Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
609/19.9T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ASSÉDIO MORAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP20200109609/19.9T8AVR.P1
Data do Acordão: 01/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Ao direito indemnizatório, a que se reporta o art. 28º, ex vi do art. 29º, nº 3, ambos do CT/2009, decorrente de (alegado) assédio moral sobre o trabalhador exercido no decurso da relação laboral é aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 337º, nº 1, do CT/2009 e não o prazo prescricional a que se reporta o art. 498º, nº 1, do Cód. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 609/19.9T8AVR.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1146)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, aos 14.02.2019 e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C…, LDA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a a quantia de €7.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal supletiva aplicável aos juros de mora civis desde a data da citação.
Para tanto, alegou em síntese que: foi admitida ao serviço da Ré aos 21.11.2016, mediante o contrato de trabalho a termo certo cuja cópia juntou, como documento nº 1; trabalhou para a Ré até 20.11.2018, data esta que o contrato cessou em consequência da oposição à sua renovação por parte da Ré, conforme documento nº 2 que também juntou, documento este que consubstancia a comunicação da Ré de não renovação do contrato e que está datada de 30.10.2017, dela constando que o contrato caducará a partir do dia 20.11.2017; foi vítima, pelas razões que descreve, de assédio moral por parte da Ré [incumprimento das regras relativas à alteração do horário de trabalho, ao mapa de férias, que não existia, determinação do encerramento de caixa e do estabelecimento, o que não cabia nas suas funções, questionava a A., nos moldes que refere, quanto ao desempenho das suas funções no que se reporta ao controlo dos produtos], o que, nos termos do art. 28º do CT/2009, lhe confere o direito à indemnização que reclamou.

A Ré contestou invocando a prescrição do direito de que a A. se arroga titular, para tanto alegando, em síntese, que: o contrato de trabalho cessou aos 20.11.2017 e não, como referido pela A., no ano de 2018, como resulta do comunicação escrita da sua não renovação junta pela A. aos autos com a p.i. (documento nº 2); a acção apenas foi intentada aos 15.02.2019, ou seja, já após o decurso do prazo de prescrição, previsto no art. 337º, nº 1, do CT/2009, de um ano a contar do dia imediato ao da cessação do contrato de trabalho; o pedido de apoio judiciário na modalidade pedida e concedida, de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não suspende, nem interrompe o prazo de prescrição, não sendo aplicável o disposto no art. 33º, nº 4, da Lei 34/2004, de 29.07 [Lei do Apoio Judiciário].

A A. respondeu, concluindo no sentido da improcedência da exceção da prescrição, para tanto alegando que a causa de pedir nos presentes autos é a prática de ato discriminatório lesivo da A., por parte da entidade patronal, estipulando o art. 28.º do CT que a prática do mesmo confere ao trabalhador direito a indemnização nos termos gerais do direito e, assim sendo, de acordo com o art. 498.º, nº 1, do Código Civil, o direito da indemnização previsto no artigo 483.º e 496.º do Código Civil prescreve no prazo de 3 anos.

Foi proferido despacho saneador/sentença que julgou procedente a exceção da prescrição, absolvendo a Ré do pedido formulado pela A.

Inconformada, veio a A. recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
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29. Devendo por conseguinte ser revogada a douta sentença proferida, sendo proferida outra que julgue improcedente a exceção de prescrição invocada, determinando o normal prosseguimento dos autos.
30. Sendo que, ao decidir em sentido diverso, violou o tribunal a quo os artigos 9.º e 498.º do Código Civil bem como os artigos 28.º e 29.º do Código do Trabalho.
TERMOS EM QUE,
Deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida com as legais consequências, (…)”.

A Ré contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
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z) Como tal, a nosso ver, salvo o devido respeito por entendimento diverso, quanto à referida responsabilidade por danos não patrimoniais e consequentes danos logra aplicação o prazo prescricional contemplado no artigo 337º, nº 1º do CT.
Nestes termos, e melhores de direito para além dos invocados, deve o presente recurso, salvo melhor entendimento, ser julgado improcedente, MANTENDO-SE INALTERADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA.”.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, o qual não foi objeto de resposta.

Por despacho da ora relatora de 12.11.2019, foi determinada a baixa dos autos à 1ª instância para fixação do valor da ação, na sequência do que, por despacho de 18.11.2019, foi pela Mmª Juiz, fixado o valor de €7.500,00.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013.
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II. Objeto do recurso
Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a única questão em apreço consiste em saber se não ocorreu a prescrição do alegado crédito da Recorrente, mais concretamente, em saber qual o prazo de prescrição aplicável: se o de três anos, previsto no art. 498º, nº 1, do Cód. Civil, como defende a Recorrente; se o de um ano a contar do dia imediato ao da cessação do contrato de trabalho previsto no art. 337º, nº 1, do CT/2009, como defende a Ré/Recorrida e acolhido na decisão recorrida.
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III. Fundamentação de facto
A 1ª instância consignou, como matéria de facto assente com relevância ao conhecimento da exceção da prescrição, o seguinte:
“Com interesse para esta questão mostram-se assentes os seguintes factos por documentos e acordo das partes nos articulados:
1. O contrato de trabalho existente entre a Autora e a Ré terminou em 20.11.2018, na sequência da comunicação de caducidade, cuja cópia se mostra inserta a fls 11. [alterado conforme de seguida se dirá]
2. A presente acção deu entrada em Juízo no dia 14.2. 2019, tendo a R. sido citada mediante carta registada com A/R, em 19.2.2019.
3. A A. requereu e foi-lhe concedido o benefício de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e atribuição de agente de execução- cfr. fls 21.”.
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Há que fazer, relativamente, ao nº 1 dos factos dos por assentes pela 1ª instância, uma rectificação decorrente de lapso manifesto de escrita, o qual se prende com o ano da cessação do contrato de trabalho, que é o de 2017 e não, como referido, o de 2018.
Com efeito, pese embora o ano de 2018 haja sido referido na petição inicial, nesta logo se remeteu para o teor do documento nº 2 junto com esse articulado, documento este que consiste na comunicação escrita remetida pela Ré à A. relativa à caducidade do contrato de trabalho, documento esse que se encontra datado de 30.10.2017 e no qual se refere o seguinte:
“(…)
Vimos pela presente comunicar a V. Exª que pretendemos pôr fim ao contrato de trabalho a termo certo celebrado entre nós em 21 de novembro de 2016.
Em conformidade, o contrato caducará, deixando pois de produzir efeitos, findo o período de vigência em curso, ou seja, a partir do dia 20 de novembro de 2017.
(…)”.
Aliás, o próprio nº 1 dos factos dados como assentes na sentença recorrida remete para tal documento, sendo que, e por outro lado, a Ré, na contestação, havia alertado para o referido lapso, referindo que o contrato cessou em 2017 e não em 2018, o que a A. não pôs em causa na resposta à mesma, para além de que a restante fundamentação da decisão recorrida assenta, como data da cessação do contrato de trabalho, na de 20.11.2017, o que não é posto em causa no recurso.
Assim, rectifica-se o nº 1 dos factos dados como assentes pela decisão recorrida, o qual passará a ter a seguinte redação:
1. O contrato de trabalho existente entre a Autora e a Ré terminou em 20.11.2017, na sequência da comunicação de caducidade, cuja cópia se mostra inserta a fls 11 e da qual consta o seguinte:
“(…)
Vimos pela presente comunicar a V. Exª que pretendemos pôr fim ao contrato de trabalho a termo certo celebrado entre nós em 21 de novembro de 2016.
Em conformidade, o contrato caducará, deixando pois de produzir efeitos, findo o período de vigência em curso, ou seja, a partir do dia 20 de novembro de 2017.
(…)”.
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III. Fundamentação de Direito
1. Como referido, a única questão em apreço consiste em saber se não ocorreu a prescrição do alegado crédito da Recorrente, mais concretamente, em saber qual o prazo de prescrição aplicável: se o de três anos, previsto no art. 498º, nº 1, do Cód. Civil, como defende a Recorrente; se o de um ano a contar do dia imediato ao da cessação do contrato de trabalho previsto no art. 337º, nº 1, do CT/2009, como defende a Ré/Recorrida e acolhido na decisão recorrida.
Argumentando no sentido da sua pretensão, diz a Recorrente, em síntese, que: o regime especial do art. 337º do CT/2009, “não contende com o regime geral de prescrição, não implicando a derrogação de outros institutos da civilística em geral”; o caso em apreço tem por objeto uma indemnização devida nos termos gerais de direito como determinado pelos próprios arts. 28.º e 29º, nº 3, do CT; o art. 337.º do CT abrange os créditos laborais mas não é aplicável a prestações respeitantes a indemnização resultante da prática de factos ilícitos; o art. 28.º do CT remete para os termos gerais de direito, não podendo tal preceito ser interpretado de outra forma que não seja que, com tal remissão, se pretendeu aplicar não só as normas de direito geral quer quanto à fixação da indemnização em si e sua regras, mas também quanto ao prazo de prescrição a que se reporta art. 498.º do Código Civil, devendo na interpretação da lei ter-se em conta, nos termos do art. 9º do CC, não apenas a letra da lei, mas também o seu espírito.

2. Na decisão recorrida, referiu-se o seguinte:
“Preceitua o art. 337º, nº1 do C.Trabalho: “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”
Por seu turno, dispõe o art. 323º do C.Civil:
1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Ora, não tendo a A. requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, caso em que, mercê no nº 4 do art. 33º da Lei 34/2004 de 29.7, a acção se considera proposta na data em que é apresentado o pedido de nomeação de patrono e a R. citada 5 dias depois, em princípio, a prescrição dos seus créditos emergentes do contrato de trabalho ocorreu em 21.11.2018, muito antes da citação da R.
Mas, sendo certo que a A. peticiona uma indemnização por danos não patrimoniais, alegando factos que em seu entender consubstanciam a prática de assédio, proibida pelo art. 29º do C.Trab., normativo que no nº4 manda aplicar quanto ao direito de indemnização da vítima o disposto no 28º do mesmo Código, deverá, face ao teor deste preceito legal, considerar-se aplicável o prazo de prescrição de 3 anos previsto art. 498º do C. Civil, como sustenta a A.?
Salvo o devido respeito por diferente entendimento, cremos que não.
Dispõe o art. 28ºdo C.T.: “A prática de acto discriminatório lesivo do trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais nos termos gerais do direito.”
O que decorre deste preceito legal é que as normas aplicáveis à determinação do quantum da indemnização no caso da prática de acto discriminatório ou assédio são as normas gerais do C.Civil e não quaisquer normas de natureza laboral.
Trata-se de uma remissão para os critérios gerais de fixação da obrigação de indemnizar constantes do C.Civil, como sucede igualmente no art. 18º, nº1 da Lei 98/2009, no caso de um acidente de trabalho resultar de actuação culposa do empregador.
Porém, em nosso modesto ver, em nenhum dos casos deixam de se aplicar as regras próprias quanto ao prazo para o exercício dos direitos em causa.
Destarte, assentando o direito indemnizatório invocado pela A. na violação do contrato de trabalho, o prazo de prescrição aplicável é o prazo de um ano previsto no art 337º, nº1 do C.Trabalho, o qual, como já vimos expirou antes da citação da R., sendo a citação e não a propositura da acção que interrompe tal prazo.”.

3. A legislação laboral, quer a anterior LCT, no seu art. 38º, nº 1, quer os subsequentes arts. 381º, nº 1, do CT/2003 e 337º, nº 1, do CT/2009 [este o aplicável ao caso] dispõem, de modo idêntico[1], no sentido de que os créditos, tanto do trabalhador, como do empregador, decorrentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, prescrevem no prazo de um ano a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho.
E os arts. 28º e 29º, nº 3, do CT/2009 dispõem que:
- o art. 28º: “A prática de acto discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito”;
- o art. 29º, nº 3: “À prática de assédio aplica-se o disposto no artigo anterior”.
Por sua vez, determina o art. 498º, nº 1, do Cód. Civil que: “1. O direito à indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do dano.
Desde já adiantando, não colhe a argumentação da Recorrente que, assentando na remissão operada pelos citados arts. 28º e 29º, nº 3, entende que tal abrange também a remissão para o prazo prescricional do art. 498º, nº 1, do Cód. Civil.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, pág 581, “ o conceito de créditos laborais constantes desta norma é um conceito amplo, uma vez que se incluem aqui não apenas os créditos remuneratórios em sentido estrito, mas todos os créditos que resultem da celebração e da execução do contrato de trabalho, e ainda os decorrentes da violação do contrato e da sua cessação”.
Com efeito, do citado art. 337º, nº 1, do CT/2009, tal como dos seus antecessores, decorre inequivocamente que têm eles por objecto não apenas os créditos estritamente remuneratórios, mas também os decorrentes da violação do contrato de trabalho, nos quais se incluem, pois, os decorrentes da obrigação de indemnização fundada na violação das normas convencionais (contrato individual de trabalho ou instrumento de regulamentação colectiva) ou legais que regulam o contrato de trabalho, reportem-se elas a obrigações principais ou acessórias deste decorrentes, neles se incluindo, pois e também, o crédito indemnizatório a que se referem os arts. 28º e 29º, nº 3, do CT/2009, decorrente, no caso e segundo a Recorrente, de alegados atos consubstanciadores de assédio moral, sendo ainda de realçar que a factualidade em causa que constitui a causa de pedir invocada se reporta, alegada e essencialmente, ao incumprimento contratual pela Ré do normativo que disciplina o contrato de trabalho, mormente o relativo à alteração do horário de trabalho, à inexistência de mapa de férias, ao exercício de tarefas não compreendidas nas funções/categoria profissional, ao controlo do desempenho por videovigilância e a outros atos de controlo exercido pela Ré ao desempenho da actividade da A. e concreto modo em como o terá sido. Ou seja, assenta o alegado direito indemnizatório em atos praticados na execução do contrato de trabalho que a Recorrente entende serem violadores das normas que o regem e consubstanciadores de assédio moral, assim constituindo crédito, para os efeitos em questão, decorrente da violação do contrato de trabalho abrangido pelo art. 337º, nº 1, do CT/2009.
Cfr., neste sentido, Acórdão da RL de 21.03.2012, Proc. 1015/10.6TTALM.L1-4, www.dgsi.pt., que entendeu que o crédito indemnizatório por danos não patrimoniais resultantes da situação de mobbing no decurso do contrato de trabalho são créditos laborais para efeitos da aplicação do prazo prescrional do art. 337º, nº 1, do CT/2009.
E, no mesmo sentido, cfr. também Diana Torneiro Gomes, in A responsabilidade Civil do Empregador Perante o Trabalhador Moralmente Assediado, DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM DIREITO PRIVADO Universidade Católica Portuguesa[2], págs. 16/17, em que refere o seguinte:
(…) há que salientar que, quanto ao prazo de prescrição, ainda que estejamos no âmbito da responsabilidade contratual, não podemos aplicar o regime geral previsto no art. 309º CC (20 anos) porquanto o legislador previu expressamente um prazo de prescrição distinto para os créditos laborais (art. 337º CT), os que emergem do contrato de trabalho e da sua violação. Assim, estabelece o CT um ano de prazo prescricional (extintivo) a iniciar a sua contagem na data da ruptura da relação de dependência entre o empregador e o trabalhador (independentemente da forma de extinção do vínculo). Como o prazo prescricional inicia a sua contagem apenas após a cessação da relação laboral e como o trabalhador assediado, do nosso ponto de vista, não fica beneficiado se resolver o contrato (com justa causa), este prazo, ainda que diminuto, não colocará em causa o ressarcimento do trabalhador pelos danos sofridos com o assédio moral.
A prescrição é um instituto por virtude do qual a parte contrária se pode opor ao exercício de um direito quando este não seja exercido durante o prazo fixado na lei e encontra o seu fundamento na protecção de interesses vários: a recusa de protecção de um comportamento contrário ao direito, a negligência do titular no exercício do direito, a consolidação de situações de facto, a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica, a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, a necessidade de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos, a necessidade de promover o exercício oportuno dos direitos (cfr. Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296º a 333º do Código Civil, Coimbra Editora, pág. 21/22).
O regime especial da prescrição no direito laboral, que se caracteriza pela inexistência de um prazo de prescrição na pendência do contrato de trabalho, mas, por outro lado, contrabalançado com um prazo prescricional mais curto findo o contrato, tem a sua razão justificativa na necessidade de protecção do trabalhador, parte mais desprotegida na relação jurídico-laboral face à subordinação jurídica e económica em que se encontra perante o empregador, mas, finda essa debilidade (com a cessação do contrato), na necessidade da paz social e da segurança jurídica e económica, que impõem que os direitos sejam rapidamente exercidos.
O entendimento da Recorrente contrariaria o regime especial previsto no direito laboral, bem como seu desiderato legal, permitindo a manutenção de uma situação de insegurança e incerteza jurídicas que o legislador, manifestamente, não pretendeu que se mantivesse no âmbito das relações jurídico-laborais após a cessação das mesmas, pelo que a ratio legis, citério interpretativo invocado pela Recorrente, não apoia a sua tese.
Acresce dizer que os arts. 28º e 29º, nº 3, do CT/2009 sucederam ao art. 26º do CT/2003, diploma este que veio, pela primeira vez, reconhecer de forma expressa a figura do assédio, estipulando-se no art. 26º do então CT/2003, o que foi mantido, mas agora, nos arts. 28º e 29º, nº 3, do CT/2009, também de forma inequívoca e de modo a dissipar quaisquer eventuais dúvidas, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no que toca aos danos provenientes da discriminação e assédio ainda que ocorridos no âmbito da execução da relação jurídico-contratual existente entre o empregador e o trabalhador (ou provenientes de discriminação no que toca a candidato a emprego).
Por outro lado, também não procede o argumento de que o art. 337º do CT/2009, “não contende com o regime geral de prescrição, não implicando a derrogação de outros institutos da civilística em geral”, sendo que o regime constante do Cód. Civil, de natureza geral, não afasta o regime especial substantivo constante do Código do Trabalho, pois que a lei especial não poderá ser afastada pela lei geral (art. 7º, nº 3, do Cód. Civil). O Código do Trabalho, que é lei especial, é que afasta o regime geral do Cód. Civil.

Assim, sendo, improcedem as conclusões do recurso.
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V. Decisão
Em face do exposto, acorda-se me negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.

Porto, 09.01.2020
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] A diferente redacção do art. 337º, nº 1, do CT/2009 consubstancia mera alteração de forma, que não de conteúdo.
[2] https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/4141/4/A%20Responsabilidade%20Civil%20do%20Empregador%20perante%20o%20Trabalhador%20em%20casos%20de%20Ass%C3%A9dio%20Moral.pdf