Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
56/14.9YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
SENTENÇA ARBITRAL
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE HIERARQUIA
Nº do Documento: RP2014063056/14.9YRPRT
Data do Acordão: 06/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O Tribunal da Relação do Porto é competente, em razão da hierarquia, para conhecer da acção de revisão/confirmação de sentença arbitral proferida por tribunal arbitral constituído no Brasil, em que o processo arbitral se iniciou em 10/10/2012 (artº 59º, nº 1, al. h), da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei 63/2011, de 14 de Dezembro).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 56/14.9YRPRT – APELAÇÃO (Revisão/confirmação de sentença arbitral estrangeira)

Relator: Caimoto Jácome(1448)
Adjuntos: Macedo Domingues()
Oliveira Abreu()

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1-RELATÓRIO

B…,S.A., com sede na …, nº …., salas …. e …., Centro, no Município …, …, Brasil, veio, nos termos da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras e dos artigos 55.º e seguintes, da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei nº 63/2001, de 14/12, propor acção especial de Reconhecimento de Sentença Arbitral Estrangeira contra C…, S.A., com sede na …, nº …, ….-…, …, V. N. de Famalicão.
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O processo arbitral iniciou-se em 10/10/2012, com a notificação extrajudicial da ré, efectuada pela autora, que, seguidamente (22/10/2012), requereu a instauração de arbitragem perante o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, sito em São Paulo, Brasil.
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A sentença arbitral estrangeira, cujo reconhecimento (revisão/confirmação) vem pedido, foi proferida, em 28 de Agosto de 2013, pelo tribunal arbitral constituído em São Paulo, Brasil, o qual, em 25 de Setembro de 2013, se pronunciou favoravelmente sobre o Pedido de Esclarecimento da Autora, condenando-se a Ré no pagamento à Autora do valor total de R$ 1.421.716,39 (Um milhão e quatrocentos e vinte e um, setecentos e dezasseis mil e trinta e nove reais), que corresponde ao montante € 438.740 (Quatrocentos e trinta e oito, setecentos e quarenta mil euros), conforme se discrimina na tabela descrita no artigo 49º, da petição, aqui dada como integralmente reproduzida (ver documentos de fls. 169 a 192).
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Citada a requerida (artº 57º, nº 2, da LAV), não foi deduzida oposição.
O Ministério Público alegou, pronunciou-se pela incompetência do Tribunal em razão da hierarquia, conducente à absolvição da instância.
A requerente alegou, sustentando, antes de mais, a competência deste Tribunal da Relação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

A matéria de facto a considerar é a descrita no relatório.
Importa, ainda, considerar que o Brasil é parte, desde 2002, na Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 10 de Junho de 1958.
Tal Convenção foi aprovada para ratificação em Portugal através da Resolução da assembleia da República nº 37/94, de 08/07, ratificada pelo Presidente da República (Cfr. Aviso nº 142/95, de 21 de Junho).
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Estabelece o nº 1, do artº 978º, do Código de Processo Civil(CPC):
Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”.
A Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, entrou em vigor em Março de 2012, aplicando-se aos processos iniciados após a entrada em vigor do diploma (artº 4º, nº 1).
Dispõe o artº 59º, nº 1, al. h), da LAV (Dos tribunais estaduais competentes):
1-Relativamente a litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais judiciais, o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem ou, no caso da decisão referida na alínea h) do n.º 1 do presente artigo, o domicilio da pessoa contra quem se pretenda fazer valer a sentença, é competente para decidir sobre:
a)(…);
(…)
h) O reconhecimento de sentença arbitral proferida em arbitragem localizada no estrangeiro.
(…)
4-Para quaisquer questões ou matérias não abrangidas pelos n.ºs 1, 2 e 3 do presente artigo e relativamente às quais a presente lei confira competência a um tribunal estadual, são competentes o tribunal judicial de 1ª instância ou o tribunal administrativo de círculo em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem, consoante se trate, respectivamente, de litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais judiciais ou na dos tribunais administrativos.”.
De acordo com o disposto no artº 61º, da LAV, esta “(…) é aplicável a todas as arbitragens que tenham lugar em território português, bem como ao reconhecimento e à execução em Portugal de sentenças arbitrais proferidas em arbitragens localizadas no estrangeiro.".
No caso em apreço, não tem cabimento, salvo melhor opinião, a aplicação da jurisprudência do acórdão do STJ, de 25/02/2014, citado pelo Ministério Público na sua alegação, pois que a situação apreciada nesse aresto é diversa da analisada nestes autos (data do início do processo arbitral).
Aliás, nesse acórdão, pondera-se, e bem, além do mais, que “Não é, por outro lado, de aplicar o regime contido na Nova Lei de Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro), porquanto a mesma entrou em vigor três meses após a data da sua publicação, atento o disposto pelo seu artigo 6º, enquanto que, por seu turno, o presente processo teve o seu início antes de 21 de novembro de 2011, data em que ocorreu a audiência de julgamento, não tendo ambas as partes acordado ou uma delas formulado proposta no sentido da aplicação do novo regime, sem oposição da outra, de acordo com o disposto pelo artigo 4º, nºs 1 e 2, da mesma lei.
Efetivamente, o que releva, para efeitos de determinação do tribunal competente, em razão da hierarquia, para proceder à revisão, reconhecimento e confirmação da sentença arbitral estrangeira, não é a data da propositura do processo especial de revisão, mas antes a data do inicio do correspondente processo arbitral.” (ver, ainda, a doutrina citada, com pertinência, pela requerente na sua alegação, concretamente Pedro Metello de Nápoles (Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Coimbra, Almedina, 2012, pág. 112), Dário Moura Vicente, (Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Coimbra, Almedina, 2012, pág. 104) e Luís de Lima Pinheiro (Direito Internacional Privado - Volume III – Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, 2ª Ed., Coimbra, Almedina, 2012, p. 593, e, ainda, Armindo Ribeiro Mendes (Lei da Arbitragem Anotada, Almedina 2012, página 10 e nota 4.).
Este Tribunal da Relação é, pois, competente, em razão da hierarquia, para conhecer desta acção, improcedendo a excepção dilatória invocada pelo Ministério Público.
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A necessidade de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras é imposta no artº 55º, da LAV.
Importa ter presente a Convenção de Nova Iorque de 10 de Junho de 1958, mais precisamente o artigo V da citada Convenção.
O artigo V da Convenção de Nova Iorque de 10 de Junho de 1958 é do seguinte teor:
“1–O reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados, a pedido da Parte contra a qual for invocada, se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução forem pedidos a prova:
a) Da incapacidade das Partes outorgantes da convenção referida no artigo II, nos termos da lei que lhes é aplicável, ou da invalidade da referida convenção ao abrigo da lei a que as partes a sujeitaram ou, no caso de omissão quanto à lei aplicável, ao abrigo da lei do país em que for proferida a sentença; ou
b) De que a Parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada quer da designação do árbitro quer do processo de arbitragem, ou de que lhe foi impossível, por outro motivo, deduzir a sua contestação; ou
c) De que a sentença diz respeito a um litígio que não foi objecto nem da convenção escrita ou da cláusula compromissória; no entanto, se o conteúdo da sentença referente a questões submetidas à arbitragem puder ser destacado do referente a questões não submetidas à arbitragem, o primeiro poderá ser reconhecido e executado; ou
d) De que a constituição do tribunal arbitral ou o processo de arbitragem não estava em conformidade com a convenção das Partes ou, na falta de tal convenção, de que não estava em conformidade com a lei do país onde teve lugar a arbitragem; ou
e) De que a sentença ainda não se tornou obrigatória para as Partes, foi anulada ou suspensa por uma autoridade competente do país em que, ou segundo a lei do qual, a sentença foi proferida.
2 – Poderão igualmente ser recusados o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral se a autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução foram pedidos constatar:
a) Que, de acordo com a lei desse país, o objecto do litígio não é susceptível de ser resolvido por via arbitral; ou
b) Que o reconhecimento ou a execução da sentença são contrários à ordem pública desse país.”.
Por sua vez, o artº 56º, da LAV, estatui sobre os fundamentos de recusa do reconhecimento e execução desse tipo de decisões (coincidentes com os enunciados no mencionado artigo V da Convenção de Nova Iorque).
Pelos elementos constantes do processo, constatamos que não se verifica, no caso, nenhum dos fundamentos de recusa a que aludem os referidos artigo V, da Convenção de Nova Iorque, e 56º, da LAV.
Nada impede, por isso, o reconhecimento (revisão/confirmação) da referenciada sentença arbitral estrangeira.
Procede, assim, a pretensão da autora.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente, por provada, a presente acção especial de revisão e confirmação de sentença arbitral estrangeira, instaurada por B…, S.A., contra C…, S.A., e, em consequência, decide-se rever e confirmar a sentença arbitral proferida, em 28 de Agosto de 2013, pelo tribunal arbitral constituído em São Paulo, Brasil (Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, sito em São Paulo, Brasil), o qual, em 25 de Setembro de 2013, se pronunciou favoravelmente sobre o Pedido de Esclarecimento da Autora, condenando-se a Ré no pagamento à Autora do valor total de R$ 1.421.716,39 (Um milhão e quatrocentos e vinte e um, setecentos e dezasseis mil e trinta e nove reais), que corresponde ao montante € 438.740 (Quatrocentos e trinta e oito, setecentos e quarenta mil euros), decisão que passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.
Custas a cargo da Ré, fixando-se o valor tributário da causa em € 438.740.
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Anexa-se o sumário.

Porto, 30/06/2014
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (ARTº 663º, nº 7, do CPC):
O Tribunal da Relação do Porto é competente, em razão da hierarquia, para conhecer da acção de revisão/confirmação de sentença arbitral proferida por tribunal arbitral constituído no Brasil, em que o processo arbitral se iniciou em 10/10/2012 (artº 59º, nº 1, al. h), da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei 63/2011, de 14 de Dezembro).

Caimoto Jácome