Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
402/12.0TTVNG-C.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
FALSIDADE DE DEPOIMENTO TESTEMUNHAL
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA
PROCESSO CRIME
Nº do Documento: RP20180411402/12.0TTVNG-C.P2
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO 1ª
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 273, FLS 213-247)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que, nos termos do art 699º, nº 1, 2ª parte, do CPC/2013, se verifique o indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão deverá ser manifesta a improcedência do fundamento invocado.
II - Para os efeitos do disposto no art. 696º, al. c), do CPC/2013, é superveniente o documento, não apenas que já existisse na pendência do processo em que essa decisão foi proferida [sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo], mas também o documento de criação posterior ao trânsito em julgado da decisão a rever.
III - Independentemente da questão de saber se uma sentença [transitada em julgado] pode ou não enquadrar-se no conceito de documento para efeitos do art. 696º, al. c), do CPC/2013, uma sentença absolutória proferida em processo crime [com fundamento, não no princípio do in dúbio pro reo, mas com base no não cometimento dos factos imputados] não é, todavia, suscetível de se enquadrar em tal fundamento por falta do requisito da suficiência [que impõe que o documento implique, por si só, uma modificação da sentença em sentido mais favorável à parte vencida] na medida em que, consubstanciando mera presunção do não cometimento dos factos [art. 624º do CPC/2013], ela não imporia, só por si e sem necessidade de qualquer outra atividade, decisão diversa da sentença a rever.
IV - Atualmente [e tal como dantes, desde a redação do art. 771º, al, b), do CPC/1961 introduzida pelo DL 38/2003] não é exigível, para verificação do fundamento previsto no art. 696º, al, b) do CPC/2013 e para efeitos de apreciação liminar da admissibilidade do recurso de revisão [art. 699º, nº 1], a prévia verificação, por sentença transitada em julgado, da falsidade do depoimento testemunhal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 402/12.0TTVNG-C.P1 (Recurso de Revisão)
Relatora: Paula Leal de Carvalho (Reg. 1047)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

B..., Autor na ação declarativa laboral nº 402/12.0TTVNG e em que é Ré, C..., SA, veio, aos 08.05.2017 e por apenso a tal ação, interpor (terceiro) recurso de revisão da sentença aí proferida, alegando nas respetivas conclusões que:
“1 – A sentença de 1.ª instância, transitada em julgado, julgou lícito o despedimento por justa causa promovido pela Recorrida, tendo-a absolvido do pedido de indemnização por antiguidade formulado pelo aqui Recorrente.
2 – Acontece que em 9/03/2017 transitou em julgado a sentença de 14/07/2016 proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2, no processo n.º 5954/12.1TDLSB, que absolveu o aqui Recorrente da prática de um crime de abuso de confiança, por alegadamente se ter apropriado das quantias de que se ocupam os presentes autos – cfr. Doc. 1.
3 – Com esse trânsito em julgado, ficou consolidada a prova produzida na respectiva audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos prestados pelas testemunhas D... e E....
4 – De acordo com essa sentença foi dado por provado que o aqui Recorrente entregou as quantias em causa nos autos principais ao legal representante da C..., Sr. F...,
5 – Decorre igualmente da sentença que a testemunha D... nada esclareceu, com um mínimo de segurança, relativamente aos factos imputados ao aqui Recorrente, e que se chegou mesmo a contradizer com o teor de documentos com que foi confrontada ou a refugiar-se em alegados desconhecimentos.
6 – O depoimento da testemunha D... pode ser verificado pela audição do seu depoimento no processo supra identificado e atesta a falsidade com que a mesma prestou depoimento nos presentes autos – cfr. Doc. 2.
7 – Ouvida nos presentes autos disse ter confrontado o aqui Recorrente com a alegada falta do dinheiro dos clientes, ao passo que inquirida no processo referido na Conclusão 2.ª disse só ter falado com o administrador da aqui Recorrida.
8 – Ouvida nestes autos, disse que só poderia ser o aqui Recorrente a ficar com o dinheiro dos clientes, ao passo que ouvida no processo referido na Conclusão 2.ª assumiu nada ter de concreto que permitisse imputar os factos ao aqui Recorrente, mais reconhecendo que o dinheiro de clientes que a filial do Porto enviava para Lisboa, algumas das vezes trazida pelo próprio administrador da aqui Recorrida, era sempre verificada por este e depois passava por várias mãos.
9 – Resulta também claro do depoimento prestado pela testemunha D... no processo criminal que a mesma entrava sistematicamente em contradição ou evitava dar respostas sempre que confrontada com documentos que evidenciavam que a C... não procedia à emissão de facturas sempre que os clientes pagavam em dinheiro, facto que não poderia deixar de ser do seu conhecimento pois exercia funções administrativas e de apoio à contabilidade.
10 – Ao invés, o depoimento da testemunha E... foi entendido no processo referido na Conclusão 2.ª como sério, credível, sereno e desinteressado, tendo-se retirado que o mesmo viu documentos internos demonstrativos de que o administrador da Recorrida recebeu os dinheiros dos clientes a que se reportam estes autos.
11 – Os documentos ora juntos são novos, isto é, não foram apresentados no processo anterior nem o Recorrente poderia ter-se deles servido pois não existiam sequer.
12 – Não é, pois, imputável ao Recorrente a não produção daqueles documentos no processo anterior.
13 – Os documentos ora juntos, um ao declarar que as quantias recebidas dos clientes foram entregues pelo aqui Recorrente ao administrador da Recorrida, e o outro ao evidenciar a falsidade do depoimento que nos autos de impugnação da regularidade do depoimento prestaram as testemunhas D... e E..., vêm demolir a fundamentação utilizada para considerar lícito o despedimento do A..
14 – Julgamos, assim, que os elementos de prova, globalmente considerados, fornecem uma indicação clara de que o teor dos depoimentos prestados à ordem destes autos são manifestamente contrários à verdade dos factos.
15 – O processo de revisão tem como ratio a revogação de decisões injustas, ou seja de decisões que contenham um mal que demande consideração e remédio.
16 – A empresa ou demanda do Recorrente é evidenciar o erro de julgamento que foi cometido.
17 – Mostram-se, assim, preenchidos todos os requisitos legais exigidos para a interposição do presente recurso de revisão, o qual deve ser admitido à luz do disposto no artigo 696.º, als. B) e c), do CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso extraordinário de revisão ser recebido, seguindo-se os seus normais termos e concluindo-se a final pela revogação da sentença na parte em que absolveu a Requerida do pedido de indemnização pela antiguidade, condenando-se a mesma na totalidade dos pedidos contra si formulados.”
O Mmº Juiz, aos 16.05.2017, proferiu despacho a indeferir liminarmente o recurso de revisão por intempestividade do mesmo, o qual, na sequência de recurso de apelação interposto pelo A/Recorrente, veio a ser revogado por Acórdão dessa Relação de 27.09.2017, que decidiu nos seguintes termos: “Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se decide revogar a decisão recorrida que deverá ser, pela 1ª instância, substituída por outra que considere tempestivo o recurso de revisão apresentado pelo Recorrente, B....”

Baixados os autos à 1ª instância, o Mmº Juiz, aos 07.11.2017, proferiu a seguinte decisão liminar [decisão esta de que é interposto o recurso de apelação ora em apreço]:
“Transitada em julgado a decisão proferida no âmbito do processo principal (confirmada em duas instâncias de recurso) e que julgou lícito o despedimento promovido pela entidade patronal, em 12.03.2015 veio B... intentar um terceiro recurso de revisão contra C..., S.A., nos termos das alíneas b) e c) do artigo 696º do CPC, juntando agora a sentença transitada em julgado em 09.03.2017 proferida no âmbito do processo comum com o nº 5954/12.1TDLSB que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal do Porto – J2 e que absolveu o aqui recorrente da prática de um crime de abuso de confiança e que, no seu entender, obriga à modificação de decisão em sentido mais favorável, na medida em que demonstra em que o aqui recorrente entregou as quantias em causa nos autos principais ao legal representante da C..., Sr. F... e evidenciam a falsidade do depoimento prestados no âmbito da acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento por parte de D... e E....
O recorrente apresenta assim a sentença proferida no âmbito do processo crime como o documento novo susceptível de gerar uma decisão diversa nos autos principais.
Julgada a questão da tempestividade do recurso interposto, impõe-se analisar os fundamentos alegados.
Invoca o recorrente o disposto no artigo 696º, al. b) e c) do CPC para fundamentar o recurso de revisão alegando que com o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo crime (processo 5954/12.1TDLSB) que absolveu o recorrente da prática de um crime de abuso de confiança por alegadamente se ter apropriado das quantias de que se ocupam os presentes autos, ficou consolidado a prova produzida, nomeadamente, os depoimentos prestados pelas testemunhas D... e E..., tendo ali ficado provado que o aqui recorrente entregou as quantias em causa nos autos principais ao legal representante da C..., ficando atestado a falsidade do depoimento prestado pelas testemunhas D... e E....
Nos termos da al. b) do artigo 696º do CPC, a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão se “se verificar a falsidade do (…) depoimento (…), que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida”.
Dispõe ainda o artigo 696º, al. c) do CPC, que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de recurso de revisão caso seja apresentado documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Parece-nos totalmente desenquadrado a inclusão da sentença proferida como o “documento novo” a que alude o normativo. Aquele terá que ser, em primeiro lugar, um documento anterior à decisão a rever (e, inclusivamente, à própria instauração da acção), evidenciando, por si só, o erro de julgamento da matéria de facto; quer dizer, a decisão (de algumas) das concretas questões de facto formadas no processo anterior com base nos factos alegados pelas partes, teria sido diversa (e mais favorável ao recorrente) se tal documento tivesse sido então apresentado.
O que está em causa é um outro processo e uma outra decisão, embora em áreas diferenças do direito, que tocam a mesma questão.
O documento a que alude o artigo 696º, al. c) do CPC teria que ser aquele necessário à instrução da prova dos fundamentos da acção ou da defesa a que se refere o disposto nos artigos 413º e 423º do CPC no âmbito da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento o que significa que teria que existir à data. Não se enquadra aqui, evidentemente, uma sentença proferida em momento posterior ao trânsito em julgado da acção laboral.
Relativamente ao disposto na al. b), não se mostra suficiente a sentença proferida no processo penal e a sua fundamentação, nem a divergência dos depoimentos prestados por duas testemunhas no âmbito do processo laboral versus processo penal para que fique demonstrado que os depoimentos prestado no âmbito da presente acção laboral são falsos. Não é bastante a mera comparação do depoimento de uma determinada testemunha prestado num processo comum laboral com o depoimento que a mesma prestou ou ainda outras testemunhas num outro processo de natureza criminal, mesmo que ambos sejam inteiramente divergentes quanto às mesmas questões, tornando-se ainda necessário que os elementos de prova, globalmente considerados, forneçam uma indicação clara de que o teor do primeiro depoimento é manifestamente contrário à verdade dos factos. E é apenas nesta mera comparação que o recorrente fundamenta o recurso de revisão. Em ambos os processos as pessoas assinaladas prestaram os seus depoimentos como testemunhas e enquanto tal prestaram juramento nos termos dos normativos insertos nos artigos 513º, nº1 e 459º, nº1 do CPCivil e 132º, nº1, alíneas b) e d), do CPPenal, o que implica a obrigação de falarem a verdade sob pena de incorrerem nas sanções aplicáveis às falsas declarações. É de todo conveniente ao recorrente considerar que os depoimentos prestados no âmbito do processo laboral são falsos. Porém, a falsidade dos depoimentos das testemunhas ouvidas não poderá ser feita no presente processo, nem da mera comparação das transcrições dos depoimentos carreados para os autos com os prestados no âmbito da acção laboral. A falsidade, como fundamento do recurso, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que a montante terá de ter existido um processo cível ou criminal, onde aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito (nesse sentido Ac. STJ de 14.07.2016, proc. 241/10.2TVLSB.L1-A.S1, disponível in www.dgsi.pt)
Pelo exposto, nos termos dos artigos 699º, nº 1 do CPC, indefiro liminarmente o presente incidente de revisão.
Custas a cargo do A, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Valor do recurso: € 37.150,68.”
Inconformado, veio o Recorrente recorrer [o recurso ora em apreço] da decisão acima transcrita [proferida aos 07.11.2017], formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
1 – O Recorrente apresentou recurso extraordinário de revisão nos termos das alíneas b) e c) do artigo 696.º do CPC, juntando para o efeito a sentença, transitada em julgado em 9/03/2017, e um registo sonoro do depoimento da testemunha D..., no âmbito do processo n.º 5954/12.1TDLSB que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2, que absolveu o aqui Recorrente da prática de um crime de abuso de confiança, e que, no seu entender, obriga à modificação da decisão exarada nos autos de impugnação da regularidade e licitude do despedimento em sentido favorável ao Recorrente, na medida em que demonstra que o mesmo entregou as quantias em causa ao legal representante da Recorrida e evidenciam a falsidade dos depoimentos prestados por parte daquela D... e de E....
2 – O tribunal a quo indeferiu liminarmente o recurso, com o fundamento, por um lado, de que o documento para efeitos da alínea c) do artigo 696.º do CPC tem de ser anterior à decisão a rever e à própria instauração da acção, e, por outro, que não é bastante a mera comparação do depoimento de uma determinada testemunha prestado num processo comum laboral com o depoimento que a mesma (ou outras) prestou num outro processo de natureza criminal, mesmo que ambos sejam inteiramente divergentes quanto às mesmas questões, sendo necessário que a falsidade, como fundamento do recurso, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, esteja verificada por sentença transitada em julgado.
3 – É manifesta a falta de razão do tribunal recorrido.
4 – Quanto à questão do documento, é pacífica a admissibilidade de documentos que se formaram posteriormente ao trânsito em julgado da decisão revidenda – cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, pág. 347, por referência ao então artigo 771.º, al. c), do CPC (actual 696.º) e Acórdão do TRC, de 18/11/2014 (proc. 628/13.9TBGRD.C1):
5 – Questão diferente é a de saber se a sentença pode considerar-se “documento” para efeitos do disposto no artigo 696.º, alínea c) do CPC, o que, no entanto, não foi ponderado no despacho em crise.
6 – Sobre este ponto, o Recorrente não ignora a existência de jurisprudência que propugna que uma sentença não é um documento para efeitos de recurso de revisão, suportada em argumentos de ordem meramente formal, conexionados com a forma como está estruturado o artigo 696.º.
7 – Contudo, o que é inquestionável (do ponto de vista material e não meramente formal) é que a sentença junta (como documento n.º 1) no recurso de revisão prova que o Recorrente não se apropriou de qualquer quantia e que, pelo contrário, a entregou ao legal representante da Recorrida.
8 – Note-se, a este respeito, que o artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, consagra o direito ao recurso de revisão em processo penal sempre que estejamos em face da ocorrência de inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença e que dessa inconciliabilidade ou oposição resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
9 – Assim, se o fundamento do recurso de revisão é a revogação de decisões injustas, ou seja daquelas que contêm um mal que obriga a um remédio (a sua revogação), não podem ser razões meramente formais a inviabilizar que se considere uma sentença como um documento para efeitos na alínea c) do artigo 696.º do CPC.
10 – Neste circunstancialismo, é inconstitucional a norma do artigo 696.º, al. c), do CPC, por violação do artigo 20.º, n.º 1 e 4, da CRP, quando interpretada no sentido de que uma sentença não pode ser considerado documento para os termos aí previstos, por se tratar de uma interpretação desproporcionada e afectadora do direito constitucional à tutela efectiva do direito e a um processo equitativo, pois que faz precludir uma apreciação e valoração dos factos invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em juízo.
11 – Quanto à questão da falsidade, é igualmente manifesta a falta de razão do tribunal a quo.
12 – Com a entrada em vigor do DL n.º 38/2003, que deu nova redacção à alínea que analisamos, deixou de ser necessário, ao contrário do que se exigia anteriormente, que qualquer uma destas falsidades seja constatada através de sentença transitada em julgado passando tal prova a ser feita na fase rescindente do recurso de revisão (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, pág. 345) e Acórdão do STJ, de 13/01/2006 (Colectânea de Jurisprudência, Acs. STJ, 2006, Tomo I, págs. 33 a 35).
13 – A sentença junta com o recurso de revisão prova que o aqui Recorrente não se apropriou de qualquer quantia antes as entregou ao legal representante da Recorrida, facto que aí foi confirmado pela testemunha E..., ao passo que relativamente à testemunha D... se considerou que nada esclareceu, com um mínimo de segurança, quanto aos factos imputados ao aqui Recorrente, chegando a contradizer-se com o teor de documentos com que foi confrontada ou a refugiar-se em alegados desconhecimentos, falsidade essa, de resto, perfeitamente evidenciada pelo registo sonoro do seu depoimento junto como documento n.º 2.
14 – Citando Mortara, no excerto colhido do Acórdão do STJ referido na Conclusão 12.ª: “Quanto mais evolui a consciência jurídica dum povo culto, mais se difunde a convicção de que é legítimo corrigir erros, cobertos embora pelo prestígio do caso julgado, mas que não devem subsistir, porque a sua irrevogabilidade corresponderia a um dano social maior do que a limitação feita ao místico princípio da intangibilidade do caso julgado”.
15 – Assim, o despacho em crise viola o disposto nos artigos 696.º, als. b) e c), e 698.º, n.º 2, ambos do CPC, devendo ser revogado e substituído por Acórdão que admita liminarmente o recurso de revisão e que ordene o seu normal prosseguimento.
Nesses termos, deverá ser revogado despacho ora em crise, o qual deverá ser substituído por Acórdão que admita liminarmente o recurso de revisão, (…)”.
A Recorrida contra-alegou, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
“1. O presente recurso de apelação foi interposto da douta Sentença que indeferiu liminarmente o incidente de revisão nos termos do art. 699º, nº 1 do CPC.
2. O Apelante nas suas conclusões afirma, designadamente e em síntese, que a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2, no âmbito do processo nº 5954/12.1TDLSB, transitada em julgado em 09.03.2017 que absolveu o Recorrente da prática de um crime de abuso de confiança, no seu entender, obriga à modificação da decisão exarada nos autos de impugnação da regularidade e licitude do despedimento em sentido favorável ao Recorrente, na medida em que demonstra que o mesmo entregou as quantias em causa ao legal representante da Recorrida e evidenciam a falsidade dos depoimentos prestados por parte daquela D... e de E....
Mais afirma que a tal sentença é suficiente para se considerar falso o depoimento da testemunha D... – testemunha comum nos autos principiais - e, assim, conclui pela revogação da sentença. laboral.
3. Ora, salvo o devido respeito, não têm as pretensões formuladas pelo Apelante qualquer fundamento, facto que este não deve, nem certamente ignora. Tal é a clareza da douta sentença recorrida e a conformidade com os normativos contidos nos artigos 696º, alíneas b) e c) e 698º, nº 2, ambos do CPC.
4. Como já referido, o Recorrente fundamentou o seu pedido numa sentença penal, proferida e depositada a 15.05.2016 e transitada em julgado em 09.03.2017, proferida no Processo n.º 5954/12.1TDLSB que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2, sendo que, tal expresso na sentença recorrida que subscrevemos na integra, “Parece-nos totalmente desenquadrado a inclusão da sentença proferida como o “documento novo” a que alude o normativo. Aquele terá que ser, em primeiro lugar, um documento anterior à decisão a rever (e, inclusivamente, à própria instauração da acção), evidenciando, por si só, o erro de julgamento da matéria de facto; quer dizer, a decisão (de algumas) das concretas questões de facto formadas no processo anterior com base nos factos alegados pelas partes, teria sido diversa (e mais favorável ao recorrente) se tal documento tivesse sido então apresentado. O que está em causa é um outro processo e uma outra decisão, embora em áreas diferenças do direito, que tocam a mesma questão. O documento a que alude o artigo 696º, al. c) do CPC teria que ser aquele necessário à instrução da prova dos fundamentos da acção ou da defesa a que se refere o disposto nos artigos 413º e 423º do CPC no âmbito da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento o que significa que teria que existir à data. Não se enquadra aqui, evidentemente, uma sentença proferida em momento posterior ao trânsito em julgado da acção laboral.”
5. Segundo jurisprudência desta Relação, proferida no âmbito do Processo nº 143/07.0TBPFR-M.P.1, em 01.11.2010, em Acórdão disponível em www.dgsi.pt, uma sentença não integra o conceito de documento para efeitos de interposição deste tipo de recurso.
“I.- Os pressupostos do recurso de revisão estão taxativamente fixados no art. 771º do CPC.
II - Uma sentença não integra o conceito de “documento” para efeitos da alínea c) dessa disposição.
III - A causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido e não deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelo autor.
IV - A ser reconhecida a figura de “autoridade de caso julgado” deveremos usar uma noção de causa de pedir definida através dos factos constitutivos de todas as normas em concurso aparente que possam ser aplicadas ao conjunto de factos reconhecidos como provados na sentença transitada.
6. Quanto à alegada falsidade do depoimento da testemunha D..., falece igualmente qualquer razão ao Recorrente desde logo porque não está provado – ou sequer – indiciado que tal depoimento é falso.
7. Na verdade o recorrente invoca a falsidade deste depoimento porque no processo crime (Processo n.º 5954/12.1TDLSB que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2I), o que sucedeu foi que em face de dois depoimentos contraditórios – o da testemunha D... e o da testemunha E... – o Tribunal entendeu valorar o depoimento da segunda em detrimento do da primeira.
Ora, quanto a este aspecto, o que a Recorrida tem a dizer é que concorda que tudo indica que uma destas testemunhas mentiu, não havendo contudo nenhuma decisão transitada em julgado que tenha condenado alguma dessas testemunhas pelo crime de falsas declarações. Mas o que a Recorrida sabe – e o Recorrente também sabe porque esteve presente – é que na audiência de julgamento que ocorreu no âmbito do segundo recurso de revisão interposto pelo recorrente nestes autos (Apenso B), o Tribunal confrontou a testemunha E... com as suas declarações prestadas no processo principal por serem totalmente contraditórias com as prestadas nessa mesma audiência de julgamento, tendo sido, a final, ordenada extracção de certidão para efeitos criminais por iniciativa do Tribunal.
Pois uma coisa é certa: o Sr. E... apresentou neste processo laboral duas versões tonalmente contraditórias sobre os mesmos factos: uma no processo principal (cuja decisão pretende o Recorrente colocar em crise com os sucessivos recursos que já interpôs) e outra no processo de revisão julgado no apenso B, também ele improcedente (esta última versão coincidente com a que apresentou no processo crime que correu termos sob o nº 5954/12.1TDLSB no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2- e que foi determinante para a prolação da sentença ora junta pelo Recorrente).
Daqui decorre que a conclusão que o recorrente retira de que, entre a testemunha D... e a testemunha E..., quem está mentir é a primeira é, para além de altamente conveniente, desprovida de qualquer lógica pois que se saiba é a testemunha E... que tem (ou teve uma vez que se desconhece o actual estado do processo) a correr contra si um processo crime por falsas declarações despoletado pela Meritíssima Juiz a quo durante a realização do julgamento do Apenso B.
8. Dito isto, acompanha-se na íntegra a fundamentação da sentença quanto a este ponto, onde se refere “Relativamente ao disposto na al. b), não se mostra suficiente a sentença proferida no processo penal e a sua fundamentação, nem a divergência dos depoimentos prestados por duas testemunhas no âmbito do processo laboral versus processo penal para que fique demonstrado que os depoimentos prestado no âmbito da presente acção laboral são falsos. Não é bastante a mera comparação do depoimento de uma determinada testemunha prestado num processo comum laboral com o depoimento que a mesma prestou ou ainda outras testemunhas num outro processo de natureza criminal, mesmo que ambos sejam inteiramente divergentes quanto às mesmas questões, tornando-se ainda necessário que os elementos de prova, globalmente considerados, forneçam uma indicação clara de que o teor do primeiro depoimento é manifestamente contrário à verdade dos factos. E é apenas nesta mera comparação que o recorrente fundamenta o recurso de revisão. Em ambos os processos as pessoas assinaladas prestaram os seus depoimentos como testemunhas e enquanto tal prestaram juramento nos termos dos normativos insertos nos artigos 513º, nº1 e 459º, nº1 do CPCivil e 132º, nº1, alíneas b) e d), do CPPenal, o que implica a obrigação de falarem a verdade sob pena de incorrerem nas sanções aplicáveis às falsas declarações.
É de todo conveniente ao recorrente considerar que os depoimentos prestados no âmbito do processo laboral são falsos. Porém, a falsidade dos depoimentos das testemunhas ouvidas não poderá ser feita no presente processo, nem da mera comparação das transcrições dos depoimentos carreados para os autos com os prestados no âmbito da acção laboral. A falsidade, como fundamento do recurso, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que a montante terá de ter existido um processo cível ou criminal, onde aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito (nesse sentido Ac. STJ de 14.07.2016, proc. 241/10.2TVLSB.L1-A.S1, disponível in www.dgsi.pt).
Nestes termos e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, (…)”.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Matéria de facto assente
1. Tem-se como assente o que consta do precedente relatório e, ainda e tendo em conta a cópia da certidão que constitui o documento de fls. 13 a 30, que:
2. No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2, correu termos o Proc. 5954/12.1TDLSB, em que o ora Recorrente era arguido e a Recorrida queixosa e demandante civil, no qual foi proferida a sentença cuja cópia consta de fls. 13 a 25 e 28 a 30 e que o absolveu do crime de abuso de confiança que lhe vinha imputado, bem como do pedido cível aí formulado.
3. Tal sentença está datada de 15.07.2016, foi depositada a 16.07.2016 e transitou em julgado aos 09.03.2017.
4. Na ação principal laboral, de que o presente recurso de revisão é apenso (apenso C), foi, por sentença de 26.11.2013, considerado lícito o despedimento do A. com fundamento na existência de justa causa, a qual foi confirmada por acórdão desta Relação de 22.09.2014, não tendo o STJ, por acórdão de 28.01.2015, admitido o recurso de revista excecional interposto pelo A/ora recorrente.
5. Aos 22.01.2016, o Recorrente havia interposto um (segundo) recurso de revisão da sentença referida em 4), que deu origem “Apenso B” [Proc. 402/12-0TTVNG-B.P1], com fundamento, em síntese e no que poderá relevar, na falsidade do depoimento da testemunha E....
6. Admitido liminarmente tal recurso, proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento, foi, aos 09.09.2016, proferida decisão de fls. 87 a 94, que julgou “improcedente o incidente de revisão”, a qual, na sequência de recurso de apelação interposto pelo A./Recorrente, foi confirmada pelo Acórdão desta Relação de 30.01.2017 (fls. 209 a 228 vº) do referido Apenso
***
III. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos arts 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC/2013, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT, as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Se o recurso de revisão deve ser liminarmente admitido com fundamento na al. c) do art. 696º do CPC/2013;
- Se o recurso de revisão deve ser liminarmente admitido com fundamento na al. b) do art. 696º do CPC/2013.

1.2. Importa, todavia e previamente, deixar esclarecido o seguinte:
Nos presentes autos de recurso de revisão, o Recorrente fundamenta-o na sentença, transitada em julgado, proferida no Processo crime 5954/12.1TDLSB [em que o ora Recorrente era arguido e a Recorrida queixosa e demandante civil, e que o absolveu do crime de abuso de confiança que lhe vinha imputado, bem como do pedido cível aí formulado] e, em conjugação, na alegada falsidade do depoimento prestado pela testemunha D... no âmbito da ação de impugnação do despedimento tendo em conta o depoimento, contraditório, que pela mesma teria sido prestado na audiência de julgamento no processo crime [tendo junto o CD contendo a gravação do depoimento presado pela mesma no processo crime].
Ou seja, serve isto para deixar esclarecido que, pese embora o Recorrente aluda, no âmbito do recurso de revisão ora em apreço, também ao depoimento da testemunha E..., do que alega [diga-se que de forma algo confusa] não decorre, contudo que o mesmo tenha por fundamento a falsidade do depoimento da referida testemunha [até porque nem juntou o “CD” contendo o respetivo depoimento]
De todo o modo, ainda que assim não fosse, cabe dizer que o pedido de revisão com fundamento na alegada falsidade do depoimento da citada testemunha – E... – já foi, com trânsito em julgado, apreciado e decidido no âmbito do Apenso B e que, assim, tem força e autoridade de caso julgado no âmbito, agora, do presente Apenso C.
Com efeito, no apenso B) a que se reportam os nºs 5 e 6 dos factos assentes, o Recorrente havia requerido a revisão da sentença proferida na ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento com fundamento, para além do mais que ora não releva, na falsidade do depoimento da testemunha E....
Como se disse nos mencionados pontos, o recurso de revisão foi liminarmente admitido, tendo sido, nos termos e para efeitos do disposto no art. 700º, nºs 1 e 2 do CPC, realizada audiência de julgamento e proferida decisão no sentido da improcedência do mesmo [ou seja, julgado não verificado esse fundamento da revisão]. De tal decisão, foi, então, interposto recurso de apelação, no âmbito do qual foi proferido o Acórdão de 30.01.2017 que procedeu à peticionada reapreciação da decisão da matéria de facto, o que fez levando em linha de conta o depoimento da testemunha E..., aresto esse que confirmou a decisão da 1ª instância, assim julgando improcedente o recurso de revisão então em causa nesse Apenso B e, por consequência, julgando-se no sentido da não verificação, com base na alegada falsidade do depoimento da testemunha E..., fundamento para o recurso de revisão.
Ora, assim sendo e tendo em conta a autoridade e força do caso julgado formado pelo referido Acórdão, proferido no âmbito do segundo recurso de revisão, não pode agora o Recorrente vir novamente invocar a alegada falsidade desse depoimento para sustentar novo [o terceiro] pedido de revisão.
Ou seja, e atenta, pelo menos ao que parece decorrer da requerimento de revisão, alguma “confusão” quanto aos fundamentos da mesma [na medida em que, aí, também o Recorrente alude ao depoimento da testemunha E...], serve o referido para delimitar, com precisão, os fundamentos da mesma, que são a sentença, transitada em julgado, proferida no processo crime e o depoimento da testemunha D....

1.3. Diz-se no ponto II do sumário do Acórdão do STJ de 12.03.2014, Proc. 5092/07.9TTLSB-A.S1, in www.dgsi.pt, que “II - A formulação do juízo rescindente liminar realiza-se sob duas vertentes: na primeira, com sentido formal, cuida-se saber da correta instrução do recurso; na segunda, com caráter tendencialmente substantivo – sem prejuízo da consideração adjectiva quanto aos pressupostos, como a legitimidade e o interesse em agir – cuida-se saber se ocorre, ou não, manifesta inviabilidade, isto é, se é de reconhecer de imediato que não há motivo para revisão.”.
José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Coimbra Editora, pág. 195 referem que: “os recursos extraordinários estão estruturados no nosso direito em duas fases: a fase rescindente, destinada a afastar ou “rescindir” a decisão transitada em julgado; e a fase rescisória que se segue à anulação ou rescisão da decisão transitada e visa retomar o processo e aí obter uma decisão que substitua a rescindida ou anulada. (…)”.
Ou seja, serve o referido para frisar que estamos, no caso em apreço, na fase rescindente, aliás numa fase preliminar da mesma [a da admissão liminar, ou não, do recurso de revisão, digamos que a equivalente à fase do despacho liminar sobre uma petição inicial], sendo que o que está em causa no presente recurso é saber se é, ou não, de reconhecer de imediato que não existe motivo para a revisão, E, como diz Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª edição, Março de 2017, EDIFORUM, pág. 1187, para que se verifique o seu indeferimento liminar deverá ser manifesta a improcedência do fundamento invocado.

2. Dispõe o CPC/2013, sobre o recurso de revisão, que:
Artigo 696.º
Fundamentos do recurso
A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.
Artigo 699.º
Admissão do recurso
1 — Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 641.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão.
2 — Admitido o recurso, notifica-se pessoalmente o recorrido para responder no prazo de 20 dias.
3 — O recebimento do recurso não suspende a execução da decisão recorrida.
Artigo 700.º
Julgamento da revisão
1 — Salvo nos casos das alíneas b), d) e g) do artigo 696.º, o tribunal, logo em seguida à resposta do recorrido ou ao termo do prazo respetivo, conhece do fundamento da revisão, precedendo as diligências consideradas indispensáveis.
2 — Nos casos das alíneas b), d) e g) do artigo 696.º, segue-se, após a resposta dos recorridos ou o termo do prazo respetivo, os termos do processo comum declarativo.
3 — Quando o recurso tenha sido dirigido a algum tribunal superior, pode este requisitar ao tribunal de 1.ª instância, de onde o processo subiu, as diligências que se mostrem necessárias e que naquele não possam ter lugar.

Ao contrário dos recursos ordinários, que visam evitar o trânsito em julgado de uma decisão judicial, o recurso extraordinário de revisão visa alterar uma decisão judicial já transitada em julgado, alteração essa em nome do primado da justiça sobre a segurança jurídica. Mas, precisamente, porque põe em causa os princípios da certeza e segurança jurídicas, a sua admissibilidade está sujeita a um apertado condicionalismo legal, desde logo no que toca à natureza taxativa dos fundamentos que, nos termos do art. 669º, o permitem.

4. Se o recurso de revisão deve (ou não) ser liminarmente admitido com fundamento na al. c) do art. 696º do CPC/2013

Como fundamento da revisão, o Recorrente invocou a sentença, transitada em julgado, proferida no Proc. 5954/12.1TDLSB que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2, e em que o ora Recorrente era arguido e a Recorrida queixosa e demandante civil, sentença essa que consta de fls. 13 a 25 e 28 a 30 e que o absolveu do crime de abuso de confiança que lhe vinha imputado [por ter considerado que não praticou os factos que lhe eram imputados], bem como do pedido cível aí formulado.
O Mmº Juiz a quo entendeu que tal sentença não consubstancia, para efeitos do disposto no art. 696º, al. c), do CPC, o “documento” a que o mesmo se reporta uma vez que tal preceito tem por objeto “documento novo”, isto é, documento que seja “anterior à decisão a rever (e, inclusivamente, à própria instauração da acção) …”, “(…) teria que ser aquele necessário à instrução da prova dos fundamentos da acção ou da defesa a que se refere o disposto nos artigos 413º e 423º do CPC no âmbito da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento o que significa que teria que existir à data. Não se enquadra aqui, evidentemente, uma sentença proferida em momento posterior ao trânsito em julgado da acção laboral”.
No Acórdão do STJ de 19.09.2013, Proc. 663/09.1TVLSB.S1, in www.dgsi.pt, embora acabando por não tomar posição uma vez que, na economia da decisão, tal se mostrou desnecessário, referiu-se todavia o seguinte:
“Com efeito, tem sido entendido que tal documento novo susceptível de fundamentar a revisão da decisão pode ser um documento criado posteriormente, ou seja, um documento objectivamente superveniente.
Defendem esta interpretação os nossos mais insignes processualistas a começar pelo Prof. A. Reis (CPC Anotado, vol. VI, p. 355).
É certo que algumas (poucas…) vozes divergentes se têm levantado na doutrina (cfr. João Espírito Santo, O documento superveniente, 2001, p. 72) e na jurisprudência (cfr. Ac Rel Lisboa 05-02-1980, CJ, 1980, Tomo I, p. 230).
E se atentarmos na redacção da alínea c) em causa – “se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever…” - concluiremos que:
- “documento de que a parte não tivesse conhecimento” é documento que a parte ignorava existir e só se pode ignorar a existência do que, na realidade, existe…(é um absurdo lógico a ignorância da existência do que não existe…); logo, um documento cuja existência a parte ignorava é, obviamente, documento que existia…;
- “documento de que não tivesse podido fazer uso” é documento que, noutras circunstâncias, poderia ter sido utilizado, e, portanto, teria que existir; independentemente da razão da impossibilidade de utilização, é necessário apenas que esta impossibilidade haja sido estranho à vontade da parte; ora, um documento inexistente nunca poderia ser utilizado…
Será que ainda é possível sustentar que o documento a que alude a citada alínea c) não é necessariamente um documento já existente na pendência do processo, podendo também ser um documento criado posteriormente, ou seja, um documento objectivamente superveniente relativamente a tal processo?”
Nesta linha, parece ter entendido a decisão recorrida.
Não obstante, no sentido de que o art. 696º, al. c), comporta a possibilidade de revisão com base em documento de criação posterior ao trânsito em julgado da decisão a rever, entendimento este que sufragamos, veja-se:
Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, in Dos Recursos (Regime do Decreto-Lei nº 303/2007), Quid Juris, pág. 353, dizem o seguinte: “(…). Pode, no entanto, colocar-se o problema de saber se o documento pode ser posterior ao trânsito da decisão que se pretende atacar por via do recurso de revisão. Alberto dos Reis pronunciava-se claramente em sentido afirmativo[1], no que foi acompanhado, por exemplo, por Rodrigues Bastos[2].
A posição destes autores foi questionada e reputada duvidosa[3].
Não vemos motivos para nos afastarmos da posição daqueles autores.
A impossibilidade da apresentação do documento, para efeitos de revisão, «existirá sempre que, à data do limite cronológico para a apresentação desses documentos no processo em que foi proferida a decisão revidenda:
a) a parte desconhecia a existência do documento;
b) a parte, não desconhecendo a sua existência, não pôde dispor dele, a fim de o apresentar; ou
c) o documento ainda se não tenha formado»[4]
(…)”.
Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, pág. 365: “Tanto é superveniente o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão revidenda, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo.” [sublinhado nosso]
José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Coimbra Editora, pág. 198, referem que: «A designação “documento novo” (CPC de 1939) não era feliz porquanto a formação do documento não tinha necessariamente de ser posterior ao trânsito em julgado da sentença a rever, exigindo-se apenas que a parte não o conhecesse ou dele não dispusesse “ao tempo em que esteve em curso o processo anterior” (Alberto dos Reis, CPC anotado cit., VI, p- 353).»
E, conforme sumário do Acórdão do STJ de 09.10.2013, Proc. 4677/08.OTTLSB.L1-B.S1, in www.dgsi.pt: “1. Nos termos da alínea c) do artigo 771.º do Código de Processo Civil, que regula o recurso de revisão, o documento atendível terá de preencher dois requisitos: a novidade e a suficiência, significando o primeiro que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão a rever, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele, e o segundo que o documento produzido implique uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida. 2. Não se verifica o requisito da novidade se os documentos que se apresentam para fundamentar a revisão são anteriores à instauração da acção e o recorrente não alegou, como era seu ónus, que o não conhecimento e a não apresentação dos documentos no processo em que sucumbiu não lhe pode ser imputável, designadamente, por falta de diligência na preparação e instrução da acção.”. [sublinhado nosso]
Assim também o Acórdão do STJ de 17.09.2009, Proc. 09S0318, in www.dgsi.pt, nos termos do qual a novidade do documento [requisito da sua invocação] “significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele (…)”.[sublinhado nosso]
Ou seja, resulta do entendimento, pelo menos largamente maioritário, que o “documento” para efeitos do art. 696º, al. c), não tem que ser, necessariamente, um documento pré-existente [à data da decisão a rever ou à data da instauração da ação], podendo, desde que verificados os demais requisitos, ser de criação posterior à decisão a rever.
Aliás, como decorre do referido por José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes e ao contrário do que entendeu o Mmº Juiz, a designação de “documento novo” que era utilizada no CPC de 1939 sempre se reportaria a documento posterior ao trânsito em julgado da sentença a rever (superveniência objetiva) e em relação ao qual não se suscitava dúvida quanto à possibilidade da sua utilização [desde que verificados os demais requisitos] para fundamentar a revisão; a dúvida que se poderia suscitar era se um documento pré-existente, mas desconhecido do Recorrente (superveniência subjetiva) poderia também fundamentar o recurso de revisão (e, porque assim era, é que se entendia que a expressão “não era feliz.”).
Ora, assim sendo, o fundamento aduzido na decisão recorrida para afastar a aplicabilidade da al. c) do art. 696º - ser o documento (sentença penal) - de formação posterior “ao trânsito em julgado da acção laboral” não pode, pois, proceder.
Não obstante, como decorrerá do que se dirá no ponto seguinte e desde já se adianta, é de manter a decisão recorrida embora por outro fundamento [como se passará a explicar a sentença proferida no processo crime acima aludido não consubstancia, nos termos e para os efeitos do art. 696º, al. c), do CPC, “documento” suscetível de permitir o recurso de revisão].

4.1. Como diz o próprio Recorrente, fundamento/questão diferente do invocado na decisão recorrida é a de saber se uma sentença proferida em outro processo, maxime sentença absolutória proferida em processo crime, será suscetível de se enquadrar no fundamento previsto no art. 696º, al. c), do CPC, a justificar o recurso de revisão.
Tal fundamento não foi, como se disse, o utilizado pela decisão recorrida. Não obstante, não se nos afigura que esteja esta Relação impedida de dele conhecer, pois que, por um lado, trata-se apenas de matéria de direito decorrente tão só de diferente enquadramento jurídico dos factos, não estando a Relação impedida de o fazer, e, por outro, sendo certo que foi tal fundamento trazido à liça pelo Recorrente, que o referiu nas alegações de recurso [ainda que para o afastar] e que sobre ele incidiu o contraditório [uma vez que a Recorrida contra-alegou].
Assim, e apreciando:
Fernando Amâncio Ferreira, ob. citada, pág. 365, refere que: “Uma sentença não pode qualificar-se como documento para efeitos do disposto na citada alínea c) do art. 771º [alínea c) do atual art. 696º], por não se enquadrar na noção de documento contida no art. 362º do CC; acresce que uma sentença só pode servir de fundamento ao recurso de revisão no caso contemplado na alínea a) do mencionado art. 771” [al. a) do atual art. 696º] e, em apoio, cita o Ac. STJ de 15.05.2001, CJ, Acórdãos STJ, Tomo II, p.80.
Mais diz o citado autor que “O documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente. Se o documento, quando relacionado com os demais elementos probatórios produzidos em juízo, não tiver a força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença, não se vê razão para se abrir um recurso de revisão.”,
António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág.406, cita o Ac. do STJ de 13.01.2006, CJ STJ, TI, pág. 33 a 35, nos termos do qual uma sentença judicial não pode servir de fundamento a recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificada como documento.
José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in ob. cit., pág. 198, referem que “Uma sentença judicial não é documento para o efeito desta alínea c)”.
Divergindo, ao que nos parece, J. Pinto Furtado, in Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), entende que facilmente a sentença se poderá considerar como constituindo um documento mas, que, questão diferente, será a de saber se a matéria provada dela constante poderá, por si, levar à alteração da decisão a rever pois que, apenas neste caso, se poderia enquadrar na al. c) do art. 696º. Com efeito, refere o mencionado Autor:
“Como já se julgou e está incontestavelmente certo:
- O documento tem de fazer prova de um facto inconciliável com a decisão a rever – SUPERMO, 22-05.79 (BMF nº 287, p.244).
Em outra perspetiva, decidiu-se também:
- Uma sentença não pode ser qualificada como documento para efeitos do disposto na al. c) do art. 771 CPC [atual al. c) do art. 696]-SUPREMO, 15.05.2001 (COLSTJ, IX-II, p. 80).
Esta proposição tem sido já por algumas vezes consagrada em arestos do SUPREMO [5], mas pensamos que assenta num equívoco e não tem razão de ser.
É claro que uma sentença não é um documento, mas a sua essência e alcance inscreve-se sempre num documento. Mesmo quando a sentença é oral. É ditada para a ata, que então a documenta.
Se, pois, foi proferida uma sentença, que transitou em julgado e reconhece determinado facto que seja, por si, suficiente para modificar a decisão a rever em sentido mais favorável à parte vencida, é incontestável que a exibição do documento que a atesta pode fundamentar adequadamente a revisão, por se inserir sem esforço no quadro da al. c) do art. 696.
Se nos debruçarmos sobre o caso decidido no acórdão acabado de sumarias, facilmente concluiremos que a questão nele resolvida não era efetivamente de molde a basear uma revisão.
Tinha sido declarada a insolvência de determinada sociedade com fundamento em cessação de pagamentos, desaparecimento do local da sua sede e cessação da sua atividade comercial.
Como entre o passivo figurava determinada verba em que, por posterior sentença, transitada em julgado, veio a ser absolvida, pretendia então a revisão da declaração de insolvência.
Era evidente, à luz dos factos em presença, que a absolvição quanto a determinado crédito não seria suficiente para contrariar aquela declaração. O sumário do acórdão é que devia ser revisto, pois o fundamento decisivo da recusa de revisão não foi o facto de a sentença não ser um documento – ela não é um documento mas insere-se num documento que a atesta – mas na circunstância de a absolvição não ser suficiente para afastar a declaração de insolvência. (…)”.
O Acórdão do STJ de 13.01.2006, CJ, Acórdãos STJ, T I, págs. 33 a 35, no âmbito do art. 771º, al. c), do CPC/1961 [redação do DL 38/2003], preceito que é todavia idêntico ao art. 669º, al. c), do atual CPC/2013, conforme ponto I do respetivo sumário, entendeu que “I. Uma decisão judicial não pode servir de fundamento a recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificada como um documento, para efeitos do disposto no art. 771º, al. c), do CPC.” E, no seu texto, refere que: “O documento a que se refere a al. c) daquele art.771º tem de corporizar uma declaração de verdade ou ciência, isto é, uma declaração destinada a corporizar um estado de coisas, pelo que deve ser um documento em sentido estrito.
Terá ainda de ser um documento decisivo, dotado em si mesmo, de uma força tal que possa conduzir o juiz à persuasão de que, só através dele, a causa poderá ter solução diversa da que teve.”.
Assim também o Acórdão do STJ de 03.05.2011, CJ, Acórdãos do STJ, T II, p. 57, nos termos do qual uma decisão judicial não constitui “documento”, na definição do art. 362º do CC, não podendo ser fundamento de recurso extraordinário de revisão de sentença.
Há também que fazer referência ao requisito da suficiência do documento.
O requisito da suficiência, também exigível, impõe que o documento implique, por si só, uma modificação da sentença em sentido mais favorável à parte vencida – Acórdão do STJ de 13.11.2014, Proc. 1544/04, Sumários, Nov/2014, p. 8, citado por Abílio Neto, ob, citada, pág. 1180.
“V. O fundamento previsto na al. c) do art. 696º do NCPC refere-se a um documento escrito dotado de força probatória plena, que seja suficiente para, por si só (alheando-se assim da margem de apreciação do julgador – trata-se de um julgamento produzido pela lei, embora com reflexo na matéria de facto), destruir a prova em que se fundou a decisão” – Acórdão do STJ de 02.06.2016, Proc. 13262/14.7T8LSB-A,L1,-S1, in www.dgsi.pt.
Decorre da incursão que fizemos pela doutrina e jurisprudência, que esta parece apontar no sentido de que uma sentença não consubstancia, para efeitos do art. 696º, al. c), um documento, posição que acolhendo, todavia, o apoio maioritário da doutrina, não é todavia unânime dada a posição discordante de J. Pinto Furtado.
Seja como for, e independentemente da posição que se adotasse, no caso ora em apreço a sentença penal fundamento do pedido de revisão absolveu o Recorrente da prática do crime que aí lhe era imputado. Pese embora a coincidência dos factos imputados ao Recorrente nos autos de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e no processo crime e aquele haja sido absolvido na sentença penal com fundamento, não no princípio do in dúbio pro reo, mas sim com base no não cometimento dos factos imputados, tal situação enquadrar-se-ia no disposto no art. 624º do CPC, que rege sobre a eficácia da decisão penal absolutória e em cujo nº 1 dispõe que: “1. A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.”.
Ou seja, mais não constituindo a sentença penal absolutória do Recorrente do que uma mera presunção do não cometimento dos factos, faltar-lhe-ia o requisito da suficiência, pois que nunca constituiria documento que, só por si e sem necessidade de qualquer outra atividade, impusesse decisão diversa da sentença a rever. Sempre seria necessário, na ação de impugnação do despedimento, proceder a atividade probatória ou, melhor dizendo, facultar à Ré/empregadora a possibilidade dessa atividade probatória com vista a ilidir essa presunção. Aliás, diga-se que na ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, nem tal presunção assumiria um relevo substancial, na medida em que o ónus da prova da justa causa do despedimento e, por consequência, dos factos que a integram sempre impende sobre o empregador. Ou seja, na medida em que seja feita prova dos factos integradores da justa causa, a presunção da inexistência de tal factualidade mostra-se ilidida, a significar que, no caso, a prova dos factos feita na sentença laboral ilide a presunção que decorreria da sentença penal, a qual, assim e por si só, não seria suficiente para modificar a decisão proferida na ação de impugnação do despedimento. Veja-se, até, que a sentença penal absolutória poderia existir à data do julgamento da ação de despedimento, sendo que, não obstante, tal não imporia decisão semelhante à naquela proferida, tudo dependendo da prova produzida na ação de impugnação do despedimento.
Acresce dizer que, mormente no caso em apreço, não se vê razão para apelar ao regime processual penal (art. 449º, mormente nº 1, al. c), do CPP), sendo certo que, mesmo que, porventura e como hipótese de raciocínio, se considerasse que a sentença se integraria, nos termos e para os efeitos do art. 696º, al. c), do CPC, no conceito de documento, ela, ainda assim e por falta do requisito da suficiência, não seria suscetível de fundamentar o pedido de revisão. De todo o modo, o processo penal não é subsidiário do processo civil (ou laboral) nem este, processo civil, é omisso, sendo que o art. 696º dispõe, de forma taxativa, sobre as situações que poderão fundamentar a revisão na jurisdição cível e, subsidiariamente, na laboral. Questão diferente é como interpretar, no contexto do art. 696º, a expressão “documento”, mas não substituir ou adicionar ao elenco do art. 696º do CPC a situação prevista no art. 449º, nº 1, al. c), do CPP. Aliás, veja-se que as situações relativas à falsidade dos meios de prova são tratadas de forma diferente no processo penal e no civil – cfr. al. a) do nº 1 do art. 449º do CPP e al. b) do art. 696º -, sendo que, naquela, se exige “uma sentença transitada em julgado” que tenha considerado falsos os meios de prova, enquanto que, conforme adiante melhor se dirá e para onde se remete, na al. b) do art. 696º [tal como no anterior art. 771º al. b) do CPC/1961, após a redação do DL 38/2003]- tal exigência não é feita.
E, daí, que se o Recorrente entende, tal como parece entender, que seria de apelar ao art. 449º, nº 1, al. c), do CPP então, no que se reporta à alegada falsidade do depoimento da testemunha D... [questão que adiante será apreciada], deveria, então e em coerência, apelar também à al. a) do mesmo [no qual se prevê a necessidade de prévia sentença transitada em julgado a considerar falsos os meios de prova], conformando-se com a solução da decisão recorrida, o que todavia não defende.
Acrescente-se, para quem defende que uma sentença não se enquadra no art. 696º, al. c), do CPC que, manifestamente, não existe qualquer situação omissa suscetível de justificar a aplicação do art. 449º, nº 1, al. c), do CPP, pois que, em abono de tal entendimento, poder-se-ia dizer que se o legislador cível não previu que o recurso de revisão se possa fundar em outra sentença foi porque assim o não pretendeu e não porque não haja previsto tal situação. É o que decorre do confronto entre a al. c) e a al. a) do art. 696º, em que, nesta, mas não naquela, expressamente se tem como fundamento uma sentença, para além de que o legislador não é, nem pode ser, desconhecedor do regime que vigora no processo penal, pelo que, assim o tivesse pretendido, teria introduzido no CPC norma semelhante. E há igualmente que ter em conta os valores e interesses que enformam cada uma das jurisdições, mormente os subjacentes à jurisdição penal em que está em causa a responsabilidade criminal do cidadão com todas as consequências daí decorrentes.
E, desde logo também por isso, não vislumbramos a alegada inconstitucionalidade, por violação do art. 20º, nºs 1 e 4 da CRP, do art. 696º, al. c), quando interpretado “no sentido de que uma sentença não pode ser considerado documento para os termos aí previstos, por se tratar de uma interpretação desproporcionada e afectadora do direito constitucional à tutela efectiva do direito e a um processo equitativo, pois que faz precludir uma apreciação e valoração dos factos invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em juízo.”.
O acesso ao direito e à tutela efetiva não é, nem pode ser, tão amplo que tudo permita, sendo que outros valores, também com tutela constitucional, se impõem acautelar, quais sejam a certeza e segurança jurídicas, sendo que o legislador constitucional, em matéria de recursos, confere ao legislador ordinário margem para apreciação e decisão quanto aos limites a introduzir [e não esquecendo que o legislador ordinário faculta o direito aos recursos ordinários, com possibilidade de reapreciação, em 2ª instância, da prova]. Acresce que dizer que, pese embora a vasta doutrina e jurisprudência cível no sentido apontado, desconhece-se, ao que sabemos, defensores da inconstitucionalidade invocada.
Ou seja, e concluindo, a sentença penal invocada pelo Recorrente, pelo menos no caso ora em apreço em que aquela é absolutória, não constitui fundamento do recurso de revisão, pelo que, com tal fundamento, o mesmo não deve ser admitido.

5.1. Se o recurso de revisão deve (ou não) ser liminarmente admitido com fundamento na al. b) do art. 696º do CPC/2013 [falsidade de depoimento de testemunha]

O Recorrente invoca ainda, como fundamento do recurso de revisão, a falsidade do depoimento prestado pela testemunha D... pois que, segundo diz, a mesma teria prestado depoimentos contraditórios no processo cuja sentença se pretende rever [ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento] e no processo crime a que se vem aludindo, assim se enquadrando o alegado no art. 696º, al. b), do CPC.
A decisão recorrida, que deixámos transcrita no relatório do presente acórdão, estribou-se no Acórdão do STJ de 14.07.2016, proferido no Proc. 241/10.2TVLSB.L1-A.S1, in www.dgsi.pt, e no qual se diz, para além do mais, que “a falsidade, como fundamento do recurso, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que a montante terá de ter existido um processo cível ou criminal, onde aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que (…)”.
De frisar que a decisão recorrida se fundamenta, apenas, na inexistência de prévia sentença transitada em julgado em que haja sido demonstrada a falsidade dos depoimentos, mas não já sobre a existência, ou não, da contradição dos depoimentos prestados pela testemunha D... no processo crime e no laboral e, muito menos, sobre a existência, ou não de falsidade, para além de que a decisão recorrida foi proferida em sede de despacho liminar (art. 699º, nº 1, do CPC).
Embora com o devido respeito pelo entendimento sufragado pelo aresto em que o Mmº Juiz se funda, entendemos todavia e salvo melhor opinião, não ser de o acolher, como passaremos a explicar.
Importa, antes de mais, ter presente a evolução histórica do preceito.
O art. 771º, al. b), do CPC/1961, na redação anterior à introduzida pelo DL 38/2003, de 08.03, dispunha que a decisão transitada em julgado só podia ser objeto de recurso de revisão “b) Quando se apresente sentença já transitada que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. (…)”. [sublinhado nosso]
Tal redação foi alterada pelo DL 38/2003, passando a dispor-se: “b) Quando se verifique a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. (…).” [sublinhado nosso]

O art. 696º, al. b), do CPC/2013 veio dispor de forma idêntica ao citado art. 771º, al. b), na redação introduzida pelo DL 38/2003.
Diz António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pág.406, que “Ao contrário do que emergia da primitiva redacção do preceito, não se torna necessário instruir o requerimento com qualquer sentença confirmativa da falsidade, tendo-se optado por integrar a discussão dos factos pertinentes no âmbito da revisão. Ainda assim, será naturalmente mais fácil obter a procedência do recurso se acaso o recorrente puder demonstrar a alegada falsidade a partir de sentença penal ou cível que porventura a tenha reconhecido.”.
Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, pág.205, refere que “No caso dos fundamentos das alíneas b) (…) do art. 771º [atual art. 696º] e como não é necessário propor previamente acção judicial destinada a demonstrar a procedência do fundamento, após a resposta do recorrido ou decurso do prazo para apresentação dessa resposta, o recurso passa a ser tramitado como acção sumária, havendo o recorrente que demonstrar que é falso o (…) ou depoimento impugnado, (…). Decorrida a fase rescindente, o tribunal decidirá se procede o fundamento. (…)”.
Fernando Amâncio Ferreira, ob. cit., diz que: “Com a entrada em vigor do DL nº 38/2003, que deu nova redacção à alínea que analisamos, deixou de ser necessário, ao contrário do que se exigia anteriormente, que qualquer uma destas falsidades seja constata através de sentença transitada em julgado, sem prejuízo de o recorrente poder lançar mão do processo de declaração a fim de obter previamente uma verificação da falsidade. (…).”
José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, ob. cit, dizem que “Com o DL 38/2003 repristinou-se, (…), a solução (do CPC de 1939) de dispensar a anterior propositura de uma ação autónoma para verifica a falsidade do meio de prova (…)” [pág. 194,] e, mais adiante, a pág. 197, que: “A partir da redacção introduzida na sua 1ª parte pelo DL 38/2003 deixou de exigir-se a apreciação do vício em acção autónoma e prévia. Impunha-se, até ao referido diploma legal, que, por sentença transitada em julgado, se tivesse verificado a falsidade (…) de depoimento (testemunhal ou de parte) (…) que pudessem, em qualquer caso, ter determinado a decisão a rever. Esta verificação tem lugar agora na própria instância de recurso (art. 775-2 [6]). (…)”.
Assim também J. Pinto Furtado, ob. cit., pág. 161: “Os dois Códigos seguintes [reporta-se aos Códigos seguintes ao CPC de 1939)], porém, formulando um fundamento mais alargado, de falsidade de documento, ato judicial, depoimento ou declarações de peritos ou árbitros, para que passaram a exigir que previamente tivesse sido proclamado por sentença passada em julgado. Surgiu entretanto o Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de março, que, dando nova redação à al. b) do art. 771 CPC, manteve o mesmo fundamento nesta versão alargada, mas dispensando a prévia verificação em sentença passada em julgado, e remetendo a sua demonstração para o ulterior processamento do recurso de revisão – que é o princípio que vigora hoje em dia, constante da al. b) do art. 696 CPC 2013.”
E, finalmente, no mesmo sentido J.O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, O Novo Regime de Recursório Civil, 4ª Edição, Coimbra Editora, pág. 237, em que diz:
“Voltando, ainda, ao Dec-Lei nº 38/2003, diremos que as alterações decorrentes desse decreto-lei incidiram, especialmente, na circunstância de, simplificando, serem eliminadas situações que, no regime anterior, exigiam uma acção autónoma prévia no recurso extraordinário de revisão.
Com efeito, o art. 771º, versão anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003, pressupunha acções novas prévias aos recursos extraordinários nos casos das respectivas alíneas a) - sentença criminal contra Juiz -, b) – falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou de declarações – (…).
O Dec-Lei nº 38/2003 reduziu a necessidade de acção autónoma prévia ao caso da alíena a) do art. 771º, sentença criminal contra Juiz.
Nos demais casos de revisão, tudo passou a poder ser apreciado, mais simplesmente, no próprio processado do recurso de revisão, (…)”.
No mesmo sentido se pronuncia o Acórdão do STJ de 13.01.2006, CJ, Acórdãos STJ, T I, págs. 33 a 35, no âmbito do art. 771º, al. b), do CPC/1961, na redação introduzida pelo DL 38/2003, preceito que é todavia idêntico ao art. 669º, al. b), do atual CPC/2013 e em cujos pontos II, III e IV do respetivo sumário se refere o seguinte: “II. Com a alteração da redação da al. b) do art, 771º do CPC, introduzida pelo Dec-lei 38/03, de 8 de Março, deixou de ser necessário, ao contrário do que se exigia anteriormente, que qualquer das falsidades aí previstas seja previamente verificada através de sentença transitada em julgado, tendo-se suprimido a obrigatoriedade dessa acção declarativa prévia, III. A prova da falsidade de depoimentos testemunhais pode agora ser feita na fase rescindente do recurso extraordinário de revisão. IV. Por isso, actualmente, a prova da efectiva falsidade de depoimentos testemunhais não é requisito prévio de admissibilidade do recurso de revisão.”
Ou seja, de tudo quanto ficou referido apenas podemos concluir, atualmente [e tal como dantes, desde a redação do art. 771º, al, b), do CPC/1961 introduzida pelo DL 38/2003] e ao contrário do entendido na decisão recorrida, que não é exigível, para verificação do fundamento previsto no atual art. 696º, al, b), a prévia verificação “no local próprio, o que significa que a montante terá de ter existido um processo cível ou criminal, onde aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido”, verificação essa que poderá ter lugar na fase rescindente dos presentes autos de recurso de revisão.
E, assim sendo, impõe-se a revogação da decisão recorrida.
Resta esclarecer que não há que cuidar, mormente no âmbito do presente recurso de apelação, da apreciação da invocada falsidade. De todo o modo, sempre se dirá que a falsidade não se subsume à mera contradição de depoimentos; uma coisa é a contradição de depoimentos e, outra, o apuramento e decisão de qual dos depoimentos, designadamente se o prestado na ação de impugnação do despedimento, será o falso. Se os depoimentos são, porventura, contraditórios, um deles será falso, restando, porém, saber qual deles o será, o que apenas em sede do referido no art. 700º, nº 2, do CPC, poderá ser apurado. Nem tão pouco há que cuidar, no âmbito das questões em apreço no presente recurso de apelação, da existência, ou não, de depoimentos contraditórios, sendo que isso não foi objeto da decisão recorrida.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide revogar a decisão recorrida na parte em que, pelas razões que nesta foram invocadas, decidiu como não verificado o fundamento previsto na al. b) do art. 696º do CPC, devendo tal decisão ser substituída por outra que admita o recurso de revisão ao abrigo do citado preceito se, por outro motivo, tal recurso não dever ser liminarmente indeferido, seguindo-se a adequada tramitação subsequente.
Quanto à admissibilidade do recurso de revisão com fundamento na al. c) do artº 696º do CPC, nega-se provimento ao recurso, embora com fundamentação diferente da acolhida na decisão recorrida.

Custas pela Recorrida.

Porto, 11.04.2018
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] Código de Processo Civil, anotado, Vol. VI, 355.
[2] Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 2001, 318.
[3] Ac. RL de 05.02.80, CJ, T I, 230.
[4] João Espírito Santo, O documento superveniente, Almedina, Coimbra, 2001, 72.
[5] Cita, em nota de rodapé 88, os Acs. 18-04-75 (BMJ nº 246, p.103) e de 13-01-2006 (CJ, Acórdãos STJ, XIV, T I, p.33).
[6] Corresponde ao art. 700º, nº 2, do atual CPC.