Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
188/17.1T8ALB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: BALDIOS
ASSEMBLEIA DE COMPARTES
CONSELHO DIRECTIVO
ELEIÇÃO
Nº do Documento: RP20190124188/17.1T8ALB.P1
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 160, FLS 154-165)
Área Temática: .
Sumário: I – Uma vez que nos termos do art.º 13.º n.º3 da Lei dos Baldios (1993) só a acta pode certificar validamente o que ocorreu na Assembleia de Compartes, não constando da acta, cuja autenticidade não foi questionada, que a mesma foi lida e aprovada pelos compartes, não pode, apenas com recurso ao depoimento de duas testemunhas, julgar-se provado que não obstante a mesma foi lida e aprovada.
II – Sendo da competência da Assembleia de Compartes a eleição do Conselho Directivo, não pode este órgão ser eleito num acto eleitoral realizado à margem da reunião da Assembleia.
III- O Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes não tem competência para aceitar ou rejeitar listas concorrentes aos órgãos da comunidade local.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2019:188.17.1T8ALB.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B..., contribuinte fiscal n.º ........., residente em ..., Albergaria-a-Velha, instaurou acção judicial contra A Assembleia de Compartes da freguesia C..., representada pelo Presidente da sua Mesa, D..., residente em ..., Albergaria-a-Velha, formulando contra esta os seguintes pedidos:
- ser declarado: I- inexistente, nulo ou anulado, o processo convocatório da Assembleia de Compartes, dos compartes dos terrenos baldios da freguesia C..., do dia 24 de Fevereiro de 2017; II- inexistente, nula ou anulada e falsa a acta daquela Assembleia de Compartes. III- inexistentes, nulas ou anuladas, as deliberações vertidas naquela acta;
- ser a ré condenada a reconhecer: 1- inexistente, nula ou anulada a Assembleia de Compartes, dos compartes dos terrenos baldios da freguesia C..., do dia 24 de Fevereiro de 2017; 2- inexistente, nula ou anulada e falsa a acta da Assembleia de Compartes, dos compartes dos terrenos baldios da freguesia C... do dia 24 de Fevereiro de 2017; 3- inexistentes, nulas ou anuladas as deliberações tomadas na Assembleia de Compartes, dos compartes dos terrenos baldios da freguesia C..., do dia 24 de Fevereiro de 2017, vertidas naquela acta; 4- não produzindo, as deliberações tomadas na Assembleia de Compartes, dos compartes dos terrenos baldios da freguesia C... do dia 24 de Fevereiro de 2017, vertidas na acta em questão, quaisquer efeitos.
Alegou para o efeito que é comparte dos terrenos baldios cuja gestão está entregue ao Conselho Directivo da Assembleia de Compartes ré. Através de edital de 08/02/2017, assinado pelo então Presidente da Mesa da ré, E..., foi tornado público que no dia 24/02/2017 se iriam realizar eleições para os corpos sociais do Conselho Directivo dos Compartes. Não foi dado conhecimento público daquele edital. No dia e hora previstos no edital encontravam-se num local a Presidente da Mesa da Assembleia, o 1º e o 2º Secretários da Mesa, tendo à sua frente uma urna usada para actos eleitorais. À medida que iam chegando, os compartes davam o seu nome aos membros da Mesa, sem apresentarem qualquer tipo de identificação, após o que lhes era dado um papel que estes, depois de neles colocarem o que entendiam, depositavam na urna, abandonando de seguida o salão. A Mesa da Assembleia não tinha consigo, naquela Assembleia o caderno de recenseamento dos compartes dos baldios. A Assembleia de Compartes nunca aprovou qualquer regulamento do ato eleitoral. Desse evento foi redigida uma acta que, no essencial, diz que a Assembleia decorreu e votaram 20 compartes, sendo 19 na lista apresentada. Da acta não consta qualquer justificação de urgência de delegação na sua aprovação, nem ela foi aprovada naquela Assembleia pelos compartes que nela estiveram presentes. Também não consta da acta o número de compartes presentes na “Assembleia de Compartes” à hora em que a mesma se iniciou, se a Presidente ordenou, ou não, que se aguardassem 30 minutos para se iniciarem os trabalhos, verificado que fosse a presença de compartes em número insuficiente para a criação do quórum constitutivo legalmente exigido, ou se ordenou, ou não, a realização de uma nova “Assembleia de Compartes” num dos 5 a 14 dias seguintes, caso se mantivesse a inexistência do quórum constitutivo. Não consta da acta a rejeição pela Mesa da Assembleia de uma lista que se apresentou às eleições.
A ré contestou a acção, por excepção e impugnação, alegando que no dia 21 de Fevereiro de 2017 o autor apresentou ao então Presidente de Mesa uma lista candidata aos órgãos sociais, o qual rejeitou essa lista por ter já terminado o prazo para a apresentação das listas concorrentes. A convocação cumpriu os requisitos previstos para o efeito no artigo 18º da Lei 68/93, de 4 de Setembro. O aviso da convocatória cumpriu todos os requisitos legais, pois menciona o dia, a hora, o local da reunião, a respectiva ordem de trabalhos e foi tornado público com antecedência superior a 8 dias. O edital utilizado para a convocatória da eleição da Assembleia de Compartes constitui o regulamento do ato eleitoral. Da Assembleia de compartes eleitoral foi elaborada acta, que foi lida e aprovada nessa assembleia geral e cujo texto se encontra assinado pelos membros da mesa que presidiu ao ato.
Após decisão a julgar as excepções improcedentes, realizou-se a audiência de julgamento e, a final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a ré dos pedidos.
Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1– Tendo sido redigida e assinada pela Presidente e pelos Secretários da Mesa da Assembleia de Compartes a Acta da reunião da Assembleia de Compartes ocorrida no dia 24/02/2017, dela não constando que tenha sido lida aos compartes presentes em tal reunião, e que por eles tenha sido aprovada, Acta esta junta pela Ré, e cujo conteúdo, letra, assinatura e reprodução mecânica o Autor não impugnou, entende o Autor que o Mmº Juiz “a quo” ao ter dado por provado, no facto descrito sob o nº 12, “a qual foi lida e aprovada no local”, violou o disposto nos artigos 13º/1, 3, da Lei 68/93, com a redacção dada pela Lei 72/2014, bem como nos artigos 178º/1, 334º, 342º/1, 376º/1, 393º/1 e 394º/1 do CC, e nos artigos 414º e 446º a 449º do CPC, para além da prova produzida nos autos e em audiência final, pelo que deve aquele segmento do facto em questão ser dado como não provado, passando a integrar elenco dos factos não provados, dando-se, por provado, sob o nº 12 “daquela assembleia foi redigida a Acta de fls. 25, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, a qual não foi lida nem aprovada naquela reunião da Assembleia de Compartes, pelos compartes que nela estiveram presentes, tendo-o apenas sido entre os membros da Mesa da Assembleia”;
2 - Uma vez que a Ré não cumpriu a obrigação legal de convocar os compartes integrantes do universo dos compartes da comunidade local na posse e gestão comunitárias dos terrenos baldios C..., para a reunião da Assembleia de Compartes em questão nestes autos, por não ter publicado os editais convocatórios da mesma “por qualquer outro meio de publicitação de larga difusão local ou nacional”, para além de só se ter provado um concreto local onde os editais foram afixados, pois que quanto aos demais “noutros locais de estilo” se desconhece quais eles sejam e onde se localizam, a que acresce a relevantíssima importância do cumprimento de tais meios de convocação tendo em vista a afirmação dos valores da República, da Democracia e do Estado de Direito Democrático, no que tange ao uso, fruição e administração dos baldios, a que se soma a inexistência/ilegalidade de eventual costume, a ilegalidade da utilização da prova por presunção, os perigos que ela representa e a inexistência de factos provados que suportem a presunção, por apelo às regras da experiência comum, entende o Autor que o Mmº Juiz “a quo”, ao dar como provado que “tendo a generalidade dos compartes tomado conhecimento da realização da mesma”, violou o disposto nos artigos 1º/3, 14º, 18º/1, 4 da LB, 3º, 349º, 351º, 362º, 363º, 392º e 393º do Código Civil e a prova produzida nos autos e audiência final, devendo, por isso ser excluído dos facto provado sob o nº 17 o segmento em questão, passando a integrar o elenco dos factos não provados, e dando-se por provado, sob o nº 17, que “tais editais foram afixados no dia 8 de Fevereiro de 2017 no edifício da junta de freguesia e noutros locais de estilo, como sucedeu em anteriores assembleias de compartes”;
3 - Por carecer de suporte legal a obrigatoriedade de apresentação, em dia e hora predeterminados, anteriores ao dia e hora da realização da reunião da Assembleia de Compartes do dia 24/02/2017, das listas a concorrerem a sufrágio, na eleição para os órgãos dos baldios C..., sustentando-se, apenas, no Edital da autoria exclusiva dos compartes integrantes da Mesa da Assembleia, à data em funções, mormente da sua Presidente, e por infringir a prova produzida em audiência final e as regras da distribuição do ónus da prova, entende o Autor que o Mmº Juiz “a quo” ao dar como provado o segmento descrito sob o nº 20 - “por ter sido apresentada fora do período disponível, isto é, após as 19 horas daquele dia” -, violou o disposto nos artigos 16º/1, 20º/1 e 24º/1, ex vi, 18º, 19º, por referência ao art. 15º/1, a) e b), todos da LB, bem como o disposto nos artigos 342º/1, 3 do CC e 414º do CPC, pelo que deverá o mesmo ser excluído do facto em questão, passando a integrar o elenco dos factos dados por não provados, dando-se, apenas por provado, naquele nº 20 “no dia 21 de Fevereiro de 2017, a lista encabeçada pelo A., como candidata aos órgãos dos baldios da comunidade local de C..., foi rejeitada pela Presidente da Mesa da Assembleia, e pelo Presidente do Conselho Directivo”;
4 – Ao dar como não provado o facto alegado no art. 8º da PI, entende o Autor que o Mmº Juiz “a quo” violou o disposto no art. 574º/1,2 do CPC, pelo que deverá o mesmo ser retirado do elenco dos factos não provados, passando a integrar o dos factos provados, com a redacção do nº 21: “encontram-se inscritos no caderno de recenseamento eleitoral da freguesia C... cerca de 1600 cidadãos, que residem naquela freguesia”;
5 – Por apelo ao disposto nos artigos 352º, 353º/1, 354º, 355º/1, 2, 356º/1, 2, 357º/1, 358º/1, todos do CC, ex vi, artigos 452º/2, 453º/1, 454º/1, 456º/1, 459º/1, 2, 460º, 461º/1, 463º/1, 2, 3 e 465º/1, todos do CPC, entende o Autor que o Mmº Juiz “a quo”, ao não ter dado como provado o facto alegado no art. 24º da PI, violou a confissão efectuada pelo legal representante da Ré, e demais prova produzida nos autos e em audiência final, pelo que deverá passar a integrar o elenco dos factos provados, sob o nº 11-A, o seguinte facto “após a colocação em urna daquele pedaço de papel, aqueles compartes abandonavam o salão”;
6 – Entende o Autor que o Mmº Juiz “a quo”, ao não ter seleccionado o facto alegado no art. 27º da PI, integrando-o no elenco dos “Factos Provados”, para além de violar a prova que se fez nos autos e em audiência final, violou o disposto nos artigos 178º/1 e 358º/2 do CC, bem como o disposto no art. 574º/1, 2 do CPC, desta sorte se devendo incluir nos factos provados, sob o nº 22, o seguinte facto: “o Autor não votou naquela eleição”;
7 - Tendo ao Tribunal “a quo”, através do depoimento das testemunhas F..., G... e H..., chegado o conhecimento de que “na reunião da Assembleia de Compares do dia 24/02/2017 um grupo de compartes interpelou a mesa, no sentido de reclamar contra a rejeição de uma lista que tinham apresentado para os órgãos dos baldios, bem como quanto à forma como estava a decorrer aquele ato, não lhes tendo sido concedida a palavra nem lhes tendo sido dado qualquer resposta, tendo sido intimados a saírem da sala, com o argumento que estavam a perturbar o ato eleitoral que estava a decorrer, circunstâncias estas que não foram levadas à Acta elaborada daquela reunião”, e não tendo o Mmº Juiz “a quo” integrado tal facto no elenco dos factos provados, entende o Autor que violou o disposto no art. 13º/1, 3 da LB e no art. 5º/2, a) ou b) do CPC, consequentemente se devendo acrescentar, sob o nº 23 dos fatos provados, tal facto, com aquela redacção;
8 – Devem, assim, considera-se como provados os seguintes factos: [nota: segue-se o elenco dos factos que deverão ser julgados provados e que em devido tempo serão elencados].
9 - A Presidente da Mesa da Assembleia ao redigir o Edital de 08/02/2017, nos termos em que o fez:
9.1 - Fê-lo de forma tal que dessa redacção não resulta uma expressa convocação dos compartes integrantes do universo de compartes da comunidade local na posse e gestão comunitárias dos terrenos baldios da freguesia C..., para uma reunião da Assembleia de Compartes. Outrossim,
9.2 - Não resulta da redacção dada aquele Edital expressa referência à existência de uma concreta Ordem de Trabalhos a ser cumprida nessa reunião.
9.3 - Desse Edital constam requisitos a terem de ser cumpridos nas litas a serem apresentadas a sufrágio, designadamente: i - prévia indicação dos cargos a serem ocupados pelos compartes candidatos ao Conselho Directivo; ii - exigência de apresentação de uma lista à Comissão de Fiscalização, com prévia indicação dos cargos a serem ocupados pelos compartes candidatos; iii - exigência de apresentação de suplentes para o Conselho Directivo e para a Comissão de Fiscalização; iii - determinação de dia/hora para apresentação das listas; iiiii – determinação de uma hora para o encerramento da reunião. Tudo isto sem qualquer suporte legal. Violou, assim, a Ré o disposto no art. 18º/1, 3, 20º/1, 24º/1, 2, todos da LB, devendo ser, por isso, anulado aquele Edital;
10 - A Mesa da Assembleia de Compartes ao não publicitar aquele Edital através de meio de divulgação local ou nacional, violou o disposto no art. 18º/1 da LB, devendo, por isso (também por isso), ser declarado anulado aquele Edital.
11 - No dia, hora e local, constantes daquele Edital, apenas estavam presentes a Presidente e os dois Secretários da Mesa da Assembleia, sendo que, violando-se o disposto no art. 19º/1, 2, a) da LB, a Mesa da Assembleia deu imediato início aos trabalhos daquela reunião da Assembleia de compartes, sem ter aguardado 30 minutos, para poder verificar se, nesse segundo momento, já haveria quórum constitutivo, o que também não aconteceu, devendo, pois, ser tal reunião declarada anulada.
12 - A Presidente da Mesa da Assembleia rejeitou a apresentação de uma lista de compartes, violando o disposto nos artigos 16º/1, 20º/1, 2, 24º/2 da LB.
13 - Do texto da Acta da reunião da Assembleia de Compartes do dia 24/02/2017 não consta a informação sobre o número dos compartes presentes no local e à hora previstos para o início dos trabalhos, não consta a descrição dos incidentes ocorridos naquela reunião, como o da rejeição de uma das listas candidata aos órgãos dos baldios apresentadas a sufrágio (facto este que se deve considerar integrado no âmbito daquela reunião da Assembleia de Compartes, pois que em documento outro, algum, da Mesa da Assembleia ele consta, para além de que, efectivamente, o mesmo faz parte integrante daquela dita reunião da Assembleia de Compartes), bem como os das interpelações, reclamações e pedidos de esclarecimentos que, por compartes presentes naquela reunião, foram apresentados à Mesa da Assembleia, sendo que esta, não só não deu qualquer resposta, como intimou os interpelante e reclamantes a saírem do salão onde decorria o ato eleitoral, assim, e tendo em vista violar de forma clara e intencional, o regime de funcionamento das reuniões da Assembleia de Compartes previsto no art. 13º/1, 3 da LB, consequentemente devendo ser anulada tal Acta, por falsidade do seu conteúdo;
14 – Não tendo o Autor votado na reunião em questão nestes autos, tinha legitimidade para propor esta acção, sendo que o pedido que nestes autos formulou se enquadra dentro dos estritos limites impostos pela boa-fé, para além que o exercício desse Direito integra a aplicação de normas de interesse público, pois que atinentes com a democraticidade / transparência nos procedimentos convocatórios das reuniões das assembleias de Compartes, do seu funcionamento, da eleição para os órgãos dos baldios, e da fixação em Acta do que tiver ocorrido em tais reuniões, normas estas imperativas e inderrogáveis.
15 – Ao decidir, nos termos constantes na sentença em reapreciação, o Mmº Juiz violou do disposto nos artigos 1º/2, 3; 5º/1, 2; 11º/1, 2, 3; 12º/1; 13º/1, 3; 14º; 15º/1, a), b), 2; 16º/1; 18º/1, 3, 4; 19º/1, 2, a), b), 3; 20º/1, 2; 24º/1, 2 e 26º/a), da LB, a que acresce o disposto nos artigos 3º; 177º; 178º/1; 220º; 294º; 295º; 334º; 342/1, 3; 349º; 351º; 352º; 353º/1; 354º; 355º/1; 356º/1 2; 357º/1; 358º/1, 2; 362º; 363º; 376º1, 4; 392º; 393º/1 e 394º/1 do CC e, por fim o disposto nos artigos 5º/2, a), b); 414º; 446º a 449º; 452º/2; 453º/1; 454º/1; 456º/1; 459º/1, 2; 460º; 461º/1; 463º/1, 2, 3; 456º/1 e 574º/1, 2, do CPC, não ter feitos, dos mesmos a interpretação defendida nestas alegações de recurso.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;
ii) Se deve ser ampliada a matéria de facto com um facto não alegado mas resultante da instrução da causa;
iii) Se foram violadas normas da Lei dos Baldios sobre a convocação da Assembleia de Compartes, a realização de eleições, o quórum de reunião da Assembleia e as competências para a aceitação/rejeição de listas candidatas aos órgãos da comunidade local.

III. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
No ponto 12 da matéria de facto que julgou provada, a 1.ª instância faz incluir que a acta de fls. 25 relativa ao decorrido na Assembleia «foi lida e aprovada no local».
O recorrente insurge-se contra este segmento do enunciado de facto, referindo e bem que essa menção não consta da própria acta. A acta foi junta aos autos pela ré e a sua autenticidade não foi impugnada, não tendo, designadamente, sido arguida a respectiva falsidade. Desta apenas consta a menção de que a acta foi assinada pelos elementos da «Mesa Eleitoral».
O artigo 13.º da Lei n.º 68/93, de 04 de Setembro, (Lei dos Baldios), na redacção aprovada pela Lei.º 89/97, de 30/07, e pela Lei n.º 72/2014, de 02/09, em vigor à data dos factos, dispunha o seguinte sobre as actas das reuniões dos órgãos das comunidades locais:
«1 - Das reuniões dos órgãos das comunidades locais são elaboradas atas, que, depois de lidas e aprovadas, são assinadas pela respectiva mesa, no que se refere à assembleia de compartes, e pelos respectivos membros, quanto aos restantes órgãos.
2 - Em caso de urgência devidamente justificada, os órgãos podem delegar a aprovação da ata.
3 - Só a ata pode certificar validamente as discussões havidas, as deliberações tomadas e o mais que nas reuniões tiver ocorrido.
4 - As atas referidas nos números anteriores podem ser livremente consultadas por quem nisso tiver interesse.»
O n.º 1 do preceito citado impõe que a acta seja lida e aprovada, naturalmente pelos compartes que participaram na reunião do órgão a que corresponde, sendo, depois disso, no caso das reuniões da assembleia de compartes, assinada pelos membros da respectiva mesa. O n.º 2 permite que em caso de urgência devidamente justificada, o órgão reunido possa delegar a aprovação da acta da reunião, sem precisar no entanto quem pode ser objecto dessa delegação.
O n.º 3 do preceito acrescenta que a acta das reuniões é o único documento que pode certificar validamente o que tiver ocorrido nas reuniões do órgão a que respeitam. Daqui parece resultar que a função da acta não é propriamente a de constituir a forma das deliberações aprovadas nas reuniões a que respeitam, mas apenas a de certificar as ocorrências que tiveram lugar nessas reuniões. As actas servem para atestar as discussões havidas nas reuniões, as deliberações nelas tomadas pelo órgão e o mais que nas reuniões tiver ocorrido, constituindo portanto um meio específico de documentação da vida dos órgãos das comunidades locais com a função de registar para a posteridade e permitir confirmar o que se passou nas reuniões dos órgãos.
Nessa interpretação, a acta é um mero documento particular, na medida em que é elaborada por particulares membros dos órgãos a que respeitam e não por autoridades públicas ou por notários ou outros oficiais públicos (artigo 363.º do Código Civil). A leitura e aprovação da acta é um procedimento destinado a assegurar que a mesma corresponde o mais possível à realidade que os participantes na reunião querem ver documentada, através do conhecimento do seu teor pela totalidade dos participantes na reunião (leitura) e da manifestação de vontade de pelo menos a maioria deles de que a acta é o relato fidedigno do que se passou (aprovação). Trata-se de um procedimento necessário para que um relato escrito do que se passou adquira o valor de acta e possa desempenhar a função de certificar interior e exteriormente o que ocorreu na reunião, que, contudo, não converte a acta num documento autêntico.
Dispondo o n.º 3 do artigo 13.º da Lei dos Baldios que só a ata pode certificar validamente o que nas reuniões tiver ocorrido, aplica-se o disposto no artigo 393.º do Código Civil, segundo o qual se a declaração necessitar de ser provada por escrito não é admissível prova testemunhal sobre o facto que o documento devia comprovar.
Muito embora o que esteja em causa nos autos não seja um facto contrário ao que consta da acta mas sim um facto adicional ao documento relativo à própria elaboração e perfeição da acta (se a acta foi lida e aprovada, aspecto que o documento não menciona) e não ao que se passou na reunião antes da acta, também não é possível prova testemunhal desse facto por aplicação do disposto no artigo 394.º do Código Civil por se tratar de um facto adicional ao conteúdo de um documento particular cuja letra e assinatura não foi impugnada.
Por estas razões, não constando da acta que a mesma foi lida e aprovada pelos compartes presentes na reunião, não podia o tribunal a quo com recurso ao depoimento de duas testemunhas julgar provado que não obstante a mesma foi lida e aprovada.
Acresce que ouvida a gravação da audiência nos parece que a prova produzida não permitia sequer dar como provado esse facto, na medida em que para além dos depoimentos referidos na motivação de «I... e J..., Secretários da Mesa da Assembleia de Compartes, os quais, … asseveraram que a acta do resultado eleitoral foi lida e aprovada no local», foi igualmente produzido o depoimento de E..., à data Presidente da Mesa da Assembleia, a qual, pelo contrário revelou que a acta foi apenas lida e decidida pelos três membros da Mesa da Assembleia, o que justificou dizendo que não se tratou de uma Assembleia de Compartes, nas quais era regra ler-se e aprovar-se a acta da anterior reunião, mas sim de um «Acto eleitoral», servindo a acta apenas para apresentar o resultados das eleições acabadas de realizar, não carecendo de ser aprovada pelos compartes.
Esta pessoa era a Presidente da Mesa da Assembleia, é uma pessoa letrada (professora aposentada) e foi quem redigiu o documento em causa, pelo que possuía melhor razão de ciência e conhecimento de causa sobre o aludido facto. Por essa razão, mesmo que não se entendesse que do ponto de vista probatório o seu depoimento é mais valioso que os dos Secretários da Mesa, o que, ao ouvir a gravação da audiência, é nossa convicção, teríamos de entender que sobre esse facto ficou estabelecida uma dúvida fundada e consistente que impedia que o mesmo fosse julgado provado. Nesse medida, por não ter colhido prova bastante, esse segmento do facto do ponto 12 deve ser eliminado dos factos provados.
No ponto 17 da matéria de facto provada assinala-se que a realização da Assembleia anunciada nos editais afixados no dia 08-02-2017 permitiu que «a generalidade dos compartes [tivesse] tomado conhecimento da realização da mesma».
O recorrente insurge-se contra a decisão de julgar provado este facto. Na motivação da sua decisão, o Mmo. Juiz a quo invocou as «regras de experiência comum, segundo as quais em localidades pequenas, como é o caso de C..., a realização de acto eleitoral de Assembleia de Compartes é facto comentado pela comunidade residente, tornando-se assim de conhecimento generalizado. No caso dos autos, aliás, o A. apresentou mesmo uma candidatura a tais eleições, o que é bem apodíctico do seu conhecimento do acto em questão».
Ao motivar desta forma a sua decisão, o Mmo. Juiz a quo revela que baseou a sua convicção na prova por presunções, deduzindo da afixação de editais em mais que um local e da pequenez (?) da localidade de C... o conhecimento da realização da assembleia pela generalidade dos compartes.
Não conseguimos acompanhar esta decisão, na medida em que para atribuir à generalidade dos compartes o conhecimento da realização da assembleia era necessário, pelo menos, saber quantos são os compartes e onde residem para aquilatar até que ponto esse facto podia ser conhecido pela generalidade deles.
É certo que se houve uma tentativa de apresentar outra lista, houve outras pessoas que tiveram conhecimento que a assembleia se ia realizar, mas se das centenas ou milhares de compartes das diversas aldeias que fazem parte integrante da freguesia C... apenas compareceram à assembleia 20 compartes (!) não se alcança com base em que regra de experiência se poderia deduzir que a generalidade daqueles teve conhecimento que a Assembleia se ia realizar. Este facto não pode, por isso, ser julgado provado, o que aqui se decide.
Em relação ao facto do ponto 20 o recorrente impugna a decisão de julgar provado que a lista encabeçada pelo autor foi rejeitada pela Presidente de Mesa e pelo Presidente do Conselho Directivo de Compartes por ter sido apresentada após as 19 horas daquele dia. O que discute é somente se a apresentação ocorreu já depois dessa hora que o edital anunciava como o termo do prazo para a apresentação da lista.
O Mmo. Juiz a quo ateve-se ao «depoimento de E..., a qual, denotando conhecimento de causa e de forma isenta, deu conta … da rejeição da lista encabeçada pelo ora A., por ter sido apresentada (em casa da testemunha) para além do horário previsto para o efeito», ao depoimento de «H..., à data Presidente do Conselho Directivo de Compartes, o qual assegurou que os proponentes dessa lista chegaram a sua casa nunca antes das 19:15 horas, sendo que essa residência dista a não mais de três minutos da casa de E...» e ainda ao «depoimento da testemunha K..., marido de E..., a confirmar também que a lista recusada foi entregue em sua casa após as 19 horas do dia 21 de Fevereiro de 2017, o que afirmou com conhecimento de causa, uma vez que se encontrava presente nesse momento».
O recorrente objecta com os depoimentos de F... e L..., os quais declararam que quando tentaram entregar a lista a E... faltavam cerca de 5 minutos para as 19 horas e que na altura esta não lhes referiu a ultrapassagem da hora mas antes a falta na lista de candidatos suplentes, tendo-os remetido para H..., a cuja casa chegaram já depois das 19 horas.
Defende o recorrente que estas testemunhas são mais credíveis que as outras. Com toda a sinceridade, não vemos porquê. Pelo contrário, enquanto os Membros da Mesa tinham a obrigação estatutária de receber todas as listas que lhe fossem apresentadas, não consta que tivessem qualquer motivo pessoal para recusar esta e, como pretendiam deixar de ocupar o cargo, o seu objectivo pessoal era mesmo que fossem eleitos novos órgãos para os libertar dessas funções. Ao invés, os membros da lista candidata tinham como objectivo conseguir que a sua lista fosse aceite e serem eleitos, pelo que os únicos interessados na sua versão são precisamente eles. Acresce que, segundo o seu depoimento, E... admitiu vir a aceitar a lista, não obstante a ultrapassagem da hora limite, se o Presidente do Conselho Directivo de Compartes também não visse obstáculo à sua aceitação, o que está de acordo com a referência dos membros da lista de que ela os remeteu para este. Nesse sentido, afigura-se-nos que a decisão do Mmo. Juiz a quo de aceitar como suficientes os depoimentos de E..., H... e K... é correcta e deve ser confirmada, devendo apenas expurgar-se o enunciado de facto daquilo que é conclusivo e de direito («fora do período disponível»)
A seguir o autor insurge-se contra a decisão de julgar não provado o facto que alegou no artigo 8.º da petição inicial, segundo o qual se encontram «inscritos no caderno de recenseamento eleitoral da freguesia C... cerca de 1600 cidadãos, que residem naquela freguesia».
Defende o autor, sem razão mas também sem necessidade, que esse facto está provado por acordo das partes uma vez que a ré não o impugnou, esquecendo, todavia, que nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não se consideram admitidos por acordo os factos não impugnados mas que só podem ser provados por documento.
Dizemos sem necessidade porque a Lei n.º 13/99, de 22 de Março, que aprovou o regime jurídico do recenseamento eleitoral dispõe no seu artigo 67.º que «no dia 1 de Março de cada ano a DGAI publica, na 2.ª série do Diário da República, o número de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral por circunscrição de recenseamento, nos termos do disposto no artigo 8.º».
O número de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral, por circunscrições de recenseamento, por referência à data de 31 de Dezembro de 2016 foi divulgado através do Mapa n.º 2/2017 da Direcção-Geral de Administração Interna, actualmente Secretaria-Geral da Administração Interna - Administração Eleitoral, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 43, de 1 de Março de 2017. Segundo esse Aviso, na freguesia C..., do concelho de Albergaria-a-Velha, o número de eleitores recenseados era nessa data de 1554.
Portanto, independentemente dos meios de prova produzidos ou da ausência destes, com base nessa publicação em Diário da República pela entidade administrativamente competente para organizar e manter os cadernos eleitorais, o tribunal devia ter julgado provado que «Por referência a 31-12-2016, no caderno de recenseamento eleitoral da freguesia C... estavam inscritos 1554 cidadãos.» É o que aqui ora se decide.
O tribunal a quo não julgou provado o facto alegado pelo autor no artigo 24.º da petição inicial, segundo o qual, após a colocação em urna [do voto, os] compartes abandonavam o salão. Esse facto deve ser julgado provado, conforme defende o recorrente, por ter sido objecto de confissão pelo legal representante da ré, conforme consta da respectiva assentada lavrada na acta da audiência de julgamento após a prestação do depoimento.
O tribunal a quo também não julgou provado o facto alegado pelo autor no artigo 27.º da petição inicial, segundo o qual «o autor não votou naquela “eleição”». Trata-se, como defende o recorrente, de um facto que deve ser julgado provado por ter sido expressamente confessado pela ré no respectivo articulado ao remeter para um documento com a listagem da identificação dos compartes votantes e na qual não se inclui o autor.
Por fim, o autor pretende que ao elenco da matéria de facto seja aditado um facto que resultou da discussão da matéria de facto e revelador de que no acto realizado houve um grupo de compartes que pretendeu reclamar para a Mesa da rejeição da sua lista, não lhe tendo sido consentido fazê-lo, com o argumento de que estavam a perturbar o acto eleitoral.
Este facto concreto não foi alegado pelo autor na petição inicial. Todavia, no artigo 31.º desse articulado o autor alegou que «o conteúdo [da acta] é falso, pois que dela não consta tudo quanto de relevante ocorreu na dita “Assembleia” de Compartes, pois que da mesma referência alguma há à relativamente à rejeição pela Mesa da Assembleia de uma lista que se apresentou às eleições».
A nosso ver, o novo facto é um facto complementar e concretizador do facto essencial alegado na petição inicial para integrar a arguição da falsidade da acta. Nessa medida, pode ser levado em consideração pelo tribunal ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
Acresce que em função dos depoimentos prestados (v.g. F..., H..., G... e E...) resulta claro que efectivamente houve membros da lista recusada que pretenderam reclamar para a Mesa da Assembleia da rejeição da sua lista e tal não lhe foi consentido com o argumento de que estavam a perturbar o acto eleitoral e a rejeição já estava decidida. Por conseguinte, aditar-se-á à matéria de facto o seguinte novo facto: «No decurso do acto que estava a ser realizado houve um grupo de compartes que pretendeu reclamar para a Mesa da rejeição da sua lista, não lhe tendo sido consentido fazê-lo, com o argumento de que estavam a perturbar o acto eleitoral».

IV. Os factos:
Ficam assim definitivamente julgados provados os seguintes factos:
1- O A. B... reside na Rua ..., nº ., ..., ....-... Albergaria-a-Velha, encontrando-se recenseado, como cidadão eleitor, na freguesia C..., Albergaria à Velha, com o nº .....
2- É proprietário de prédios rústicos situados nos limites da dita freguesia C..., onde desenvolve actividade na área da exploração florestal.
3- Nos limites da freguesia C... existem vários terrenos que, desde tempos imemoriais, têm vindo a ser geridos pelos moradores dos lugares daquela freguesia, que aí, mormente, apascentavam o seu gado, roçavam o mato e apanhavam lenha, semeavam e cortavam pinheiros, vendendo-os e distribuindo o proveito de tais vendas em conformidade com a lei.
4- Todos esses actos foram praticados de forma continuada e sem interrupção ou oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente, agindo tais moradores a convicção de que aqueles terrenos pertenciam aos moradores dos lugares da freguesia C..., de uma forma comunitária, para apoio às suas actividades agrícolas, florestais e silvo pastoris.
5- A gestão daquela área de terreno baldio está entregue ao Conselho Directivo da Assembleia de Compartes C....
6- Através de Edital datado de 8 de Fevereiro de 2017, assinado pela então Presidente da Mesa da Ré, E..., foi tornado público que “no próximo dia 24 de Fevereiro do corrente ano, no salão do M..., das dezoito horas (18:00h) às vinte horas (20:00h), o Conselho Directivo dos Compartes levará a efeito as eleições dos seus órgãos sociais, para o quadriénio de 2017/18/19 e 2020. As listas concorrentes a sufrágio deverão ser entregues até às dezanove horas (19:00h) do dia 21 de Fevereiro, à Presidente da Mesa da Assembleia Geral ou ao Presidente do Conselho Directivo de Compartes, com a seguinte constituição: Assembleia Geral – 1 – Presidente; 1 – Vice-presidente; 1 – 1º Secretário; 1 - 2º Secretário; Direcção: 1 – Presidente; 1 - Vice-presidente; 1 – Secretário; 1 – Tesoureiro; 1 – Vogal; Comissão de Fiscalização. 1 – Presidente; 1 – Secretário; 1 – Vogal, 1 – Vogal; 1 – Vogal. Além destes elementos devem constar mais cinco (5) elementos suplentes para a Direcção e quatro (4) para a Comissão de Fiscalização. PS: A mesa de voto estará a funcionar desde as 18:00h até às 20:00h. Para constar vão ser afixados editais de igual teor nos locais habitais”.
7- No dia e hora previstos no Edital acima referido, encontravam-se, no salão do M..., a Srª Presidente da Mesa da Assembleia, acompanhada pelo 1º e 2º Secretários da Mesa.
8- À frente da Srª Presidente da Mesa da Assembleia e do 1º e 2º Secretárias estava uma mesa, sobre a qual se encontrava uma urna normalmente usada para actos eleitorais.
9- Conforme os compartes iam chegando àquele salão, aproximavam-se da referida mesa e davam o seu nome aos membros da Mesa sem apresentarem qualquer tipo de identificação.
10- Colocando o 1º e 2º Secretários o nome desses compartes numa lista de presenças que iam elaborando.
11- Após isso, era dado a cada um dos compartes que se dirigia àquela mesa um pedaço de papel do mesmo género dos usados nos boletins de voto, que aqueles, depois de neles colocarem o que entendiam, o depositavam na dita urna.
11-A- Após a colocação do papel com o voto na urna, os compartes abandonavam o salão.
12- Daquela assembleia foi redigida a acta de fls. 25, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
13- A Mesa da Assembleia não tinha consigo o caderno de recenseamento dos compartes dos baldios da freguesia C....
14- A Assembleia de Compartes não aprovou anteriormente algum regulamento do ato eleitoral.
15- A convocação do acto eleitoral foi deliberada e aprovada por unanimidade de Assembleia Geral Ordinária de 30 Dezembro de 2016, tal como consta da acta de fls. 19 a 21, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
16- Foi aí deliberado, entre o mais, a afixação de editais de divulgação nos locais habituais.
17- Tais editais foram afixados no dia 8 de Fevereiro de 2017 no edifício da Junta de Freguesia C... e noutros locais de estilo, como sempre sucedeu em anteriores assembleias de compartes.
18- Não foi dada publicitação ao acto em órgãos de comunicação locais ou nacionais.
19- Os resultados do acto eleitoral foram publicados pela Mesa da Assembleia de Compartes.
20- No dia 21 de Fevereiro de 2017, a lista encabeçada pelo A., como candidata aos órgãos sociais da Assembleia de Compartes, foi rejeitada pela Presidente de Mesa e pelo Presidente do Conselho Directivo de Compartes, por ter sido apresentada após as 19 horas daquele dia.
21- Por referência a 31-12-2016, no caderno de recenseamento eleitoral da freguesia C... estavam inscritos 1554 cidadãos.
22- O autor não votou naquele acto.
23- No decurso do acto que estava a ser realizado houve um grupo de compartes que pretendeu reclamar para a Mesa da rejeição da sua lista, não lhe tendo sido consentido fazê-lo, com o argumento de que estavam a perturbar o acto eleitoral.

V. Da matéria de direito:
Através da acção o autor pretende que sejam declarados inválidos (por inexistência, nulidade, anulabilidade ou falsidade) e ineficazes a convocação para o dia 24-02-2017 da Assembleia de Compartes dos compartes dos terrenos baldios da freguesia C..., a acta dessa Assembleia de Compartes e as deliberações vertidas nessa acta, mais especificamente a eleição dos novos órgãos da comunidade de compartes.
Conforme já foi assinalado, tendo os actos cuja validade vem posta em causa ocorrido antes da entrada em vigor da actual Lei dos Baldios aprovada pela Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto, aplica-se ao caso em apreço ainda a Lei dos Baldios aprovada pela Lei n.º 68/93, de 04 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei.º 89/97, de 30/07, e pela Lei n.º 72/2014, de 02/09, que era a lei vigente à data dos factos.
O artigo 1.º da referida Lei dos Baldios, define os baldios como sendo «os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais», entendendo-se por tal «o universo dos compartes», isto é, «todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvem uma actividade agro-florestal ou silvo pastoril».
Segundo Jaime Gralheiro, Cometário à Nova Lei dos Baldios, 2002, pág. 53, «baldios são bens comunitários afectos à satisfação das necessidades primárias dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela e cuja propriedade pertence à comunidade formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam dos seus antepassados, para, usando-os de acordo com as suas necessidades e apetências, os transmitirem aos seus vindouros».
O artigo 1.º, n.º 5, da Lei dos Baldios estabelece o seguinte: «Os compartes usufruem os baldios conforme os usos e costumes locais e gerem de forma sustentada, nos termos da lei, os aproveitamentos dos recursos dos respectivos espaços rurais, de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de compartes».
Esta previsão reporta-se a duas situações distintas: a forma como o baldio deve ser usufruído pelos compartes e a forma como devem ser gerido o aproveitamento dos respectivos recursos. Quanto ao usufruto a norma estabelece que ele deve ser feito de acordo com os usos e costumes locais. Quanto à gestão do aproveitamento dos recursos dos respectivos espaços rurais a norma dispõe que devem ser observadas as deliberações da assembleia de compartes tomadas nos termos da lei.
O artigo 5.º, n.º 1, dispõe que «o uso, a fruição e a administração dos baldios efectivam-se de acordo com os usos e costumes locais e as deliberações dos órgãos competentes das comunidades locais, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes».
O artigo 11.º estabelece que:
«1- Os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes locais, através de órgãos democraticamente eleitos.
2- As comunidades locais organizam-se, para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, através de uma assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização.
3- Os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho directivo e da comissão de fiscalização, são eleitos pelo período de quatro anos, renováveis, e mantêm-se em exercício de funções até à sua substituição».
Resulta deste preceito que para a administração dos respectivos baldios as comunidades locais se organizam num órgão universal e perene (a assembleia de condóminos) e três órgãos electivos: a mesa da assembleia de compartes, o conselho directivo e a comissão de fiscalização.
O n.º 1 do artigo 12.º estabelece que «salvo nos casos especialmente previstos na lei, os órgãos das comunidades locais reúnem validamente com a presença da maioria dos seus membros e deliberam validamente por maioria simples dos membros presentes, tendo o respectivo presidente voto de qualidade
O artigo 14.º dispõe que «a assembleia de compartes é constituída por todos os compartes». Estabelece-se aqui o princípio da universalidade: todos os compartes podem participar na assembleia de compartes e nela exercer os direitos inerentes à qualidade de compartes, sem prejuízo dos limites que resultem das demais regras de direito (v.g. conflito de interesses).
O artigo 15.º define o âmbito da competência da assembleia de compartes, estabelecendo que lhe compete, designadamente, eleger a respectiva mesa (a) e eleger e destituir, em caso de responsabilidade apurada com todas as garantias de defesa, os membros do conselho directivo e os membros da comissão de fiscalização (b), deliberar sobre todos os demais assuntos do interesse da comunidade relativos ao correspondente baldio que não sejam da competência própria do conselho directivo (q).
Resulta deste normativo que cabe à assembleia de compartes eleger todos os órgãos electivos da comunidade local, bem como deliberar sobre todos os assuntos que sejam do interesse da comunidade e que não sejam da competência exclusiva do conselho directivo.
O artigo 16.º rege sobre a mesa da assembleia geral estabelecendo que:
«1 - A mesa da assembleia de compartes é constituída por um presidente, um vice-presidente e dois secretários, eleitos pela assembleia, de entre os seus membros, pelo sistema de lista completa.
2 - O presidente representa a assembleia de compartes, preside às reuniões e dirige os trabalhos.»
Daqui resulta que a mesa da assembleia geral apenas tem por função dirigir os trabalhos das reuniões da assembleia, que são presididas pelo presidente da mesa, e secretariar tais reuniões, designadamente elaborar as respectivas actas.
Nos termos do artigo 18.º:
«1 - A assembleia de compartes é convocada mediante editais afixados nos locais do estilo e por qualquer outro meio de publicitação de larga difusão local ou nacional.
2 - As reuniões da assembleia de compartes são convocadas pelo presidente da respectiva mesa, por iniciativa própria, a solicitação do conselho directivo ou da comissão de fiscalização, ou ainda de 5% do número dos respectivos compartes.
… 4 - O aviso convocatório deve em qualquer caso mencionar o dia, a hora, o local da reunião e a respectiva ordem de trabalhos e ser tornado público com a antecedência mínima de oito dias.
Este preceito confere ao Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes o poder próprio de convocar a Assembleia, por iniciativa própria ou por solicitação de outrem. E estabelece formalidades específicas para a divulgação da convocatória: a afixação de editais nos locais do estilo, leia-se, nos locais habitualmente usados para o efeito segundo os usos e costumes locais, e, cumulativamente, a divulgação da convocatória através de outro meio de publicitação de larga difusão local ou nacional.
O artigo 19.º dispõe o seguinte:
«1 - A assembleia de compartes reúne validamente no dia e a hora marcados no aviso convocatório, desde que se mostre verificada a presença da maioria dos respectivos compartes.
2 - Decorridos trinta minutos sobre a hora designada no aviso convocatório, a assembleia de compartes reúne validamente, desde que se encontrem presentes:
a) 30% dos respetivos compartes ou o mínimo de 100 compartes, quando se trate de deliberações que devam ser tomadas por maioria qualificada de dois terços dos compartes presentes;
b) 10% dos respetivos compartes ou o mínimo de 50 compartes, nos restantes casos.
3 - Caso não se verifique o quórum de funcionamento previsto no número precedente, o presidente da mesa convocará de imediato uma nova reunião para um dos 5 a 14 dias seguintes, a qual funcionará com qualquer número de compartes presentes.»
Esta norma rege sobre o quórum de reunião da assembleia (outras normas dispõem sobre o quórum deliberativo para situações específicas; v.g. 15.º/2). A assembleia não pode funcionar em primeira convocatória com qualquer número de compartes presentes, tal só pode suceder se no dia e hora inicialmente designados na convocatória estiver presente a maioria dos respectivos compartes.
Quando isso não se verifique, o início da assembleia tem aguardar trinta minutos sobre a hora designada no aviso convocatório. Decorrido esse tempo, a assembleia pode iniciar os trabalhos se estiverem presentes um décimo dos compartes ou pelo menos 50 compartes, excepto se o objectivo for deliberar sobre assuntos que só possam ser aprovados por maioria qualificada de 2/3, caso em que a assembleia só pode iniciar-se se estiverem presentes 30% dos compartes ou pelo menos 100 compartes
Quando este quórum mínimo não estiver reunido, a assembleia não se pode realizar no dia e hora designados e o presidente da mesa deverá convocar de imediato uma nova reunião para um dos 5 a 14 dias seguintes, a qual poderá então funcionar com qualquer número de compartes presentes.
Sendo estas as normas aplicáveis, é agora fácil de verificar que a situação ocorrida enferma de violação de várias destas disposições.
Em primeiro lugar, não se cumpriram as formalidades legais da publicitação da convocatória. Com efeito, não se fez a divulgação da convocatória num meio de publicitação de larga difusão local ou nacional, conforme impõe o artigo 18.º.
A anterior Assembleia de Compartes que deliberou a realização das eleições, «sendo para tal afixados editais nos locais habituais» não eliminou validamente essa formalidade. O que consta da respectiva deliberação é apenas a afixação de editais (referência pela positiva; desnecessária por ser repetição da lei), não é também a não publicitação num órgão de difusão nacional ou local (referência pela negativa que significasse que se prescindia dessa publicitação).
Acresce que aquela exigência legal tem natureza imperativa porquanto se destina a assegurar condições para a participação dos cidadãos nos órgãos das comunidades locais e a democraticidade do processo eleitoral, servindo pois interesses públicos que a Assembleia não pode excluir.
Basta aliás ver que numa comunidade com cerca de 1550 cidadãos eleitores se apresentaram a participar na assembleia pouco mais de 20 pessoas, para concluir com facilidade como é necessário reactivar o funcionamento da Assembleia de Compartes deste baldio através do cumprimento rigoroso das suas normas de funcionamento que possuem essa finalidade e virtualidade.
Não se provou que não obstante isso a generalidade dos compartes tenha tido conhecimento da convocatória, facto que, salvo melhor opinião, também não seria suficiente para considerar sanada aquela falha.
Com efeito, as regras legais não exigem que a convocatória seja levada ao conhecimento pessoal de todos os compartes e optam por uma formalidade de divulgação da mesma que presumivelmente permitirá a todos os compartes tomar conhecimento da convocatória. Porém, não só está por demonstrar que a formalidade gerará essa consequência inelutável, como não se permite que a eventual demonstração de que apesar da formalidade observada um ou mais compartes não tiveram conhecimento da convocatória possa tornar ineficaz a convocatória. Daí que seja juridicamente irrelevante demonstrar que uma quantidade mais ou menos apreciável de compartes teve conhecimento efectivo da convocatória, o que importa é que se tenham cumprido as formalidades de divulgação da convocatória que a lei define como suficientes e necessárias para assegurar a democraticidade da convocação dos compartes para a assembleia.
Em segundo lugar não se cumpriram as normas legais que regem sobre a realização das eleições para os órgãos da comunidade.
Com efeito, como vimos, a eleição é realizada pela Assembleia de Compartes, isto é, numa reunião dessa Assembleia, pelo que era necessário convocar uma Reunião da Assembleia tendo na ordem de trabalhos a realização de eleições para aqueles órgãos. A ideia de realizar um acto eleitoral específico à margem da realização de uma Assembleia não tem cobertura na Lei dos Baldios. Admitimos que a própria Assembleia pudesse deliberar aprovar um regulamento eleitoral que permitisse a realização das eleições dessa forma e definisse as regras do respectivo processo eleitoral, designadamente a apresentação de lista. Todavia, no caso, na anterior Assembleia apenas foi deliberado realizar eleições para «os órgãos directivos (referentes) do Conselho Directivo de Compartes»; não foi aprovado qualquer regulamento que definisse a sua realização e os demais termos do processo eleitoral, pelo que a realização de eleições nos moldes em que elas foram realizadas é um acto ilegal.
Por outro lado, não resultando da Lei dos Baldios que o Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes tenha competência para decidir sobre a aceitação ou rejeição de listas concorrentes, sobre a composição destas, sobre as formalidades que estas deveriam observar, nem resultando dos autos que a Assembleia de Compartes lhe tenha atribuído, por delegação, tais poderes no âmbito de um inexistente Regulamento Eleitoral, tais actos apenas podiam ser praticados pela própria Assembleia de Compartes, pelo que a não admissão de uma lista às eleições decidida uninominalmente pelo Presidente e não submetida a ratificação da Assembleia consubstancia um acto ilegal.
Em terceiro lugar, para o caso de se entender que embora não expressamente convocada como tal, o que se realizou foi mesmo uma Assembleia de Compartes, a sua realização na data indicada na convocatória viola as regras legais de funcionamento da Assembleia.
Com efeito, sabendo-se que apenas votaram 20 pessoas e que além destas estiveram presentes mais três ou quatro pessoas que se apresentaram como compartes e pretenderam actuar como tal, é seguro que não estava verificado o quórum que permitiria a realização da Assembleia nessa data, o qual seria no caso de pelo menos 50 compartes. Cabia ao Presidente da Mesa, antes de declarar aberta a Assembleia eleitoral, proceder a essa contagem para se certificar que estava reunido o quórum para a sua realização e ao verificar, como devia, que tal não sucedia, tinha a obrigação de designar nova data para a realização da Assembleia Eleitoral para um dos 5 a 14 dias seguintes. A realização da Assembleia (do acto eleitoral) na primeira data designada vicia assim de ilegalidade todos os actos nela praticados, designadamente o acto eleitoral.
Nos termos do artigo 177.º do Código Civil, as deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.
Nos termos do artigo 178.º o mesmo diploma, a anulabilidade prevista nos artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação.
O autor é comparte e não votou nas eleições realizadas na Assembleia impugnada. Pelas razões aduzidas, quer a convocação dos compartes para o dia 24-02-2017, quer as deliberações vertidas na acta do acto realizado nesse dia são ilegais e por isso devem ser anuladas com fundamento nos referidos artigos 177.º e 178.º do Código Civil. Por sua vez a acta não reproduz efectivamente o que se passou nesse acto, pelo que deve ser declarada a sua falta de fidedignidade e, portanto, a sua falsidade quanto ao conteúdo.
Ao contrário do que preconiza o Mmo. Juiz a quo, não vislumbramos como possa a actuação do autor ser neutralizada através da figura do abuso do direito. O autor não deu causa às irregularidades cometidas, foi impedido de apresentar uma lista de candidatos às eleições por decisão unilateral de quem não tinha poderes para o fazer e recusou-se a participar na votação, certamente porque assim decidiu, mas também porque tal era imprescindível para poder arguir posteriormente os vícios dos actos praticados. Não se vê no seu comportamento qualquer excesso ou desproporção nem o mesmo traduz o uso de meios jurídicos ao arrepio das finalidades para as quais os mesmos foram consagrados ou a protecção de interesses pessoais e públicos distintos daqueles que os mesmos servem.
Por conseguinte, a acção devia ter sido julgada procedente e, não o tendo sido, procede agora o recurso, impondo-se a alteração do decidido.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dando provimento à apelação alteram a decisão recorrida substituindo-a por outra que julga a acção procedente e, consequentemente, anula a convocação da Assembleia de Compartes dos compartes dos terrenos baldios da freguesia C..., para o dia 24-02-2017, e as deliberações tomadas nessa Assembleia, e declara a falsidade da respectiva acta, condenando a ré a reconhecer estes vícios e a não atribuir eficácia a qualquer dos actos viciados.
Custas do recurso pela recorrida.
*
Porto, 24 de Janeiro de 2019.
*
Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 473)
Inês Moura
Francisca Mota Vieira

[a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas]