Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
137/14.9IDAVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ERMELINDA CARNEIRO
Descritores: DESPACHO DE PRONÚNCIA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL
COMUNICAÇÃO
RECORRIBILIDADE
NULIDADES
Nº do Documento: RP20180207137/14.9IDAVR-A.P1
Data do Acordão: 02/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REJEITADOS OS RECURSOS
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº6/2018, FLS 170-191)
Área Temática: .
Sumário: I - A comunicação efectuada, de alteração não substancial dos factos, ao abrigo do artº 303º 1 CPP, não integra acto decisório, é meramente provisória e transitória, não afectando nenhum direito do arguido a exigir qualquer tutela jurisdicional, sendo irrecorrível.
II - Em caso de alteração substancial de factos na pronúncia, o despacho de pronúncia é irrecorrível, apenas se podendo recorrer do despacho que indeferir a arguição de nulidades decorrente daquela.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 137/14.9IDAVR-A.P1

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
No âmbito dos autos de Instrução supra identificados que correm termos na 3ª Secção de Instrução Criminal - J2 da Instância Central de Santa Maria da Feira, Comarca de Aveiro, os arguidos B... e C... arguiram a irregularidade da alteração não substancial de factos comunicada pela Exmª. Juíza de Instrução em diligência prévia à leitura da decisão instrutória, ou, se assim se não entendesse, fosse julgada não verificada a alteração de factos, por inexistência legal dos seus pressupostos.
Por despacho proferido a fls. 260 a 266 foi indeferida a irregularidade bem como o pedido de não verificação da alteração.
Inconformado, o arguido B... interpôs recurso, quer do despacho que comunicou a alteração não substancial de factos, quer do despacho que indeferiu a arguição da respetiva irregularidade, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões (transcrição):
«1. Da leitura do nº 4 do artº 105º do RGIT resulta que o prazo de pagamento da prestação tributária em falta é elemento do crime de abuso de confiança fiscal, nos termos do disposto no nº 1 desse mesmo artigo, pois que, se assim não fosse não faria sentido ter duas condições de punibilidade sujeitas a prazo também.
2. Assim, a mera enunciação de que os arguidos “não entregaram no prazo estabelecido para os períodos a que respeitam, nem nos noventa dias seguintes ou em momento ulterior” não basta para que se considere preenchido o tipo legal de crime.
3. De facto, para que a conduta dos arguidos seja punível criminalmente, necessário se torna que da acusação resulte, objetivamente, a indicação da concreta data em que a obrigação deveria ser cumprida (neste sentido Susana Aires de Sousa, “Os crimes fiscais”, Coimbra Editora, 2006, pág. 123 e Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, pág. 242).
4. Assim, a falta de alegação do prazo no qual os arguidos deveriam ter entregue a prestação tributária, prescindindo a norma do elemento típico apropriação, constitui a falta de alegação de um elemento típico do crime que deve levar ao arquivamento.
5. O arguido não tem que fazer (ou não deve ter que fazer) cálculos aritméticos para compreender a acusação.
6. A partir do momento em que se deixa de presumir o conhecimento da lei incriminadora, considerando irrelevante para efeitos de punição o seu desconhecimento e passa a exigir a consciência da ilicitude como elemento essencial da culpabilidade é, de todo, imprescindível a indicação da lei aplicável na acusação e no despacho de pronúncia, quando este tenha lugar.
7. A existência desta consciência tem de ser objeto de acusação e prova enquanto pressuposto da punição e como tal faz parte do objeto do processo (Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal III, pág. 370).
8. E a falta das disposições legais aplicáveis na acusação tanto pode levar ao decretamento da nulidade desta, como à sua rejeição por acusação manifestamente infundada (artº 311º do Código de Processo Penal que dispõe que tal ocorre quando aquela não contenha a identificação do arguido, não contenha a narração dos factos, se os factos não constituírem crime e se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam).
9. Acresce que, se deve considerar a norma do artº 105º nº 1 do RGIT é uma norma penal em branco que tem a “particularidade de descrever de forma incompleta os pressupostos da punição de um crime (norma sancionadora), remetendo parte da sua concretização para outras fontes normativas (norma complementar ou integradora ) . cfr. Teresa Beleza e Frederico da Costa Pinto in “O regime legal do erro e as normas penais em branco”, Almedina 2001, pág. 31 e Paulo Marques, in Crime de abuso de confiança fiscal, Coimbra Editora, 2011, pág. 92 e Nuno Lumbrales sura transcritos.
10. Ora, assim sendo, é essencial a descrição na acusação das disposições legais aplicáveis, essencialidade essa que ganha outros e mais importantes contornos quando a norma em causa se refere a “prestação tributária deduzida nos termos da lei”, pelo que ao arguido lhe devem ser dadas a conhecer as disposições legais aplicáveis.
11. Dizer-se, assim, que o prazo de entrega da prestação tributária decorre da lei, cuja ignorância não justifica o seu incumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (artº 6º do Código Civil), como se faz na decisão recorrida, pelo que desnecessária se torna a descrição das disposições legais aplicáveis, é fazer uma interpretação revogatória do disposto no artº 283º nº 3 als. b) e c) do Código de Processo Penal, o que não é permitido ao intérprete.
12. A notificação do arguido para uma alteração dos factos ou da qualificação jurídica tem como pressuposto que tal alteração dos factos ou da qualificação jurídica decorram dos atos de instrução ou do debate instrutório – artº 303º nº 1 e 5 do Código de Processo Penal.
13. De facto, a alteração da qualificação jurídica não pode derivar de prova ou factos pré-existentes na acusação ou que decorram do inquérito, sob pena de se subverter o princípio do acusatório e do exercício da ação penal pelo Ministério Público.
14. Por outro lado, devendo a alteração de factos derivar de prova produzida nos atos de instrução ou no debate instrutório, no despacho em que esta se desenha ou se anuncia, deve constar, do mesmo passo, de que meio de prova se socorreu o Tribunal para aventar tal possibilidade, sob ena de se caucionar um despacho sem fundamentação, o que determina a sua irregularidade, nos termos dos artºs. 97º nº 1 al. b) e 5 e 123º do Código de Processo Penal.
15. Da mera leitura dos despachos recorridos conclui-se que não só tal alteração factual não decorreu do debate instrutório, como, da mesma forma, não decorreu da inquirição de testemunhas.
16. Com efeito, nem no debate instrutório alguém disse qual a data de pagamento das prestações alegadamente em dívida, nem as testemunhas o disseram.
17. Acresce que, justifica-se que a alteração dos factos ou da qualificação jurídica tenha que decorrer da prova produzida nos atos de instrução ou do debate instrutório, porquanto se os factos em causa decorrem já do inquérito, o juiz estaria a substituir o Ministério Público na sua competência de promoção processual.
18. Ora, os factos constantes do despacho que anuncia a alteração da qualificação jurídica, decorreriam eventualmente do inquérito, mas por eles o Ministério Público não quis ou soube acusar.
19. O princípio da acusação não tolera despachos de complementação ou correção da acusação proferidos pelo Juiz e Instrução tendo o MP por destinatário tácito ou explícito porque o objetivo do princípio da legalidade da ação penal não é o de constituir fundamento de uma sindicância oficiosa do âmbito do objeto do processo, afirma Paulo Pinto de Albuquerque, pág. 762.
20. Da mesma forma, não pode o JIC, aperfeiçoar ou corrigir a acusação – nas suas palavras -, por forma a colocar factos ou uma qualificação jurídica que aí não constavam e que decorressem do inquérito.
21. Quer isto dizer que a interpretação que se extraia das disposições dos artºs. 123º nº 1 e 303º nº 1 do Código de Processo Penal no sentido de que o Juiz de Instrução Criminal pode determinar uma alteração da qualificação jurídica, sem que no despacho que a anuncia descreva quais os meios de prova produzidos na qual se baseia e sem que a mesma alteração decorra apenas dos atos de instrução ou do debate instrutório, é inconstitucional por violação do princípio da estrutura acusatória do processo, do princípio do monopólio do exercício da ação penal pelo Ministério Público e da fundamentação das decisões judiciais, com assento nos artºs. 32º nº 5, 205º nº 1 e 219º nº 1 da Constituição.
22. Por outro lado, a instrução é uma fase facultativa do processo e, tendo sido requerida pelos arguidos, desta não pode resultar uma agravação ou um acrescento ao número de infrações ou penas aplicáveis ou dos factos que lhe vêm imputados, porque esse não é o objeto da instrução.
23. Ora, tendo sido requerida a instrução pelos arguidos apenas em seu benefício pode resultar (tal como a interposição de recurso pelo arguido da sentença condenatória e a consequente proibição de reformatio in pejus), pois que não faria qualquer sentido que o legislador, ao prever a alteração dos factos e da qualificação jurídica em sede de instrução, quisesse que, sendo o arguido a requerê-la, este pudesse vir a ser penalizado por o fazer, saindo da fase de instrução por si requerida a responder por crimes mais graves, por outros crimes ou por factos que não constavam da acusação.
24. Do mesmo passo, para que se cumpra o ritualismo constante desta norma, para além do que se disse, do despacho que determina a alteração da qualificação jurídica devem constar quais os meios de prova que levaram a tal alteração dos factos.
25. De facto, não se dizendo em tal despacho em que prova se fundou o Tribunal para ponderar a alteração da qualificação jurídica, o arguido não pode, eventualmente e por exemplo, requerer a reinquirição da testemunha cujo depoimento determinou a alteração ou pronunciar-se sobre o seu depoimento, porque não sabe quem foi.
26. Os despachos recorrido violaram ou fizeram errada aplicação das normas jurídicas constantes da motivação e conclusões que aqui se dão por integralmente reproduzidas, não podendo, pois, os despachos recorridos manterem-se.»
*
Tendo sido, entretanto, proferida decisão instrutória de pronúncia, dela veio o arguido B... interpor recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«1. Da leitura do nº 4 do artº 105º do RGIT resulta que o prazo de pagamento da prestação tributária em falta é elemento do crime de abuso de confiança fiscal, nos termos do disposto no nº1 desse mesmo artigo, pois que, se assim não fosse não faria sentido ter duas condições de punibilidade sujeitas a prazo também.
2. Assim, a mera enunciação de que os arguidos “não entregaram no prazo estabelecido para os períodos a que respeitam, nem nos noventa dias seguintes ou em momento um ulterior” não basta para que se considere preenchido o tipo legal de crime.
3. De facto, para que a conduta dos arguidos seja punível criminalmente, necessário se torna que da acusação resulte, objetivamente, a indicação da concreta data em que a obrigação deveria ser cumprida (neste sentido Susana Aires de Sousa, “Os crimes fiscais”, Coimbra Editora, 2006, pág. 123 e Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, pag. 242).
4. Nem se diga que se trata de questão de nulidade da acusação por falta de narração de factos – 283º nº3 al. b) do Código de Processo Penal -, porquanto, desde logo, tal nulidade é de conhecimento provocado e não foi invocada. O que foi invocado foi a atipicidade dos factos descritos na acusação.
5. Acresce que, não se trata, neste caso, de qualquer alegação conclusiva, a merecer uma alteração não substancial de factos. Na verdade, ainda que assim fosse, como a seguir se dirá, o Juiz de Instrução não podia alterar a acusação no despacho de pronúncia.
6. De facto, a seguir-se a decisão instrutória neste aspecto, na qual se diz que a solução é introduzir alterações não substanciais dos factos no lugar das alegações conclusivas, passaria o Juiz de Instrução a agir como acusador e não como juiz de instrução.
7. É que é ao MP que incumbe deduzir acusação contendo os factos necessários à condenação do arguido e não ao Juiz de Instrução retocar, num toque de cosmética, a acusação como se fosse sua incumbência deduzi-la.
8. Assim, a falta de alegação do prazo no qual os arguidos deveriam ter entregue a prestação tributária, prescindindo a norma do elemento típico apropriação, constitui a falta de alegação de um elemento típico do crime que deve levar ao arquivamento.
9. O arguido não tem que fazer (ou não deve ter que fazer) cálculos aritméticos para compreender a acusação.
10. A partir do momento em que se deixa de presumir o conhecimento da lei incriminadora, considerando irrelevante para efeitos de punição o seu desconhecimento e passa a exigir a consciência da ilicitude como elemento essencial da culpabilidade é, de todo, imprescindível a indicação da lei aplicável na acusação e no despacho de pronúncia, quando este tenha lugar.
11. A existência desta consciência tem de ser objeto de acusação e prova enquanto pressuposto da punição e como tal faz parte do objeto do processo (Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal III, pág. 370).
12. E a falta das disposições legais aplicáveis na acusação tanto pode levar ao decretamento da nulidade desta, como à sua rejeição por acusação manifestamente infundada (artº 311º n.º3 do Código de Processo Penal que dispõe que tal ocorre quando aquela não contenha a identificação do arguido, não contenha a narração dos factos, se os factos não constituírem crime e se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam).
13. Acresce que, se deve considerar a norma do artº 105º nº1 do RGIT é uma norma penal em branco que têm a “particularidade de descrever de forma incompleta os pressupostos da punição de um crime (norma sancionadora), remetendo parte da sua concretização para outras fontes normativas (norma complementar ou integradora) – cfr. Teresa Beleza e Frederico da Costa Pinto, in “O regime legal do erro e as normas penais em branco”, Almedina 2001, pág. 31 e Paulo Marques, in Crime de abuso de confiança fiscal, Coimbra Editora, 2011, pág. 92 e Nuno Lombrales supra transcritos.
14. Ora, assim sendo, é essencial a descrição na acusação das disposições legais aplicáveis, essencialidade essa que ganha outros e mais importantes contornos quando a norma em causa se refere a “prestação tributária deduzida nos termos da lei”, pelo que ao arguido lhe devem ser dadas a conhecer as disposições legais aplicáveis.
15. Dizer-se, assim, que o prazo de entrega da prestação tributária decorre da lei, cuja ignorância não justifica o seu incumprimento, nem isentas as pessoas das sanções nela estabelecidas (artº 6º do Código Civil), como se faz na decisão recorrida, pelo que desnecessária se torna a descrição das disposições legais aplicáveis, é fazer uma interpretação revogatória do disposto no artº 283º nº3 als. b) e c) do Código de Processo Penal, o que não é permitido ao intérprete.
17. De facto, faltando a alegação de factos essenciais à perfeição do tipo legal de crime a questão é de atipicidade e não de nulidade da acusação.
18. Quer isto dizer que a interpretação que se extraia das disposições dos artºs 123º nº1 e 303º nº1 do Código de Processo Penal no sentido de que o Juiz de Instrução Criminal pode determinar uma alteração da qualificação jurídica, quando considere que o enunciado da acusação contém factos conclusivos, quando a iniciativa da instrução seja do arguido, é inconstitucional por violação do princípio da estrutura acusatória do processo, do princípio do monopólio do exercício da ação penal pelo Ministério Público e da fundamentação das decisões judiciais, com assento nos artºs 32º nº5, 205º nº1 e 219º nº1 da Constituição.
19. É que a instrução é uma fase facultativa do processo e, tendo sido requerida pelos arguidos, desta não pode resultar uma agravação ou um acrescento ao número de infrações ou penas aplicáveis ou dos factos que lhe vêm imputados, porque esse não é o objeto da instrução.
20. Ora, tendo sido requerida a instrução pelos arguidos apenas em seu benefício pode resultar (tal como a interposição de recurso pelo arguido da sentença condenatória e a consequente proibição de reformatio in pejus), pois que não faria qualquer sentido que o legislador, ao prever a alteração dos factos e da qualificação jurídica em sede de instrução, quisesse que, sendo o arguido a requerê-la, este pudesse vir a ser penalizado por o fazer, saindo da fase da instrução por si requerida a responder por crimes mais graves, por outros crimes ou por factos que não constavam da acusação.
21. Do mesmo passo, e pelas mesmas razões, o despacho de pronúncia não pode apropriar-se das testemunhas arroladas na instrução pelo arguido, como se fez nos presentes autos.
22. Com efeito, tal equivaleria, mais uma vez, a uma violação do princípio da investigação e da estrutura acusatória do processo penal.
23. De facto, a sustentação da acusação, através dos meios de prova, incumbe ao MP e não ao Juiz de Instrução, pelo que também aqui a Mma. Juiz de Instrução pisou terrenos proibidos, nos quais não tem competência para deliberar.
24. O despacho recorrido violou ou fez errada aplicação das normas jurídicas constantes da motivação e conclusões que aqui se dão por integralmente reproduzidas, não podendo, pois, o despacho recorrido manter-se.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão de pronúncia na parte em que alterou os factos constantes da acusação, designadamente o ponto 7. da acusação, e no rol de testemunhas, mantendo-se a mesma intocada, assim se fazendo JUSTIÇA.»
*
Na 1ª instância o Ministério Público respondeu a ambos os recursos, concluindo pela manutenção das decisões recorridas.
Neste Tribunal da Relação do Porto o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da rejeição de ambos os recursos por manifesta improcedência.
Cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do Código Processo Penal, o recorrente apresentou resposta, mantendo o alegado nas motivações de recurso.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
***
II – Fundamentação:
As decisões recorridas têm o seguinte teor (transcrição):
Despacho de fls. 260 a 266:
«Vieram os arguidos requerentes da instrução, insurgindo-se contra o que consideram um aperfeiçoamento encapotado da acusação, e se bem percebemos, arguir irregularidade do despacho pelo qual foi comunicada alteração não substancial de factos por não conter o mesmo a indicação dos meios de prova produzidos e nos quais se baseia, e sem que decorra apenas dos atos de instrução ou do debate instrutório.
Subsidiariamente, requerem que seja julgada não verificada a alteração dos factos, por inexistência legal dos seus pressupostos, pois não se pode alterar o que não existe e, a seu ver, antes da alteração não existia crime.
Invocam mesmo a inconstitucionalidade da norma contida no art. 303º/1 do Código de Processo Penal se interpretada no sentido de consentir alteração da qualificação jurídica sem que o despacho que a anuncia não contenha estas indicações.
Cumpre decidir.
A alteração comunicada aos arguidos nos termos do disposto no art. 303º/1 do Código de Processo Penal aqui posta em causa foi a seguinte:
“Encerrado o debate instrutório, afigura-se-nos poder ser concretizada a seguinte factualidade, que não representa alteração substancial da que se narra na acusação:
Onde no artigo 7º se escreve que os arguidos estavam obrigados a entregar as quantias devidas aos Serviços de Administração do IVA, não entregaram no prazo estabelecido para os períodos a que respeitam, acrescentar-se-á, até aos dias 10 de Julho e 10 de Agosto de 2013, respectivamente.
Como assim, ao abrigo do disposto no art. 303º/1 efetua-se a presente comunicação aos sujeitos processuais, em particular aos arguidos, para os efeitos tidos por convenientes.”
Dispõe este normativo que “se dos atos de instrução ou do debate instrutório resultar alteração não substancial dos factos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente, ou no requerimento de abertura de instrução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor, interroga o arguido sobre ela sempre que possível e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a oito dias, com o consequente adiamento do debate, se necessário”.
É substancial a alteração dos factos que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis – art. 1º,f) do Código de Processo Penal.
Escusado será dizer, e cremos que os arguidos também não o defendem convictamente, que o pequeno acrescento factual feito à acusação não representa, manifestamente, uma qualquer alteração substancial dos factos descritos na acusação, porquanto não importa, nem a imputação de crime diverso, nem agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Invocam os arguidos que, sem o trecho acrescentado por via da alteração comunicada, e sem a indicação da lei que fixa os prazos da entrega das prestações tributárias em falta, não estava alegada a factualidade suficiente ao preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança previsto e punido pelo art. 105º/1 do RGIT, pelo qual estão acusados, pois consideram como elemento do tipo o prazo legalmente previsto para a entrega do IVA e o decurso desse prazo, sem que a entrega ocorra.
Estaria, assim, em causa, provada a factualidade da acusação, um mero ilícito fiscal. Qual ilícito? Não dizem.
Tal interpretação do tipo legal de crime em apreço, parece-nos, todavia, incorreta e abusiva.
Com efeito, se atentarmos na forma como está estruturado o tipo legal de crime em causa, cujo corpo se subsume ao nº 1 do citado art. 105º, com relativa facilidade constatamos que, quer o decurso do prazo de 90 dias previsto sob a alínea a), quer o de 30 dias previsto na alínea b), do nº 4, configuram meras condições objetivas de punibilidade, conforme tem vindo a ser entendido nas nossas instâncias superiores – cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência 6/2008, de 9 de Abril, D.R. nº 92, Série I, de 13/5/2008.
E assim sendo, o decurso de qualquer desses prazos, está, portanto, fora do tipo legal de crime, definido no nº 1 do art. 105º, que não contém alusão a prazos.
De todo o modo, contrariamente ao que os arguidos pretendem fazer crer, consta expressamente da acusação, embora, reconhece-se, de forma algo conclusiva, que a entrega do IVA não ocorreu em qualquer desses prazos (artigo 7º).
Por outro lado, dos artigos 5º e 6º resulta que os arguidos deduziram nos termos da lei as quantias de imposto em causa, dizendo-se expressamente que os arguidos liquidaram e receberam o IVA proveniente das transacções comerciais da sociedade que representavam, relativo às facturas que emitiram em nome da sociedade arguida naquele período de Maio e Junho de 2013.
Não vemos, aliás, que tenham que constar da acusação, que consubstancia uma alegação factual, as normas legais aplicáveis que determinam a obrigação de deduzir a prestação para a entregar ao Estado e de a entregar efetivamente, normas cujo conhecimento geral é pressuposto.
E assim sendo, ao integrarmos mediante concretização fáctica uma afirmação de cariz conclusivo, segundo a qual os arguidos não teriam entregado no prazo legal as prestações de IVA a que estava obrigados, indicando os prazos resultantes da aplicação da lei aos factos já constantes da acusação (período temporal a que respeita o IVA em falta), não passou a existir a configuração de um crime, onde antes não havia nada (ou haveria um ilícito fiscal?).
Os factos essenciais à perfeição típica já lá constavam, e até mesmo os respeitantes à verificação das condições objetivas de punibilidade prescritas pelo nº 4 do art. 105º do RGIT, embora sob a forma de conclusões.
O que fizemos foi uma alteração da redação dada ao segmento acusatório respetivo, a qual importa uma mera rectificação/concretização do aí alegado de forma conclusiva, e que apenas comunicamos nos termos do art. 303º/1 do Código de Processo Penal, por cair, pela negativa em relação ao que se considera alteração substancial, na categoria de alteração não substancial.
Posto isto, não podemos deixar de refutar, por completamente desajustada (além de deselegante), a acusação de termos encapotadamente aperfeiçoado a acusação.
Se ocorreu esse aperfeiçoamento, que admitimos, ele foi tudo menos dissimulado ou encapotado.
A prová-lo as 13 páginas que os arguidos nos apresentaram em sua defesa por via de um acrescento de uma linha à acusação.
Também não podemos contemporizar com a imputação de uma “reformatio in pejus” decorrente desta alteração introduzida na acusação, agora na fase de instrução requerida pelos arguidos.
A menos que estes, divisando assim que não obterão acolhimento da sua tese de nulidade da acusação em sede de instrução, procurem mantê-la intacta, sem qualquer correção, mesmo aquela de que reclamaram carecer, até à fase do julgamento, para aí continuarem a pugnar pela nulidade, agora da pronúncia.
Por outro lado, não vemos francamente como possa falar-se de alteração da qualificação jurídica, nem vem minimamente justificada essa imputação.
Em suma: a alteração comunicada é legítima e legalmente fundada, não havendo qualquer razão para a não introduzir na eventual pronúncia a proferir.
Mas os arguidos arguem ainda irregularidade na forma como foi essa alteração comunicada, por não indicarmos os meios de prova considerados para efetuar a alteração comunicada, o que consideram ser uma exigência legal.
Também aqui discordamos do expendido pelos arguidos em matéria de interpretação da lei.
Efetivamente, contrariamente ao preconizado pelos arguidos, em parte alguma do nº 1 do art. 303º do Código de Processo Penal se exige que sejam indicados meios de prova para sustentar a alteração a introduzir na narração factual da acusação ou do requerimento de abertura de instrução.
O que se requer, sim, é que a alteração resulte dos atos de instrução ou do debate instrutório.
Ou seja, pode a alteração a efetuar resultar simplesmente do debate instrutório, no âmbito do qual, segundo o art. 302º do Código de Processo Penal, ocorre:
- uma exposição sumária sobre os atos de instrução a que se procedeu e sobre as questões de prova relevantes para a decisão instrutória, com carácter controverso;
- se requeridas, provas indiciárias suplementares;
- alegações finais do Ministério Público e advogados para que formulem as suas conclusões sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios recolhidos e sobre as questões de direito de que dependa o sentido da decisão instrutória.
A alteração preconizada pode, pois, em tese, ser decorrência da discussão de questões de direito dirimidas pela defesa, e não resultado de novas provas no processo.
E no caso em apreço foi objeto de discussão no debate a nulidade da acusação invocada pelos arguidos com fundamento, além do mais, na falta de indicação do fundamento legal da obrigação de pagamento e prazos legais.
Atentando ainda nos depoimentos testemunhais colhidos nesta fase, valendo-nos do prestado, por exemplo, pela TOC H..., verificamos que esta dá conta das dívidas da sociedade arguida ao Estado, e concretamente do não pagamento atempado das dívidas ao Estado, incluindo as de IVA, que eram preteridas designadamente pelos salários dos trabalhadores, deixou bem claro que comunicava essas faltas de pagamento aos arguidos, através do envio de um e-mail.
Isto é, resulta da instrução que os arguidos não procederam de facto à entrega das prestações de IVA devidas pela atividade desenvolvida pela sociedade arguida dentro dos prazos legalmente previstos.
Não vemos, pois, que não possa o Juiz de Instrução, alertado pela defesa, inclusive no debate instrutório, para a omissão de uma indicação das datas em que findavam esses prazos - que na leitura dessa defesa importam a sua nulidade, mas que, na sua leitura, não -, procure colmatá-la adicionando os factos atinentes, mais a mais quando esses factos não são mais do que a decorrência da aplicação da lei aos factos aí constantes, e visam apenas concretizar uma alegação pré-existente, mas de carácter conclusivo.
É que, como os arguidos sabem ou têm obrigação de saber, a indicação das datas limite de entrega das prestações de IVA decorrem da mera aplicação da lei vigente, que fixa os prazos respetivos com referência ao período de atividade a que respeitam.
E de facto, constam da acusação os períodos de faturação que deram origem ao recebimento pela sociedade arguida do IVA entregue pelos seus clientes – Maio e Junho de 2013.
Assim como, sob o artigo 7º dessa peça se escreve que os arguidos não entregaram as prestações de IVA referentes àqueles meses no prazo estabelecido para os períodos a que respeitam, prazo esse que decorre da lei, cuja ignorância não justifica o incumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (art. 6º do Código Civil).
Esses prazos são, de resto, sequenciais, e estão legalmente fixados, não se percebendo a censura de que assim não é possível saber a data da consumação do crime.
Ora, a data em que se vence a obrigação de entrega do IVA liquidado e declarado pelo sujeito passivo (a sociedade arguida) com referência a esses períodos, decorre da mera aplicação da lei, neste caso, da conjugação dos arts. 27º/1 e 41º/1,a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, que impõem como prazo de entrega até ao dia 10 do 2º mês seguinte àquele a que respeitam as operações.
E assim, por via de um simples cálculo aritmético, constatamos que os arguidos estavam obrigados a entregar o IVA arrecadado por via das transações dos meses de Maio e de Junho de 2013, respetivamente até dia 10 de Julho e até dia 10 de Agosto, desse ano.
Pelo que, se àquele prazo se acrescentar o de 90 dias previsto no nº 4,a) do RGIT, por mero cálculo aritmético obtemos as datas de 10/10/2013 e 10/11/2013.
Nestes termos, ainda que os arguidos desconhecessem como se alcançou a factualidade comunicada, sempre agora ficariam inteirados do raciocínio subjacente, que aqui se deixa expresso para todos os efeitos.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerandos, porque entendemos ser legalmente fundada e ter sido regularmente comunicada a alteração que se preconizou introduzir na acusação, conforme consta do despacho proferido em ata de leitura da decisão, indefere-se a arguição de irregularidade ora apreciada e bem assim o pedido de que seja julgada não verificada a dita alteração.(...)».

Decisão instrutória de pronúncia de fls. 274 a 291:
«Embora sem o invocar expressamente, os arguidos invocam nulidade da acusação, por falta de alegação do elemento subjetivo do crime e dos factos referentes ao elemento objetivo.
Isto porque, nos termos do disposto no art. 283º/3,b) do Código de Processo Penal, a acusação contém, sob pena de nulidade a narração, ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
Os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança são aqueles que permitem, uma vez julgados provados, considerar verificada a prática de um crime, enquanto conjunto de pressupostos de que depende a aplicação dessa sanção criminal – art. 1º/1,a) do Código de Processo Penal.
Teorizando acerca da composição do tipo legal de crime, a hermenêutica tem vindo a divisar uma componente atinente à disposição interior do agente (conhecimento e vontade), o elemento subjectivo típico, e uma outra referente às modalidades e caracterização da acção/omissão, o chamado elemento objectivo típico.
Assim, ao invocar a falta de alegação quanto a estes elementos típicos, essenciais à configuração do ilícito penal susceptível de determinar a aplicação de uma pena, os arguidos estão a invocar a nulidade da acusação.
Mas vejamos se tal se verifica, de facto.
Os arguidos estão acusados da prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança fiscal, tipificado no art. 105º/1 do RGIT.
Reza este normativo que «quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a €7.500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.»
Temos assim que preenche este tipo legal de crime, o agente que:
- não entregue à administração tributária prestação tributária de valor superior a € 7.500;
- prestação essa que haja sido deduzida nos termos da lei e que estivesse legalmente obrigado a entregar.
É válida qualquer das modalidades do dolo, direto, necessário ou eventual, pelo que bastará que o agente tenha conhecimento de estar a faltar ao cumprimento da obrigação de entrega de prestação a que estava obrigado por lei, represente como consequência possível dessa sua conduta omissiva a prática do crime de abuso de confiança fiscal, com isso se conformando – arts. 13º e 14º do Código Penal ex vi do art. 3º/a) do RGIT.
Alegam os arguidos que na acusação não se descreve o dolo do crime de abuso de confiança, ou seja, que os arguidos previram e quiseram causar prejuízo ao Estado ou ter benefício próprio, em valor superior a €7.500.
Mas, tinha a acusação que dizer expressamente que os arguidos sabiam e quiseram causar prejuízo ao Estado ou obter benefício de montante superior a €7.500?
Evidentemente que não.
Desde logo, não faz parte do tipo qualquer dolo específico, como seja a intenção de apropriação ou a intenção de causar prejuízo.
O preenchimento típico ao nível subjetivo basta-se, pois, com a alegação da factualidade correspondente ao dolo genérico, já acima analisado.
E essa alegação consta da acusação, se conjugarmos o que se escreveu sob os artigos 4º, 5º, 6º e 10º.
Com efeito, aí se escreve:
«(…)
Nessa qualidade, os arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços, em data não concretamente apurada, mas situada em Maio de 2013, decidiram não entregar ao Estado/Serviços de Administração do IVA as quantias que a sociedade deveria pagar a título do referido imposto, sendo que a quantia a pagar resulta da diferença entre a totalidade das quantias que os clientes pagavam aos arguidos, enquanto legais representantes, a título de IVA e aquilo que eles suportavam a título do referido imposto nas aquisições.
Os arguidos, sempre de comum acordo e em comunhão de esforços, com o objectivo de atingirem um benefício económico indevido, liquidaram e receberam o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) proveniente das transacções comerciais da sociedade que representavam, não entregando à Fazenda Nacional as quantias que liquidaram e receberam a título de IVA, ao qual estavam obrigados, relativas às facturas que emitiram em nome da sociedade arguida.
Os arguidos liquidaram, receberam e não entregaram ao Estado o IVA:
PERÍODOS IVA DECLARADO E NÃO ENTREGUE
Maio de 2013 34.823,43€
Junho de 2013 21.693,41€
(…)
10º
Agiram os arguidos como legais representantes da sociedade E..., SA de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram idóneas a fazer diminuir as receitas do Estado em termos de I.V.A., pois sabiam que estavam obrigados a entregar à Fazenda Nacional as quantias que liquidaram e receberam a título de I.V.A., relativas às faturas emitidas pela sociedade arguida, mas não obstante isso, integraram tais quantias no património da sociedade.»
Ou seja, segundo a acusação os arguidos tinham conhecimento de estar a faltar ao cumprimento da obrigação de entrega das prestações de IVA indicadas no artigo 6º (as quais são manifestamente superiores a €7.500), prestações a cujo pagamento sabiam estar obrigados por lei, atuando de forma deliberada e consciente, com o objetivo de obterem um benefício económico indevido, naturalmente correspondente ao valor dessas prestações.
Não vemos, pois, onde esteja a falta de alegação do elemento subjetivo do tipo.
Mas o mesmo se diga quanto à suposta falta de alegação do elemento objetivo do tipo.
Apontam os arguidos a falta na acusação da data em que deveriam entregar a prestação tributária em causa e que a mesma tenha sido deduzida nos termos da lei.
É verdade que não consta da acusação aquela data, mas constam os períodos de faturação que deram origem ao recebimento pela sociedade arguida do IVA entregue pelos seus clientes – Maio e Junho de 2013.
Ora, a data em que se vence a obrigação de entrega do IVA liquidado e declarado pelo sujeito passivo (a sociedade arguida) com referência a esses períodos, decorre da mera aplicação da lei, neste caso, da conjugação dos arts. 27º/1 e 41º/1,a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, que impõem como prazo de entrega até ao dia 10 do 2º mês seguinte àquele a que respeitam as operações.
Ou seja, os arguidos estavam obrigados a entregar o IVA arrecadado por via das transações dos meses de Maio e de Junho de 2013, respetivamente até dia 10 de Julho e até dia 10 de Agosto, desse ano.
Teria a acusação que conter esta indicação para poder ter-se por válida?
Tal como consta a alegação nela feita não permite condenar os arguidos por um ilícito penal, designadamente o de abuso de confiança fiscal?
Claramente, não.
Concordando, embora, que a acusação se mostra, neste ponto (e porventura até noutros) conclusiva, tal não pode confundir-se com omissão de alegação.
Na verdade, sob o artigo 7º escreve-se que os arguidos não entregaram as prestações de IVA referentes àqueles meses no prazo estabelecido para os períodos a que respeitam, prazo esse que decorre da lei, que começamos por citar, cuja ignorância não justifica o incumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (art. 6º do Código Civil.
Esses prazos são, de resto, sequenciais, e estão legalmente fixados, não se percebendo a censura de que assim não é possível saber a data da consumação do crime.
Na verdade, se àquele prazo se acrescentar o de 90 dias previsto no nº 4, a) do RGIT, por mero cálculo aritmético obtemos as datas de 10/10/2013 e 10/11/2013.
Seja como for, quer este quer o decurso do prazo de 30 dias previsto na alínea b) deste nº 4, configuram meras condições objetivas de punibilidade, conforme tem vindo a ser entendido nas nossas instâncias superiores, fora do tipo, definido no nº 1 do art. 105º, que não contém qualquer alusão a prazos.
E consta expressamente da acusação, embora, reconhece-se, de forma algo conclusiva, que a entrega do IVA não ocorreu em qualquer desses prazos (artigo 7º).
Por outro lado, dos artigos 5º e 6º resulta que os arguidos deduziram nos termos da lei as quantias de imposto em causa, dizendo-se expressamente que os arguidos liquidaram e receberam o IVA proveniente das transações comerciais da sociedade que representavam, relativo às facturas que emitiram em nome da sociedade arguida naquele período de Maio e Junho de 2013.
Não vemos que tenha que constar da acusação, que consubstancia uma alegação factual, as normas legais aplicáveis que determinam a obrigação de deduzir a prestação para a entregar ao Estado e de a entregar efetivamente, normas cujo conhecimento geral é pressuposto, como vimos.
Não obstante quanto fica dito, sempre se dirá, por último: ainda que possa percecionar-se algum menor rigor na alegação constante da acusação, designadamente pelo uso de expressões conclusivas, tal nunca importaria a nulidade da acusação, levando, no limite, a que sejam introduzidas, nesta sede ou em sede de julgamento, alterações não substanciais de factos, tendentes a uma densificação dessas conclusões – art. 303º do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, mostrando-se suficiente a alegação constante da acusação para que, uma vez provada, possam os arguidos ser condenados pela prática de um ilícito penal, julgamos improcedente a nulidade da acusação invocada pelos arguidos requerentes nos termos acima apreciados.
*
Não se divisam outras nulidades, irregularidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da instrução.
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Na sequência da acusação deduzida pelo Ministério Público a fls. 108 e sgs. contra os arguidos D..., C..., B... e “E..., S.A.”, imputando-lhes a prática, em coautoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º/1, 2, 4 e 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela L. 15/2001, de 5/6, vieram os arguidos B... e C... requerer a abertura de instrução alegando fundamentalmente e em síntese, além do já acima tratado, que não exerceram de facto a administração da sociedade arguida, a qual foi constituída pelo irmão e coarguido D..., que lhes pediu que dessem apenas o seu “nome” para a constituição; no entanto, eram meros trabalhadores da empresa, desconhecendo a sua situação financeira, não tendo poder de decidir ou influenciar a sua gestão, que era realizada pelo arguido D..., o fundador da empresa para quem trabalhavam desde sempre.
Pedem ambos a sua não pronúncia.
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Com utilidade para a decisão a proferir, nesta fase, foram ouvidas as testemunhas arroladas nos requerimentos de abertura de instrução.
Foi logo em seguida realizado o debate instrutório, o qual decorreu na ausência dos arguidos/requerentes, por terem renunciado ao direito de estarem presentes, com observância do formalismo legal, conforme se alcança da respetiva ata, tudo em conformidade com o disposto nos arts. 298º, 301º e 302º, todos do Código de Processo Penal.
Encerrado o debate instrutório, foi ainda realizada comunicação de alteração não substancial dos factos narrados na acusação, nos termos e para os efeitos previstos no art. 303º/1 do Código de Processo Penal.
No decurso do prazo concedido para exercício do direito de defesa, foi arguida irregularidade nessa comunicação, a qual foi indeferida, nos termos que constam do despacho de fls. 260 a 265.
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Cumpre agora, nos termos do art. 308º do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.
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A Instrução visa, segundo o que nos diz o art. 286º/1 do Código de Processo Penal, “a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Configura-se, assim, como fase processual sempre facultativa – cfr. nº 2 do mesmo dispositivo – destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida.
Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no Código de Processo Penal como atividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que, tendencialmente, se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal.
Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade material, conforme dispõe do art. 308º, nº 1, “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de ato processual.
Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.
Depois, no nº 2 deste mesmo dispositivo legal, remete-se, entre outros, para o nº 2 do art. 283º, nos termos do qual “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Isto posto, para que surja uma decisão de pronúncia, a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final; trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento.
Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é um ato em si mesmo neutro, acarretando sempre, além dos incómodos e independentemente de a decisão final ser de absolvição, consequências, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista jurídico, entendeu o legislador que tal só deveria ocorrer quando existissem indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado.
Assim sendo, para fundar uma decisão de pronúncia não é necessária uma certeza da infração, mas serem bastantes os factos indiciários, por forma a que, da sua lógica conjugação e relacionação, se conclua pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.
Os indícios são, pois, suficientes, quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
Neste sentido, veja-se Castanheira Neves, in “Sumários de Processo Criminal”, pgs. 38 e 39, onde aquele professor perfilha a tese segundo a qual na suficiência de indícios está contida “a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final” apenas com a limitação inerente à fase instrutória, no âmbito da qual não são naturalmente mobilizados “os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação”.
Fixadas as diretrizes, que de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa agora, apurar, por um lado, se em face da prova recolhida até ao momento se indicia suficientemente a prática pelos arguidos/requerentes dos factos que lhes são imputados no despacho acusatório e, por outro lado, concluindo-se afirmativamente, se tais factos sustentam a imputação jurídico-criminal efetuada no mesmo douto despacho.
Vejamos o caso sub judice e o que dos autos dimana.
Ambos os arguidos esgrimem em sua defesa que não administravam de facto a empresa arguida, cabendo essa administração, em exclusivo, ao irmão, D..., sendo eles meros trabalhadores: B... alega que era um comercial da empresa que exercia as suas funções maioritariamente no estrangeiro; C... diz que planeava, distribuía, coordenava e controlava a produção, incluindo equipamentos, materiais e recursos humanos, fazendo-o sob as orientações de D....
Ambos alegam ter apenas dado o seu “nome” para a Administração por não poderem recusar esse pedido do irmão, face ao receio de poder desagradá-lo e porque eram economicamente dependentes daquela relação laboral, sem conhecerem as implicações daquele comportamento.
Admitem ter intervindo em atos e haverem assinado documentos apresentados pelo irmão, mas tê-lo-iam feito sem discutir ou questionar.
Vejamos.
Se atentarmos na certidão do registo permanente da sociedade arguida, verificamos que estes arguidos estiveram desde a sua constituição, em 1996, como membros do Conselho de Administração, nos primeiros 14 anos, até Fevereiro de 2010, como vice-presidentes, e daí em diante como vogais.
Tratava-se de uma empresa já de média dimensão, com um capital social de €6.250.000,00.
Os próprios arguidos, por via dos respetivos requerimentos de abertura de instrução, admitem que intercede entre eles e o coarguido D..., uma relação de parentesco, sendo todos irmãos.
Mais aceitam que estiveram presentes na constituição da sociedade, que sempre ali trabalharam e que, na sua organização interna, lhes estava destinada uma área de trabalho, um no departamento comercial, outro na área da produção.
Foram ouvidos os testemunhos de F..., filha do arguido C..., e sobrinha dos outros dois, tendo trabalhado na área de “Recursos Humanos” da empresa, entre 2008 e 2015, G..., na gestão da empresa desde 2000 até ao encerramento, e H..., T.O.C. da sociedade praticamente desde o início (Outubro de 1996) até ao encerramento.
Todos foram consonantes com a divisão das áreas de trabalho na empresa pelos três irmãos, atribuindo poderes decisórios a cada um deles nessas áreas.
Ou seja, contrariamente ao que pretendem fazer crer, B... e C... não eram meros funcionários sob as ordens do irmão D..., pois que superentendiam nas respetivas áreas de trabalho, embora todos os depoentes atribuam preponderância ao arguido D..., o Presidente do Conselho de Administração, que estaria mais afeto à área financeira, tendo a última palavra em matéria de “gastos”.
Aliás, segundo a T.O.C. H..., houve mesmo um Diretor Financeiro, I..., que até 2012 tomava todas as decisões financeiras; é só a partir de então que essa área fica entregue ao arguido D....
F... referiu ainda uma repartição do capital social de 51% para o arguido D..., e os restantes 49%, em partes iguais, para os arguidos C... e B....
Em suma: tudo aponta para que estejamos perante uma típica sociedade familiar, a envolver três irmãos, como de resto a sua denominação denuncia – “E..., S.A.”.
Também como é habitual neste tipo de sociedades, ocorreria uma repartição de responsabilidades dentro da sua estrutura organizativa, ficando cada um dos três irmãos responsável por uma das principais áreas empresariais: produtiva/comercial/financeira.
Admite-se ainda a preponderância, até por via da necessária coordenação, do arguido D..., responsável da área financeira, e portanto, necessariamente detentor de um conhecimento mais detalhado dos recursos financeiros existentes e da sua afetação a despesas.
Mas se tudo isto resulta indiciado dos depoimentos testemunhais colhidos nesta fase, ficou também fortemente indiciado com base nestes mesmos depoimentos que os arguidos B... e C... estiveram sempre “a par” da situação financeira da empresa e das dificuldades a dada altura sentidas por todos, desde logo no pagamento de salários, tendo assumido juntamente com o irmão D... a decisão de manter em funcionamento a empresa, conscientes dos riscos corridos com as dívidas ao Fisco e à Segurança Social, para o que eram alertados pelos responsáveis da contabilidade.
Com efeito, desde logo a filha e sobrinha dos arguidos, F..., de forma espontânea, deu conta de que, estando na área de recursos humanos, dava conhecimento aos três das falhas de pagamento de salários, sendo que todos, após reunião entre eles, diziam o mesmo: a prioridade eram os salários, o que interessava era manter a empresa em funcionamento.
Claro que, quando era preciso pagar alguma coisa, seria o arguido D..., responsável da área financeira, quem era consultado, como também testemunhou F....
Todavia, segundo a mesma, todos tinham conhecimento do risco que corriam ao não pagar ao Fisco, mas como o dinheiro era pouco, decidiram fazer uma escala de prioridades.
Também G... testemunha neste sentido, dizendo: “eles priorizavam os salários”; e, embora tudo passasse pelo “Sr. D...”, comunicava também aos outros dois irmãos os problemas da falta de pagamento na sua área – seguros de responsabilidade civil -, respondendo-lhes estes que iriam falar com D....
Embora nunca tenha participado nas reuniões do Conselho de Administração, à semelhança das outras duas testemunhas, G..., terá presenciado reuniões informais em que os arguidos C... e B... manifestavam junto de D... concordância/discordâncias, “puxando” cada um para a sua área, mas cabendo a D... a decisão final.
Por fim, a TOC H..., deixou bem claro que comunicava as faltas de pagamento, designadamente ao Estado, aos três arguidos, concretizando mesmo que enviava um e-mail a cada um deles dando conta das “dívidas em aberto”, a que chamou “alertas de dívida”.
Por fim, elencou a escala de prioridades estabelecida pelos arguidos para os pagamentos correntes, aparecendo à cabeça os salários e a eletricidade e água, essenciais à manutenção da laboração.
Em face do exposto, resulta fortemente indiciado que os arguidos C... e B... não eram meros administradores de direito da sociedade arguida, como pretendem fazer crer.
Todos os indícios apontam, pois, para que tivessem, dentro do órgão colegial que é um Conselho de Administração, uma palavra a dizer sobre as decisões mais relevantes a tomar na vida da empresa, desde logo no estabelecimento das prioridades de pagamento ante a escassez de dinheiro para fazer face a todas as despesas.
E não abala esta conclusão o facto de se indiciar também uma preponderância do arguido D... nestas decisões, desde logo porque assume nesse órgão o cargo de Presidente, mas também porque lhe cabia a responsabilidade pela área financeira da empresa, sendo por isso natural que todas as decisões que contendessem com dinheiro tivessem que passar por si.
Salvaguardadas as devidas distâncias, será o mesmo que, num governo, os ministros das pastas da educação ou da saúde não poderem tomar decisões que contendam com o orçamento do Estado, sem parecer favorável do ministro das Finanças, responsável por que esse orçamento seja observado; essa articulação, própria das organizações hodiernas, não é impeditiva de que todos os membros do governo assumam as decisões finais atinentes.
Como resulta muito fortemente indiciado, os arguidos aqui requerentes sempre souberam das dívidas ao Fisco e dos riscos que corriam, nunca se tendo escusado a assinar os documentos que lhes eram presentes (como deu nota H...), nem se tendo afastado da administração da empresa.
No limite, os arguidos estando cientes daquelas dívidas, conformaram-se com a decisão de não pagamento das mesmas, sendo que, como começamos por expender, a propósito da invocada nulidade da acusação, a prática do crime de abuso de confiança fiscal basta-se com o dolo eventual.
Não obstante, da análise que precede resultam indícios suficientes da verificação de uma atuação conjunta dos três arguidos na administração da sociedade, e portanto uma comparticipação, sob a forma de coautoria, na prática omissiva imputada na acusação; assim como, se indicia suficientemente que todos os arguidos sabiam e quiseram faltar ao pagamento das prestações de IVA referentes a Maio e Junho de 2013, como forma de obter recursos para manter a empresa em funcionamento, tudo apesar de conscientes de assim estarem a praticar um ilícito penal, verificando-se por isso suficientemente indiciado o dolo direto relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal.
Mostra-se, pois, muito provável uma condenação dos arguidos em sede de julgamento pela prática do crime de abuso de confiança fiscal nos termos que constam da acusação, em comparticipação com o arguido D..., razão pela qual não podemos deixar de os pronuncia.
Consigna-se que não há consequências a extrair para os arguidos não requerentes da instrução - art. 307º/4 do Código de Processo Penal.
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Nestes termos, decide-se pronunciar para julgamento em Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular:
1- D... casado, industrial, nascido a 04/12/1948, natural da freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, filho de J... e de K..., residente na Rua ..., nº ..., ..., Santa Maria da Feira;
2- C..., industrial, nascido a 12/05/1952, natural da freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, filho de J... e de K..., residente na ..., nº ..., ...;
3- B..., casado, industrial, nascido a 14/04/1969, natural da freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, filho de J... e de K..., residente na Rua ..., nº ..., ...;
4- E..., SA, NIF ........., com sede no ..., ..., Santa Maria da Feira, declarada insolvente e representada judicialmente pelo Sr. Administrador da Insolvência, Dr. L...;
Porquanto,
1. A sociedade E..., SA, com o NIPC ........., era sujeito passivo de I.V.A. enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, e em Imposto sobre o rendimento no regime geral, estando registada para o exercício da atividade de “indústria de cortiça, fabricação e transformação de cortiça e seus derivados; comercialização de cortiça, rolhas, desperdícios e produtos derivados, nomeadamente comércio de exportação e importação de produtos da mesma espécie; comercialização de produtos de cortiça; importação, exportação; fabricação, transformação; importação e exportação de máquinas para a indústria de cortiça e afins”.
2. Esta empresa tem como Presidente do Conselho de Administração D... e como vogais do Conselho de Administração C... e B..., ficando a sociedade obrigada pela intervenção de um administrador delegado, dentro do limite dos poderes delegados pelo conselho de Administração; de dois administradores; de um administrador e um procurador com poderes para a categoria de atos na qual se inclua aquele em que intervém, de dois procuradores em conjunto, dentro dos poderes que lhe sejam conferidos; e de um procurador com poderes especiais.
3. No período de Maio a Setembro de 2013 a administração da sociedade arguida esteve a cargo dos Administradores D..., C... e B..., competindo-lhes todos os atos de gestão e direção da vida comercial da sociedade, decidindo da afetação dos respetivos recursos financeiros ao cumprimento das obrigações correntes, designadamente ao pagamento dos salários dos trabalhadores e dos débitos aos fornecedores, bem como ao apuramento e pagamento dos respectivos impostos, designadamente IVA, IRS, IRC, etc.
4. Nessa qualidade os arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços, em data não concretamente apurada, mas situada em Maio de 2013, decidiram não entregar ao Estado/Serviços de Administração do IVA as quantias que a sociedade deveria pagar a título do referido imposto, sendo que a quantia a pagar resulta da diferença entre a totalidade das quantias que os clientes pagavam aos arguidos, enquanto legais representantes, a título de IVA e aquilo que eles suportavam a título do referido imposto nas aquisições.
5. Os arguidos, sempre de comum acordo e em comunhão de esforços, com o objectivo de atingirem um benefício económico indevido, liquidaram e receberam o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) proveniente das transações comerciais da sociedade que representavam, não entregando à Fazenda Nacional as quantias que liquidaram e receberam a título de IVA, ao qual estavam obrigados, relativas às facturas que emitiram em nome da sociedade arguida.
6. Os arguidos liquidaram, receberam e não entregaram ao Estado o IVA:
PERÍODOS IVA DECLARADO E NÃO ENTREGUE
Maio de 2013 34.823,43€
Junho de 2013 21.693,41€
7. Os arguidos na qualidade de Administradores da sociedade E..., SA enviaram as respetivas declarações periódicas de IVA, sem os meios de pagamento, estando os arguidos obrigados a entregar as quantias devidas aos Serviços de Administração do IVA, não entregaram no prazo estabelecido para os períodos a que respeitam, até aos dias 10 de Julho e 10 de Agosto de 2013, respetivamente, nem nos noventa dias seguintes ou em momento ulterior, apesar de notificados pessoalmente e enquanto legais representantes da sociedade, utilizando antes as quantias em causa no seu próprio interesse e da sociedade para satisfação das suas despesas e necessidades.
8. Em consequência de tal conduta, os arguidos, obtiveram a seguinte vantagem patrimonial: o valor de 56.516,84€ (cinquenta e seis mil, quinhentos e dezasseis euros e oitenta e quatro cêntimos), correspondente ao valor liquidado, recebido e não entregue nos cofres do Estado, referente ao I.V.A. supra descrito.
9. Através da conduta dos arguidos, o Estado Português sofreu um prejuízo patrimonial de igual montante.
10. Agiram os arguidos como legais representantes da sociedade E..., SA de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas era idóneas a fazer diminuir as receitas do Estado em termos de I.V.A., pois sabiam que estavam obrigados a entregar à Fazenda Nacional as quantias que liquidaram e receberam a título de I.V.A., relativas às facturas emitidas pela sociedade arguida nos períodos indicados em 6., mas não obstante isso, integraram tais quantias no património da sociedade.
11. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e criminalmente punível.
Pelo que incorrem os arguidos na prática, em coautoria, de um crime abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo artigo 105.º, nº 1, 2, 4 e 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela L. 15/2001, de 5 de Junho, com referência aos artigos 6.º, n.º 1 e 3, e 7.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
A sociedade arguida E..., SA incorre em responsabilidade criminal através da actuação dos seus legais representantes, de acordo com o disposto no artigo 7º, nº 1 da citada L. 15/2001, de 5 de Junho.
*
PROVA
A) Documental:
A dos autos, designadamente:
- Certidão Comercial de fls. 48 a 51;
- Parecer e documentação anexa da Direcção de Finanças de fls. 38 a 78.
B) Testemunhal:
1. M..., Inspector Tributário, a exercer funções na Direcção de Finanças de Aveiro;
2. F..., melhor identificada a fls. 193;
3. H..., melhor identificada a fls. 194;
4. G..., melhor identificado a fls. 193.
*
ESTATUTO COATIVO
Afigura-se-nos adequado e suficiente, nos termos do disposto nos artigos 191.º, 193.º, n.º 1 e 196.º do Código Processo Penal, o termo de identidade e residência já prestado nos autos pelos arguidos, por não se verificar, em concreto, nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 204.º do Código de Processo Penal.
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Custas pelos arguidos requerentes, C... e B..., com taxa de justiça individual de 2 (duas) U.C.´s, a liquidar a final em caso de condenação pelos crimes por que vão pronunciados – art. 513º do Código de Processo Penal e art. 8º do Regulamento das Custas Processuais».
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Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
Das conclusões de cada um dos recursos interpostos é possível extrair a ilação de que o recorrente delimita o respetivo objeto às seguintes questões:
1- Saber se a comunicação da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, efetuada antes da leitura da decisão instrutória, padece de irregularidade por não decorrer dos atos de instrução ou do debate instrutório e por falta de indicação dos meios de prova em que se baseia;
2- Saber se o despacho de pronúncia pode alterar a acusação quando desta não constem os elementos típicos do crime imputado e se pode apropriar-se de meios de prova arrolados pelo arguido na instrução.

Quanto à 1ª questão:
Alega o recorrente que a comunicação efetuada a fls. 214 padece de irregularidade em virtude de a alteração operada não decorrer dos atos de instrução ou do debate instrutório e por falta de indicação dos meios de prova em que se baseia.
Dispõe o artigo 303º nº1 do Código Processo Penal que “Se dos atos de instrução ou do debate instrutório resultar alteração não substancial dos factos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente, ou no requerimento para abertura de instrução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor, interroga o arguido sobre ela sempre que possível e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a oito dias, com o consequente adiamento do debate, se necessário”.
Como decorre dos próprios termos utilizados no preceito, não se trata de nenhum despacho, enquanto ato decisório previsto no artigo 97º do Código Processo Penal mas tão só de uma comunicação efetuada pelo tribunal.
Comunicação esta que tem quanto ao seu conteúdo uma natureza provisória, já que o mesmo apenas transmite “uma convicção provisória” a qual, como se escreveu no Ac. da R.L. de 07/09/2010, proferido no Proc. nº 1511/04.PBSXL.L1.5, disponível in www.dgsi.pt. se encontra ainda «sujeita, ao contraditório, à produção de prova e à deliberação, então com carácter definitivo.» Nessa medida «Antes da decisão final (no caso sub judice, antes da decisão instrutória) ao arguido apenas assiste o direito – que exerceu no presente caso - de se defender dos novos factos, nomeadamente apresentando novas provas, demonstrando que eles não ocorreram ou que não lhe podem ser imputados».
É o que sucede no caso dos autos, pois efetuada a comunicação, o arguido exerceu o seu direito ao contraditório, arguindo a irregularidade do referido “despacho”, após o que o tribunal, apreciando e indeferindo a irregularidade apontada, procedeu à elaboração da decisão instrutória, na qual fez constar a referida alteração não substancial de factos.
Daqui decorre que face à natureza provisória da comunicação em causa, nenhum direito de defesa do arguido foi afetado e em relação a todos os factos constantes da aludida comunicação lhe foi permitido o exercício de contraditório.
De resto, a lei não comina com nenhuma sanção a omissão da efetivação da comunicação do artigo 303º nºs 1 ou 3 do Código Processo Penal em momento anterior à prolação da decisão instrutória, mas tão só após esta ser proferida, caso se trate de alteração substancial dos factos descritos na acusação, cominando a violação do artigo 303º nº 3 do Código Processo Penal, precisamente com a nulidade sanável da decisão instrutória nos termos do artigo 309º do Código Processo Penal.
O que bem se compreende, pois só com a prolação da decisão instrutória, é que o tribunal fixa os factos indiciários que constituirão o objeto do processo e com base nos quais o arguido será submetido a julgamento, e só aí é que se pode aferir se ocorreu, ou não, alguma violação do artigo 303º do Código Processo Penal.
Em suma, a comunicação efetuada ao abrigo do artigo 303º nº 1 do Código Processo Penal não integra um ato decisório, é meramente provisória e transitória, não afetando nenhum direito do recorrente a exigir qualquer tutela jurisdicional, sendo, por isso, irrecorrível - Neste sentido, Ac. R.Évora de 31/05/2011, Proc. nº 26/09.9ZRLSB.E1, disponível in www.dgsi.pt.
E isto é assim ainda que o arguido suscite previamente qualquer irregularidade da referida comunicação, como aconteceu no caso em apreço. Tratando-se, como se disse, de mera comunicação e não de um ato decisório, não é pelo simples facto de ter sido suscitada a respetiva irregularidade, que torna tal comunicação ou o despacho que sobre a irregularidade recair suscetível de recurso.
Conclui-se, assim, que o recurso não deveria ter sido admitido.
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Quanto à segunda questão:
Alega ainda o recorrente que o despacho de pronúncia não pode alterar a acusação quando desta não constem os elementos típicos do crime imputado, não podendo igualmente “apropriar-se” dos meios de prova arrolados pelo arguido na instrução.
Antes de nos debruçarmos sobre a questão objeto de recurso, importa apreciar se a decisão em causa é suscetível de recurso, pese embora a respetiva admissão por despacho proferido em 07/06/2016.
É sabido que o recurso constitui um meio de impugnação de decisão judicial e que, no âmbito do processo penal, está consagrado o princípio da recorribilidade, nos termos do artigo 399.º do Código Processo Penal.
Contudo, a consagração, em termos gerais, desse princípio não significa que todas as decisões sejam recorríveis. Assim, a garantia decorrente do acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e bem assim o acesso ao recurso como garantia do processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º1, também da Constituição da República Portuguesa, não implicam a generalização sem limites do duplo grau de jurisdição, dispondo o legislador ordinário de uma margem de liberdade de conformação no estabelecimento de requisitos de admissibilidade dos recursos.
É o que ocorre, por exemplo, relativamente aos casos indicados no artigo 400.º, n.º 1, do Código Processo Penal, em que a faculdade de recurso está excluída por lei, existindo outras disposições dispersas pelo ordenamento processual penal que preveem outros casos em que o recurso não é admissível. Um desses casos é, precisamente, o da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público. Com efeito, dispõe o artigo 310º do Código Processo Penal que “1. A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º ou do nº 4 do artigo 285º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento; 2. (...); 3. É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior”.
A lei consagra, assim, inequivocamente, a irrecorribilidade do despacho de pronúncia que confirme a acusação pública.
Antes da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a questão da recorribilidade do despacho de pronúncia que confirmasse a acusação pública foi bastante controvertida no tocante à parte dessa decisão que conhecesse de nulidades de atos do inquérito ou de questões prévias e incidentais.
No acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2000, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que esse despacho era recorrível na parte em que decidia sobre nulidades e questões prévias ou incidentais. E pelo acórdão n.º 7/2004 estabeleceu que subia imediatamente o recurso da decisão instrutória que conhecia de nulidades. Porém essa subida imediata era em separado, sem efeito suspensivo sobre a marcha do processo, que podia prosseguir para julgamento, podendo-se realizar o julgamento sem ocorrer decisão do recurso.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, ficou definitivamente esclarecido que a irrecorribilidade do despacho de pronúncia que confirma os factos da acusação do Ministério Público abrange a apreciação sobre questões prévias e incidentais levada a cabo nesse despacho.
Tal não obsta, porém, à recorribilidade do despacho que indeferir a arguição de nulidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução – artigo 309º e 310º nº 3 do Código Processo Penal.
Há, porém, que ter em consideração que a alteração substancial dos factos, segundo o artigo 1.º, n.º 1, al. f), é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
Será desde logo de referir que esta alteração substancial respeita essencialmente aos factos históricos unitários que constituem objeto do processo e, por isso, encontram-se descritos na acusação ou na pronúncia, sendo aqui que se delimitam os poderes de cognição do tribunal e a vinculação temática do seu conhecimento.
Por outro lado, esta diversidade de crime deve ser entendida numa perspetiva teleológica, ou seja, quando a atuação do agente ou o bem jurídico tutelado pelo crime ultimamente imputado corresponderem, respetivamente, a uma imputação mais gravosa ou a um bem jurídico substancialmente distinto daquele que foi inicialmente acusado ou pronunciado - Neste sentido os Ac. do STJ de 07/06/1991 (autor/comparticipante), 16/10/1991 (dolo direto/dolo eventual), 29/09/1994 (Homicídio/Ofensas corporais), na CJ (S) III/29, IV/138, III/211, respetivamente.
Por sua vez e por contraponto, a alteração não substancial dos factos será aquela modificação não essencial da factualidade ou da qualificação jurídica em virtude do seu substrato fundamental já se encontrar descrito na acusação ou na pronúncia.
A propósito tem-se entendido que a alteração da qualificação jurídica, que tem subjacente a factualidade inicialmente imputada, corresponde a uma alteração não substancial, sendo aliás o que resulta do disposto no artigo 358º nº 3 do Código Processo Penal, bem como do disposto no artigo 303º nº 5 do mesmo diploma legal - Cfr. Acs. STJ de 08/01/1992 e 27/05/1992 na CJ (S) I/5, III/40; Ac. TC n.º 356/2005 de 06/07/2005,DR II, n.º 202, p. 14985.
Importa, porém, salientar que, naquele caso – de alteração substancial dos factos-, o despacho de pronúncia não é recorrível, apenas se podendo recorrer do despacho que indeferir a arguição de nulidade.
Ou seja, existe nesta matéria um regime especial: a nulidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público, do assistente, ou do RAI, deve ser arguida perante o juiz de instrução no prazo de oito dias a contar da notificação da decisão instrutória, apenas sendo suscetível de recurso o despacho de indeferimento que sobre ela recair.
No caso em apreço, o arguido interpôs recurso da decisão instrutória de pronúncia alegando que a mesma “coloca na acusação um elemento do tipo de crime que dela não constava e apropria-se de meios de prova arrolados pelo arguido”.
Independentemente da questão de saber se a decisão instrutória está ferida de nulidade (por proceder a uma alteração substancial dos factos, como alega o recorrente a fls. 20 do respetivo recurso, por entender que o despacho de pronúncia “colmata falhas e lacunas da acusação”) o certo é que, antes da interposição do recurso, o arguido não suscitou perante a Exmª. Juíza de Instrução a nulidade da decisão instrutória.
É neste contexto que costuma afirmar-se que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se” - Alberto dos Reis in “ Comentário ao Código de Processo Civil”, Coimbra Editora, vol. II, pg. 507 e ss.; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pg. 183.
Como se escreveu no Ac. desta Relação de 27/05/2009 relatado pela Desembargadora Maria Leonor Esteves e disponível in www.dgsi.pt, «não se tratando de questão de conhecimento oficioso (…), o seu conhecimento não competiria a este tribunal sem que, previamente, houvesse sido suscitada na 1ª instância. Pois, como é sabido, os recursos têm por objeto a decisão recorrida e não a questão por ela julgada; são remédios jurídicos e, como tal, destinam-se a reexaminar decisões proferidas pelas instâncias inferiores, verificando a sua adequação e legalidade quanto às questões concretamente suscitadas, e não a decidir questões novas, que não tenham sido colocadas perante aquelas. Assim, se os recorrentes pretendiam que fosse corrigido o procedimento adotado […], tinham de arguir primeiramente o vício perante o tribunal onde ele foi cometido e só depois, caso a decisão que viesse a ser proferida lhes fosse desfavorável, interpor o competente recurso, só então estando reunidas as condições para que este tribunal apreciasse a questão».
Não estando a eventual nulidade da decisão instrutória coberta por despacho judicial, nunca poderia este Tribunal ad quem dela conhecer, na medida em que jamais uma irregularidade ou uma nulidade sanável (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, anotação 2ª ao artigo 309º nº 2, pág. 779 e na jurisprudência, entre outros, o Ac. STJ de 24/10/2001, Proc. nº 2534/01-3ª) poderá constituir fundamento autónomo de recurso (cfr. a título meramente exemplificativo, embora no âmbito do Processo Civil, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 21/06/2007 proc. 3609/2007; e da Relação de Coimbra, de 10/07/2007.07 proc. 270/04.5TBVNO-A.C1. ambos disponíveis in www.dgsi.pt.jtrl.).
Acresce que, como supra já expendido, nos termos do artigo 310º nº 1 do Código Processo Penal, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é insuscetível de recurso.
Ora, no caso em apreço, como resulta de fls. 274 a 291, o arguido/recorrente foi pronunciado pelos factos e disposições legais imputados na acusação pública deduzida.
Por outro lado, antes da pronúncia, a decisão instrutória contém a análise e discussão dos indícios recolhidos na fase de inquérito e na fase de instrução, como se impunha.
Assim sendo, tendo-se o Sr. Juiz de Instrução, no que respeita à pronúncia stricto sensu, pronunciado a final o arguido pelos “factos e o direito” enunciados na acusação pública, a decisão instrutória não é suscetível de recurso.
Nos termos do disposto no artigo 420º nº1 al. b) do Código Processo Penal, deve o recurso ser rejeitado sempre que “se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do nº 2 do artigo 414º”.
Acresce que as decisões que admitiram os recursos não vinculam este tribunal – artigo 414º nº3 do Código Processo Penal.
Pelo exposto, nos termos dos artigos 420º nº1 b) e 414º nº 2 do Código Processo Penal rejeita-se, por inadmissibilidade legal, o recurso interlocutório de fls. 341 a 358, bem como o recurso da decisão instrutória interposto a fls. 361 a 376.
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III - Decisão:
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em rejeitar ambos os recursos interpostos pelo arguido B..., nos termos dos artigos 420º nº 1 al. b) e 414º nº 2 do Código Processo Penal.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc’s (artigo 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa), a que acresce a sanção de 3 UC’s – artigo 420º nº 3 do Código Processo Penal.
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Porto, 7 de fevereiro de 2018
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artº 94 nº2 do Código Processo Penal)
Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves