser suportados e não imputados ao arguido, por não serem despesas necessariamente imputáveis à conduta.
Improcede, pois, o peticionado em todo o que não se reporta ao custo das deslocações (a terem que ser feitas para qualquer tipo de instituição) e medicamentos adquiridos em farmácia, para uso em casa, sendo que esta
despesas ascendem a 608,12€.
[…]
Sobre o montante de 608,12€ são devidos juros de mora à taxa legal, desde a data da notificação do pedido cível à demandada, nos termos do disposto no art.º 805 n.º 1 e 3 do Código Civil.
III. O Tribunal a quo não logrou de se libertar da ideia preconcebida de que, por um lado, os danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente, por conta de ter sido numa perna em que este já tinha sofrido um problema médico, invalidavam a dor e perturbações sofridas, por conta da conduta do Recorrido, e, por outro, que só pelo facto de o Recorrente ter-se socorrido do serviço privado de cuidados médicos, o valor por si gasto não era consequência direta da conduta do Recorrido, apesar de ter sido para tratamento de lesões que ocorreram como resultado da conduta do
Recorrido.
IV. O Recorrente detém de legitimidade e capacidade judiciária para deduzir o pedido de indemnização civil, (cfr. n.º 1, do art.º 74.º, do Código de Processo Penal, e art.º 11.º, e alínea d), do art.º 12.º, do Código de Processo Civil, ex vi art.º 4.º, do Código de Processo Penal), porquanto, é a pessoa que sofreu os danos originados pela praticada da contraordenação pela qual o Recorrido foi condenando na Sentença, da qual ora se recorre.
V. O mencionado pedido de indemnização civil deduzido foi fundado em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, ao abrigo do art.º 483.º, do Código Civil, ex vi art.º 129.º, do Código Penal.
VI. O Recorrente, com o pedido de indemnização civil, pretende ser ressarcido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais originados pela mordida do canídeo.
VII. O Recorrente, por conta da conduta do Recorrido, sofreu as lesões sequentes, no seu membro inferior esquerdo:
i. Área cicatricial nacarada com áreas acastanhadas, com 16 por 11 cm de maiores dimensões, com formato retangular, desde a transição do terço superior com o terço médio da face anterior da coxa, estendendo-se até à transição do terço médio com o terço inferior da coxa, - correspondente a zona dadora de enxerto -, visível à distância de contacto social e de proximidade;
ii. Área cicatricial circular com 21 por 6 cm de maiores dimensões na face anterior do joelho, com relevo, - com zona central de pele sem alterações e bordos hiperpigmentados -, provocando dismorfia, - área rede enxerto;
iii. Área cicatricial rosa, com relevo e bordos hiperpigmentados, com 16 por 9 cm de maiores dimensões, estendendo-se desde o terço superior da face interna da perna até à transição do terço médio com o terço inferior da face interna da perna, implicando queixas de dor à palpação profunda da mesma, - área dadora e recetora de enxerto;
iv. Duas cicatrizes hiperpigmentadas, horizontais, com 1,5 cm de comprimento e outra com 2 cm de comprimento, paralelas entre si, localizada externamente às duas cicatrizes atrás mencionadas;
v. Entre as duas cicatrizes horizontais e a cicatriz arciforme, apresenta tumefação mole, com dores à palpação da mesma, por se tratar do local onde foi mordido pelo canídeo;
vi. Edema ligeiro, ao nível da perna esquerda, de predomínio no seu terço inferior, que resultou num período de doença fixável em 249 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral, sendo que desse tempo, 10 dos dias foram em regime de internamento hospitalar, e com afetação da capacidade de trabalho profissional, igualmente por 249 dias, da qual 10 deles foram em regime de internamento hospitalar.
VIII. As cicatrizes e sequelas sofridas foram múltiplas e perfeitamente visíveis a uma distância de contacto social e proximidade, sendo permanentes.
IX. Com as lesões e sequelas supra referenciadas, o Recorrente teve intensas dores, nomeadamente ao se deslocar, que, ainda no presente dia, permanecem, interferindo sobre a sua capacidade de laboração, causando uma diminuição no seu rendimento.
X. Todos estes danos foram consequência direta da conduta do Recorrido, sendo, portanto, indemnizáveis, mediante uma compensação, por danos não patrimoniais, e uma indemnização, pelos danos patrimoniais sofridos.
XI. Assim sendo, e seguindo, nesta parte, a posição propalada pelo Tribunal a quo, entendemos que se encontram preenchidos os pressupostos do art.º 483.º, do Código Civil.
XII. Porém, o ora Recorrente não pode é concordar com o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo, atendendo aos danos supra mencionados, nomeadamente quando conjugados com os factos dados como provados.
XIII. No que diz respeito aos danos não patrimoniais, o Tribunal a quo fixou a compensação em 3.500,00€, acrescido de juros, calculados a partir da data da Sentença.
XIV. Ora, o montante desta compensação peca por defeito, atendendo aos danos supra expostos e ao próprio critério de equidade, (cfr. art.º 494.º, do Código Civil), não podendo o Tribunal a quo ignorar as dores e transtornos emocionais causados ao Recorrente, por conta do evento em apreço e, consequentemente, da conduta do Recorrido.
XV. Apesar de a perna afetada já ter sido alvo de intervenções médicas passadas, por conta de um outro problema médico, o certo é que a mesma ficou severamente afetada, por conta do evento em apreço, sendo que as dores que o Recorrente ora sente, e com o qual vive, são resultado direito do evento, já não do problema médico que o afligiu no passado, porquanto, o mesmo se encontrava totalmente cicatrizado, não lhe causando quaisquer incómodos de maior.
XVI. Pelo que, conforme requerido em sede de pedido de indemnização civil, o Recorrente apenas se pode conformar, considerando os elevados danos não patrimoniais por si sofridos, com uma compensação no valor de 10.000,00€.
XVII. No que concerne aos danos patrimoniais, pelo Tribunal a quo foi fixada uma indemnização, no valor de 608,12€, referente ao valor despendido pelo Recorrente em medicamentos e deslocações para tratamentos, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido cível,
XVIII. Não podendo o Recorrente se conformar com a atribuição deste quantum indemnizatório, porquanto, o mesmo não corresponde aos danos patrimoniais sofridos pelo Recorrente.
XIX. A posição propalada pelo Tribunal a quo assenta no facto de o Recorrente se ter socorrido de um hospital privado, por forma a tratar das lesões sofridas e que, portanto, não existiriam uma ligação direta entre o valor por si gasto, nesse hospital, com a conduta do Recorrido.
XX. Acontece que, essa ligação direta existe, porquanto, se o Recorrido não tivesse praticado a conduta que praticou, o Recorrido não teria tido qualquer necessidade de despender do montante que despendeu, para tratar as lesões sofridas, por conta do evento em apreço.
XXI. Assim sendo, na nossa humilde opinião, não colhe a tese do Tribunal a quo se que, pelo facto de o Recorrente ter escolhido ser acompanhado por unidade hospitalar privada, o impede de ser ressarcido dos montantes de despendeu e que, diga-se, só aconteceram por causa da lesão, que, per si, foi resultado da ação do Recorrido.
XXII. Tendo o direito à integridade pessoal consagrado constitucionalmente, (cfr. art.º 25.º, da Constituição da República Portuguesa), bem como o é o direito à saúde, (cfr. art.º 64.º, da Constituição da República Portuguesa), nunca se poderá penalizar o Recorrente por se ter socorrido de um hospital privado, considerando que apenas o fez por causa dos danos sofridos, que foram, por si mesmos, resultado da conduta
do Recorrido.
XXIII. Tanto assim é que a corelação direta entre as lesões e a conduta do Recorrido é pressuposto para a aplicável da responsabilidade civil, nos termos do art.º 483.º, do Código Civil, que o Tribunal a quo entendeu, e bem, considerar preenchidos todos os seus pressupostos,
XXIV. Não compreendendo o Recorrente que depois, aquando do cálculo do quantum indemnizatório, o Tribunal a quo não tenha em consideração este nexo de causalidade existente entre as lesões/danos e o evento, que teve origem na conduta do Recorrido.
XXV. Atendendo ao facto de que o Recorrente teve de despender, até deduzir o pedido de indemnização civil, a quantia de 11.808,30€, para liquidar os gastos com despesas médicas e hospitalares, que serviram para tratar das lesões causadas pela conduta do Recorrido, o quantum indemnizatório a ser fixado, quanto a estes danos patrimoniais, nunca poderia ser, salvo melhor opinião, inferior ao valor pelo Recorrente despendido,
XXVI. Porquanto, se assim fosse, estaríamos perante uma violação ao previsto pelos arts.º 25.º e 64.º, da Constituição da República Portuguesa, bem como ao art.º 20.º, da Constituição da República Portuguesa, e uma violação do previsto, no que concerne à responsabilidade civil por factos ilícitos, (cfr. art.º 483.º, do Código Civil, ex vi art.º 129.º, do Código Penal), pelo art.º 562.º, do Código Civil, considerando ao facto de as lesões que foram tratadas terem sido uma consequência direta da conduta do Recorrido.
XXVII. Com efeito, a Sentença, da qual ora se recorre, que judiciou parcialmente provado o pedido de indemnização, deduzido pelo Recorrente, impede que este de ser indemnizada pela totalidade dos danos e perdas que sofreu por conta da conduta praticada pelo Recorrido.
XXVIII. Percute-se que, o presente recurso, interposto nos termos do art.º 399.º e do n.º 2, do art.º 400.º, ambos do Código de Processo Penal, é o meio idóneo à impugnação da Sentença em mérito,
XXIX. Constituindo, portanto, seu fundamento a arguição de que, atendendo aos danos patrimoniais e danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente, originários da conduta do Recorrido, o pedido de indemnização civil deveria ter sido totalmente procedente.
XXX. Em face do supra alegado, a douta Sentença, da qual ora se recorre, deverá ser revogada e substituída por outra que judicie pela total procedência do pedido de indemnização civil, condenando o Recorrido a pagar, ao Recorrente, a quantia de 10.000,00€, a título de danos não patrimoniais e de 11.808,30€, a título de danos patrimoniais, relativos aos gastos com despesas médicas e hospitalares, porquanto, foram danos que tiveram origem direta na conduta do Recorrido.
Motivo pelo qual deve o presente recurso merecer total provimento, devendo:
Revogar-se a Sentença objeto de impugnação, na parte referente ao pedido de indemnização civil, substituindo-a por outra que judicie pela total procedência do pedido de indemnização civil, condenando o Recorrido a pagar, ao Recorrente, a quantia de 10.000,00€, a título de danos não patrimoniais e de 11.808,30€, a título de danos patrimoniais, relativos aos gastos com despesas médicas e hospitalares, porquanto, foram danos que tiveram origem direta na conduta do Recorrido

Não houve respostas
Nesta Relação o ilustre PGA pronunciou-se no sentido de não emitir parecer

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição):
II – Fundamentação
2.1. – Motivação de facto
2.1.1. – Factos Provados
Discutida a causa, e com interesse para a sua decisão, provou-se que:
a) F… tinha, em Fevereiro de 2018, dois cães de raça Serra da Estrela, um cão chamado G… e uma cadela chamada Laika na sua casa sita na Rua…, nº …, …, Matosinhos.
b) F… solicitou ao arguido B…, pessoa com quem viveu em união de facto pelo menos até 2014, naquela residência, para chamar um serralheiro (C…) para arranjar o portão automático dessa sua casa da Rua….
c) O arguido B… acedeu, telefonou ao ofendido C… combinou com o mesmo a deslocação à Rua…, nº…, …, Matosinhos, no dia 5 de Fevereiro de 2018.
d) Nesse dia 05 de Fevereiro de 2018, pelas 07h15, sabendo F… que o ofendido ali ia, nesse dia de manhã, ser recebido pelo arguido B…, fechou os cães na jaula.
e) Na manhã desse dia o arguido B… deslocou-se à morada referida supra e foi ver os cães à jaula, onde entrou.
f) Pelas 11h50 o ofendido telefonou ao arguido B… dizendo que tinha chegado.
g) O arguido saiu da jaula dos cães e correu o fecho da porta, acreditando que este ficara devidamente encaixado, embora não se tenha certificado disso.
h) O fecho da porta da jaula não ficou, de facto, encaixado no local respectivo, pelo que os cães não ficaram trancados.
i) O arguido B… abriu o portão ao ofendido C… e quando este estava a verificar o automatismo do portão de entrada (há cerca de 5 minutos), pelas 11h55, surgiram os dois cães a correr.
j) O arguido ainda tentou agarra-los e gritou ao ofendido que fugisse, mas pelo menos um deles, o cão G…, ferrou o ofendido na perna esquerda.
k) O ofendido, em resultado do descrito, foi assistido na urgência do Hospital D… e na do Hospital E….
l) O ofendido foi depois submetido a diversos exames médicos, bem como a duas cirurgias (por cirurgião plástico, com enxerto de pele) e tratamentos hospitalares.
m) Para além das dores e do mal-estar, como consequência directa e necessária do descrito resultaram em C… as seguintes lesões: no membro inferior esquerdo, área cicatricial nacarada com áreas acastanhadas, com 16 por 11 cm de maiores dimensões, com formato rectangular, desde a transição do terço superior com o terço médio da face anterior da coxa e que se estende até à transição do terço médio com o terço inferior da coxa (correspondente a zona dadora de enxerto) visível à distância de contacto social e de proximidade; área cicatricial circular com 21 por 6 cm de maiores dimensões na face anterior do joelho, com relevo (com zona central de pele sem alterações e bordos hiperpigmentados), provocando dismorfia (área rede enxerto); área cicatricial rosada, com relevo e bordos hiperpigmentados, com 16 por 9 cm de maiores dimensões que se estende desde o terço superior da face interna da perna, até à transição do terço médio com o terço inferior da face interna da perna, sendo referidas queixas de dor à palpação profunda da mesma (área dadora e receptora de enxerto); duas cicatrizes hiperpigmentadas, horizontais, com 1,5 cm de comprimento e outra com 2 cm de comprimento, paralelas entre si, localizadas no terço superior da face externa da perna; nesta região apresenta ainda uma outra cicatriz hiperpigmentada com 2,5 cm de comprimento, arciforme de concavidade interna, localizada externamente às duas cicatrizes atrás referidas; entre as duas cicatrizes horizontais e a cicatriz arciforme, apresenta tumefacção mole, sendo referidas dores à palpação da mesma (de acordo com o mesmo, este terá sido o local onde terá sido mordido); edema ligeiro ao nível da perna esquerda, de predomínio no seu terço inferior, as quais determinaram um período de doença fixável em 249 dias, com afectação da capacidade de trabalho geral (249 dias, dos quais 10 dias em regime de internamento hospitalar) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (249 dias, dos quais 10 dias em regime de internamento hospitalar).
n) Do evento resultaram para C… como consequências permanentes as cicatrizes descritas no membro inferior esquerdo, sendo que neste membro havia já antecedentes clínicos que lhe causavam compromisso da marcha, nomeadamente condicionando necessidade de usar sola compensatória à esquerda (artrodose do joelho esquerdo em 05.01.1988 no Hospital E…, tendo ficado com o joelho em extensão e com encurtamento do membro inferior esquerdo. Aquando desta intervenção cirúrgica terá havido atingimento de um nervo, tendo ficado com o pé pendente à esquerda e incapacidade de 60%; atrofia da coxa de 10cm e atrofia da perna em 8cm; cicatriz cirúrgica nacarada, com vestígios de sutura que se inicia no terço médio da face externa da coxa e se estende inferiormente e internamente até ao joelho).
o) As cicatrizes resultantes do evento em apreço são múltiplas e perfeitamente visíveis a uma distância social; são permanentes mas não desfiguram gravemente C….
p) O arguido B… bem sabia que, quando foi visitar os animais, deveria ter-se certificado de que os mesmos estavam bem fechados, pois era ele que ia receber ali uma pessoa estranha aos cães, sabendo que, caso não fechados, estes poderiam fugir e atacar o ofendido C…, ferrando o mesmo, o que sucedeu.
q) Ao omitir tais cuidados e diligências, a que o arguido se encontrava obrigado, e que estavam na esfera dos seus conhecimentos, não verificando se fechara convenientemente a jaula, permitiu que os animais saíssem e atacassem, pelo menos o G…, o ofendido C….
r) O arguido desrespeitou manifestamente os mais elementares cuidados a que estava obrigado e de que era capaz, especialmente o de vigiar os comportamentos dos animais.
s) O arguido acreditou ter deixado a jaula fechada, pelo que nem previu a possibilidade de atingir o ofendido com o comportamento que os animais assumiram no circunstancialismo supra descrito, e de, assim, lhe causar ferimentos, pelo menos o cão G….
t) O arguido agiu de forma livre e voluntária, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
u) Em despesas médicas e outras decorrentes dos factos supra descritos, despendeu o ofendido a quantia global de 11.808,30€, sendo 454,50€ em despesas de deslocação; 153,62€ em medicação, 9.356,81€ referente às duas cirurgias, 250€ referente ao custo de relatório médico de fls. 309, e o demais referente consultas, análises, tratamento e enfermagem.
v) As cirurgias, consultas, análises, tratamento e enfermagem foram efectuados em hospital privado, por opção do ofendido.
w) O ofendido sofreu, em consequência da mordedura e dos tratamentos a que teve que se sujeitar, intensas dores, sendo que durante o ataque temeu pela sua segurança física.
x) Ainda hoje o ofendido se queixa de dores e alteração da sensibilidade nas suas cicatrizes.
y) À data do ataque o ofendido era sócio gerente da H…, Lda, auferindo rendimento líquido de 725,37€
z) À data da ocorrência o ofendido tinha 61 anos
aa) Em decorrência das lesões ocasionadas pela mordedura do cão, o ofendido não ficou com dano funcional, não viu a sua capacidade de trabalho diminuída nem perdeu rendimentos.
bb) As lesões decorrentes da mordedura não são aptas a causar agravamento das dificuldades em caminhar pré-existentes e não carecem de nenhuma outra cirurgia ou tratamento medicamentoso que não seja a hidratação cutânea.
Factos apurados em audiência
cc) O arguido encontra-se reformado, com 1050€/mês de reforma, mas ocasionalmente ainda presta serviços como médico anestesista
dd) Está divorciado e vive sozinho em apartamento arrendado, pagando 400€/mês de renda
ee) Tem duas filhas adultas
ff) Não tem antecedentes criminais.
2.1.2 - Factos não provados:
Com pertinência ao objecto de processo não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos constantes do ponto anterior, designadamente que:
1. O arguido tenha previsto a possibilidade de atingir o ofendido, como qualquer pessoa que entrasse no logradouro daquela casa, com o comportamento que os animais assumiram, por terem escapado da jaula cuja porta não confirmou ter fechado, e de lhe causar ferimentos, mas confiou que tal resultado não se verificaria.
2.1.3 – A convicção do Tribunal
O arguido admitiu os factos atinentes ao ataque dos cães e suas causas. Admitiu que não verificou se a porta estava trancada e que acreditou que a trancara, como sempre fizera ao longo dos muitos anos que vivera na casa e convivera com os cães. Aceitou que o ferrolho não ficara devidamente encaixado na argola, já que é a única explicação possível para a saída dos cães. Também não pôs em causa os ferimentos do ofendido, que conhecia há muito tempo e que fora, aliás, a pessoa que construíra a jaula dos cães. Explicou que tentou agarrar os cães, ainda caiu por cima de um, gritou ao ofendido que fugisse mas não foi possível evitar a mordedura. O seu relato foi sério e claro.
Considerou-se o teor de fls. 91 e segs sobre a propriedade dos cães.
O ofendido relatou os factos de forma mais ou menos semelhante, referindo não ter tido tempo de se recolher no carro e fechara a porta, até porque já não articulava/dobrava a perna esquerda desde 1988 pelo que não conseguiu recolhe-la com rapidez. Esclareceu que depois chegou o Inem e foi para o hospital.
Da ponderação dos dois relatos resultaram assentes os factos, sendo que o arguido nunca chegou a prever que os cães se pudessem soltar e atacar o ofendido. Na verdade, convenceu-se que os prendera e agiu sempre convicto de que dos cães nenhum perigo advinha.
I…, sobrinha do ofendido e também funcionária da empresa deste referiu que o tio ficou com a mobilidade da perna pior do que antes. Disse que o tio continua a ter que fazer tratamentos e análises e que já gastou cerca de 20.000€ com este problema.
Ponderou-se depois, no que às lesões físicas, tratamentos e gastos diz respeito o teor da prova documental existente nos autos, designadamente:
Teor da participação de fls. 3 e registos de atendimento na urgência de fls. 31, 168, 35, 133, 161 a 166 e depois a 154
Perícia medico legal a fls. 221 e segs e 348 e segs, com base na qual se assentaram as lesões sofridas pelo ofendido e consequências que permanecerem, assim como o tempo da incapacidade.

Listagem de despesas a fls. 312, com referência designadamente às facturas do hospital privado J… a fls. 173 e segs, 183-v e segs, 188 e segs, 198 e segs, 203
Facturas de medicamentos adquiridos em Farmácia, designadamente a fls. 179, 183, 187, 180-v, 197-v, 201-v, 203.
Facturas da clínica K… a fls. 179-v, 180, 181, 201 e 202, 204
Fls. 204-v referente a consulta na casa de saúde L…
Relatório de fls. 309
Da análise dos documentos descritos resultou a demonstração do facto u) e v), sendo certo que dos documentos se extrai que o ofendido iniciou o tratamento nos hospitais públicos, que estava previsto que ali fosse seguido (fls. 164 designadamente) mas que a dada altura optou por ser seguido em hospital privado, resultando dessa opção os montantes que despendeu com os tratamentos, designadamente os mais de 9.000€ referentes às operações a que foi sujeito. Nenhuma razão concreta foi avançada para esta assistência no âmbito privado, designadamente que os hospitais públicos não estivessem capacitados para continuar a prestar a assistência de que o ofendido carecia, pelo que se assentou que resultou de opção, livre, do ofendido, que tem o direito de escolher quem o trata e onde é tratado.
Aceitaram-se os quilómetros que teve percorrer, e o seu custo, já que independentemente do sitio onde é tratado o ofendido tem que ali se deslocar.
No demais, designadamente no que se refere ao teor dos factos aa) e bb) tomou-se em conta o depoimento de M…, cirurgião plástico que operou o demandante e que foi por este indicado como testemunha. Explicou o médico o teor da sua intervenção, referiu que as mordeduras não interferiram com a massa muscular já que não a laceraram, que a sua intervenção foi, para si, simples e superficial, que colocou enxerto, havendo diminuição por isso do dano estético mas não supressão total deste. Reafirmou que em decorrência desta situação não houve dano funcional para o ofendido e que também não há necessidade de qualquer outra intervenção. Os cuidados a ter são a hidratação cutânea, apenas. Confirmou ainda que a perna em causa já tinha cicatrizes prévias, em resultado da poliomielite de que o ofendido padeceu. Disse que a intervenção cirúrgica e a lesão não agravaram as dificuldades de locomoção pré-existentes, mas admitiu que as cicatrizes podem incomodar e gerar dor residual, porque a pele fica sempre menos elástica e a zona ligeiramente deprimida.
Com relação à parte final do facto aa) e ao facto y) atentou-se no teor do requerimento de fls. 322 e documentos juntos, sendo aí dito expressamente que não houve perda de rendimentos, assentando-se que à data o ofendido auferia mais ou menos o mesmo que consta de fls. 324 já que não resultou da prova feita em audiência que a actividade profissional do ofendido tenha mudado.
Ponderando o referido, assentaram-se os factos y), aa) e bb), sendo que as dores do ofendido referidas em w) são óbvias.
Não se apurou, com referência a que consta do pedido de indemnização civil de fls. 386 que haja lesões ou sequelas permanentes ainda não definidas, que haja necessidade de novos exames ou tratamentos hospitalares futuros, que haja qualquer perda da capacidade de ganho a quantificar ou que haja danos psíquico ainda não evidenciados. O que resultou da prova produzida é que a situação se encontra consolidada e estabilizada.
No que concerne à situação pessoal e económica do arguido, bem como aos seus antecedentes criminais, considerou o tribunal o teor das suas declarações conjugadas com o teor do CRC junto aos autos.
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São as seguintes as questões a apreciar:
Quantum indemnizatório por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12

Está em causa apenas a quantificação indemnizatória dos danos.
Diz-nos a sentença:
No caso presente, resultou provado que o arguido, em desrespeito pelos deveres de cuidado que sobre ele impendiam, permitiu que os cães que estavam à sua guarda saíssem da jaula, corressem em direcção ao ofendido e um deles o mordesse na perna, provocando-lhe os danos físicos descritos nos factos assentes.
Verificado está, pois, o condicionalismo do art.º 71 do Código de Processo Penal, do que resulta também a verificação dos 4 primeiros pressupostos da obrigação de indemnizar (existência de acção ilícita e culposa, com ocorrência de nexo de causalidade entre a conduta do agente e as lesões sofridas).
Impõe-se, então, a análise detalhada e a avaliação dos danos sofridos.
Pode dizer-se que existe um dano sempre que o lesado sofre um prejuízo, uma perda ou uma lesão nos seus interesses juridicamente tutelados. Uma vez que tal lesão pode ter ou não ter conteúdo económico (ou seja, ser ou não susceptível de avaliação pecuniária), os danos podem dividir-se em dois grande grupos:
- Os danos patrimoniais;
- Os danos não patrimoniais.

Os danos patrimoniais correspondem ao reflexo do dano real sobre a situação do lesado, e compreendem os prejuízos causados nos seus bens e direitos, já existentes à data da lesão (dano emergente), os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, onde se incluem os prejuízos correspondentes à perda de rendimentos e salários que seriam devidos no período de tempo de incapacidade temporária, total ou parcial, para o exercício da profissão (lucro cessante – art.º 564 n.º 1 do Código Civil) e ainda os prejuízos que o lesado irá suportar, no futuro, como consequência do facto lesivo, designadamente os que irão derivar da perda ou diminuição da capacidade de trabalho e de ganho (dano futuro – art.º 564 n.º 2 do Código Civil).
No que se refere aos danos não patrimoniais, pode-se dizer que estes correspondem a prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária (como sejam as dores físicas, os desgostos, os vexames, etc) porque atingem bens que não integram o património do lesado (como sejam a saúde, o bem estar, a liberdade, a honra, a perfeição física, etc), mas que, em face da sua gravidade, são dignos de tutela jurídica, nos termos do art.º 496 do Código Civil.
No caso dos autos, resultou apurado que na sequência do estado em que ficou após a mordedura do cão o ofendido teve 249 dias de afectação da capacidade de trabalho (embora tal não tenha ditado a perda de rendimentos), teve 10 dias internado, foi sujeito a duas operações e a muitos tratamentos, teve dores, algumas das quais persistem, teve receio e ficou com diversas cicatrizes na sua perna.
Os factos descritos traduzem claramente a existência de um sofrimento físico e psicológico real, efectivo e objectivamente grave, (que vai muito para além de meros incómodos ou maçadas), e que por isso mesmo merece a tutela do direito, correspondendo ao dano não patrimonial referido.
A quantificação da compensação por eles devida deverá ser feita segundo critérios de equidade, nos termos do art.º 496 n.º 3 do Código Civil, ponderando-se o circunstancialismo do caso concreto, designadamente a culpa do lesante, a sua situação económica e a situação económica do lesado e usando o julgador de todas as regras de boa prudência, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida – Ac. STJ de 10.02.98, in CJSTJ, I, 67.
Neste processo há que ponderar que a perna atingida, na qual permanecem as cicatrizes, já não se mostrava esteticamente perfeita, pois já tinha sido objecto de cirurgia anterior e já ostentava extensa cicatriz, o que determina que o dano estético resultante da conduta em apreciação nos autos não possa ser considerado dramático.
Por outro lado, a situação patrimonial do arguido é pelo menos confortável mas este actuou de forma apenas negligente.
Ponderando tudo quanto se expôs, entende-se como adequada a fixação da compensação devida ao ofendido, pelos danos não patrimoniais sofridos, em 3.500,00 €.
Uma vez que a definição do montante supra é efectuada por referência à data desta sentença, os juros de mora serão devidos desde esta decisão actualizadora e não desde a data da notificação.
No que se reporta aos danos patrimoniais peticionados e decorrentes da mordedura do animal, constata-se que em transportes para tratamentos e em medicamentos o ofendido gastou 608,12€.
Mais gastou diversas outras quantias em operações, tratamento, análises e consultas que entendeu fazer em hospitais privados, com o custo inerente.
O ofendido é livre de escolher onde quer ser tratado. Todavia, nem tudo o que o ofendido gaste nos tratamentos que entende fazer deve ser suportado por aquele que às lesões deu causa: o arguido. A este deverá ser imputado o ressarcimento das despesas que tiveram a sua causa directa e necessária na sua conduta. Ora não há dúvida de que o ofendido carecia de tratamento. Este começou a ser-lhe prestado no hospital D… e no hospital E…, onde supostamente deveria ter continuado a ser acompanhado. A dada altura, porém, o ofendido decidiu-se pelo sector privado, sem que tenha sido demonstrado que aqueles hospitais não lhe prestaram ou podiam continuar a prestar-lhe os cuidados de que carecia. Tratando-se de uma opção livre do ofendido, considera-se que os respectivos custos devem por si ser suportados e não imputados ao arguido, por não serem despesas necessariamente imputáveis à conduta.
Improcede, pois, o peticionado em todo o que não se reporta ao custo das deslocações (a terem que ser feitas para qualquer tipo de instituição) e medicamentos adquiridos em farmácia, para uso em casa, sendo que esta despesas ascendem a 608,12€.
Improcede também que se peticiona a título de pagamento por declaração médica (250€), já que se trata de meio de prova na disponibilidade do ofendido.
Sobre o montante de 608,12€ são devidos juros de mora à taxa legal, desde a data da notificação do pedido cível à demandada, nos termos do disposto no art.º 805 n.º 1 e 3 do Código Civil.
Nada se relega para execução de sentença dado que o que resultou da matéria assente é que o dano físico está consolidado, não há tratamentos pendentes ou futuros, não há desvalorização funcional a quantificar e nada há que indique que há dano psicológico a apurar.” donde resulta que não considerou ser obrigação de indemnizar a cargo do arguido lesante os tratamentos médicos em hospital privado nem a declaração médica comprovando o seu estado
Cremos que sem razão.
Estão em causa danos patrimoniais e resultantes de despesas tidas com os tratamentos médicos emergentes das lesões sofridas com o ataque do animal a que foi sujeito.
Daí que, o dano causado e a indemnizar é o real, no caso a despesa havida.
A obrigação de reparação, que in casu até emerge também do artº493 CC - danos causados por animais, - deve integrar o lesado na situação que exis­tiria se aqueles danos não tivessem ocorrido tendo por me­dida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que poder ser atendida pelo Tribunal (que é a do encerramento da audiência de discussão e julgamento) e a que nessa data teria se não exis­tissem danos - artºs 562º, 563º, 564º e 566º C.C (teoria da diferença) e portanto todas as lesões que afectem a situação anterior são reparáveis ou in natura ou por equivalente pecuniário.
Estando em causa uma lesão corporal, nos termos do artº 495º 2 CC “têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima”
Ora estando provado que o lesado teve as despesas hospitalares em causa, existindo entre essas despesas e a lesão o adequado nexo causal, o seu pagamento é-lhe devido, independentemente do hospital ou estabelecimento hospitalar onde foi tratado (não é critério excluidor do dever de indemnizar / reparar os danos, o local onde foi tratado ou assistido, sendo que o tratamento medico seja em hospital privado ou publico ou do sector social é sempre pago), sendo que essa reparação incumbe ao lesado sobre o qual impende o dever de providenciar pelo tratamento médico, o que não fez, nem se mostra que o tenha colocado á disposição do lesado, pelo que ascendendo o seu valor a 11.808,30€, emergente de tais cuidados “ u) Em despesas médicas e outras decorrentes dos factos supra descritos, despendeu o ofendido a quantia global de 11.808,30€, sendo 454,50€ em despesas de deslocação; 153,62€ em medicação, 9.356,81€ referente às duas cirurgias, 250€ referente ao custo de relatório médico de fls. 309, e o demais referente consultas, análises, tratamento e enfermagem.”, apenas não é devida a quantia de 250,00€ relativa ao relatório médico, por in casu não se enquadrar no conceito de tratamento médico ( vg se o relatório fosse necessário para providenciar outro tratamento ou ser objecto de estudo o estado do paciente, para aquele fim de tratamento).
Ascende assim o montante indemnizatório pelos danos patrimoniais a 11.558.30€

No que respeita aos danos não patrimoniais rege o artº 496º4 CC que dispõe “ O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º;…”, e assim tendo presente que todas as lesões que afectem a situação anterior são reparáveis ou in natura ou por equivalente pecuniário, e também se elas implicam “para o lesado um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou para exercer as tarefas e actividades gerais quotidianas” - Ac. do STJ de 10.05.07, Proc. 07B1341, www.dgsi.pt.; Ac. STJ 06.07.04, Proc. 04B2084, Cons. Ferreira de Almeida, www.dgsi.pt; - ou mesmo que afectassem apenas “as actividades familiares, sociais, de lazer e desportivas do lesado”, in Ac. R.P. de 04.04.06, Des. Henrique Araújo, www.dgsi.pt/jtrp Proc. 0620599, tornando-as mais penosas.
É do conhecimento geral, legal e jurisprudencialmente também assumido que o valor indemnizatório nesta espécie de danos, não é directamente determinável e quantificável daí que seja de recorrer à equidade na determinação do "quantum" - artº 566º 3 CC - dentro dos limites que se tiverem por provados, tendo presente que a quantia encontrada deve representar um capital produtor de rendimentos que no final se extinga, capaz de cobrir aquilo que se perdeu em ordem a obter a satisfação equivalente - Ac. R.Ev. 20/10/87 CJ XII, 4, 206; Ac. R.Coimbra, 10/12/85 CJ X, 5, 34, STJ 8/6/93 CJ 93, STJ, I, II, 138, e 4/2/93 CJSTJ, 1, 128, mas “não devendo ser utilizados os parâmetros de avaliação utilizados para cálculo dos lucros cessantes, uma vez que o dano não interfere com a capacidade de produzir rendimentos” Ac. RP 4/3/08 www.dgs.pt/jtrp proc 0724890, mas um mais acentuado recurso á equidade. Cfr. também o Ac. R.P. 4/4/06 www.dgsi.pt/jtrp proc. 0620599 onde se expende que “I- O cálculo da indemnização por IPP que não se repercuta numa diminuição da capacidade de ganho, mas apenas em maior esforço do lesado, não pode servir-se das tabelas habituais, por estas levarem em conta as condições salariais actuais ou previsíveis do mesmo.
II- O valor será, assim, encontrado com base na equidade e nos elementos disponíveis nos autos”
Assim tendo em conta as lesões sofridas, tratamento médicos, submissão a cirurgias, dores intensas, sentimentos no momento da agressão e posteriormente, tempo de doença e internamento, consequências permanentes e dano estético, o pedido formulado e os critérios de equidade (critérios de proporção, adequação às circunstancias, objectividade e razoabilidade - D. Martins de Almeida, Manual Ac. viação, 3ª ed. pág. 110), há que atender à evolução normal da actividade e ganhos da lesada, às condições económicas e financeiras gerais da Sociedade e do Estado - Ac. STJ 15/5/86 BMJ 357º 412 - incluindo a es­tabilidade dos preços ou a inflação, o tempo provável de vida não apenas útil mas geral (dado que a situação existirá até morrer e tendo em conta a esperança de vida que ultrapassa os 75 anos) do lesado e a sua idade, o reflexo da lesão na sua saúde, modo e condições de vida, persistindo as dores, e a penosidade que acarreta até em função da sua visibilidade, tendo sempre presente que a quantificação da indemnização terá de alicerçar-se “em dados muito problemáticos, claramente influentes - Ac. STJ, 14/1/97, Sumários de Ac. STJ, n.º 7, Jan. de 1997, pág. 22, e todos os demais citados no citado Ac. STJ 4/12/07 supra e ainda na culpa do lesante (negligencia), a sua situação económica e a situação económica do lesado, sensivelmente equivalentes, afigura-se-nos equitativo fixar a indemnização por tais danos em 7.500,00€
Ascende assim o montante indemnizatório total a 19.058,30€ sendo os juros devidos sobre o montante indemnizatório relativo aos danos patrimoniais, nos termos em que foi condenado na 1ª instancia (são devidos juros de mora à taxa legal, desde a data da notificação do pedido cível à demandada, nos termos do disposto no art.º 805 n.º 1 e 3 do Código Civil) e não abrange o montante dos danos não patrimoniais “Uma vez que a definição do montante supra é efectuada por referência à data desta sentença, os juros de mora serão devidos desde esta decisão actualizadora e não desde a data da notificação)
Procede assim parcialmente o recurso.
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Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo lesado/demandante civil C… e em consequência alterando a decisão recorrida
Condena o arguido/demandado B… a pagar ao lesado/ demandante civil a quantia de dezanove mil cinquenta e oito euros e trinta cêntimos, sendo sete mil e quinhentos euros por danos não patrimoniais, e onze mil quinhentos e cinquenta e oito euros e trinta cêntimos por danos patrimoniais sendo estes acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido cível
Sem custas o recurso.
Notifique.
Dn
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Porto 14/10/2020
José Carreto
Paula Guerreiro