Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1906/11.7TBMAI-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONTRA-ACÇÃO
FALTA DE IMPUGNAÇÃO DO EXEQUENTE
EFEITO
Nº do Documento: RP20190711.7TBMAI-B.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 180, FLS 161-165)
Área Temática: .
Sumário: I - Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia.
II - Na falta de impugnação pelo exequente, não se consideram confessados os factos que estejam em oposição com o expressamente alegado no requerimento executivo, obstando-se, por esta via, à produção de um efeito cominatório que se supõe desproporcionado, nos casos em que o exequente, não tendo embora contestado as razões apresentadas pelo embargante, já houvesse, no requerimento executivo, tomado clara e expressa posição sobre a questão controvertida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
Processo n.º 1906/11.7TBMAI-B.P1
Comarca da Maia
Maia - Juízo de Execução - J1
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Des. Mário Fernandes
2.º Adjunto: Des. Amaral Ferreira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
Por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa baseada em sentença que B… intentou contra C…, veio a executada deduzir embargos de executado.
Para o efeito, alegou, em síntese, que na sentença dada à execução D… foi condenado a pagar à exequente a quantia exequenda, tendo aquele pago à exequente a totalidade da quantia fixada na sentença, facto que com a conivência da exequente ocultou da oponente, a qual desconhece qual o negócio ou combinação existente entre ambos.
No fim da petição inicial de embargos, a embargante requereu o depoimento de parte da exequente sobre os factos relativos ao alegado pagamento da quantia exequenda.
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Após a apresentação da petição inicial, o Sr. Juiz a quo proferiu decisão indeferindo liminarmente os embargos de executado com o fundamento de que “para além de serem manifestamente improcedentes, o fundamento dos mesmos não se ajustar ao disposto no artigo 429.º do Código de Processo Civil.”.
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Do assim decidido, a embargante interpôs recurso de apelação, tendo este Tribunal da Relação decidido julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar o despacho de indeferimento liminar dos embargos de executado, determinando que os mesmos sejam recebidos com as legais consequências.
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Seguidamente, o Tribunal a quo recebeu os embargos e determinou a notificação da exequente nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, não tendo sido oferecida oposição.
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Por despacho proferido em 17.01.2019 foram considerados confessados os factos articulados pela embargante e facultado o processo às partes para alegarem por escrito, querendo, nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Por decisão exarada em 14.03.2019 o Senhor Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
“Dado o estado dos autos e destinando-se apenas à prolação de despacho saneador, dispensa-se a audiência prévia, nos termos do disposto no art. 593º, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que se passa a elaborar o despacho saneador.
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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Inexistem nulidades que invalidem todo o processado, designadamente, não é inepta a petição inicial.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, estão devidamente patrocinadas e são legítimas.
Não existem excepções dilatórias ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Não há excepções peremptórias de que cumpra, desde já, conhecer.
O estado dos autos não permite que se conheça, desde já, do pedido, pois tal depende da prova a produzir.
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Objecto do processo:
- Apurar se a quantia titulada pela sentença dada à execução foi paga à exequente por terceiro;
- Litigância de má fé.
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Tema de prova:
- Saber se a quantia titulada pela sentença dada à execução foi paga à exequente por D….
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Admito o depoimento de parte da exequente à matéria do artigo 3º, da petição inicial, requerido pela executada a fls. 9, nos termos do disposto no art. 452º, nº 2, do Código de Processo Civil, improcedendo o pedido em relação ao teor dos restantes artigos da mesma peça processual em virtude de conterem matéria sem interesse para a decisão da causa.
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Admito o rol de testemunhas apresentado pela executada a fls. 9, nos termos do disposto no art. 552º, nº 2, do Código de Processo Civil.
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Proceder-se-á à gravação da audiência de julgamento, nos termos do disposto no art. 155º, nº 1, do Código de Processo Civil.
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Fixo à causa o valor de € 16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), nos termos do disposto nos arts. 297º, nº 1 e 306º, nº 2, do Código de Processo Civil.
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Para a audiência de julgamento, com a prestação do depoimento de parte e inquirição das testemunhas arroladas pela executada, numa única sessão e com a duração de 30 minutos, designo o próximo dia 15 de Outubro de 2019, pelas 11,00 horas, ao abrigo do disposto no art. 593º, nº 2, d), do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no art. 151º, nº 5, do mesmo diploma.
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Notifique, e se nada for oposto, proceda às habituais diligências.”.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente C…, veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I. Ao contrário do decidido no despacho recorrido, não se torna necessário produzir prova em audiência de discussão e julgamento;

II. Porquanto os Embargos deduzidos não foram contestados pela Embargada;

III. E, por tal motivo cumpria julgar confessados os factos alegados pela Embargante nos embargos de executado;

IV. Ou seja, a matéria alegada pela Embargante nos artigos 1.º, 2.º e 3.º dos Embargos;

V. Pois, tal como consta do título executivo (sentença), houve outro devedor, D…, que foi condenado, solidariamente com a Executada, a pagar a quantia exequenda;

VI. Ora a Executada alegou no artigo 3.º dos embargos que aquele devedor já tinha pago à Exequente a totalidade da quantia condenatória;

VII. Não alegou a Executada que foi ela própria a pagar a quantia condenatória, pois, se o fizesse, tal alegação estaria em contradição com a matéria alegada no requerimento executivo;

VIII. E, nesse caso, não se tornaria necessário à Exequente contestar os Embargos;

IX. Porém, o que a Executada afirmou foi que aquele devedor solidário já tinha de modo próprio procedido ao pagamento à Exequente da quantia condenatória;

X. Assim, posta a Exequente perante esta alegação, era obrigatório tê-la impugnado, o que não fez;

XI. Assim, por falta de impugnação a alegação daquele pagamento pelo outro devedor terá de ser julgada confessada, nos termos do artigo 567º, nº 1, ex vi artigo 732º, nº 3 do CPC;

XII. E em consequência ser declarado que a Exequente já recebeu do outro devedor a quantia que foi objecto da sentença condenatória;

XIII. O despacho proferido violou as disposições legais contidas nos artigos 567° n° 1 e 732° n° 3 do CPC.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do presente recurso prende-se com saber se, face à não contestação dos embargos de executado, ao abrigo do disposto nos artigos 567.º n.º 2 e 348.º n.º 1 ambos do Código de Processo Civil, devem ser considerados confessados todos factos articulados pela embargante.

3. Conhecendo do mérito do recurso

Os embargos de executado constituem um modo de oposição à execução.
Através deles o executado vai procurar demonstrar que a obrigação documentada no título trazido à execução é insubsistente.
A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva - cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, pág. 141.
Na sua estrutura processual os embargos constituem uma acção declarativa que, simultaneamente, são um meio de defesa posta em benefício do executado.
Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia - cfr. José Lebre de Freitas; obra citada; págs. 156/157.
Por isso, é o embargante quem tem o ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que, através dos embargos, adianta contra o exequente e que este dirige contra o executado e pretende fazer valer através do título que traz à execução - o ónus da prova impende sempre sobre o autor (embargante - executado) - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.02.1996; C.J./STJ; 1996; 1.º; pág. 102.
Dispõe o n.º 3, do artigo 732.º do Código de Processo Civil que “à falta de contestação dos embargos é aplicável o disposto no n.º 1 do art.º 567.º e no art.º 568.º, não se considerando, porém, confessados os factos que estiverem em oposição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento executivo.”.
Através deste normativo legal, a reforma processual operada pelo Decreto Lei n.º 329 -A/95, de 12/12, procedeu à revisão global do regime de efeitos cominatórios decorrentes da falta ou insuficiência da contestação dos embargos, remetendo pura e simplesmente para as excepções ao efeito cominatório da revelia previstas para o processo declaratório; mas esclarecendo que, na falta de impugnação pelo exequente, se não consideram confessados os factos que estejam em oposição com o expressamente alegado no requerimento executivo - obstando-se, por esta via, à produção de um efeito cominatório que se supõe desproporcionado, nos casos em que o exequente, não tendo embora contestado as razões apresentadas pelo embargante, já houvesse, no requerimento executivo, tomado clara e expressa posição sobre a questão controvertida, deste modo consentindo a desnecessidade de o embargado/exequente deduzir contestação aos embargos deduzidos pelo embargante/executado no caso de se poder considerar que os factos articulados nos embargos estão em contradição com aqueles que foram alegados no requerimento executivo.
Esta especificidade de regime aplicável aos embargos de executado faz com que o Julgador, para ajuizar se devem ou não ser considerados confessados os factos articulados pelo embargante nos termos das disposições combinadas dos artigos 567.º, n.º 2 e 348.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil, tenha de valorar se os factos adiantados pelo exequente, deduzidos na sua petição executiva, contrariam já a alegação do executado manifestada no articulado de embargos; e só se este circunstancialismo jurídico-processual se não confirmar é que se poderá lançar mão da disciplina ínsita naqueles preceitos legais e julgar confessados os factos assim expostos.
No seu articulado primeiro onde descreve a sua pretensão a exequente/recorrida alegou que: “Conforme resulta da sentença proferida na acção sumária que correu termos no 1.º Juízo de Competência Cível do Tribunal da Maia com o n.º 1365/09.4TBMAI, título executivo em causa, a executada foi condenada a pagar à exequente o valor das rendas vencidas respeitantes aos meses de dezembro de 2007 a fevereiro de 2010, inclusive, no valor de € 500,00 cada uma delas; o que perfaz um total de 27 rendas e a quantia de € 13.500,00; mais foi condenada no pagamento dos respectivos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4% e contados desde a data de vencimento de cada uma das rendas em dívida até integral e efectivo pagamento; a executada ainda não pagou as referidas rendas nem os respectivos juros, pelo que continuam em dívida, acrescidos dos juros legais vincendos até total e efectivo pagamento.”.
Ora, este circunstancialismo fáctico, contrapondo-se às razões aduzidas em sua defesa pela recorrente.
Com efeito, a dívida exequenda respeita ao “montante de 27 rendas devidas pela executada, acrescido do valor dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4% e contados desde a data de vencimento de cada uma das rendas em dívida até integral e efectivo pagamento”.
Rendas e juros que, conforme alegado pela exequente/embargada/recorrida, ab initio e a contrario do que vem de ser alegado pela recorrente, “continuam em dívida”.
Pelo que a falta de contestação dos embargos não pode determinar a confissão daquele facto deduzido em sua defesa pela embargante.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso e, por consequência, confirmar a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelante.
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Notifique.

Porto, 10 de Julho de 2019.
Paulo Dias da Silva
Mário Fernandes
Amaral Ferreira