Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
440/10.7GDVFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA PRAZERES SILVA
Descritores: PENA DE MULTA
PRESCRIÇÃO DA PENA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
SUSPENSÃO DA PENA
Nº do Documento: RP20160615440/10.7GDVFR-A.P1
Data do Acordão: 06/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 682, FLS.418-423)
Área Temática: .
Sumário: I – O prazo de prescrição da pena de multa inicia-se com o trânsito em julgado da decisão e não com o termo do prazo legal para pagamento voluntário da multa.
II – O conceito de dilação do pagamento da multa do artº 125º 1 al. d) CP consiste apenas no alargamento do prazo inicial até um ano e no deferimento do pagamento em prestações até ao máximo de 2 anos ( artº 47º3 CP), em que a prescrição está suspensa.
III – A partir do momento em que o arguido deixe de pagar uma das prestações dentro do prazo que lhe foi concedido, cessa a dilação para pagamento da multa e por isso a causa de suspensão, retomando-se a contagem do prazo de prescrição.
IV – E isto porque a falta de pagamento de uma prestação implica ope legis o vencimento imediato de todas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n. º 440/10.7GDVFR-A.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:
No âmbito do processo comum, com intervenção do tribunal singular, do qual foi extraída a certidão que constitui os presentes autos, o arguido B… foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do DL 2/98 de 03-01, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 8,00€, no total de 1.200,00€.
Entretanto, após ter sido concedido o pagamento em prestações da multa sem que fosse efetivado qualquer pagamento, foi fixada prisão subsidiária, que também não foi cumprida, tendo o Ministério Público promovido a declaração de prescrição da pena de multa, o que foi indeferido por despacho judicial de 20-01-2016.
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Inconformado com o aludido despacho interlocutório, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação, que remata com as seguintes
CONCLUSÕES:

1- O presente recurso tem como objecto o despacho proferido pelo Tribunal a quo, que não julgou prescrita a pena de multa determinando que se prossigam as diligências tendentes à execução da prisão subsidiária.
2- O arguido B... foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €8,00 (oito euros), perfazendo o montante global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), tendo a mesma transitado em julgado no dia 20 de Setembro de 2011.
3- Apesar de ter sido concedido o pagamento em prestações da pena de multa pelo Tribunal a quo, o arguido/recorrente não liquidou qualquer uma das prestações daquela pena.
4- O Tribunal a quo, é da opinião que a pena de multa não se encontra prescrita, pois, durante o período em que o condenado/recorrente estava autorizado a pagar a pena de multa em prestações não houve qualquer decisão a determinar o imediato e integral pagamento, pelo que deverá entender-se que durante tal hiato temporal não correu o prazo prescricional.
5- Contudo, ao contrário, da decisão do Tribunal a quo, a jurisprudência maioritária quase unanime, não é desta opinião, pois, conforme muito bem afirma o AC TR de Évora de 5/11/2013 in www.dgsi.pt: “O accionamento do efeito jurídico previsto no nº 5 do art. 47º do CP não tem como pressuposto a emissão pelo Tribunal de qualquer juízo de valor, pelo que pode dizer-se que a sua produção ocorre por simples consequência da lei.”
6- Igualmente o Ac TR Lisboa: 25/09/2013 in www.dgsi.pt “A prescrição da pena de multa suspende-se durante o tempo em que “perdurar a dilação do pagamento da multa”, conforme decorre do disposto no artº 125º, nº 1, al. d), do CPP. II-Assim, o prazo de prescrição da pena de multa suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o prazo de 15 dias para o pagamento voluntário da multa (artº 148º, nº 2, CP), assim como durante o período em que o arguido foi autorizado a pagar a multa em prestações. III- Mas se o arguido faltar ao pagamento de alguma das prestações- visto que a faltar de pagamento de uma das prestações implica o vencimento de todas (artº 47º, nº 5, CP)- a causa de suspensão cessa no último dia do prazo que o arguido tinha para proceder ao pagamento dessa prestação.”
7- Assim sendo, não deve a permanência da suspensão da prescrição prevista na alínea d) do nº 1 do art. 125º do Código Penal ficar dependente do modo mais ou menos expedito como o Tribunal reaja ao incumprimento pelo condenado de qualquer das prestações da multa, idóneo a desencadear o efeito prescrito pelo nº 5 do art. 47º do mesmo Código.
8- A ratio legis, da referida causa de suspensão da prescrição das penas de multa tem como razão de ser o facto de, em caso de ter sido concedido ao condenado prazo para o cumprimento da pena pecuniária ou a sua execução fraccionada, ter deixado de ser exigível o pagamento da multa, fora desse condicionalismo.
9- Assim sendo, assente que, com o não pagamento de qualquer das prestações, a multa passa a ser exigível na sua totalidade, não se justifica, a partir de então, a manutenção da suspensão da prescrição da pena.
10- Pelo que, salvo o devido respeito, está errado o entendimento do Tribunal a quo, o quando afirma “tendo sido inicialmente autorizado o pagamento da pena de multa em dez prestações, cujo prazo para pagamento voluntário findaria em Dezembro de 2013, não tendo o condenado cumprido tal pagamento faseado, vindo a requerer novo prazo, o que lhe foi concedido, sempre teria de se entender que, durante o apontado prazo inicial de dez meses, perdurou, pelo menos, uma dilação do pagamento, nos termos previstos no primeiro segmento do n.º 3 do artigo 47.º do Código Penal, o que inelutavelmente configura igualmente uma causa suspensiva do prazo prescricional.”
11- De facto, embora no despacho que autorizou tal forma de pagamento, se determinasse que este poderia ocorrer durante um período de 10 meses, a verdade é que a dilação apenas perdurou até ao momento em que a primeira prestação se venceu e não foi paga.
12- Considerando, o caso dos autos, em que a falta de pagamento de uma das prestações implica o vencimento de todas (art. 47 nº 5 do Código Penal) mostrando-se certificado que o condenado não procedeu ao pagamento de nenhuma prestação, teremos de concluir que a suspensão do prazo de prescrição apenas se prolongou até ao último dia do prazo para pagamento dessa primeira prestação.
13- Consequentemente, iniciando-se o prazo prescricional em 20 de Setembro de 2011 (data do trânsito em julgado da sentença condenatória) e tendo o mesmo estado suspenso entre 06/02/2013 (do despacho que lhe deferia o pagamento em prestações e em que se indicava quais as datas dos seus pagamentos limite) e 6/03/2013,
14- Mais considerando, segunda notificação do despacho a 30/10/2013 (do despacho de 24/10/2013 que l deferia e renovava o pagamento em prestações ao arguido/recorrente e em que se indicava quais as datas dos seus pagamentos limite), haverá que descontar mais um prazo de um mês, de suspensão da prescrição, pois durante esse período correu a dilação para pagamento.
15- Conforme posição sustentada pela senhora Procuradora Adjunta do Ministério Publico do Tribunal a quo, a qual subscrevemos: “No presente caso, ao não se verificaram quaisquer causas de interrupção da prescrição; apesar de, verificarem-se causas de suspensão, a saber, o prazo para o pagamento voluntário da pena de multa, bem como o período entre a prolação do despacho que concedeu ao arguido a possibilidade de efectuar o pagamento da pena de multa em prestações e o último dia da primeira prestação incumprida, o que ocorreu por duas” – Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 25 de Setembro de 2013, Processo N.º 585/06.8GEOER.L1-3, in www.dgsi.pt
16- Nestes termos, considerando o prazo de prescrição da pena de multa aplicada ao arguido é de quatro anos nos termos do artº 122º nº1 al. d) do CP, tendo-se o prazo de prescrição iniciado em 20 de Setembro de 2011; e suspensão do mesmo entre 06/02/2013 a 06/03/2013 e 20/10/2013 a 30/11/2013, - prazo decorrido entre a autorização do pagamento da multa em prestações e o termo do prazo para o pagamento da 1º prestação não paga - num total de 60 dias, inexistindo causas de interrupção nos termos do artº 126º do CP, temos como adquirido que o prazo de prescrição se esgotou em 20 de Novembro de 2015, pelo que, se deve declarar extinta por prescrição a pena de multa aplicada ao arguido.
17- A prisão subsidiária da pena de multa, a que se refere o artigo 49.º do Código Penal, não configura uma pena de substituição, visando antes conferir consistência e eficácia à pena de multa e, nessa precisa medida, evitar a prisão (Neste sentido Ac. TRP de 09-04-2014 in www.dgsi.pt).
18- Pelo que estando a pena de multa prescrita, não faz sentido conforme consta do despacho ora recorrido, determinar que se prossigam as diligências tendentes à execução da prisão subsidiária, pelo que estas devem ser suspensas enquanto estiver a decorrer o julgamento do presente recurso.
19- A considera-se por mera hipótese académica, que a pena de prisão como substitutiva da pena de multa, a notificação ao recorrente do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária operaria uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada, passa a ser uma pena detentiva.
20- Passando a considera-se detentiva a pena, impõe que a notificação deva ser efetuada através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afeta os seus direitos, liberdades e garantias e que ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da prisão subsidiária deveria ser notificado pessoalmente ao recorrente (neste sentido TRC 09-05-2012 in www.dgsi.pt) disposto no artigo 113.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal., o que no caso concreto não sucedeu, pelo que para todos os efeitos deve considerar-se a sua não conversão.
21- Nestes termos e considerando o preceituado nos artigos 122.º, n.º 2, 125.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código Penal, a pena em apreço mostra-se prescrita devendo ser declarada a prescrição da pena aplicada ao arguido.
22- Ao não ter decidido desta forma, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos: 47º nº 5, 49º, 122 nº 2, 125 nº 1 d) e nº2 todos do Código Penal e artigo nº 113 nº 1 alínea a) do Código Processo Penal
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser declarada prescrita a pena de multa a que o recorrente foi condenado, e em consequência, revogar o despacho do Tribunal a quo, que não considerou tal prescrição e determinou que prosseguissem as diligências tendentes à execução da prisão subsidiária.
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O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu pugnando pelo provimento do recurso.
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Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, aderindo à resposta.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
A. Despacho recorrido de 20-01-2016:
«Da prescrição da pena:
Por sentença proferida a 13 de Julho de 2011 foi o arguido B… condenado na pena 150 dias de multa, à taxa diária de € 8.
De tal decisão foi o arguido regularmente notificado no dia da sua leitura (cfr. folhas 131), tendo a mesma transitado pacificamente em julgado no dia 20 de Setembro de 2011.
Por despacho proferido no dia 29 de Janeiro de 2013 foi autorizado o pagamento fraccionado da pena em dez prestações mensais.
Não tendo liquidado qualquer uma daquelas prestações, no dia 16 de Julho de 2013, o condenado veio renovar o mesmo pedido de pagamento fraccionado, aduzindo não ter tido condições económico-financeiras para cumprir o deferido pagamento faseado, mercê a sua situação de desemprego (cfr. folhas 159).
Perante a concordância do Ministério Público, foi tal pedido deferido, concedendo-se novamente ao condenado a possibilidade de pagar a pena de multa em dez prestações mensais, por despacho de 24 de Outubro de 2013.
Compulsados os autos, constata-se que o arguido não liquidou qualquer uma das prestações daquela pena. Preceitua o artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal que as penas de multa e as penas de prisão inferiores a 2 anos prescrevem no prazo de 4 (quatro) anos.
O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (cfr. artigo 122.º, n.º 2, do Código Penal).
Considerado o acima exposto, pugna a Insigne Procuradora-adjunta pela prescrição da pena de multa, aduzindo que, não tendo o condenado liquidado qualquer uma das prestações do pagamento fraccionado, não se pode considerar suspenso o prazo prescricional decorrente do autorizado pagamento a prestações mas apenas durante o primeiro mês, durante o qual teria decorrido o prazo para pagamento voluntário daquela prestação, não se computando o demais prazo do pagamento fraccionado não cumprido.
Todavia, ainda que se conheça jurisprudência em sentido oposto, a qual, de resto é citada pelo Ministério Público, não podemos concordar com tal posição.
Na verdade, aceitando-se tal interpretação nos casos em que existe decisão a declarar o vencimento das prestações não pagas por incumprimento e a notificação ao condenado para proceder ao pagamento integral da pena (já que a partir desse momento deixa, efectivamente, de perdurar a dilação do pagamento da multa), no caso concreto, durante o período em que o condenado estava autorizado a pagar a pena de multa em prestações não houve qualquer decisão a determinar o imediato e integral pagamento, pelo que deverá entender-se que durante tal hiato temporal não correu o prazo prescricional.
Efectivamente, ainda que não se entendesse como o por nós propugnado, que a suspensão ocorre durante todo o período do pagamento prestacional autorizado (até porque, no decurso desse mesmo hiato temporal, enquanto não forem declaradas vencidas todas as prestações, pode o condenado proceder ao pagamento de qualquer uma delas, nomeadamente das prestações que se forem vencendo após as prestações não inicialmente liquidadas), sempre resultaria a aludida suspensão do prazo prescricional do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal, já que enquanto não forem as prestações declaradas vencidas e omitido o pagamento da quantia global, não pode legalmente a execução coerciva iniciar-se, nem pode existir qualquer decisão de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária para subsequente execução (o que apenas acontece, repita-se, findo o prazo do pagamento fraccionado da pena de multa ou declarado o vencimento de todas as prestações).
Ademais, sempre se diga que, no caso concreto, tendo sido inicialmente autorizado o pagamento da pena de multa em dez prestações, cujo prazo para pagamento voluntário findaria em Dezembro de 2013, não tendo o condenado cumprido tal pagamento faseado, vindo a requerer novo prazo, o que lhe foi concedido, sempre teria de se entender que, durante o apontado prazo inicial de dez meses, perdurou, pelo menos, uma dilação do pagamento, nos termos previstos no primeiro segmento do n.º 3 do artigo 47.º do Código Penal, o que inelutavelmente configura igualmente uma causa suspensiva do prazo prescricional.
Pelo exposto, entendo que ainda não foi alcançado o prazo prescricional máximo da pena de multa, determinando que se prossigam as diligências tendentes à execução da prisão subsidiária.
Notifique.»

B. Elementos relevantes para a apreciação do recurso:
a) O arguido foi condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 8,00€, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do DL 2/98 de 03-01.
b) A sentença condenatória transitou em julgado em 20-09-2011.
c) O arguido foi notificado para proceder ao pagamento da multa por carta remetida no dia 19-11-2012, com indicação do prazo de pagamento com início no dia 19-11-2012 e termo no dia 07-12-2012.
d) No dia 15-01-2013 o arguido apresentou requerimento no qual solicitava o pagamento em prestações da «coima».
e) Por despacho judicial de 29-01-2013 foi autorizado o pagamento da multa em dez prestações mensais. Desse despacho foi o arguido notificado, por carta remetida em 06-02-2013, com envio das guias para pagamento, sendo a primeira pagável até 08-03-2013 e última até 09-12-2013.
f) No dia 16-07-2013 o arguido apresentou requerimento no qual solicitava, de novo, o pagamento em prestações da multa, invocando ter estado impossibilitado de pagar, por se encontrar desempregado.
g) Por despacho judicial de 24-10-2013 foi determinada a emissão e envio de novas guias para pagamento da multa em dez prestações. Desse despacho foi o arguido notificado, por carta remetida em 30-10-2013, com envio das guias para pagamento, sendo a primeira pagável até 14-11-2013 e a última até 14-08-2014.
h) Por despacho judicial de 04-03-2014 foi declarado o vencimento de todas as prestações, por incumprimento, e determinada a notificação do arguido para, no prazo de dez dias, esclarecer os motivos do não pagamento, com a advertência da execução ou conversão em prisão subsidiária. Desse despacho foi o arguido notificado, por carta remetida em 20-06-2014, depois de tentada a notificação por contacto pessoal, que não foi conseguida.
i) Por despacho judicial de 13-05-2015, após diligências no sentido de pesquisar sobre a existência de bens penhoráveis, foi determinada a conversão da multa em 100 dias de prisão subsidiária. Desse despacho foi o arguido notificado, por carta remetida em 14-05-2015 e depositada em 18-05-2015.
j) No dia 01-07-2015 o arguido apresentou requerimento no qual solicitava a emissão de nova guia para pagamento da totalidade da multa ou duas frações.
k) Por despacho judicial de 09-06-2015 foi determinada a emissão de nova guia para pagamento da totalidade da multa, com a advertência da emissão de mandados de condução ao estabelecimento prisional, em caso de não pagamento. Desse despacho foi o arguido notificado, por carta remetida em 11-06-2015 e recebida pessoalmente pelo arguido, conforme aviso de receção entrado em juízo em 24-06-2015.
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C. Apreciação do recurso:
Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
No presente caso, o recurso versa sobre a questão de saber se está prescrita a pena de multa imposta ao arguido.
Como resulta da lei, sendo pacífico entre todos os sujeitos processuais, o prazo de prescrição da pena de multa é de 4 anos, contados desde o trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), e n.º2, do Código Penal.
Também não é questionada nos autos a inexistência de causas de interrupção da prescrição, posto que jamais se iniciou a execução da pena e também não houve declaração de contumácia (cf. artigo 126.º, n.º 1, do Código Penal).
A divergência surge quanto ao período temporal a contabilizar como dilação para o pagamento da multa, para efeito de integrar na causa de suspensão da prescrição da pena prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 125.º, do Código Penal.
Na decisão recorrida considerou-se que o prazo prescricional se suspendeu durante todo o período de tempo em que foi autorizado o pagamento em prestações, ou seja, durante a totalidade dos dois períodos em que foi deferido o pagamento em dez prestações mensais.
Além disso, declarou-se no mesmo despacho que até ser determinado o vencimento das prestações e ordenado o pagamento integral da multa, ocorreu outra causa de suspensão, prevista no artigo 125.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por virtude da impossibilidade de se iniciar a execução coerciva da multa ou a conversão em prisão subsidiária.
Finalmente afirmou-se que sempre seria de considerar o prazo inicial de dez meses, correspondente às primeiras dez prestações, como uma dilação do pagamento da multa nos termos do artigo 47.º, n.º 3, primeiro segmento, do Código Penal, configurando causa suspensiva do prazo prescricional.
Contra tal entendimento se insurge o recorrente, sendo, no essencial, acompanhado pelo Ministério Público, ao defender que apenas opera a suspensão da prescrição durante o prazo em que seria possível o pagamento voluntário da primeira prestação, porque o vencimento das restantes decorre do não pagamento da primeira, por força do disposto no artigo 47.º, n.º 5, do Código Penal, não sendo necessária decisão a determinar tal vencimento. Já quanto ao termo inicial da suspensão da prescrição, defende o recorrente que a suspensão se inicia com a notificação do despacho que autoriza o pagamento da multa, enquanto o Ministério Público defende que suspensão se inicia com a prolação desse despacho judicial. Depois, contrariamente ao recorrente, o Ministério Público defende que deve também ser descontado como período de suspensão da prescrição o prazo inicial do pagamento voluntário.
Vejamos.
De harmonia com o disposto no artigo 125.º, n.º 1, alínea d), e n.º2, do Código Penal, a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que perdurar a dilação do pagamento da multa e volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.
Quanto ao prazo do pagamento da multa rege o artigo 489.º, n.º2, do Código Processo Penal, onde se estabelece que a multa deve ser paga no prazo de 15 dias, subsequentes à notificação para esse efeito.
Por decisão judicial pode ser concedida uma prorrogação no pagamento até ao limite de um ano e bem assim pode o tribunal consentir no pagamento em prestações desde que a última não atinja 2 anos após a data do trânsito em julgado, ao abrigo do preceituado no artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal[1].
Ora, a dilação do pagamento a que se reporta o artigo 125.º, n.º 1, alínea d), do Código Processo Penal, consiste no alargamento do prazo inicial até 1 ano e no deferimento do pagamento em prestações até ao máximo indicado, isto é, até 2 anos depois do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Não cabe, a nosso ver, no conceito de dilação do pagamento da multa, o prazo inicial previsto na lei para o pagamento voluntário da multa, isto é, o prazo indicado no artigo 489.º, n.º 1 do Código Penal[2], posto que não existe qualquer prorrogação, mas antes se trata do prazo normal fixado na lei para o pagamento da multa. Ademais não pode olvidar-se que o prazo da prescrição, como se disse, se inicia com o trânsito em julgado da decisão e não com o termo do prazo legal para pagamento voluntário da multa. Portanto, neste particular aspeto não se reconhece razão ao Ministério Público, mas antes se considera que é correta a interpretação das normas legais efetuada pelo recorrente.
Depois, a dilação determinada pela autorização do pagamento em prestações não corresponde ao período temporal que intercede desde a prolação do respetivo despacho até ao termo fixado para pagamento das prestações, conforme se entendeu no despacho recorrido.
Na verdade, o não pagamento de uma prestação implica o vencimento automático das restantes, ou seja, são imediatamente devidas todas as subsequentes prestações quando é omitido o pagamento de uma. Trata-se de um vencimento determinado ope legis, isto é, não está dependente de despacho judicial que o declare, posto que não exige qualquer ponderação das circunstâncias do não pagamento, mas antes decorre da lei, nos termos do artigo 47.º, n.º 5, do Código Penal.
Assim, a partir do momento em que o arguido deixe de pagar uma das prestações dentro do prazo que lhe foi concedido, cessa a dilação para pagamento da multa e, por isso, a causa de suspensão, retomando-se a contagem do prazo de prescrição[3].
Donde resulta que, no caso concreto, em face da omissão do pagamento da primeira prestação fixada,em cada uma das vezes em que foi autorizado o pagamento fracionado da multa, logo se venceram as restantes, terminando imediatamente a dilação do pagamento.
Neste seguimento, também não se acolhe o entendimento expresso no despacho recorrido quanto à perduração da dilação do pagamento da multa durante o prazo de dez meses, correspondente às dez prestações fixadas na primeira decisão que deferiu o requerimento do arguido, contabilizado como dilação do pagamento nos termos do artigo 47.º, n.º 3, primeira parte, do Código Penal, uma vez que não pode confundir-se o deferimento do pagamento fracionado em prestações com a concessão de um prazo para pagamento integral da multa até ao limite de um ano, sendo certo que, no presente caso, foi concedido nos autos o pagamento fracionado e não o pagamento dilatado da multa.
Igualmente não se acompanha a decisão recorrida quanto à invocação da causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 125.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, porquanto a inexistência de despacho a declarar o vencimento das prestações, na data em que o mesmo se operou por força da lei, não constitui impedimento legal à execução da pena de multa.
Assim, no caso concreto, o prazo prescricional da pena de multa iniciou-se no dia 20-09-2011, suspendeu-se entre 29-01-2013 e 08-03-2013, igualmente se suspendeu entre 24-10-2013 e 14-11-2013, pelo que se completou em 20-11-2015. Consequentemente não devem ser prosseguidas as diligências para execução da prisão subsidiária, posto que a mesma representa apenas uma última forma de execução da pena pecuniária. Donde resulta a procedência do recurso.
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III. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogam o despacho recorrido e declaram extinta, por prescrição, a pena de multa imposta nestes autos ao arguido.
Sem custas.
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Porto, 15-06-2016
Maria dos Prazeres Silva
Borges Martins
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[1] Na verdade, consta do normativo em causa: «3 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação
[2] Vd. no mesmo sentido o Acórdão da Relação de Évora de 15-10-2013, proc. 1715/03.7PBFAR.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Para além do acórdão da Relação de Lisboa de 25/9/2013, proc. 585/06.8GEOER.L1, citado no recurso; vd. no mesmo sentido acórdão da Relação do Porto de 30-04-2014, proc. 143/06.7GAPRD-A.P1, acórdão Relação de Coimbra de 07-10-2015, proc. 519/08.5TAFIG.C1; acórdão da Relação de Évora de 06-10-2015, proc. 105/08.0GTABF.E1, disponíveis em www.dgsi.pt.