Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
508/04.9TIMAI.3.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20160912508/04.9TIMAI.3.P1
Data do Acordão: 09/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 244, FLS.198-208)
Área Temática: .
Sumário: I - A força e autoridade atribuídas à decisão transitada em julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde, em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal.
II - Verificando-se que em três ocasiões diferentes, uma no processo (..), em 30-09-2011 – respeitante a acidente de trabalho ocorrido 13-01-2001 - outra na sentença proferida neste processo principal – reportado ao acidente de trabalho sofrido em 3-11-2003 - e, posteriormente, no primeiro incidente de revisão deste mesmo processo, este decidido em 15-12-2010, foi equacionada a questão de saber se o A., em consequência das lesões sofridas num ou noutro dos acidentes ficou afectado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, sendo que em qualquer dessas decisões não foi acolhida a pretensão do autor, bem assim que essas decisões transitaram em julgado, contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, neste novo incidente de revisão da incapacidade não poderiam reapreciar-se as incapacidades anteriormente fixadas com vista a alterar-se a natureza da incapacidade com efeitos reportados à data da cura clínica, para se ponderar a fixação ao sinistrado duma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual (IPATH).
III - Ao propor-se reapreciar a questão nesses termos o Tribunal violou o caso julgado material e, subsequentemente, ao proferir a decisão recorrida reconhecendo (..) que o sinistrado se encontra afetado de uma IPP de 7,5% desde 23 de dezembro de 2004, com IPATH”, a autoridade do caso julgado decorrente daquelas decisões (art.ºs 619.º n.º 1 e 625.º n.º1 do CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 508/04.9TIMAI.3.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 Na acção com processo especial emergente de acidente de trabalho acima identificada, que correu termos no Tribunal da Comarca do Porto – Maia - Inst. Central - 2ª Sec. Trabalho – J1, em que é sinistrado B… e entidades responsáveis Companhia de Seguros C…, SA e D… SAD, veio aquele primeiro, em 18 de Setembro de 2014, ao abrigo do disposto no art.º 145.º do CPT, requerer a revisão da incapacidade que se encontra atribuída nestes autos, sustentando verificar-se o agravamento das sequelas do acidente de trabalho e que “(..) a desvalorização que vier a ser efectuada seja levada em devida conta, uma vez que se trata de uma incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual (IPATH)…
Foi ordenada a realização de exame médico de revisão por perito singular, na Delegação do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses do Porto.
Realizado o exame, o Senhor Perito Médico do INML concluiu o seguinte:
A atendendo aos dados documentais facultados e ao exame físico realizado nesta Delegação em 12-12-2014) considera-se não haver uma modificação relevante do quadro sequelar resultante do evento em estudo) não havendo) portanto) lugar a revisão do valor de IPP previamente fixado pelo Tribunal.
- Considera-se) no entanto) e na hipótese de não ter sido previamente fixada IPATH no âmbito de acidentes de trabalho anteriores (conforme o relatado pelo sinistrado), que o quadro sequelar resultante do acidente de trabalho em estudo é causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual».
I.2 Não se conformando com o resultado dessa perícia médica, a Seguradora requereu exame por junta médica, para o efeito apresentando quesitos.
O Tribunal a quo acolheu o requerido e designou data para realização do exame por junta médica.
Realizado o exame, os Senhores peritos médicos indicados pelo tribunal e pela seguradora concluíram o seguinte:
- Não haver razões para agravamento da IPP anteriormente atribuída de 7,5%;
- Não se justificar a atribuição de IPATH".
Por seu turno, a Senhora perita médica indicada pelo sinistrado, pronunciou-se no sentido de haver agravamento do grau de incapacidade e de ser atribuída uma IPATH, nos termos seguintes:
- IPP de 9,87% (6,58 x 1.5), com IPATH.
- Actualmente o sinistrado apresenta uma situação clínica que impede a continuação do desempenho da sua actividade profissional.
I.3 Na sequência daquela perícia por junta médica, o Tribunal a quo determinou que fossem extraídas e juntas aos presentes autos certidões das peças processuais seguintes:
- Processo n.º 351/09.9TTMAI: Fls. 84-86; 105 e 106; 108-A.
- Processo n.º 122/09.2TTMAI - apenso de fixação do coeficiente de desvalorização: Fls. 2 e 3; 44-47; 60; 63; 78; 112-113
- Processo principal: Fls. 388-409; 476-498.
Notificado da junção dessas certidões aos autos, o sinistrado veio apresentar requerimento sustentando, em suma, o seguinte:
- “(..) da factualidade provada nestes autos e respectivos apensos de revisão de incapacidade, assim como da factualidade que resultou provada no processo 122/09.2TTMAI é manifesto que as lesões e respectivas sequelas (entorse do joelho esquerdo, com lesão cartilagínea da tróclea femoral e lesão do menisco externo) resultantes do acidente sofrido pelo sinistrado em 03/11/2003 são causa de uma IPATH»
Não deverá o Tribunal deixar de dar primazia à verdade material. E a verdade é que o Autor ficou impossibilitado de continuar a exercer a profissão de jogador de futebol por força das lesões e respectivas sequelas resultantes do acidente que sofreu em 03/11/2003.
Nesta medida, e salvo melhor entendimento, dever-se-á nestes autos, de harmonia com o disposto no art. 74.º do C.P.T., atribuir ao Sinistrado uma IPATH em consequência das sequelas resultantes do acidente que sofreu em 03/11/2003, com as legais consequências, designadamente, a condenação da entidade responsável no pagamento da respectiva pensão».
Respondeu a R. seguradora, contrapondo, também no essencial, o seguinte.
- O requerido pelo A. é absolutamente ilegal; com inúmeros artifícios, pretende o A., na senda do que pretendeu já com o processo 122/09 e 51/09 que se encontra afectado de uma IPATH, não sendo isso que resulta da Junta Médica realizada.
- O A. está a ser visto e avaliado mais de 10 anos depois dos acidentes de trabalho em que se lesionou e contra o que pretende fazer esquecer, voltou a jogar futebol profissional depois dos ditos acidentes, demonstração inequívoca de que não estava então afectado de IPATH.
- A carreira profissional do A. terminou, como documentado nos autos, quando tinha já 28 anos de idade e o A. conta hoje com quase 39 anos de idade.
- Esta pretensão não só foi negada por todas as juntas médicas a que foi submetido, em especial a dos presentes autos, como foi ainda afastada pela carreira profissional do A., o qual retomou a sua actividade de jogador profissional de futebol após ter tido alta.
Conclui pugnando pela manutenção da IPP atribuída.
Na sequência da apresentação desses requerimentos, a Senhora Juíza proferiu despacho, em 15-01-2016, concluído nos termos seguintes:
-«(..)
Dito isto, há que reconhecer que a questão de saber se as sequelas resultantes do acidente ocorrido em 03.11.2003 são determinantes de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalhado habitual não se mostra devidamente esclarecida, tendo em conta as posições divergentes dos senhores peritos médicos que vêm intervindo no processo.
Por tal, entende o tribunal lançar mão do disposto no artigo 139.º/7 do Código de Processo do Trabalho, por forma a esclarecer as dúvidas apontadas. Porque estamos perante um sinistrado, à data do acidente, profissional de futebol e, logo, perante questões de índole médica, da especialidade de medicina desportiva, decide-se pela realização nos autos de um exame pericial por junta médica dessa especialidade, para o que se designa o próximo dia 29 de fevereiro, pelas 14 horas.
Solicite-se ao Instituto de Desporto de Portugal – Centro de Medicina Desportiva do Porto, a indicação de perito médico.
Notifique as partes de que deverão apresentar o seu perito médico até início da diligência, sendo que se não o fizerem o tribunal os nomeará oficiosamente – artigo 139.º/5 do Código de Processo do Trabalho».
Realizado este novo exame por junta médica, os Senhores Peritos consignaram no respetivo auto o laudo seguinte:
- «Por maioria dos peritos indicados pelo Tribunal e pelo sinistrado, entende-se que as sequelas resultantes do acidente em causa nos autos (03-11-2003) são determinantes de uma IPATH desde a data da consolidação reportada ao mesmo acidente.
Tal justifica-se porquanto a lesão do menisco externo e resultante num agravamento da condiopatia grau IV em condições normais, impossibilitou ou poderia impossibilitar a prática de futebol profissional.
- O perito médico da companhia seguradora entende que a evolução após a lesão sofrida em 2003 não é suficiente para justificar a IPATH, pelo que não considera existir alteração do estado/agravamento) mantendo os 7/5% de IPP».
I.4 Subsequentemente foi proferida decisão concluída com o dispositivo seguinte:
- «(..)
Por tudo quanto se expôs, ao abrigo do disposto nos artigos 17.°/1, al. b) e 23.° da LAT e 51.°/1 e 2 do RLAT e 145.° e 138.° do Código de Processo do Trabalho, reconhecendo-se que o sinistrado se encontra afetado de uma IPP de 7,5% desde 23 de dezembro de 2004, com IPATH, condena-se:
1 - A "Companhia de Seguros C…. S,A, " a pagar ao sinistrado B…:
a) A pensão anual, vitalícia e atualizável, de € 19.425,00, devida desde 24 de dezembro de 2014, a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de Natal, igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Maio e Novembro de cada ano, respetivamente, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do requerimento de revisão em apreciação e do vencimento de cada uma das prestações, até efetivo e integral pagamento;
b) O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no montante de € 3.005,15, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do requerimento de revisão em apreciação e até efetivo e integral pagamento.
2 - 'D…, Sad" a pagar ao sinistrado B…:
a) A pensão anual, vitalícia e atualizável, de € 559,62, devida desde 24 de dezembro de 2014, a ser paga mensalmente, até ao 3° dia de cada mês e no seu domicílio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de Natal, igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Maio e Novembro de cada ano, respetivamente, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do requerimento de revisão em apreciação e do vencimento de cada uma das prestações, até efetivo e integral pagamento;
b) O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no montante de € 86,57, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do requerimento de revisão em apreciação e até efetivo e integral pagamento.
Fixa-se o valor do incidente em € 345.148,48.
Custas pelas entidades responsáveis, na respetiva proporção.
(..)».
I.5 Inconformado com a sentença a Seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada;
2. No caso dos autos, não se verificam os pressupostos legais de que depende a possibilidade de revisão, desde logo não há qualquer agravamento, pelo que o incidente nunca poderia proceder.
3. A situação clínica actualmente observável é aquela que decorre, designadamente, do Auto de perícia por Junta Médica de medicina desportiva, realizado por ordem da Mma. Juiz a quo, na observância do disposto no n° 7 do art.º 139° do CPT, como exame complementar.
4. Nesse exame foi constatada a condiopatia de grau IV, que, no entanto, já existia na avaliação inicial da incapacidade decorrente do acidente de trabalho dos autos, e na qual deverão ter sido consideradas igualmente as consequências dos acidentes anteriores, tendo então sido atribuída a IPP de 7,5% (já decorrente da aplicação da bonificação de 1,5 sobre um coeficiente de 5%).
5. Tal avaliação foi acolhida na douta sentença inicial que transitou em julgado, tal como transitou em julgado a não menos douta decisão subsequente, já em sede de anterior incidente de revisão, que manteve a IPP inicial, sendo certo que aí sempre foi invocada uma alegada IPATH, que jamais se confirmou.
6.Transitadas as decisões judiciais, imediatamente ficou esgotado o poder jurisdicional do Juiz, pois não houve interposição de recurso por parte do sinistrado que permitisse rever o juízo então formulado.
7. Deste modo, a subsistência na ordem jurídica da douta decisão sob recurso, ao reconhecer a possibilidade de serem agora valorizadas, de forma distinta (atribuindo IP ATH), sequelas já antes existentes e que, apreciadas judicialmente, mal ou bem, não deram lugar à atribuição desse grau de incapacidade, constituiria clara violação do disposto nos art.º 70.º da Lei n° 98/2009, bem como dos art.ºs 619.º e 625.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPT, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que julgue improcedente o incidente de revisão, mantendo-se a incapacidade permanente do sinistrado fixada aquando da consolidação médico-legal.
I.6 O Recorrido Sinistrado apresentou contra alegações, mas sem que se mostrem finalizando-as com conclusões.
No essencial reitera a argumentação que já expendera no requerimento apresentado após ter sido notificado da decisão determinando a junção aos autos das certidões referidas acima, em I.3, para depois acompanhar a fundamentação da sentença recorrida. No que tange à alegada violação de caso julgado invocada pela recorrente, contrapõe que “[A]purando-se, como se apurou, que as sequelas resultantes do acidente de 2003 são causadoras de uma IPATH, não poderia o Tribunal a quo ter proferido decisão diversa da que proferiu. A prolação de decisão diversa, como pretende a apelante, viola o direito irrenunciável e constitucionalmente consagrado do trabalhador (alínea e do n.º 1 do art.º 59.º da CRP) à justa reparação do acidente de trabalho que este sofreu”.
I.7 A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, acompanhando a fundamentação da decisão recorrida e, logo, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
I.8 Procedeu-se à remessa do projecto de acórdão e histórico digital do processo aos excelentíssimos adjuntos (art.º 657º n.º 2, primeira parte, do CPC) e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.9 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão suscitada pela recorrente para apreciação consiste em saber se decisão sob recurso, ao reconhecer a possibilidade de serem agora valorizadas de forma distinta (atribuindo IPATH), sequelas já antes existentes e que, apreciadas judicialmente não deram lugar à atribuição desse grau de incapacidade, viola o disposto no art.º 70.º da Lei n° 98/2009, bem como nos artigos 619.º e 625.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPT. Em suma, se há ofensa de caso julgado material.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
Para apreciação do presente recurso relevam os factos mencionados no relatório que antecede, bem assim os que o tribunal a quo fez consignar no despacho de 15-01-2016 - para o qual remete a decisão recorrida -, com base na consulta integral do processo em que se insere o presente incidente e, também, das certidões acima referidas que mandou juntar aos autos (dos processos n.º 351/09.9TTMAI e n.º 122/09.2TTMAI), nomeadamente, na parte onde se lê o seguinte:
-« (..) Analisado o processo na sua íntegra, e já não só o presente incidente de revisão, constatasse que:
- o acidente em causa nos presentes autos ocorreu em 03.11.2003;
- em junta médica realizada no dia 03.10.2005, os senhores peritos médicos indicados pelo tribunal e pela seguradora fixaram ao sinistrado uma IPP de 5%; o senhor perito médico indicado pelo sinistrado atribui-lhe uma IPP de 10%, com IPATH;
- na sequência de recurso interposto pelo sinistrado, o Tribunal da Relação do Porto anulou a decisão proferida na sequência de tal junta médica, realizando-se nova junta médica, em 21.05.2007, onde os senhores peritos médicos indicados pelo tribunal e pela seguradora mantiveram a IPP de 5%, aplicando no entanto o fator de bonificação de 1,5 por considerarem que as lesões determinaram diminuição do rendimento desportivo como atleta de futebol profissional e o senhor perito médico indicado pelo sinistrado manteve a IPP de 10%, também com a aplicação do fator de bonificação 1,5. Foi, então, proferida decisão que, seguindo a opinião maioritária dos senhores peritos médicos, fixou ao sinistrado uma IPP de 7,5% (5%x1,5).
- em 27.04.2009, o sinistrado vem requerer revisão da incapacidade e da pensão que lhe haviam sido atribuídas, dando início ao primeiro incidente de revisão nos autos;
- no exame médico singular, o senhor perito médico do INML vem a concluir, em 19.04.2010, pela IPP de 14,44%, com IPATH;
- não se conformando com tal resultado, a seguradora requereu junta médica, a qual se veio a realizar em 21.06.2010, na qual, mais uma vez, os senhores peritos médicos divergem: os indicados pelo tribunal e pela seguradora mantém a IPP de 7,5%, sem atribuição de IPATH, o indicado pelo sinistrado atribui uma IPP de 15%, com IPATH;
- foi solicitado parecer ao Instituto do Desporto de Portugal, o qual foi realizado em 09.11.2010, aí se concluindo pela IPP de 26,38% e se considerando que a patologia que o sinistrado apresenta no joelho é altamente incapacitante, impedindo a prática desportiva;
- após tal parecer, reuniu-se novamente – em 13.12.2010 – a junta médica de 21.06.2010, aí mantendo os senhores peritos, respetivamente, as IPP anteriormente fixadas e consignando ainda o seguinte: “os peritos tiveram em conta o resultado de uma avaliação de incapacidade que afeta o mesmo joelho e que teve junta médica em 09.12.2010, neste tribunal, no âmbito do Proc. 122/09.2TTMAI-A, em que foi atribuída 7,5% de IPP – Cap. I 12.1.2 e IPATH”;
- após tal junta, foi proferida decisão, em 15.12.2010, que decidiu manter a pensão fixada nos autos ao sinistrado, com base numa IPP de 7,5%.
Para além da resenha dos presentes autos que se acaba de fazer, importa ainda considerar o seguinte, que se extrai da documentação entretanto junta:
- correu termos por este tribunal o processo n.º 122/09.2TTMAI que teve por objeto um acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em 13.01.2001;
- no apenso para fixação do coeficiente de desvalorização que afetava o sinistrado, teve lugar junta médica, realizada em 09.12.2010, em que os senhores peritos médicos indicados pelo tribunal e pela seguradora propuseram uma IPP de 7,5% e os senhores peritos médicos indicados pelo tribunal e pelo sinistrado uma IPATH;
- nesse apenso foi proferida decisão, em 01.06.2011, onde se fixou ao autor a IPP de 7,5%, bem como uma incapacidade absoluta para a profissão habitual (IPATH);
- o processo principal prosseguiu para julgamento, vindo a ser proferida sentença em 30.09.2011, transitada em julgado, onde se considerou como provado, além do mais:
“…
21 – A carreira do autor terminou ao serviço do D…, na época de 2003/2004.
22 – Depois de agosto de 2001, o autor retomou a sua atividade profissional tendo sido convocado e participado em inúmeros jogos oficiais ao serviço do D….
(…)
28 – Por decisão proferida no apenso de fixação do coeficiente de desvalorização, foi fixada ao autor a incapacidade permanente parcial para o trabalho de 7,5%, aí se considerando que a globalidade das sequelas que o mesmo atualmente apresenta ao nível do joelho esquerdo lhe determinaram uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
…”.
- face a estes factos, decidiu-se nessa sentença, no que à questão da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual diz respeito, o seguinte:
“…
O sinistrado, porém, havia alegado que por causa das lesões sofridas com o acidente participado, havia ficado permanente e absolutamente incapaz para o exercício da sua profissão habitual, no caso, jogador profissional de futebol.
Ora, face ao disposto na alínea b) do citado n.º1 do artigo 17.º da LAT, em tal situação o autor teria direito à pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e subsídio por situações de elevada incapacidade permanente.
Vejamos.
Como refere Carlos Alegre [Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 96], a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual consiste numa «… incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, atividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra atividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio, diminuta».
Citando o AC TRP de 14.04.2008 [www.dgsi.pt], «em face da indefinição do que se possa entender por “trabalho habitual”, continuam atuais as palavras de Vítor Ribeiro “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Rei dos Livros, 1994, pág. 29, para quem a incapacidade para o trabalho habitual ocorre “quando, por acréscimo a uma certa diminuição da capacidade geral de ganho, a incapacidade se traduz na perda de um estatuto sócio profissional e económico estabilizado”».
Assim, e continuando a citar o mencionado acórdão, «a tutela da incapacidade para o trabalho habitual prende-se, pois, com o facto de o sinistrado ter de se adaptar a outra profissão ou função, ter de aprender a fazer outra coisa, o que implica um “investimento” em termos de formação profissional ou o não recebimento de qualquer remuneração enquanto não for enquadrado noutro sector ou função».
Ora, no caso de que nos ocupamos, temos que a profissão do sinistrado era, à data do acidente, a de jogador profissional de futebol.
Provado ficou, com relevância para a questão da incapacidade permanente absoluta para o exercício da profissão habitual, que depois de Agosto de 2001, o autor retomou a sua atividade profissional, tendo sido convocado e participado em inúmeros jogos oficiais ao serviço do D…, para onde se transferiu na época de 2001/2002, vindo a terminar a sua carreira ao serviço daquele mesmo clube na época de 2003/2004.
Por outro lado, aos quesitos 9º, 10º e 12º - onde se questionava se por virtude do sinistro em causa nos autos o autor não mais pode exercer a sua atividade profissional como o tinha feito até àquela data e se a lesão que resultou do acidente o incapacita permanentemente para a prática de futebol de alta competição – o tribunal respondeu negativamente.
Ou seja, não logrou o autor demonstrar, tal como lhe competia de acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, que do acidente e lesão dele decorrente resultaram sequelas permanentes e absolutamente incapacitantes do exercício da sua profissão habitual de jogador profissional de futebol.
Assim, o pedido de cálculo da pensão nos termos do disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 17.º da LAT e, bem assim, o de subsídio de elevada incapacidade a que se refere o mesmo preceito terão de improceder.
…”.
De tudo quanto se acabou de expor podemos extrair as seguintes conclusões:
- o acidente participado nos presentes autos ocorreu em 03.11.2003, logo, em data posterior ao participado no processo n.º 122/09.2TTMAI, o qual ocorreu em 13.01.2001;
- a carreira do sinistrado terminou ao serviço do D…, na época de 2003/2004;
- no primeiro incidente de revisão que teve lugar nos presentes autos, o senhor perito médico do INML considerou que as sequelas apresentadas pelo sinistrado decorrentes do acidente de 03.11.2003 eram causadoras de IPATH e os senhores peritos médicos que intervieram na junta médica de 13.12.2010, não atribuindo ao sinistrado IPATH, declaram terem tido em conta o resultado da junta médica realizada no dia 09.12.2010, no âmbito do processo n.º 122/09.2TTMAI, que lhe havia atribuído IPATH;
- pese embora o resultado de tal junta médica e a decisão que na sua sequência foi proferida, a sentença que veio a ser prolatada no citado processo n.º 122/09.2TTMAI não reconheceu ao sinistrado IPATH, por ter considerado que não havia ficado demonstrado que do acidente e lesão dele decorrente resultaram sequelas permanentes e absolutamente incapacitantes do exercício da sua profissão habitual de jogador profissional de futebol.
(..)».
II.2 MOTIVAÇÃO de DIREITO
A questão suscitada pela recorrente para apreciação consiste em saber se decisão sob recurso, ao reconhecer a possibilidade de serem agora valorizadas, de forma distinta (atribuindo IPATH), sequelas já antes existentes e que apreciadas judicialmente não deram lugar à atribuição desse grau de incapacidade, viola o disposto no art.º 70.º da Lei n° 98/2009, bem como nos artigos 619.º e 625.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPT.
Em suma, está em causa saber se a decisão recorrida viola o caso julgado firmado nas decisões seguintes:
i) Na sentença proferida no processo 122/09.2TTMAI, em 30-09-2011, transitada em julgado, onde se concluiu que o A. “não logrou (..) demonstrar, tal como lhe competia de acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, que do acidente e lesão dele decorrente resultaram sequelas permanentes e absolutamente incapacitantes do exercício da sua profissão habitual de jogador profissional de futebol”.
ii) Na sentença proferida nestes autos, mais precisamente no processo principal, respeitante ao acidente de trabalho ocorrido em 03-11-2013, fixando ao sinistrado uma IPP de 7,5% (5%x1,5).
iii) No primeiro incidente de revisão destes autos (processo principal), iniciado em 27.04.2009 e decidido em 15.12.2010, mantendo a IPP de 7,5% fixada nos autos ao sinistrado e, consequentemente, a pensão que lhe foi atribuída.
Relevando ter presente que em todas essas decisões foi equacionada a questão de saber se o A., em consequência das lesões sofridas no acidente sofrido em 13-01-2001 (processo 122/09.12TTMAI), ou no acidente sofrido em 03.11.2003 - que deu origem ao presente processo-, ficou afectado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Antes de prosseguirmos para a apreciação, como nota prévia deve assinalar-se que respeitando a questão sob recurso a acidente de trabalho ocorrido em 03-11-2013, aplica-se-lhe o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, vigente à data do sinistro, embora entretanto revogado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro [Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes e Doenças Profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro], em vigor desde 1 de Janeiro de 2010, dado que este apenas é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após o início da sua vigência [art.ºs 186.º, 187.º 1 e 188.º].
Significa isto, desde logo, que a haver violação da regra que regula a possibilidade de revisão das prestações atribuídas ao sinistrado no âmbito do direito reparatório dos danos emergentes de acidente de trabalho, a norma a considerar será o n.º1 do artigo 25.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro, e não o correspondente n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, invocado pela recorrente. É certo que a norma actualmente vigente não se desvia do que já se encontrava estabelecido no n.º1 do art.º 25.º da Lei 100/97, mas o rigor técnico impõe que se deixe esta observação.
II.2.1 A decisão recorrida remete expressamente para o despacho 15-01-2016, no qual, após a resenha de actos processuais transcrita acima, o tribunal a quo afirma o entendimento que está na base daquela, por isso mostrando-se adequado deixar aqui nota de mais esse passo desse despacho, nomeadamente, na parte seguinte:
Tendo em conta que no presente incidente de revisão a maioria dos senhores peritos médicos – INML, indicados pelo tribunal e pela seguradora – consideram “… não haver uma modificação relevante do quadro sequelar resultante do evento em estudo …” e, logo, “…não haver razões para agravamento da IPP anteriormente atribuída”, a questão que se pode colocar à apreciação deste tribunal é a de saber se, apesar de as sequelas se manterem, logo, sem agravamento, é possível fixar agora uma IPATH.
Salvo o devido respeito por diversa opinião, afigura-se-nos que nada impede que assim possa ocorrer.
Na verdade, ressalta do disposto no artigo 35.º da LAT (Lei n.º 100/97, de 13 de setembro) que «os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por esta lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam dos privilégios creditórios consignados na lei geral como garantia das retribuições do trabalhado, com preferência a estas na classificação legal».
Trata-se, pois, de direitos em relação aos quais os seus titulares não têm qualquer poder de disposição, pois nascem, desenvolvem-se e extinguem-se independentemente da vontade dos titulares – são irrenunciáveis e, em regra, intransmissíveis.
Ademais, e como resulta do disposto no n.º3 do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, os processos de acidente de trabalho correm oficiosamente, sem necessidade do impulso das partes, o que significa que, neste âmbito, independentemente da posição processual das partes e da atividade por elas desenvolvida ou omitida, o tribunal deve desenvolver toda a atividade processualmente necessária para que se determinem todas as prestações infortunísticas a que o sinistrado tem direito por causa de um acidente de trabalho e, nesse enquadramento, deve condenar cada um dos responsáveis por aquelas prestações e satisfazê-las ao sinistrado.
Ora, precisamente tendo em conta a natureza indisponível dos direitos emergentes de acidentes de trabalho e a oficiosidade de processamento da respetiva ação, afigura-se-nos que nada obsta, seja do ponto de vista processual, seja do ponto de vista substantivo, a que em sede de incidente de revisão da incapacidade se venham a considerar, por exemplo, sequelas que já existiam à data da consolidação médico-legal (alta) mas que não foram então valoradas ou, como é o caso dos autos, se venham a valorizar essas mesmas sequelas de forma distinta (como causa não só de uma IPP, como ainda de uma IPATH)».
Foi neste pressuposto que o Tribunal a quo entendeu lançar mão do disposto no art.º 139.º/7 do CPT, determinando a realização de nova perícia por junta médica da especialidade de medicina desportiva, vindo os Senhores peritos médicos indicados pelo tribunal e pelo sinistrado a emitir o laudo maioritário transcrito acima (final do ponto I.3).
Seguiu-se a prolação da decisão recorrida, cujo dispositivo também já se deixou transcrito (ponto 1.4), importando agora conhecer os fundamentos da mesma, nomeadamente, os seguintes:
- «(..)
Tal como já se deixou dito no referido despacho de 15/01/2016, a maioria dos senhores peritos médicos que se pronunciaram no presente incidente de revisão consideram que " ... não haver uma modificação relevante do quadro sequelar resultante do evento em estudo ... ".
Face a esta conclusão esmagadoramente maioritária (apenas a senhora perita indicada pelo sinistrado se pronuncia em sentido contrário), e tal como já se deixou dito, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se, não obstante as sequelas se manterem, logo, sem agravamento, é possível fixar agora uma IPATH.
Ora, quanto a esta questão, remetemos para o citado despacho, onde já se considerou, o que agora se reafirma, que “ ... precisamente tendo em conta a natureza indisponível dos direitos emergentes de acidentes de trabalho e a oficiosidade de processamento da respetiva ação, afigura-se-nos que nada obsta, seja do ponto de vista processual, seja do ponto de vista substantivo, a que em sede de incidente de revisão da incapacidade se venham a considerar, por exemplo) sequelas que já existiam à data da consolidação médico-legal (alta) mas que não firam então valoradas ou, como é o caso dos autos, se venham a valorizar essas mesmas sequelas de firma distinta (como causa não só de uma IPP) como ainda de uma IPATH“.
Assim, e no caso presente, inexistindo fundamento legal que permita um entendimento diverso do expendido pela maioria dos senhores peritos médicos que intervieram na junta médica da especialidade de medicina desportiva e não se afigurando necessária a realização de outras diligências, considera-se que o sinistrado, em consequência do acidente de trabalho sofrido, apresenta uma IPP de 7.5%. encontrando-se ainda com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual”.
Em suma, foi este o caminho percorrido pelo tribunal a quo para defender o entendimento que levou a reconhecer que o sinistrado se encontra afetado de uma IPP de 7,5% desde 23 de Dezembro de 2004, data da alta clínica, com IPATH, em consequência alterando as prestações devidas em função dessa incapacidade agora reconhecida, com efeitos reportados ao dia seguinte àquela data.
II.2.2 Para melhorar enquadrar a questão colocada no recurso, afigura-se-nos útil deixar aqui alguns dos traços gerais que caracterizam o regime de reparação de acidentes de trabalho e, ainda, do processo especial emergente de acidente de trabalho.
II.2.2.1 Existe responsabilidade civil quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outrem. A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é devedor e a vítima credor. Trata-se, portanto, de uma obrigação que nasce directamente da lei [Mário Júlio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Atlândida Editora, Coimbra, 1968, pp. 151].
Os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho nos termos previstos na lei, no que ao caso importa através do regime constante da Lei n.º 100/97 [art.º 1.º], regulamentado pelo Decreto-lei n.º 143/99 de 30 de Abril.
A reparação prevista na lei de acidentes de trabalho não abrange todos os danos que o trabalhador tenha sofrido em consequência do acidente de trabalho. A delimitação é feito logo pelo conceito de acidente de trabalho [art.º 6.º, n.º1, da LAT], de onde resulta que apenas são atendidos os danos ocorridos no corpo e na mente – a lesão corporal é o efeito lesivo de que o acidente é causa, podendo ser física ou mental - alargados aos casos restritos previstos no art.º 38.º do DL 143/99, em concreto, reparação de aparelhos de prótese, ortótese ou ortopedia.
E, para que aquele danos sejam indemnizáveis, como danos emergentes de acidente de trabalho, é necessário que se repercutam na capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador e, cumulativamente, que exista um nexo de causalidade entre o acidente e o dano – lesão corporal, perturbação funcional ou doença – o qual pode ser direto ou indirecto.
Assim, o dano que a lei visa reparar não é a lesão, perturbação ou doença e o sofrimento que implicam, mas antes a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, resultantes daquela lesão, perturbação ou doença.
No domínio dos acidentes de trabalho, o direito à reparação compreende duas espécies de prestações, as prestações em espécie e as prestações em dinheiro [art.º 10.º, da LAT]. As primeiras compreendem as “prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e de capacidade de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa” [al. a)]; e, as segundas, a “indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho; indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução da capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente; pensões aos familiares do sinistrado; subsídio por situações de elevada incapacidade permanente; subsídio para readaptação de habitação, e subsídio por morte e despesas de funeral” [al.b)].
A redução na capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado em consequência de acidente de trabalho pode determinar diferentes situações de incapacidade, distinguindo-se, desde logo, entre as incapacidades temporárias e as permanentes para o trabalho. As primeiras podem ser parciais ou absolutas; e, as segundas, podem ser parciais, absolutas para o trabalho habitual e absolutas para todo e qualquer trabalho (cfr. art.º 9.º do DL 143/99).
Essas incapacidades são determinadas de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo o grau expresso em coeficientes (art.º 10.º e 41.º do DL 143/99) e conferem ao sinistrado o direito às prestações definidas no art.º 17.º da LAT. Nos termos deste artigo, a reparação ao sinistrado é efectuada através de indemnização ou pensão anual e vitalícia, consoante se trate de uma incapacidade temporária ou de uma incapacidade permanente.
As indemnizações por incapacidade temporária começam a vencer-se no dia seguinte ao do acidente e as pensões por incapacidade permanente no dia seguinte ao da alta (art.º 17.º/4, LAT).
A fixação de uma determinada pensão anual para reparação de lesão ou doença sofrida pelo trabalhador não é definitiva, dispondo o art.º 25.º n.º1 da LAT, o seguinte:
[1] Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
Quando o fundamento é a modificação de ganho do beneficiário, tem de verificar-se:
- o agravamento ou exacerbamento da doença, isto é, a recuperação clínica que tinha sido possível obter e adquirira certa estabilidade, veio a evoluir negativamente para uma situação mais grave.
- a recidiva, que à luz da medicina significa a ocorrência de um novo ataque de doença depois de o doente estar restabelecido de outro anterior [Dicionário Priberam da Língua Portuguesa “on line”, disponível em http://www.priberam.pt].
- a recaída, isto é, um recomeço dos sintomas antes que se tenha atingido um estado de saúde estável;
- a melhoria da lesão ou doença, que pode traduzir-se numa recuperação parcial com diminuição do grau de incapacidade ou, mesmo, na recuperação total, deixando de existir redução na capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado.
Esse direito não é afectado mesmo nos casos em que há lugar à remição da pensão e entrega do respectivo capital ao sinistrado [art.º 58.º, al. b), do DL 143/99]. Não interessando aqui aprofundar o assunto, relembra-se apenas que a remição da pensão constitui uma das formas de cumprir o pagamento das pensões anuais e vitalícias, consistindo no pagamento unitário da pensão ou, noutras palavras, na conversão da pensão em capital, havendo casos em tal é obrigatório e outros em que a remição é facultativa [art.º 17.º/1/al. d), e 33.º n.ºs 1 e 2, da LAT].
II.2.2.2 O processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, compreende duas fases distintas: uma primeira, chamada fase conciliatória, de realização obrigatória e sob a direcção do Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direcção do Juiz.
Através da primeira, como a sua própria denominação o indica, procura-se alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho para o sinistrado através da composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas (direitos indisponíveis), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos. Para possibilitar aquele objectivo, a tramitação desta fase compreende, por sua vez, três fases, uma primeira, de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a“(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo susceptível de ser homologado (art.ºs 104.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “deve indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (art.ºs 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo susceptível de ser homologado pelo Juiz (art.º 109.º) [Cfr. João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efectivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e sgts.].
Num breve parêntesis, refira-se que o Processo 351/09.9TTMAI, respeitante a um dos acidentes de trabalho sofridos pelo A., nomeadamente, o ocorrido em 17-11-2002, enquanto ao serviço do D…, entidade que tinha a responsabilidade infortunística transferida para a Companhia de Seguros C…, SA, do qual foi junta certidão a estes autos, findou na fase conciliatória em virtude de ter sido obtido acordo entre o sinistrado e aquela seguradora, o qual foi homologado por sentença de 28-04-2010 (o acidente apenas foi participado em 7-05-2009), ficando fixada ao sinistrado um IPP de 5%, desde a data da alta, em 21-10-2003.
Nos casos em que não é obtido acordo, mas dependendo da iniciativa processual do interessado que não tenha acordado, poderá então haver lugar à fase contenciosa (art.º 117.º do CPT), iniciando-se esta com a apresentação da petição inicial, em que o “sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos” [n.º1 al. a)], ou o requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho” [n.º1 al. b)]. Foi precisamente o que aconteceu neste e no processo 122/09.12TTMAI.
Importando ter presente que todo o conjunto de elementos que foram sendo recolhidos na instrução do processo, bem como o exame médico e a tentativa de conciliação, integram o processo e aproveitam à fase contenciosa.
Se o processo prosseguir por estar apenas em causa a discordância quanto à incapacidade, não há lugar à constituição de apenso para fixação da mesma [art.ºs 118.º a) 126.º 1, do CPT].
Neste caso, em que a tramitação é mais simples, realizado a perícia médica, a que se refere o art.º 139.º do CPT, seguir-se-á a prolação da sentença, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 140.º, dispondo o seguinte:
- [1] “Se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.”.
Se pelo contrário se colocam outras questões controvertidas e entre elas a da incapacidade para o trabalho, haverá lugar à constituição do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho (art.º 126.º/1 e 132.º1, do CPT).
Certo é, e isso é o que aqui agora importa, que em qualquer dos casos as regras relativamente à perícia médica são as mesmas e sempre caberá o juiz fixar a natureza e o grau da incapacidade.
O exame por junta médica previsto no art.º 139.º do CPT, inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, também pelas que no Código de Processo Civil disciplinam este meio de prova.
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Recorrendo à lição, seguramente actual, do Professor Alberto dos Reis, elucida este que “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 171].
Pese embora o perito dispor de conhecimentos especiais que o julgador não possui, a sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Op. cit., pp. 578].
Dai que, conforme estatuído na lei, a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo Tribunal (art.º 389.º do CC e 607.º/5 do Cód. Proc. Civil).
Como defendem aqueles autores “apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente arbítrio dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso de frequente divergência entre os peritos” [op. cit. pp. 583].
A aplicação do princípio da livre apreciação da prova à prova pericial, foi igualmente objecto de exaustiva apreciação por parte do Professor Alberto dos Reis, para concluir “(..) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [op. cit., pp.. 185/186]
Em suma, na prolação da decisão para fixação da incapacidade, seja na sentença a que alude o nº 1 do art.º 140.º do Cód. Proc. Trab., ou seja no apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, isto é, o exame feito pela junta médica e o exame médico singular realizado na fase de conciliação. É o que logo decorre do art.º 140.º 1, quando diz que a decisão é proferida “(..) realizadas as perícias referidas no artigo anterior (..)”, bem assim da própria arquitetura do processo, prevendo a realização obrigatória dos referidos exames médicos.
Contudo, tal não significa que o julgador está vinculado ao parecer dos senhores peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime. Porém, quer adira ou quer se desvie, precisamente por a ele caber na sua livre convicção decidir, é-lhe sempre exigido que deixe expressa a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que o faz, ainda que com diferentes níveis de exigência.
Por fim, até porque é nesse âmbito que nos encontramos, importa referirmo-nos ao incidente de revisão da incapacidade, regulado nos artigos 145.º e seguintes.
Como resulta do n.º2, daquele artigo, incidente de revisão inicia-se a requerimento do sinistrado ou da entidade responsável, sendo o pedido deduzido por simples requerimento que deve ser fundamentado ou acompanhado de quesitos (n.º2, daquele artigo).
Admitido o incidente, o juiz manda submeter o sinistrado a perícia médica singular (art.º 145.º/1).
O resultado é notificado às partes e, caso alguma delas não concorde, pode requerer perícia por junta médica, no prazo de dez dias, em requerimento fundamentado ou acompanhado de quesitos; e, ainda que nenhuma das partes o requeira, pode o juiz ordenar a realização de perícia “se a considerar indispensável para a boa decisão do incidente” (art.º 145.º/5).
Se não for realizada perícia por junta médica, ou feita esta, e efectuadas quaisquer diligências que se mostre necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar (art.º 145.º/6).
Sendo de assinalar que para efeitos desta decisão o juiz servir-se-á necessariamente do laudo dos peritos médicos, mas valorando-os livremente, nos termos que acima deixámos explicitado.
II.2.3 Aqui chegados, importa agora fazer referência aos factos que se assumem determinantes para a decisão da questão em apreço, relativos ao presente processo e, também, ao processo 122/09.2TTMAI.
Ambos prosseguiram para a fase contenciosa e em qualquer deles, como se constata da resenha de factos que o tribunal a quo alinhou no despacho de 15-01-2016, no âmbito da fixação da incapacidade para o trabalho foi objecto de discussão a questão de saber se o A. estava afectado de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual, usualmente designada por IPATH. Com efeito, basta atentar nos factos transcritos reportados aos laudos médicos, quer nos exames singulares quer nos exames por junta médica para se constatar essa realidade.
No que respeita às sequelas decorrentes das lesões sofridas pelo sinistrado no acidente ocorrido em 03.11.2003, que deu origem ao processo em que se integra este incidente de revisão, na apreciação de recurso interposto pelo sinistrado, o Tribunal da Relação do Porto anulou a decisão da 1.ª instância e determinou a realização nova junta médica.
Cumprido o determinado por esta instância, foi proferida sentença que fixou ao sinistrado uma IPP de 7,5% (5%x1,5), desde a data da alta clínica, em 23 de Dezembro de 2004, a qual transitou em julgado. Sendo um caso em que remição da pensão é obrigatória, observados os procedimentos adequados foi feita a entrega ao sinistrado pelas entidades responsáveis, nas respetivas proporções, do capital de remição da pensão anual de € 2.268,53 (cfr. fls. 272).
Em 27.04.2009, o sinistrado veio requerer a revisão da incapacidade e da pensão atribuídas naquela sentença. O incidente foi decidido em 15.12.2010, tendo sido mantida a IPP de 7,5% anteriormente fixada ao sinistrado e, consequentemente, a pensão atribuída.
Essa decisão não foi objecto de recurso, tendo transitado em julgado.
No que respeita ao processo n.º 122/09.2TTMAI, que teve por objeto um acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em 13.01.2001, foi proferida sentença em 30.09.2011onde se decidiu, no que à questão da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual diz respeito, ter ficado provado “ (..) que depois de Agosto de 2001, o autor retomou a sua atividade profissional, tendo sido convocado e participado em inúmeros jogos oficiais ao serviço do D…, para onde se transferiu na época de 2001/2002, vindo a terminar a sua carreira ao serviço daquele mesmo clube na época de 2003/2004”, vindo a concluir-se que “não logrou o autor demonstrar, tal como lhe competia de acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, que do acidente e lesão dele decorrente resultaram sequelas permanentes e absolutamente incapacitantes do exercício da sua profissão habitual de jogador profissional de futebol”.
Como resulta da certidão junta aos autos (fls. 262 a 284, do processo electrónico), dessa sentença apenas recorreu a ali R. Companhia de Seguros C…, SA, tendo sido objecto do recurso a reapreciação da matéria de facto e, no pressuposto de alegado erro na aplicação do direito aos factos, as questões relativas à caducidade do direito de acção e aos juros de mora (não sobre o capital de remição, mas sobre os montantes devidos mensalmente da pensão fixada).
Significa isso, pois, que o A. conformou-se com a sentença e, também, que na parte não recorrida a mesma transitou em julgado após decorrido o prazo, ai se incluindo a questão do grau de incapacidade fixado e, logicamente, a rejeição da IPATH e a fundamentação em que assentou essa decisão.
II.2.4 Nos termos do n.º1, do art.º 619.º do CPC, “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.
Por seu turno, o art.º 621.º, do mesmo diploma, dispõe que “[A] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: (..)”.
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado em primeiro lugar que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial, dispondo o art.º 621.º n.º1 “[H]avendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.
A excepção de caso julgado, como meio de defesa por excepção facultado ao Réu [art.º 577.º al. f), CPC], constitui um dos aspectos em que se reforça a força e autoridade do caso julgado, o seja, da decisão transitada em julgado (art.º 621.º, CPC).
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa em dois processos, ocorrendo quando o primeiro processo tenha findado por decisão transitada em julgado (art.º 580.º n.º1, CPC).
Designa-se por caso julgado material porque a decisão que lhe serve de base recai sobre a relação material ou substantiva em discussão. O caso julgado material cobre a decisão proferida sobre o fundo de mérito da causa e tem força obrigatória não só dentro do próprio processo em que a decisão é proferida, mas também fora dele (art.º 619.º 1, CPC).
Mas conforme elucida o acórdão desta Relação de 30/04/2013 [processo n.º 993/08.0TJVNF.P1, Desembargadora Márcia Portela, disponível em www.dgsi.pt], “A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., II, ps. 770-771). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…)”.
Socorrendo-nos do ensinamento de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a força e autoridade atribuídas à decisão transitada em julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde, em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal. “Trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito, acima da intenção de defender o prestígio da administração da justiça. A execpção de caso julgado, assente na força e autoridade da decisão transitada, destina-se ainda a prevenir o risco de uma decisão inútil” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, p. 309].
Como se sintetiza no sumário do acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2010 [Proc.º n.º 392/09.6 TBCVL.S1, Desembargador Jorge Arcanjo, disponível em www.dgsi.pt]:
I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC».
Por fim, como se observa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 21-03-2016 [proc.º 210/07.6TCLRS.L1.S1, Conselheiro Álvaro Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt], impõe-se ainda referir ser “(..) entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt. Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579), citado no referido Acórdão do STJ, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.».
Revertendo ao caso, como já o dissemos repetidamente, em três ocasiões diferentes, uma no processo 122/09.2TTMAI, em 30-09-2011 – respeitante acidente de trabalho ocorrido 13-01-2001 - outra na sentença proferida neste processo principal – reportado ao acidente de trabalho sofrido em 3-11-2003 - e, posteriormente, no primeiro incidente de revisão deste mesmo processo, este decidido em 15-12-2010, foi equacionada a questão de saber se o A., em consequência das lesões sofridas num ou noutro dos acidentes ficou afectado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, sendo que em qualquer dessas decisões não foi acolhida a pretensão do autor. E, como também já o dissemos, todas essas decisões transitaram em julgado.
Em suma, no caso específico destes autos, a sentença transitada em julgado fixou ao sinistrado a IPP de 7,5, desde a data da cura clínica, em 23 de Dezembro de 2004. E, no primeiro incidente de revisão foi mantida essa mesma IPP de 7,5%, decisão que igualmente transitou em julgado.
Assim sendo, salvo o devido respeito, contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo não poderiam jamais reapreciar-se as incapacidades anteriormente fixadas, com vista a alterar-se a natureza da incapacidade com efeitos reportados à data da cura clínica, para se ponderar a fixação ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual (IPATH).
Ao propor-se reapreciar a questão nesses termos no despacho de 15/01/2016, o Tribunal violou o caso julgado material e, subsequentemente, ao proferir a decisão recorrida, a autoridade do caso julgado decorrente daquelas decisões (art.ºs 619.º n.º 1 e 625.º n.º1 do CPC).
É certo que nas perícias médicas realizadas no âmbito deste incidente foi suscitada a questão da IPATH, desde logo no exame singular, quando o Senhor Perito médico deixou expresso no seu laudo “Considera-se, no entanto, e na hipótese de não ter sido previamente fixada IPATH no âmbito de acidentes de trabalho anteriores (conforme o relatado pelo sinistrado), que o quadro sequelar resultante do acidente de trabalho em estudo é causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual”.
Contudo, como já se deixou explicitado em ponto antecedente, o juiz não está vinculado ao parecer dos Senhores peritos médicos.
Por conseguinte, o tribunal a quo não podia enveredar pelo percurso que traçou com o despacho de 15-01-2016 e, muito menos, vir a decidir nos termos em que decidiu, fazendo letra morta das decisões transitadas em julgado sobre a mesma precisa questão material.
Concomitantemente, ao proceder assim fez igualmente uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 25.º da LAT. A fixação de uma determinada incapacidade e a atribuição da respectiva pensão anual para reparação de lesão ou doença sofrida pelo trabalhador não é definitiva, podendo ser revista, mas desde que se verifique uma modificação da capacidade de ganho do sinistrado fundada em “agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação”.
A lei não diz a partir de que momento se deve fixar a verificação da modificação da capacidade de ganho, sendo usual considerar-se a data a partir do qual é dado início ao incidente de revisão, até porque os Senhores peritos médicos, em regra, entendem que não devem pronunciar-se no sentido de fixar uma data anterior àquela por falta de elementos objectivos. Contudo, nada impede que os senhores peritos médicos se pronunciem no sentido de fixarem uma data anterior ao da apresentação do requerimento, caso o façam com base em elementos de diagnóstico que permitam extrair essa conclusão, nessa hipótese podendo o juiz acolher esse laudo, desde que o repute devidamente justificado e fundamentado [Nesse sentido, Ac. Relação de Lisboa de 16-07-2009, proc.º 2528/09.7TTLSB.1.L1-4, Desembargadora Maria João Romba, disponível em www.dgsi.pt].
Porém, para que fique bem claro, se é possível fixar uma data anterior à do início do pedido de revisão - a partir da qual se considera verificar-se a modificação da capacidade de ganho por uma das circunstâncias referidas no art.º 25.º, da LAT-, o certo é que essa data sempre terá que ser posterior aquela outra que já se encontrava fixada por corresponder à da cura clínica, a partir da qual se definiu a natureza e o grau de incapacidade que se pretendeu rever através daquele incidente.
Dito em poucas palavras, a possibilidade de revisão consagrada no art.º 25.º da LAT, compagina-se com o princípio do caso julgado material e da autoridade do caso julgado (artigos 619.º 1 e 625.º do CPC).
Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa de 22/05/2013 [Proc.º n.º 183/03.8TTBRR.1.L1-4, Desembargadora Alda Martins, disponível em www.dgsi.pt] , “(..) o incidente de revisão visa a alteração das prestações a que o sinistrado tem direito em consequência de modificação na sua capacidade de ganho, proveniente dos factores indicados, e não uma alteração decorrente da reapreciação do mérito da decisão inicial, desiderato reservado aos recursos. Trata-se, afinal, da concretização, em matéria de prestações decorrentes de acidente de trabalho, do princípio constante do art. 671.º do Código de Processo Civil, segundo o qual, em termos básicos, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, embora, se o réu tiver sido condenado a satisfazer prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação”.
Por conseguinte, como cremos que já se percebeu, a decisão recorrida não pode ser mantida, devendo ser revogada e cumprindo a este Tribunal ad quem proferir decisão em substituição (art.º 655.º 1, do CPC).
II.2.4 Mas coloca-se ainda uma derradeira questão, qual seja a de saber se é de reconhecer que houve modificação da capacidade de ganho e, inclusive, se deverá ser fixada uma IPATH ao sinistrado, mas desde a data do pedido de revisão ou, pelo menos, reportada a data posterior àquela em que transitou em julgado o primeiro incidente de revisão. Isto porque, conforme vimos dizendo e melhor consta do relatório, no âmbito deste incidente foi entendido por mais do que um perito médico que se justificaria a atribuição de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual.
Recordando o essencial dos laudos médicos:
i) No exame singular, o Senhor Perito Médico do INML, embora entendendo “não haver uma modificação relevante do quadro sequelar resultante do evento em estudo, não havendo, portanto, lugar a revisão do valor de IPP previamente fixado pelo Tribunal”, acrescentou, considerar “(..) na hipótese de não ter sido previamente fixada IPATH no âmbito de acidentes de trabalho anteriores (conforme o relatado pelo sinistrado), que o quadro sequelar resultante do acidente de trabalho em estudo é causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual».
ii) No primeiro exame por junta médica, no entendimento da maioria dos senhores peritos - os indicados pelo tribunal e pela seguradora - não existem razões para agravamento da IPP anteriormente atribuída de 7,5% e não se justifica a atribuição de IPATH: divergindo, a Senhora perita médica indicada pelo sinistrado, considerou haver agravamento do grau de incapacidade (IPP de 9,87% (6,58 x 1.5), e ser de atribuir uma IPATH, por entender que actualmente o sinistrado apresenta uma situação clínica que impede a continuação do desempenho da sua actividade profissional.
iii) No segundo exame por junta médico, que o Tribunal a quo mandou realizar no âmbito do disposto no art.º 139.º n.º 7, do CPT, em despacho proferido em 15-01-2016, a maioria dos peritos indicados pelo Tribunal e pelo sinistrado entendeu “(..) que as sequelas resultantes do acidente em causa nos autos (03-11-2003) são determinantes de uma IPATH desde a data da consolidação reportada ao mesmo acidente”, enquanto o perito médico da seguradora considerou “ que a evolução após a lesão sofrida em 2003 não é suficiente para justificar a IPATH, pelo que não considera existir alteração do estado/agravamento) mantendo os 7/5% de IPP”.
Em suma, no entendimento maioritário, as duas ideias essenciais a retirar destes laudos são as seguintes: em primeiro lugar, que não houve razão para agravamento do grau de incapacidade de 7,5%; e, em segundo “que as sequelas resultantes do acidente em causa nos autos (03-11-2003) são determinantes de uma IPATH desde a data da consolidação reportada ao mesmo acidente”.
Mas como já dissemos, pelas razões que se apontaram está fora de causa a possibilidade de se atribuir uma IPATH reportada à data da consolidação das lesões resultantes do acidente de 3-11-2003. Esse foi o sentido da decisão recorrida que, como se concluiu não pode ser mais mantida. Resta pois saber se tem cabimento a hipótese acima equacionada.
Pois bem, adianta-se já, a resposta só pode ser negativa.
A incapacidade permanente parcial para trabalho habitual é atribuída, como a própria designação indica, quando se verifica que as sequelas que resultaram das lesões sofridas no acidente de trabalho são impeditivas do desempenho do trabalho que normalmente era exercido pelo trabalhador quando ocorreu aquele evento, ou seja, é atribuída em razão da total impossibilidade funcional para a prestação da actividade ou profissão habitual. Significa isto, que não implica uma incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho, na medida em que há uma capacidade residual – menor ou maior consoante o grau da incapacidade – para o exercício de outra actividade ou profissão compatível, por isso mantendo-se a possibilidade de ganho, embora, por regra, mais reduzida.
Ora, no caso em concreto o sinistrado terminou a carreira desportiva, como jogador profissional de futebol, na época de 2003/2004.
Portanto, há muitos anos que essa não é já a sua profissão ou, por outras palavras, o seu trabalho habitual.
Acresce, numa outra perspectiva, que tão pouco é configurável a hipótese de se entender que em razão dessas sequelas o sinistrado está impedido de retomar a profissão de jogador de futebol profissional. Com efeito, o à data do pedido de revisão o sinistrado tinha 39 anos de idade, sendo facto público e notório que em termos profissionais já há vários anos que ultrapassara a idade até à qual, em regra, os jogadores profissionais de futebol se mantém activos e alvo de contratação nesse mercado de trabalho muito exigente.
O mesmo sendo de entender ainda que se configurasse a hipótese de reportar a IPATH a data posterior à do trânsito em julgado da decisão proferida em 15-12-2010, no primeiro incidente de revisão. Com efeito, ainda que se considerassem menos 4 anos na idade do sinistrado (este incidente iniciou-se em Novembro de 2014), o que nos levaria para os 35 anos de idade.
Para além do que já se disse relativamente ao termo da carreira, não é despiciendo relembrar que atendendo às especificidades próprias da prática desportiva profissional, o legislador criou um regime específico relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, no qual se refere expressamente a idade de 35 anos, como um limiar até ao qual as prestações devidas para aquele efeito têm limites máximos mais elevados, após o qual esses limites serão reduzidos [art.º 2.º n.º2, al. a) e b), da Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio].
Significa isso, pois, que de acordo com a normalidade das coisas, em regra, e com maior acuidade em determinados desportos profissionais, nos quais se inclui sem dúvida o futebol profissional, uma carreira desportiva atinge o seu limite normalmente em torno daquela idade.
Por conseguinte, neste quadro não teria qualquer sustento em razões de ordem lógica atribuir ao sinistrado uma IPATH, ainda que reportada a data pouco além daquela em que ocorreu o trânsito em julgado daquela decisão.
Assim, atendendo a esta ordem de considerações, é forçoso concluir que não existe fundamento para se atender o pedido de revisão da incapacidade permanente parcial, desde a data da alta, conforme fixado na sentença proferida no processo principal e mantida pela decisão de 15-12-2010, proferida no primeiro incidente de revisão, iniciado a 27.04.2009.
Em suma, procede o recurso na totalidade, importando revogar a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente e consequentemente, revogam a decisão recorrida para, em substituição, julgarem improcedente o incidente de revisão, mantendo a incapacidade permanente parcial de 7,5%, desde a data da alta, conforme fixado na sentença proferida no processo principal e mantida pela decisão de 15-12-2010, proferida no primeiro incidente de revisão, iniciado a 27.04.2009.

Custas do recurso e do incidente de revisão a cargo do recorrido.

Porto, 12 de Setembro de 2016
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
__________
SUMÁRIO
I. A força e autoridade atribuídas à decisão transitada em julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde, em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal.
II. Verificando-se que em três ocasiões diferentes, uma no processo (..), em 30-09-2011 – respeitante a acidente de trabalho ocorrido 13-01-2001 - outra na sentença proferida neste processo principal – reportado ao acidente de trabalho sofrido em 3-11-2003 - e, posteriormente, no primeiro incidente de revisão deste mesmo processo, este decidido em 15-12-2010, foi equacionada a questão de saber se o A., em consequência das lesões sofridas num ou noutro dos acidentes ficou afectado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, sendo que em qualquer dessas decisões não foi acolhida a pretensão do autor, bem assim que essas decisões transitaram em julgado, contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, neste novo incidente de revisão da incapacidade não poderiam reapreciar-se as incapacidades anteriormente fixadas com vista a alterar-se a natureza da incapacidade com efeitos reportados à data da cura clínica, para se ponderar a fixação ao sinistrado duma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual (IPATH).
III. Ao propor-se reapreciar a questão nesses termos o Tribunal violou o caso julgado material e, subsequentemente, ao proferir a decisão recorrida reconhecendo (..) que o sinistrado se encontra afetado de uma IPP de 7,5% desde 23 de dezembro de 2004, com IPATH”, a autoridade do caso julgado decorrente daquelas decisões (art.ºs 619.º n.º 1 e 625.º n.º1 do CPC).

Jerónimo Freitas