Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1836/10.0TBPFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ACIDENTE EM AUTO-ESTRADA
ATRAVESSAMENTO DE ANIMAL
RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA
Nº do Documento: RP201503161836/10.0TBPFR.P1
Data do Acordão: 03/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em caso de acidente causado por cães (ou outros animais) que se introduzam numa auto-estrada, presume-se o incumprimento da concessionária.
II - O art. 12º, nº 1, da Lei nº 24/2007, de 18.7, impõe à concessionária da auto-estrada o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança que sobre si impendem, relativamente à ocorrência de alguma das situações nele previstas.
III - Para cumprir esse ónus não basta à concessionária fazer a prova de que foi diligente no cumprimento genérico dos seus deveres, devendo provar qual foi o evento, concreto, que não lhe deixou realizar o cumprimento.
IV - Em caso, de acidente causado pelo atravessamento de animais, a concessionária só afastará aquela presunção se demonstrar que a presença do animal na via, se deve a causa que não lhe é imputável, ou é atribuível a outrem.
V – Ainda que não se apure como entrou o animal na auto-estrada a concessionária não é exonerada e é responsável pelo ressarcimento dos danos causados pelo acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.Nº 1836/10.0TBPFR.P1
Recorrente: B…, SA
Recorrida: C… e D…, SA

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
O A., C…, residente na … da Rua …, n.º .., …, Lousada, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra D…, SA. – Sucursal de Portugal, com sede na …, … – .ª, Lisboa, pedindo a procedência daquela e que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 23.524,90, acrescida de juros que se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que teve um acidente de viação no dia 03.05.2010, quando conduzia o veículo matrícula ..-DH-.. sua propriedade, na estrada A42 ao Km 10.420, na freguesia …, Paços de Ferreira, que é concessão da segurada da R., devido a animais canídeos que apareceram e que ele não teve hipótese de evitar o embate, tendo sofrido danos no veículo e pela paralisação do mesmo e danos face a um contrato-promessa que havia celebrado (que posteriormente sofreu redução do pedido), que pretende ver ressarcidos.
Mais, alega ser a R. responsável pelos mesmos, dado o acidente dever-se a culpa da sua segurada, por violação dos seus deveres contratuais como concessionária.

Citada, a R. contestou, nos termos que constam a fls. 45 e ss., alegando, em síntese, não ser responsável pelo acidente e requereu a intervenção principal da segurada, invocando o direito de regresso contra a mesma quanto ao valor da franquia.
Conclui que deve a acção ser julgada improcedente e deve ser deferida a intervenção principal provocada da E…, SA.

Após, nos termos que constam a fls. 96 e ss. foi proferido despacho que admitiu a requerida intervenção principal provocada e ordenou a citação da chamada.

Posteriormente, nos termos que constam a fls. 104 e ss. a R. invocando ter incorrido em lapso por indução do A., veio requer que fosse dado sem efeito o chamamento já deferido e ordenado o chamamento da concessionária detentora da concessão do troço onde ocorreu o acidente, B…, SA.

Citada, contestou a E…, SA, nos termos que constam a fls. 142 e ss., arguiu a sua ilegitimidade, alegando, em síntese, que o local onde ocorreu o acidente dos autos não pertence à concessão que lhe foi atribuída pelo Estado Português e, em coerência, impugna o alegado pelo autor, negando ser responsável pelo acidente.
Conclui que deve ser julgada parte ilegítima e, como tal, absolvida da instância e, se assim não se entender, deve a acção ser julgada improcedente, requerendo a sua absolvição do pedido.

A fls. 151 foi proferido despacho que admitiu o chamamento B…, SA, a qual citada veio contestar nos termos que constam a fls. 160 e ss., suscitando como ponto prévio a deficiência da p.i., justificando que o Tribunal convide o A. a apresentar nova p.i. aperfeiçoada. Por desconhecimento impugna no essencial a alegação do autor e alega a existência de boas condições de segurança e conservação das vedações da A42.
Conclui que deve o Tribunal, ao abrigo do preceituado no artigo 508º do CPC, convidar o A. a apresentar nova p.i. aperfeiçoada e a concretizar em factos a matéria conclusiva que consta da p.i. e deve a acção ser julgada improcedente absolvendo-se a mesma do pedido.

Nos termos que constam a fls. 181 e ss., respondeu o A. à contestação apresentada pela Interveniente B…, mantendo, em síntese, o alegado na petição inicial e refutando qualquer falha ou insuficiência da mesma.

A fls. 192 e ss. foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a alegada excepção de ineptidão da petição inicial e procedente a invocada ilegitimidade da chamada E…, fixou-se o valor da acção em € 23.524,90, fixaram-se os factos assentes e a base instrutória, da qual reclamou a interveniente, B…, nos termos que constam a fls. 233, reclamação indeferida, cfr. consta a fls. 242.
Instruídos os autos, prosseguiram os autos para julgamento, tendo no decurso deste o A. reduzido o pedido para a quantia € 20.000,00 nos termos que constam a fls. 435, o que foi deferido através do despacho de fls.465.
No final da audiência, conclusos os autos para o efeito foi proferida sentença em 04.07.2014, que terminou com a seguinte:
– DECISÃO
Pelo exposto, de harmonia com as disposições legais citadas, julgo a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decido condenar a R. e a chamada a pagarem ao A.:
1. a título de danos patrimoniais, a quantia global de € 4.077,70 (quatro mil e setenta e sete euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
2. a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 200,00 (duzentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença, até efectivo e integral pagamento;
3. repartir a responsabilidade da chamada e da R. quanto à quantia global, sendo € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a suportar pela chamada B… e € 1.777,70 (mil setecentos e setenta e sete euros e setenta cêntimos) a suportar pela R.;
4. no mais, absolvem-se a Ré e a chamada do restante pedido formulado pelo A..
*
Custas pelo Autor, pela Ré e pela chamada, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do CPC)”.

Inconformada a chamada, B…, nos termos que constam a fls. 587 e ss. veio requerer a reforma da sentença e a fls. 593 interpor o presente recurso.
Juntou alegações a fls. 595 e ss. que terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
I. A sentença do Tribunal a quo está pendente de reforma requerida pela interveniente por uma questão de clarificação (e de cautela também) quanto – e independentemente de outras razões de discordância – à parte dispositiva da sentença, designadamente quanto à chamada “repartição de responsabilidade” que, na n/ óptica, não colhe;
II. Na verdade, a dever ser condenada – e entendemos que não, pelo dito – a interveniente (e a sua posição processual é estranha, considerando o seguro contratado com a R.), o que devia ter acontecido era uma condenação exclusiva da interveniente no valor da franquia (€ 2.500,00) e solidária com a R. na parte que supera essa franquia;
Isto posto,
III. Entende a interveniente/apelante, que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida pelas partes, incorrendo em erro de apreciação da prova no que se refere aos números 18 e 19 (isto na numeração da sentença) da matéria de facto provada;
IV. Com efeito, do confronto dos depoimentos de F…, por um lado, e de G… e de H…, por outro, conclui-se que todos percorreram o mesmo local e que as conclusões a que chegaram sobre o estado da vedação foram diametralmente opostas e nitidamente incompatíveis entre si, sendo que a sentença apenas valorizou, sem o explicar devidamente (até considerando que ocorre uma vistoria posterior às vedações por parte dos serviços da interveniente), o depoimento de F…;
V. Além disso, deu (mal) crédito a fotografias que não são da data do acidente, que não foram colhidas na presença deste F…, que não é possível de identificá-las (por falta de referência) com o local ou sequer com a A42, fotografias essas a que o A., por intermédio do seu então Ilustre Mandatário, só fez menção pela primeira vez numa comunicação de 16 de Julho de 2010, mais de 2 meses depois do sucedido (depois – curiosamente – de duas comunicações em que nada disse relativamente à sua existência, o que, manifestamente, contraria as regras da experiência comum);
VI. Por isso, e na linha da reclamação da base instrutória apresentada pela interveniente que o Tribunal indeferiu e que é agora o momento de recorrer de mais essa decisão, tais itens dos factos provados deviam ter recebido resposta negativa e, em contrapartida, devia ter sido dado como provado, ao menos de harmonia com o disposto no artigo 5º nº 2 do C. P. C., o seguinte:
- “As vedações da A42, à data aludida em 3., e numa extensão de cerca de 2 quilómetros, sendo 1 quilómetro no sentido do acidente (Paços – Lousada) e outro quilómetro no sentido contrário, com início a 500 metros antes do local do sinistro e fim a 500 metros depois desse local, encontravam-se em bom estado de segurança e conservação, ou seja, sem buracos, aberturas, rupturas, anomalias ou deficiências de qualquer espécie”;
Segue-se que,
VII. À data dos factos (acidente) estava em vigor a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (LN), Lei esta que, no nosso entender, veio de uma vez por todas clarificar que os acidentes ocorridos em AE devem ser analisados e enquadrados (como já sucedia – ou, pelo menos, devia correctamente suceder - antes dela) no âmbito da responsabilidade extracontratual (aqui bem a sentença) – é, de resto, essa a conclusão que se pode/deve tirar do disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 189/2002, de 28 de Agosto;
VIII. Ora, é verdade que com o advento da referida Lei se procedeu a uma inversão do ónus da prova que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual;
IX. Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da LN (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela Lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa LN se tenha estabelecido uma presunção de culpa (ou de incumprimento) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil.;
X. Efectivamente, e quanto às ditas presunções de culpa e/ou de incumprimento, nem tal decorre da LN, nem tal resulta do Decreto-Lei nº 189/2002, de 28 de Agosto, concluindo-se tão-só que com o advento da LN citada passou a impender um ónus de prova sobre as concessionárias de AE (e nada mais que isso). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1);
Ora,
XI. A formulação do artigo 12º nº 1 da citada Lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a apelante, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança (que – se bem vemos - ninguém definiu ou preencheu até hoje, mas que serão necessariamente diferentes consoante o tipo de sinistro em análise);
XII. Ora, no caso dos autos é nítido e indiscutível que a apelante satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação, tendo ainda em consideração que esta AE tinha à data (e tem hoje) nós abertos (ou não fechados), um deles situado a apenas 400 metros do local do sinistro;
XIII. Efectivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações se encontravam intactas e sem rupturas nas imediações do local do acidente (assim decorre também da conclusão II do ac. da RC de 13.11.2012) – e a verdade – insiste-se - é que essa prova foi feita pela interveniente/apelante;
XIV. A não ser assim – i.e., a situarmo-nos num plano em que, parece-nos, se coloca a douta sentença em matéria de exigência probatória (aquele de se ter de provar por onde o animal entrou na AE, o tal “evento concreto” a que se alude na sentença) -, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objectiva, na prova impossível para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na LN (veja-se a este propósito o que se escreveu – sem concordar, no entanto, com o enquadramento jurídico ou com a presunção de culpa – no ponto III do sumário do ac. da RC de 10.01.2006);
XV. Mais: é visível que o raciocínio seguido pela douta sentença é, salvo o devido respeito, puramente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem – como um nó não fechado a apenas 400 metros do local do acidente -, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque as vedações apresentavam deficiências);
XVI. Mas passa também pela demonstração – e a interveniente claramente fê-lo – que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno) da sua missão de vigilância e patrulhamento;
XVII. De modo que, e não podendo a interveniente/apelante (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico que as obrigações a seu cargo são obrigações de meios e não obrigações de resultado (ou seja, de garantir aos utentes que não vão ter acidentes durante a sua circulação em AE);
XVIII. De resto, não sendo possível à apelante (como a qualquer outra concessionária, aliás, mormente em AE`s, como esta, que têm nós abertos) evitar em absoluto que os animais ingressem na AE e, face ao que ficou provado, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta, muito mais que indiciariamente, de resto, demonstrou que cumpriu (e não apenas “genericamente”) com todas as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança;
XIX. Assim, no entendimento da apelante, a douta sentença violou, salvo o devido respeito, o artigo 12º nº 1 alínea b) da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei nº 189/2002, de 28 de Agosto, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.
Termos em que se deve dar total provimento ao presente recurso e respectivas conclusões, revogando-se a douta decisão de que se recorre, substituindo-se por uma outra que julgue totalmente improcedente a presente acção com base nos argumentos expendidos nesta peça processual, bem como absolva a apelante do pedido, tudo com as necessárias consequências legais e como é de inteira JUSTIÇA.

Conforme consta a fls. 635 foi proferido despacho que apreciou o pedido de reforma da sentença e indeferiu-o, por considerar não haver qualquer lapso quanto à repartição da responsabilidade que foi operada na mesma e vertida no seu dispositivo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir

Ter-se-á em conta que o teor das conclusões define o âmbito do conhecimento deste tribunal “ad quem”, e que importa conhecer de questões e não de razões ou fundamentos.
Assim as questões a decidir e apreciar consistem em saber:
- saber se deve ser alterada a matéria de facto impugnada;
- se deve ser revogada a sentença, a acção julgada totalmente improcedente e a apelante absolvida do pedido, por ter cumprido todas as suas obrigações, concretamente, as de segurança, como defende.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
- FACTOS PROVADOS
1. A Ré é a seguradora para a qual a B…, S.A. tinha transferido, à data de 03/05/2010, mediante contrato de seguro a que respeita a apólice n.º ………., a sua responsabilidade civil por danos causados aos utilizadores das auto-estradas de que esta é concessionária, até ao valor limite de trinta milhões de euros e com uma franquia de 10% do valor do sinistro e com um mínimo de € 2.500,00 e um máximo de € 25.000,00, conforme documento junto de fls. 123 a 139, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Em 03/05/2010 o A. era o condutor do Mercedes Benz …, com a matrícula ..-DH-.., de sua pertença.
3. No dia 03/05/2010, pelas 00h45, na A42 ao Km 10.420, na freguesia …, Paços de ferreira, ocorreu um embate entre o veículo DH conduzido pelo A. e animais de raça canina.
4. Nessa circunstância de tempo e lugar, o autor tripulava o referido veículo no sentido Paços-Lousada a uma velocidade não superior a 90 Km/h, na metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.
5. Na data do acidente, no local era permitido circular veículos como o conduzido pelo autor, até uma velocidade máxima de 120 Km/h.
6. A via onde circulava o autor tinha largura para se efectuarem ultrapassagens.
7. O seu piso era um tapete em alcatrão.
8. As faixas de rodagem encontravam-se delimitadas, no seu meio, por um separador longitudinal contínuo.
9. E os seus limites laterais, junto aos bordos, eram delimitados por separadores em metal e mais acima por vedações em arame e madeira.
10. O local configura-se como uma recta.
11. Na ocasião do acidente o tempo estava seco.
12. O veículo do A. seguia na sua faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha, seguindo na sua frente outro veículo ligeiro de passageiros.
13. Ao aproximar-se do local onde se deu o embate, o autor decidiu efectuar a ultrapassagem do veículo que seguia na sua frente e tomou temporariamente a parte esquerda da faixa de rodagem atento o sentido em que seguia, tendo imprimido um aumento da velocidade ao mesmo.
14. Quando o veículo conduzido pelo autor estava a efectuar a ultrapassagem, surgiram cães provenientes do lado direito, que invadiram a faixa de rodagem onde estava a circular o autor, tendo ocorrido a colisão do DH com os animais, com a parte da frente do lado esquerdo do veículo.
15. A GNR do Porto deslocou-se ao local do embate.
16. Como consequência desse choque dois animais faleceram e o veículo do A. sofreu amolgadela na sua frente lado esquerdo, ficando incapaz de circular pelos seus meios, pelo que teve de ser rebocado para a oficina.
17. O A. despendeu a quantia de € 4.077,70 na reparação dos referidos danos do seu veículo.
18. A vedação na A42, que se destinava a evitar a intrusão de animais, junto ao solo permitia que qualquer animal como os referidos cães por lá passasse.
19. Na A42 existe um canal de esgoto de águas pluviais, que passa por baixo da vedação, que pode permitir a passagem de animais (resposta restritiva aos factos 23º e 24º da BI).
20. O autor é empresário na área da restauração e utiliza o veículo para as deslocações que tem de fazer no âmbito da sua profissão. 21. O veículo esteve imobilizado na oficina durante 60 dias.
22. A menos de 400 metros do local do embate existia o Nó de Paços de Ferreira Este, sem barreiras físicas de portagem.
23. No dia do acidente os colaboradores da B… efectuaram patrulhamentos a toda a extensão da concessão, passaram no local do sinistro e não detectaram qualquer animal.
24. Tais patrulhamentos são efectuados pelos funcionários da B…, em regime de turnos, durante as 24Horas de cada dia do ano.
25. A Brigada de Trânsito da GNR não detectou nesse dia a presença de qualquer animal nas imediações do local do acidente.
26. Antes do acidente a B… não tinha conhecimento da presença de qualquer animal na via nas proximidades do local do acidente.
- No mais, quanto à matéria de facto não provada, o Tribunal “a quo” pronunciou-se nos termos seguintes:
Toda a restante matéria foi dada como não provada, aqui se dando por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, não se provando, designadamente, os factos da base instrutória sob os n.ºs 16º e 27º e 28º e os alusivos ao contrato-promessa de 29º a 32º, mercê da redução do pedido efectuada e que foi admitida (pelo que em relação a tais factos o Tribunal não tem de se pronunciar), tendo ainda havido uma resposta restritiva aos factos 21º e 22º e 23º e 24º, que foram respondidos em conjunto.

B) O DIREITO
No presente recurso insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida que a condenou enquanto concessionária da auto-estrada onde ocorreu o acidente que causou danos no veículo do autor, por considerar que a R. não conseguiu fazer prova como lhe competia que os animais que originaram o acidente entraram na A42 por outro local que não as vedações que nesta existiam.
A apelante refuta esta conclusão, considerando ter cumprido com as obrigações que a Lei nº 24/2007 de 18 de Julho faz recair sobre as concessionárias, invocando, desde logo, que o Tribunal “a quo” não analisou correctamente a prova produzida pelas partes.
No entanto, cremos, em ambos os aspectos sem razão.
Justificando.
Iniciamos a nossa análise pela requerida reapreciação da matéria de facto, uma vez que se mostram cumpridos os ónus que sobre a recorrente impendem para que tal ocorra, art. 640º do CPC.
Discorda a mesma e requer a reapreciação da matéria de facto dada como provada nos pontos 18 e 19 da decisão recorrida, que têm o seguinte teor:
Ponto 18º A vedação na A42, que se destinava a evitar a intrusão de animais, junto ao solo permitia que qualquer animal como os referidos cães por lá passasse;
Ponto 19º Na A42 existe um canal de esgoto de águas pluviais, que passa por baixo da vedação, que pode permitir a passagem de animais (resposta restritiva aos factos 23º e 24º da BI), concluindo que devem estes factos, que respeitam à vedação existente na A42 e ao facto da mesma permitir a passagem de cães, serem tidos como não provados e deve ser dado como provado, ao menos de harmonia com o disposto no artigo 5º nº 2 do CPC, o facto que descreve na conclusão VI da sua alegação, com o seguinte teor: “As vedações da A42, à data aludida em 3., e numa extensão de cerca de 2 quilómetros, sendo 1 quilómetro no sentido do acidente (Paços – Lousada) e outro quilómetro no sentido contrário, com início a 500 metros antes do local do sinistro e fim a 500 metros depois desse local, encontravam-se em bom estado de segurança e conservação, ou seja, sem buracos, aberturas, rupturas, anomalias ou deficiências de qualquer espécie”.
Fundamenta a sua pretensão nos termos que alega, em síntese, nas conclusões III a VI do recurso, considerando que:
“…o erro de apreciação da prova no que se refere aos números 18 e 19 da matéria de facto dada como provada na sentença, … ocorre do confronto dos depoimentos de F…, por um lado, e de G… e de H…, por outro, nitidamente incompatíveis entre si, sendo que a sentença apenas valorizou, sem o explicar devidamente, o depoimento de F…. Além disso, … deu (mal) crédito a fotografias que não são da data do acidente e, que não é possível de identificá-las (por falta de referência) com o local ou sequer com a A42.”.
A Mª Juíza “a quo” motivou a sua convicção probatória, concretamente, a estes pontos, em síntese, do seguinte modo:
Para dar como provada a matéria supra referida o Tribunal considerou os factos aceites pelas partes, assim considerados em 1º e dado como provado, que já constituía o facto assente sob a alínea A) do despacho saneador (considerando também a apólice de fls. 123 a 139).
No que concerne aos factos 22º a 26º foram relevantes os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas da chamada B…, que confirmaram as características do local e o seu procedimento habitual quanto à manutenção do mesmo.
Relativamente aos restantes factos dados como provados, além da prova documental junta aos autos, designadamente a participação do acidente da GNR de fls. 27; a ficha de reclamação de fls. 28 quanto ao acidente em causa; …; as fotos de fls. 31 e ss., quanto às características do local;…; foram também relevantes os depoimentos credíveis, coerentes e com conhecimento directo sobre a matéria, das testemunhas do A..
Assim, a testemunha F…, militar do exército, depôs de forma credível e coerente, atestando que não assistiu ao acidente em causa, mas que se deslocou posteriormente ao local, verificando as vedações e relatando as ocorrências que visualizou, atestando ser possível passar por aqueles locais pelo menos cães de médio porte (factos 18º e 19º dados como provados), sendo certo que muito embora não se pudesse precisar o local exacto em que verificou as ditas vedações, as mesmas diziam respeito à A42 (confirmando as fotografias juntas aos autos) e não sendo invalidado o seu depoimento pelo facto dos funcionários da chamada terem referido que nada viram no local, tanto mais que apenas vistoriam 500 m para a frente e 500 m para trás do local exacto do acidente, pelo que não fica nunca excluída a possibilidade de entrada dos animais por uma parte da vedação não vistoriada, e que a testemunha F… confirmou não estar nas melhores condições junto ao solo, permitindo a entrada de animais (sem contudo se poder dizer por onde entraram efectivamente os animais, daí as respostas restritivas nesta matéria).
(…).
Quanto à resposta restritiva aos factos 21º, 22º e 23º e 24º da BI, sendo certo que muito embora não se possa dizer com certeza que os animais tenham entrado por uma parte da vedação que não está bem isolada na zona das águas pluviais, o certo é que essas aberturas permitiam a sua passagem, cabendo à chamada provar que a entrada dos animais adveio de outra forma, o que não conseguiu fazer.”.(Sublinhado nosso)
Procedemos à audição da totalidade da prova pessoal produzida em audiência, e, com especial atenção analisámos os depoimentos das testemunhas, F…, amigo do autor, que disse ter-se deslocado ao local do acidente no dia seguinte, G…, oficial de assistência e vigilância na auto-estrada onde ocorreu o sinistro e que na noite foi chamado ao local, através da central de comunicações e H…, encarregado de assistência e conservação na B…, que foi ao local onde ocorreu o acidente no dia seguinte, bem como analisámos criticamente a demais prova produzida nos autos e a fundamentação da decisão recorrida que, contrariamente, ao alegado pela recorrente, consideramos não valorizou, apenas, o depoimento de F…, como evidenciámos, através do sublinhado supra. Pois, verifica-se que, além de toda a prova produzida o Tribunal “a quo” valorizou, também, o depoimento das testemunhas, funcionários da recorrente, apenas, não o fez e se convenceu, do mesmo modo que a recorrente alega se ter convencido.
Também nós, não nos convencemos de modo a formular um juízo diverso da decisão recorrida.
Explicando.
Pois, pese embora, o que disse a testemunha H…, relativamente à verificação que efectuou, no dia seguinte ao acidente, quanto ao estado da vedação, referindo ter percorrido a pé, 500 metros em direcções divergentes relativamente ao local do embate, nos dois sentidos e ter concluído que a vedação estava em condições, não teve este depoimento a virtualidade de convencer, o Tribunal “a quo”, como bem ressalva na fundamentação, quando diz que, pese embora isso, nunca ficaria “excluída a possibilidade de entrada dos animais por uma parte da vedação não vistoriada” e até pela parte da vedação em que por baixo da mesma passa o canal de esgoto de águas pluviais, apesar de não se poder dizer que tenham efectivamente entrado por aí.
É certo que a testemunha, F…, disse passar por lá facilmente um animal, tendo inclusive visto arranhões na terra, o que convenceu o Tribunal “a quo” e nos convenceu a nós, conjugado com a visualização das fotos juntas aos autos. Quanto a estas refira-se que, o facto da testemunha do autor e da ré, G…, ter dito “não saber dizer se as mesmas são do local” e a testemunha, H… dizer “não saber se eram do local do acidente” e “o que vi lá não era isso”, não invalida o que se observa das mesmas, quanto à existência daquele canal de esgoto de águas e o espaço que do fundo do mesmo dista a rede, que as testemunhas não disseram não existir e a observação que nos possibilita fazer, confirma haver espaço suficiente para permitir a entrada de animais, como referiu a primeira testemunha.
Até, porque é do conhecimento geral que um animal, como é o caso dos cães, não necessita que um buraco seja da sua altura, para através dele passar.
E como, também, é evidente, não é relevante que as fotografias, não sejam, eventualmente, do preciso local (km) onde ocorreu o acidente, basta que retratem a A42, (o que o depoimento da testemunha, F…, confirmou e o depoimento das demais não infirmou) sabido que os animais podiam, eventualmente, ter entrado no espaço que separa a vedação da via, bem longe do local onde se deu o acidente, ou até não terem entrado pela mesma.
Por certo tem-se, apenas, que os cães entraram na auto-estrada, por onde entraram, não logrou a recorrente prová-lo.
Pelo exposto, é nossa firme convicção, que o facto que a recorrente refere devia ter sido dado por provado, (independentemente da irrelevância do mesmo quanto à solução jurídica que consideramos ser a correcta para o caso, como a seguir iremos expor) não resultou de modo algum provado, dado não ter sido feita prova convincente quanto ao mesmo e não ser ele susceptível de o ser de harmonia com o disposto no art. 5º, nº 2, do CPC, como diz a recorrente.
Por outro lado, não podemos deixar de refutar as afirmações da recorrente, constantes da conclusão IV, quanto ao modo como classifica de diametralmente opostos e nitidamente incompatíveis entre si os depoimentos das testemunhas F… e de G… e H…, quanto às conclusões a que chegaram sobre o estado da vedação porquanto, em nosso entender, tal não acontece, desde logo, porque não é certo que tenham aquelas observado a mesma área da vedação e, que os estragos na mesma referidos pela testemunha, F…, se situassem, eventualmente, dentro do espaço verificado pelos funcionários da ré.
Não existe, assim, qualquer contradição entre estes depoimentos.
Em suma, feita a audição dos depoimentos das testemunhas indicadas na alegação do recurso e da análise dos documentos juntos aos autos, não vemos razões decisivas para alterar a decisão no sentido apontado pela apelante, sobre aqueles concretos pontos da matéria de facto.
O poder concedido ao Tribunal da Relação de alterar a decisão da 1ª instância acerca da matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão.
Só um erro notório na apreciação das provas, ostensivamente revelado por depoimentos e (ou) documentos mal avaliados, poderá levar o Tribunal da Relação a modificar o juízo formulado pela 1ª instância em relação à matéria de facto dada como provada.
O que, claramente não ocorre, no caso em apreço, pois, as respostas à matéria de facto objecto de impugnação mostram-se consentâneas com a prova produzida, não tendo ocorrido qualquer valorização indevida ou desconsideração das provas produzidas pela decisão recorrida.
Atento o exposto, não nos merece censura a convicção formada pelo Tribunal “a quo”, sendo nossa convicção que os pontos 18 e 19 dados como provados, se mostram correctos face às provas produzidas nos autos, não existindo, assim, qualquer razão para que sejam alterados e dados como não provados aqueles pontos e seja dado por provado o facto pretendido pela recorrente, improcedendo, assim, a sua pretensão a este propósito.
E, consequentemente, não deve, operar-se qualquer modificação, relativamente, à matéria de facto.

Mantendo-se, na íntegra, a matéria de facto dada como provada, há-se ser à luz da mesma que aferiremos da questão de saber se a recorrente deve ser absolvida do pedido, por ter cumprido todas as suas obrigações, concretamente, a nível da segurança, como defende.
Questão que nos leva a debruçar-nos sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil das concessionárias de auto-estradas, por acidentes nelas ocorrido em razão da existência de animais que aí se introduzem, questão que, como bem refere a decisão recorrida, é controversa e tem sido debatida na nossa jurisprudência e na doutrina, há vários anos, sem que a Lei nº 24/2007, de 18/7, tenha conseguido pôr termo às divergências jurídicas que se suscitam quanto à mesma.
Perfilhamos da corrente jurisprudencial, seguida na decisão recorrida, que cremos ser maioritária, de que a eventual responsabilidade da concessionária da auto-estrada, no caso, a B…, por danos sofridos pelos utentes em consequência de acidente de viação, se traduz em responsabilidade extra-contratual, o que a apelante aceita.
Sendo que, a sua discordância quanto à solução jurídica seguida pela sentença recorrida é, expressamente, em relação àquelas que se reportam e assentam na factualidade apurada sobre o cumprimento pela recorrente com as suas obrigações, concretamente com as de segurança, no caso, no que se refere ao estado da vedação de modo a garantir que através dela não se introduzam, nomeadamente, animais que venham a pôr em causa a segurança dos utilizadores da auto-estrada.
Vejamos.
Dispõe a Base XXXVI nº 2 do Dec.Lei nº 294/97 de 24.10 que, “a concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem”.
Este dispositivo assegura um comprometimento da concessionária perante o Estado e só ele, definindo as suas obrigações contratuais de realização dos actos necessários ao prosseguimento dos objectivos no mesmo estabelecidos.
Em caso de qualquer incumprimento de tais obrigações por parte da concessionária, tal eventual falta e, correspondente, sanção estão definidas na Base XLIII.
No entanto, os utilizadores das auto-estradas são terceiros em relação ao contrato de concessão celebrado entre o Estado e a concessionária, conforme resulta da Base XLIX nº 1, que dispõe “são da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão”.
O mesmo resulta quanto à concessionária em causa da Base LXXIII do Dec.Lei nº 189/2002 de 28.8 (respeitante, entre outras, à concessão SCUT Grande Porto) que dispõe: “A Concessionária responde, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da concessão pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito”.
Tecidas estas considerações e não se discutindo que estamos, no domínio da responsabilidade civil extra-contratual, ponto em relação ao qual, não há divergências, quer por parte do tribunal “a quo”, quer por parte da apelante, dispõe a Lei 24/2007 de 18.7 no seu art. 12º, o seguinte:
“1- Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
E, desta Lei, que não se discute se aplica ao caso, resulta claro que a mesma estabeleceu uma inversão do ónus da prova, fazendo recair o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança sobre a concessionária, quando como no caso, se trate de acidente rodoviário em auto-estradas, causado pelo atravessamento de animais, coincidindo, neste aspecto, o entendimento da recorrente com a decisão recorrida.
A divergência surge quando, atenta a factualidade que ficou assente, concretamente, “o atravessamento dos animais canídeos na A42, que originaram o acidente em causa e os danos dados como provados, animais esse que surgiram do lado direito da via de trânsito do DH (facto 14º dado como provado)” e, não obstante não se ter apurado por entraram os animais e existiram vedações, a decisão recorrida concluiu que estas não impediram a entrada daqueles, não conseguindo a R. fazer prova (como lhe competia) de que os animais entraram na A42 por outro local, designadamente pelo nó que se encontrava próximo. Razão porque considerou responsáveis a R. e a chamada, que embora fizesse prova da sua habitual diligência (factos 22º a 26º), não logrou provar que, no caso concreto, o atravessamento dos cães se ficou a dever a outro evento (concreto), que não a sua falta de vigilância e diligência necessárias, naquele caso.
Discorda a recorrente desta decisão, considerando que, “no caso dos autos é nítido e indiscutível que a apelante satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação, tendo ainda em consideração que esta AE tinha à data (e tem hoje) nós abertos (ou não fechados), um deles situado a apenas 400 metros do local do sinistro;”.
Ora, como já deixámos antever, através do que deixámos exposto, não concordamos que seja como considera a apelante.
Desde logo, porque não logrou ela demonstrar que a vedação estivesse em condições de impedir a entrada de animais, depois porque ainda que, eventualmente, tivesse logrado provar que a vedação se encontrava sem rupturas nas imediações do local do acidente e até tendo em consideração que a AE tinha à data nós abertos, um deles a 400 metros do local do acidente, como refere, isso não seria suficiente para se considerar que a mesma cumpriu com o ónus da prova de cumprimento das obrigações que sobre si impendem.
Pois que, perante o que dispõe o nº 1, al. b) do art. 12º, daquela Lei nº 24/2007, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, causado pelo atravessamento de animais, impõe-se à concessionária da auto-estrada o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, cabendo-lhe demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é, de todo, imputável.
Donde, face a esta disposição, tendo um cão ou cães entrado na auto-estrada e causado o acidente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e, para que se considere cumprido esse ónus, não basta provar o cumprimento genérico dos deveres de vigilância e segurança, exige-se que, em concreto, a concessionária demonstre positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que não permitiu esse efectivo cumprimento.
Ou seja, perante o facto assente, que o animal entrou na auto-estrada e causou o acidente, a prova do cumprimento das obrigações de segurança por parte da concessionária, importa que ela demonstre que o animal surgiu na auto-estrada de modo incontrolável para si, ou porque entrou, por nós abertos, não sujeitos à sua vigilância ou de outra forma que não lhe possa ser imputada.
A decisão recorrida considerou e consideramos nós, à luz do que tem entendido abundante jurisprudência, proferida em situações idênticas à dos autos com a presença de cães a atravessarem auto-estradas e causarem acidentes, com os consequentes danos causados aos utentes daquelas, que a prova é positiva.
A concessionária tem de provar que o cão acedeu à via por outro local que não lhe incumbe a si vigiar e manter em segurança.
Por isso, supra nos pronunciámos sobre a irrelevância daquele facto que a apelante considerava que devia ser dado por provado, porque ainda que tal acontecesse, a prova genérica de ter cumprido as suas obrigações de vigilância e de conservação das redes laterais da via, que em seu entender naquele espaço que observou não apresentavam rupturas por onde pudessem entrar os animais, tal não seria suficiente para alterar a decisão recorrida.
Porque, não se discutia que os danos peticionados pelo autor foram devido a acidente ocorrido em auto-estrada que se ficou a dever a cães que nela circulavam, ocupando e cortando a sua faixa de rodagem, facto que a apelante tem a obrigação de garantir que não aconteça, mantendo em condições de circulação, sem riscos sérios para a segurança dos seus utilizadores, as AE a si concessionadas, o que se provou não aconteceu. E, em concreto, a mesma não logrou demonstrar que a entrada dos animais naquele local não lhe é imputável, pelo que, como bem decidiu o Tribunal “a quo” será a ela a quem cabem as responsabilidades no caso.
Como se refere em douto acórdão do STJ de 9.9.2008, acessível in www.dgsi.pt.,”... , a introdução numa auto-estrada, via por essência de trânsito automóvel rápido, de um cão coloca sérios problemas de segurança rodoviária. Por outro lado, o aparecimento daquele animal na via, nega a obrigação de segurança viária que cabe a R. proporcionar aos utentes da via, correspondendo esse surgimento a uma perigosa violação da segurança do tráfego automóvel.”.
E, citando douto acórdão de 22.06.2004 do mesmo Tribunal, continua aquele, “o aparecimento de um cão de elevado porte na faixa de rodagem de uma auto-estrada constitui reconhecido perigo para quem ali circula. Cabe à B... evitar essa (e outras) fonte de perigos, essa anormalidade. Não pode pôr-se a cargo do automobilista a prova da negligência da B... ou da origem do cão porque não foi a prestação dele que falhou nem ele tem a direcção efectiva, o poder de facto sobre a auto-estrada (como um todo, incluindo vedações, ramais de acesso e áreas de repouso e serviço).
Isto significa, no essencial, que não será suficiente (ao devedor, a B...) mostrar que foi diligente ou que não foi diligente: terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento. Essa prova só terá sido produzida quando se conhecer, em concreto, o modo de intromissão do animal. A causa ignorada não exonera o devedor, nem a genérica demonstração de ter agido diligentemente.”.
Citação que subscrevemos, refutando, assim, as considerações tecidas em contrário pela recorrente, nomeadamente, na conclusão XIV da sua alegação, quando refere que “isso seria prova impossível para a concessionária, ou que cairíamos no âmbito da responsabilidade objectiva”, certo que isso resulta da Lei 24/2007, quando impõe à concessionária o ónus de demonstrar que cumpriu, em concreto, as obrigações de segurança e, assim, sempre ela poderá afastar a sua culpa, ainda que, isso se tenha tornado mais difícil, não significa que seja impossível.
E, sempre é mais justo e equilibrado, do que colocar essa prova nos ombros do lesado, a quem sim se tornaria difícil ou impossível de fazer, como também, vem sendo considerado pela jurisprudência que vemos seguindo.
Como se refere naquele Ac. do STJ “Nos acidentes com animais (ou com outros objectos) em auto-estradas quem mais facilmente pode provar a proveniência do animal (ou objectos) é a concessionária. Só ela tem, pode ou deve ter, os meios idóneos à monitorização do tráfego, da circulação viária e da segurança, meios que lhe devem permitir detectar a introdução na via de animais ou de objectos nocivos à circulação automóvel. O utilizador da via depara-se com a óbvia e notória dificuldade natural em recolher meios ou elementos de prova. Não pode, como é notório, permanecer na auto-estrada com vista a determinar a causa da introdução do animal aí, nem sequer tem, normalmente, equipamentos técnicas de recolha de prova.”
Neste mesmo sentido, o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 597/2009, de 18.09, em que foi relator Cura Mariano, refere que “sendo sobre as concessionárias das auto-estradas que recai o dever de evitar a presença de animais naquelas vias de circulação rápida, é lógico que seja sobre elas que também recaia a presunção de culpa, quando esse evento não foi evitado, além de que são elas que se encontram objectivamente em melhores condições para investigar, explicar e provar a concreta proveniência do animal que se atravessou na auto-estrada e causou o acidente.”.
Assim, atento o que deixámos exposto, a Jurisprudência referida e ainda desta Relação, entre outros os doutos acórdãos de 4.7.2013, de 11.1.2011 e 9.12.2014, consideramos que a recorrente não cumpriu o ónus que sobre ela, no caso, impendia, não logrou “estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento”, como se refere no acórdão de 22.6.2004, do STJ.

Em suma, tendo ocorrido um acidente devido a cães que se introduziram numa auto-estrada, presume-se o incumprimento da concessionária. E, esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, ou é atribuível a outrem.
No caso, tal não aconteceu, não se apurou de que modo os cães causadores do acidente, em análise, se introduziram na auto-estrada e, sendo desse modo, perante todo o exposto, não nos merece censura a decisão recorrida, que se confirma.
*
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 16 de Março de 2015
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
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Sumário (art. 663º, nº7 do CPC):
I - Em caso de acidente causado por cães (ou outros animais) que se introduzam numa auto-estrada, presume-se o incumprimento da concessionária.
II - O art. 12º, nº 1, da Lei nº 24/2007, de 18.7, impõe à concessionária da auto-estrada o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança que sobre si impendem, relativamente à ocorrência de alguma das situações nele previstas.
III - Para cumprir esse ónus não basta à concessionária fazer a prova de que foi diligente no cumprimento genérico dos seus deveres, devendo provar qual foi o evento, concreto, que não lhe deixou realizar o cumprimento.
IV - Em caso, de acidente causado pelo atravessamento de animais, a concessionária só afastará aquela presunção se demonstrar que a presença do animal na via, se deve a causa que não lhe é imputável, ou é atribuível a outrem.
V – Ainda que não se apure como entrou o animal na auto-estrada a concessionária não é exonerada e é responsável pelo ressarcimento dos danos causados pelo acidente.

Rita Romeira