Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2233/15.6T8PRD.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: SERVIDÃO VOLUNTÁRIA
SERVIDÃO LEGAL
CONSTITUIÇÃO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
EXTINÇÃO POR DESNECESSIDADE
Nº do Documento: RP202110212233/15.6T8PRD.P2
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: “I - Todos os modos de constituição de servidões voluntárias referidos no n.º 1 do artigo 1547.º do Código Civil – contrato, testamento, usucapião e destinação do pai de família – consubstanciam meios de constituição voluntária das servidões legais, a que alude o número 2 do mesmo preceito.
II - Para a extinção de uma servidão de passagem com fundamento em que se tornou desnecessária, nos termos do n.º 3 do artigo 1569 do mesmo diploma legal, o que importa é que, constituída a servidão por qualquer dos meios previstos no n.º 1 do artigo 1547, ela contenha em si o condicionalismo referido no artigo 1550.º, n.º 1 e 2, isto é, os requisitos necessários para que na falta de constituição voluntária, o proprietário do prédio dominante pudesse coercivamente, por via judicial, constituir essa servidão sobre o prédio serviente”.
III - O facto de, no caso concreto, a servidão ter sido constituída por contrato, não afasta a sua natureza legal, uma vez que o prédio dominante se encontrava na situação de facto de prédio encravado. Com efeito, a doutrina tem admitido que estão abrangidas pelo n.º 3 do art. 1569.º, não só as servidões legais constituídas por via judicial, mas também aquelas que foram concertadas entre as partes, pois também nestas, há uma constituição coerciva do encargo.
IV - No caso vertente, está em causa uma servidão de passagem em benefício de um prédio encravado, ou seja, uma servidão legal.
V - A desnecessidade é uma causa autónoma de extinção de direitos reais, limitada às servidões constituídas por usucapião e às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição.
VI - A desnecessidade corresponde a uma falta de justificação objectiva para a manutenção de um encargo para o prédio serviente, atenta a inutilidade ou escassa utilidade que a existência da servidão representa para o prédio dominante. Este juízo de proporcionalidade deve ser encontrado na ponderação das circunstâncias concretas de cada caso.”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2021:2233/15.6T8PRD.P2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B... e esposa C..., residentes na Rua de ..., n.º ..., ..., …. - ... Paredes instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum contra D... e esposa E..., residentes na Rua..., n.º .., ..., …. - ... Paredes, onde concluíram pedindo:
- seja declarado reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano sito na actual Rua de ..., nº ..., antigo lugar de ..., da freguesia de ..., extinta freguesia de ..., do concelho de Paredes, composto de casa de rés-do-chão e andar com logradouro e quintal, a confrontar de norte com F... e G..., de sul com o prédio dos RR., de nascente com H... e de poente com o prédio dos RR. e com a R. de ..., descrito na Conservatória na ficha 1053 -..., inscrito na matriz predial respectiva no art. 8728.º, antigo 1449.º,
- seja declarada a desnecessidade da servidão identificada e caracterizada nos arts 10.º a 22.º da petição inicial para o prédio dos RR. melhor identificado na petição inicial;
- seja declarada a referida servidão extinta por desnecessidade,
- sejam condenados os RR. a tudo isso declarar e reconhecer, a abster-se de usar o prédio dos AA. para acederem da via pública e vice-versa ao prédio respectivo, a encerrar a abertura existente no muro do seu prédio urbano para o caminho em causa e a abster-se de, por qualquer modo, impedirem, limitarem ou perturbarem o exercício do direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio.
Alegaram, em síntese, a existência de uma servidão de passagem a onerar um prédio seu e em benefício de um prédio rústico entretanto adquirido pelos RR., que foi constituída por usucapião, a qual se queda desnecessária, na medida da titularidade anterior pelos RR. de outros imóveis que permitem a abertura de acesso para aqueloutro, sem excessivo encargo ou dispêndio.
Acresce a abertura de um portão que deita para o referido caminho a partir já de um outro prédio urbano dos RR., quedando insubsistente qualquer direito àquele acesso e passagem.
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Citados, contestaram os RR., aduzindo que a servidão em apreço foi constituída por contrato, pelo que é legalmente inadmissível a sua extinção por desnecessidade.
Acrescentam que sempre parte do leito do caminho cuja extinção da servidão vem pedida se inclui em prédio dos RR.
Referem, ainda, que a titularidade anterior de bens imóveis distintos do prédio encravado não se constitui como a modificação objectiva que a lei exige para a operatividade da extinção reclamada, sendo certo que não se encontra alegada a possibilidade de constituição de outro acesso a partir dos prédios dos RR. sem grave prejuízo para estes.
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Foi proferido despacho saneador, fixado o valor da causa, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
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Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades prescritas na lei.
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Após julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente:
- reconhecendo o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano sito na actual Rua de …. nº ..., antigo lugar de ..., da freguesia de …., extinta freguesia de ..., do concelho de Paredes, composto de casa de rés-do-chão e andar com logradouro e quintal, a confrontar de norte com F... e G..., de sul com o prédio dos RR., de nascente com H… e de poente com o prédio dos RR. e com a R. de ..., descrito na Conservatória na ficha 1053-..., inscrito na matriz predial respectiva no art. 8728, antigo 1449,
- condenando os RR a encerrarem/fecharem definitiva e permanentemente a abertura/portão existente no muro do seu prédio urbano para o caminho em causa, conforme matéria assente sob V), abstendo-se de a usar para entrar e sair do seu (dos RR identificado sob B.2) prédio para o dos AA.
- julgar a acção improcedente no mais, mormente na parte em que vinha pedido fosse declarada a desnecessidade da servidão identificada e caracterizada nos arts. 10.º a 22.º da petição inicial para o prédio dos RR. melhor identificado em B.1, absolvendo os RR. dessa pretensão.
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Não se conformando com a decisão proferida, autores e réus vieram interpor recurso de apelação.
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Por acórdão deste Tribunal foi decidido, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil, anular a decisão de facto, determinando a sua ampliação de modo a permitir ao tribunal recorrido verter na decisão de facto (quer seja nos factos provados, quer nos factos não provados) o facto omitido, sem prejuízo de serem alterados outros itens da decisão de facto que se mostrem necessários.
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O Tribunal a quo deu cumprimento ao ordenado, aditando um artigo à base instrutória.
Houve lugar a produção de prova, a qual, novamente, incluiu a realização de prova pericial, sendo que em audiência foram pelo Sr. Perito prestados os esclarecimentos reclamados pelas partes e outros havidos por pertinentes na sequência da audição.
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Foi proferida nova sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada:
- reconhecendo o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano sito na actual Rua de ... nº ..., antigo lugar de ..., da freguesia de ..., extinta freguesia de ..., do concelho de Paredes, composto de casa de rés-do-chão e andar com logradouro e quintal, a confrontar de norte com F... e G..., de sul com o prédio dos RR., de nascente com H... e de poente com o prédio dos RR. de ..., descrito na Conservatória na ficha 1053-…, inscrito na matriz predial respectiva no art. 8728, antigo 1449, condenando os RR a encerrarem/fecharem definitiva e permanentemente a abertura/portão existente no muro do seu prédio urbano para o caminho em causa, conforme matéria assente sob V), abstendo-se de a usar para entrar e sair do seu (dos RR identificado sob B.2) prédio para o dos AA.
Julgando, ainda, a acção improcedente no mais, mormente na parte em que vinha pedido fosse declarada a desnecessidade da servidão identificada e caracterizada nos arts. 10. a 22. da petição inicial para o prédio dos RR. melhor identificado em B.1, absolvendo os RR dessa pretensão ou pedido.
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Não se conformando com a referida decisão, os recorrentes D... e mulher E… vieram interpor recurso de apelação, em cujas alegações concluem da seguinte forma:
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos Provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
A) Os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na actual Rua ... nº ..., antigo lugar de ..., da freguesia de ... , extinta freguesia de ..., do concelho de Paredes , composto de casa de rés-do-chão e andar com logradouro e quintal, a confrontar de norte com F... e G..., de sul com o prédio dos RR. infra identificado em primeiro lugar, de nascente com H... e de poente com o prédio dos RR. identificado infra em segundo lugar e com a R. de ..., descrito na Conservatória na ficha 1053-..., inscrito na matriz predial respectiva no art. 8728, antigo 1449, - D.1 e D. 2 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) Os RR. são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios sitos no mesmo lugar de ... da freguesia de ..., extinta freguesia de ..., do concelho de Paredes:
1. Rústico, denominado “ I...“, composto de terreno de cultura com videiras em ramada, a confrontar de norte com o prédio dos AA., de sul e nascente com H... e de poente com os prédios dos RR. a seguir identificados, descrito na Conservatória do Registo Predial na ficha 1771- ..., aí registado a seu favor pela Ap. 7 de 13.02.2013, inscrito na matriz predial respectiva no art. 3091 , antigo 758 – D. 4 e 5 com a petição-
2. Urbano composto de casa de rés-do-chão, andar e logradouro, a confrontar de nascente com os AA. e o prédio de 1. supra, de sul com o prédio dos RR. a seguir identificado e de poente com a R. de ..., descrito na Conservatória na ficha 648 - ..., aí registado a seu favor pela Ap. 23 de 13.03.1996, inscrito na matriz predial respectiva no art. 8048 , antigo 1123, - D. 6 e 7 com a pi - ,e,
3. Rústico , anteriormente designado por sorte do … , a confrontar de norte com o prédio dos RR. identificado em 2. deste , de sul com outros prédios dos RR., de nascente com o prédio dos RR. identificado em 1. deste e outro e de poente com a R. de ..., descrito na Conservatória na ficha 891- …, aí registado a seu favor pela Ap. 2208 de 29.11.2010,inscrito na matriz predial respectiva no art. 5120, anterior 1143 - D. 8 e 9 com a petição.
C) O prédio dos AA. confronta assim de sul com o prédio dos RR. identificado em B.1 e de poente com o prédio dos mesmos RR. identificado em B.2 supra ,e, por seu turno o prédio dos RR. identificado em B.1 confronta a poente com os prédios dos mesmos RR. identificados em B.2 e B.3 desta.
D) O prédio dos RR. supra identificado em B. 1 foi anteriormente de outro proprietário, J..., de quem aqueles o adquiriram por compra de 12.02.2013 do Cartório Notarial de Paredes da Drª K..., exarada a fls. 86/87 do Livro 182 , - D. 11 com a petição, cujo teor aqui se reproduz.
E) Nessa altura, enquanto propriedade da mencionada J... e antes disso o prédio referido estava absolutamente encravado entre o prédio hoje dos AA. , a norte, os prédios hoje dos RR. de B.2 e B.3, a poente, e prédios de outros proprietários dos demais lados…
F) Razão pela qual o acesso da via pública a esse prédio, hoje dos RR. - o identificado em B.1 desta – e vice-versa, se fazia , como ainda hoje se faz, por intermédio do prédio dos AA.,
G) Através de um caminho com o comprimento de trinta metros e a largura de pelo menos três metros.
H) Este caminho tem o seu início na Rua de ..., a poente do prédio dos AA.
I) Processa-se, a partir daí, de poente para nascente, numa extensão de doze metros, no limite dos quais curva para sul, por onde se prolonga no sentido norte/sul, numa extensão de mais dezoito metros…
J) Onde atinge o prédio dos RR. de B.1 desta pelo lado norte do mesmo, junto da respectiva extrema poente.
L) O dito caminho é pavimentado a cubos, em cerca de doze metros da sua extensão, enquanto se processa de poente para nascente e a seguir, enquanto se processa de norte para sul, está coberto de relva e encimado de ramada com videiras implantadas de um lado e do outro da respectiva largura.
M) É fechado a poente, junto da R. de …, por um portão eléctrico, pertença dos AA., para cuja abertura os RR. estão municiados de uma chave de abertura automática.
N) E vem a ser utilizado pelos RR. e antepossuidores para acederem da via pública, a referida R. de ..., ao seu prédio, identificado em B.1, e vice-versa, de pé, para rega e sementeira, no inverno de erva e no verão de batata e milho e de veículos de mão e de tracção animal e mecânica - carro de bois ou tractor - , para lavra e fresa da terra , poda das videiras e colheita das uvas, da batata, do milho e da erva.
O) Ininterruptamente, à vista de todos e sem oposição de ninguém, há já mais de vinte e mais anos.
P) As larguras das entradas/ saídas dos prédios sob B.2 e B.3 de e para a citada via pública, em número de pelo menos duas, com portões e larguras, senão maiores, são pelo menos iguais à do prédio dos AA. e permitem a entrada, saída e circulação de pessoas e veículos e por elas entram e saem veículos de tracção mecânica, como tractores, atrelados, cisternas e ligeiros de passageiros que se dirigem de e para aqueles prédios dos RR. e em alguns casos ali permanecem e podem entrar e sair carros de tracção animal.
Q) O espaço confinado às letras X-Y da fotografia sob D. 10 -, junta à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido tem a largura de cerca de 27 m de largura, 11 m deles no prédio de B.2 e 16 m no prédio de B.3.
R) Prédios que, no conjunto, têm uma frente para a R. de..., de mais de 50 m e de mais de 25 m cada um, livre de quaisquer construções.
S) Acedendo os RR. da via pública ao seu I… (B.1) através de qualquer dos seus outros prédios, não percorrerão maior distância da que percorrem, acedendo-lhe pelo caminho de servidão em causa, nem trajecto menos linear.
T) O muro de blocos de cimento que separa o prédio sob B.1 dos prédios sob B.2 e B.3 possui uma altura que varia entre cerca de 1,24 m, 2.20m e 2,90 m.
U) A utilidade derivada da mesma servidão para os RR. decorre de por aí acederem a partir da R. de ... ao seu prédio identificado em B.1, por ali transportando sacos de sementes, carros de estrumes, sacos de adubos e produtos agrícolas.
V) Na confrontação norte do prédio dos RR. sob B.2 com o dos AA. , os primeiros edificaram, em 1992/93 um muro de blocos de cimento em que deixaram uma abertura com a largura de cerca de 2,50 m, que veio a ser encerrada decorridos menos de dez anos.
X) Sobre o prédio descrito sob o n.º 32046, a fls. 116 do livro B-82 do Registo Predial de ... (...), (desanexado do inscrito sob o 17512 do livro B-45), foi registado, a onerá-lo, o direito de servidão perpétua de passagem de pé e com carro e bois, a favor do prédio descrito sob o n.º 24579, a fls. 93 do Livro B-63, que com o nº 23990, a fls. 193 do Livro B-61, constitui um só prédio, como resulta do documento junto à PI sob documento n.º 4, que é aquele sob B.1 supra, conforme registo pela inscrição 4594, a fls. 19 do Livro F-7, até à caducidade daquela inscrição, nos termos do documento sob o n.º 6 junto com a contestação, cujo teor aqui de dá por integralmente reproduzido.
Z) A servidão registada nos termos da alínea que antecede foi constituída por escritura de partilha outorgada em 12 de Maio de 1925, no Cartório do Notário L..., da Vila e Comarca de ... e exarada a fls. 14 a 17 verso do Livro 77, nos termos do documento junto à contestação sob o n.º 5, que aqui se reproduz.
AA) O desnível superficiário entre os prédios dos RR (todos) é em média de 70 cm (de altura).
BB) Ao menos o prédio identificado em B).2, atentas as construções ali existentes, possui espaço suficiente e desembaraçado de construções ou outro tipo de ocupação necessariamente permanente, para permitir a abertura de um acesso ao prédio identificado em B.1.
Antes da construção ali executada pelos RR, sem licenciamento, também o prédio identificado em B).3 possuía tal espaço. Aquela construção contempla duas edificações, uma delas de cobertura em chapa e outra em madeira, mais recente.
CC) Ao menos o prédio identificado em B).2, atentas as construções ali existentes e a existência de uma ramada localizada na sua estrema Sul, possui espaço suficiente e desembaraçado para manter permanentemente aberto um espaço “caminho”, com pelo menos a largura do caminho de servidão descrito na matéria assente, para a passagem de pessoas e veículos desde o I... - de B.1 desta - até à via pública, a R. de ..., e vice-versa.
DD) A ramada localizada a sul do prédio referido em B).2 tem o comprimento de de 32,05 metros e uma altura variável entre 1,60m (junto ao pilar de suporte) e 2,60m e uma largura de 3 metros. No logradouro do prédio, encostado à confrontação com o prédio B.1, existe um alpendre/garagem construída em estrutura metálica e revestida a chapa, construção não licenciada.
EE) A zona livre e desocupada no prédio referido em B).2 permite a passagem de pessoas e veículos, mesmo sob a ramada referida em DD), sem prejuízo de limitações de altura na parte mais próxima aos pilares de suporte daquela ramada, ficando ainda assim acautelada a possibilidade de circulação numa largura de três metros.
FF) É fisicamente possível estabelecer a ligação entre o prédio actualmente dos RR. sob B.1 supra e o prédio sob B.2.
GG) Para o efeito os RR. precisariam de proceder à abertura de uma “entrada” no muro de blocos de cimento que separa um e outro dos seus prédios, carecendo de retirar os blocos necessários para o efeito, mais executando dois pilares em betão armado, (um de cada lado), de suporte do muro remanescente (de um e outro lado da abertura) e movimentação de terras por forma a “resolver” o desnível superficiário... O muro em causa, no prédio sob B).2 tem altura variável entre 1,15 e 1,45 m, sendo no prédio sob B).3 entre 2,20 e 3m.
HH) As construções realizadas no prédio identificado sob B).3 não estão licenciadas, tendo sido emitida ordem de demolição por parte da entidade licenciadora competente.
O prédio está inserido de acordo com o PDM vigente em solo rural- área agrícola.
II) A entrada da via pública para o prédio dos RR identificado sob B).2 tem a largura de 3,25 metros e a do prédio sob B.3 a de 3,20m e por elas entram e saem veículos de tracção mecânica como tractores, atrelados e cisternas e ligeiros de passageiros e podem entrar e sair carros de tracção animal.
JJ) A distância a percorrer desde a via pública e até ao prédio referido em B).1 seria idêntica à percorrida no caminho de servidão (cerca de 32 metros) caso o acesso o fosse pelo prédio dos RR sob B).2.
LL) Em Março de 2015, os RR. voltaram a rasgar nova abertura no muro referido em V) e local em que a haviam encerrado e serviram-na com um portão com cerca de 2,50 m de largura.
MM) Pese embora o declarado na escritura de justificação e doação subjacente ao registo assente em A) o imóvel ali descrito/inscrito é o prédio descrito sob o n.º 32046, a fls. 116 do livro B-82 do Registo Predial de ... (...), existindo duplicação de inscrições.
NN) O prédio identificado em B).1 não confronta por qualquer dos lados com a via pública.
OO) A parcela de terreno com dois metros de largura e a todo o comprimento do lado Norte do muro do prédio dos RR e identificada em B2 dos factos provados integra/faz parte/compõe o prédio dos AA, identificado na alínea A) dos factos provados.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pelos recorrentes as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão por resolver no âmbito do presente recurso consiste em saber da desnecessidade da servidão de passagem que onera o prédio dos AA. recorrente em benefício do prédio dos RR. recorridos, identificado em B-l e da consequente extinção desse direito.
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4. Conhecendo do mérito do recurso
Os AA., aqui recorrentes manifestam o seu dissentimento com a sentença proferida nos autos, na parte em que o Tribunal a quo desatendeu ao seu pedido de declaração de desnecessidade da servidão de passagem que onera o seu prédio em benefício do prédio dos RR. recorridos, identificado em B-l com a consequente extinção desse direito.
Continuam a pugnar pela desnecessidade do direito de servidão de passagem, fundamentando-a no facto dos RR., aqui recorridos serem titulares do direito de propriedade de dois outros prédios, os identificados em B-2 e B-3, que confinam com o identificado em B-l, e através dos quais, sem excessiva onerosidade, se podia estabelecer o necessário acesso à via pública do prédio dominante (prédio identificado em B-l).
Concluem que a manutenção da servidão de passagem sobre o seu prédio e em benefício do prédio dos RR. identificado em B-l, constitui uma clara situação de abuso de direito por violação do fim social do direito de servidão a que o Tribunal a quo não pôs cobro ao não declarar a desnecessidade da servidão em causa.
Adiantamos, desde já, que afigura-se-nos não assistir razão aos recorrentes, sendo que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, cuja fundamentação é exaustiva, não merece reparo ao decidir que não é possível concluir pela desnecessidade da servidão existente, e em consequência declarar-se legalmente a sua extinção.
Assim, conforme bem refere o Tribunal recorrido:
“(…)
Os AA reconduziam-se a uma servidão constituída por usucapião, sendo que já em alegações orais da causa não deixaram de, subsidiariamente, admitir que a constituição caracterizada no negócio de partilha a que apelavam os RR tivesse sido antes por destinação do pai de família, em termos de acolher também esta a extinção por desnecessidade.
Já os RR aduziam a natureza negocial ou contratual da servidão constituída.
Ora, a matéria assente caracteriza, precisamente, a constituição da servidão em apreço por via da escritura de partilha junta com a contestação…, cabendo agora interpretá-la quanto ao modo de constituição e verificar dos requisitos da respectiva validade.
É que, mostrando-se constituída voluntariamente a servidão de passagem desde 1925, mediante um dos modos legalmente previstos para a sua constituição (contrato ou destinação do pai de família) não deve vir a ser reconhecida a constituição de uma nova servidão de passagem por um outro modo possível, a usucapião.
Porque os factos concretos invocados como constitutivos da servidão cujo reconhecimento/constituição é pretendido pelos RR. ocorreram em plena vigência do Código Civil aprovado por Carta de Lei de 01 de Julho de 1867, a lei substantiva aplicável à constituição da aludida servidão, nomeadamente quanto à forma a que estava sujeito o contrato invocado como sendo o facto constitutivo da servidão em causa e também quanto aos requisitos legalmente exigidos para a constituição das servidões por destinação do pai de família - e à luz do critério geral de aplicação da lei no tempo consagrado no art. 12º, nºs 1 e 2, do Código Civil - é o cit. Código Civil de Seabra.
A divisão do prédio originário e o acordo dos então proprietários/herdeiros outorgantes na partilha para a utilização da dita passagem ocorreram assim no ano de 1925, ou seja, em plena vigência do Código Civil aprovado por Carta de Lei de 01 de Julho de 1867 (código este também conhecido, e a seguir designado, por Código Civil de Seabra).
Dispõe o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 47.344, de 25/11/1966 (que aprovou o Código Civil de 1966, actualmente vigente desde 01/06/1967, e a seguir apenas designado por Código Civil), que a aplicação das disposições do novo código a factos passados fica subordinada às regras do artigo 12.° do mesmo diploma, com as modificações e os esclarecimentos constantes dos artigos seguintes.
Determina o artigo 12.º, n.º 2 do Código Civil:
“Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”.
No caso da constituição de uma servidão, para os factos correspondentes ocorridos na vigência dessa lei e designadamente quanto à forma exigível para o efeito, trata-se de uma condição de validade formal de um determinado facto (o contrato), pelo que a lei aplicável era a vigente à data desse mesmo contrato, ou seja, no caso dos autos, o Código Civil de Seabra.
Segundo o artigo 2267.º do Código Civil de Seabra (estando as transcrições seguintes deste código convertidas para português contemporâneo), servidão é um encargo imposto em qualquer prédio, em proveito ou serviço de outro prédio pertencente a dono diferente; o prédio sujeito à servidão diz-se serviente, e o que dela se utiliza dominante.
O actual Código Civil contém definição semelhante, como antecede.
Quanto à forma de constituição das servidões, determina o artigo 2272.º do Código Civil de Seabra que as “servidões aparentes, contínuas ou descontínuas, podem ser constituídas por qualquer modo de adquirir declarado no presente Código”, acrescentado o artigo 2273.º do Código Civil de Seabra que as “servidões não aparentes também podem ser adquiridas por qualquer modo, excepto por prescrição”.
Esclareça-se que, no Código Civil de Seabra e segundo o disposto no artigo 2270.º: “As servidões podem ser contínuas, ou descontínuas, aparentes, ou não aparentes.
§ 1.º Contínuas são aquelas, cujo uso é, ou pode ser, incessante, independentemente de facto do homem.
§ 2.º Descontínuas são as que dependem de facto do homem.
§ 3.º Aparentes são as que se revelam por obras, ou sinais exteriores.
§ 4.º Não aparentes são as que não apresentam indício algum exterior.”.
Esclareça-se também que no Código Civil de Seabra a prescrição positiva ou aquisitiva corresponde à forma de aquisição que no Código Civil actual é designada por usucapião.
O actual Código Civil contém regulamentação quanto à forma de constituição das servidões que, na sua essência, não diverge do Código Civil de Seabra, pois que o artigo 1547.º, n.º 1, dispõe que as “servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família”, estabelecendo o artigo 1548.º que as “servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião” (n.º 1), considerando-se “não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes” (n.º 2).
Vejamos então cada uma das formas de constituição da servidão (contrato, destinação do pai de família) possível em função do teor da escritura de partilha convocada.
Começando pelo contrato, este é um dos modos de adquirir declarados no Código Civil de Seabra, como resulta do seu artigo 641.º.
Relativamente à forma externa dos contratos, dispõe o artigo 686.º do Código Civil de Seabra que a “validade dos contratos não depende de formalidade alguma externa, salvo daquelas que são prescritas na lei para a prova deles, ou que a lei, por disposição especial, declara substanciais”.
Ao tempo da celebração do negócio de partilha entre os então herdeiros dos imóveis, no sentido de permitir a passagem para o prédio que actualmente é propriedade dos réus - 1925 - regia o Código Civil mesmo (apenas o Decreto n.º 12. 260, de 2 de Setembro de 1926 introduziu a existência de escritura pública para a transmissão de direitos reais, sem dependência do valor), sendo que, atento o valor atribuído aos imóveis, exigia o CC a escritura pública para a prova de diversos actos jurídicos, entre os quais as transmissões de bens ou direitos imobiliários. Acresce a necessidade de registo, a qual foi observada, como emerge da matéria assente.
No caso dos autos, o referido acordo foi celebrado por escritura pública e registado o direito assim constituído, com o que nada obsta à sua validade e eficácia.
Com interesse, quanto a este aspecto, ver também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/1964, Boletim do Ministério da Justiça n.º 135, página 350 e Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, II, páginas 377.
Destarte, porque foi o contrato de constituição da servidão celebrado pela forma legalmente exigível, é o mesmo válido, pelo que pode considerar-se validamente constituída a servidão dos autos por contrato. É bem assim eficaz atento o respectivo registo, exigido ademais.
Desde logo, em sede de interpretação do acordo de constituição da servidão, mister é concluir que o mesmo indicia a existência de passagem ou caminho preexistente ou ao menos uma demarcação ou sinalização anterior do local desta, posto que os outorgantes não vêem a necessidade de descrever ou fixar os elementos caracterizadores/localizadores da passagem. De todo o modo, o que ressalta é a vontade inequívoca de estabelecer o benefício da passagem a favor de um imóvel e sobre um outro, atento o desmembramento do prédio. Com o que caracterizados os elementos de uma constituição voluntária/por contrato/acordo de servidão.
Assim, no acto de separação do domínio do prédio, as partes declararam expressamente a existência da servidão.
Por isso, a servidão resulta inequivocamente de contrato, podendo dizer-se que é de origem (ou confirmação) contratual. Cfr. Henrique Mesquita, RLJ 129-273.
Subsidiariamente sustentavam agora os AA estar ali em causa a constituição de uma servidão por destinação do pai de família.
(…)”.
Mais à frente é referido:
“As servidões que têm na base um facto voluntário - por acordo ou por destinação - podem ser constituídas mesmo que não se mostrem estritamente necessárias, justificando-se que não se extingam por desnecessidade.
Está aqui em causa a prevalência do princípio da autonomia privada: "como estas não podem ser impostas ao dono do prédio serviente contra a sua vontade, só por um título equivalente ao constitutivo, no que respeita à relevância da vontade, elas se devem extinguir" (Carvalho Fernandes, Ob. Cit., 475).
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 484/2010 - que não julgou inconstitucional a norma dos nºs 2 e 3 do art. 1569º do CC, interpretados no sentido de que a servidão predial constituída por destinação do pai de família não é susceptível de extinção por desnecessidade - "a manutenção da servidão, apesar da desnecessidade objectiva superveniente (representa) uma conformação do direito referível à autonomia da vontade do proprietário (o «pai de família» que assim o «destinou» no momento da transmissão) e não uma restrição ou limitação coactiva do direito de propriedade privada resultante da lei". Aliás, acrescenta-se, "o que se apresenta é um conflito de pretensões que o legislador solucionou de modo não arbitrário".
Contudo, como se anotou, assim é, por regra.
Por regra, uma vez que se entende que, apesar da constituição voluntária, não estaria afastada a possibilidade de a servidão por destinação do pai de família pode ser considerada uma servidão legal, no sentido de poder ser imposta coactivamente. Com efeito, repare-se que o nº 3 do art. 1569º dispõe que a extinção por desnecessidade também é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição. Isto significa que, "verificando-se os pressupostos que permitiam a imposição duma servidão legal, a servidão que se constituir se deve sempre considerar legal, mesmo que não tenha sido coactivamente actuada" – Oliveira Ascensão, Ob. Cit., 252; no mesmo sentido, Henrique Mesquita, RLJ 129-254 e segs; H. Sousa Antunes, Ob. Cit., 489; Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., 677; Acórdãos do STJ de 05.05.2015 (P. 4273/06 e P. 273/07).
No caso, existem factos para concluir desse modo, ou seja, que a servidão podia ser coactivamente imposta (por encravamento do prédio dominante)…, com o que admissível a respectiva extinção, caso tivesse sido constituída por destinação do pai de família…
Não existem já factos para concluir pela constituição por este modo…
(…)”.
Ainda, mais à frente, sobre o pedido de extinção da servidão é referido:
“Reconduzidos agora ao âmbito de uma servidão constituída por acordo ou contrato, a conclusão não vem a ser a de que a servidão em causa não pode ser extinta por desnecessidade. (Donde a já referida inutilidade de grande parte do esforço probatório feito nos autos quanto ao modo de constituição da servidão)
É que, apesar da constituição voluntária, não está afastada a possibilidade de a servidão poder ser considerada uma servidão legal, no sentido de poder ser imposta coactivamente. Com efeito, como se salientou acima, repare-se que o nº 3 do art. 1569º dispõe que a extinção por desnecessidade também é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição. Isto significa que, "verificando-se os pressupostos que permitiam a imposição duma servidão legal, a servidão que se constituir se deve sempre considerar legal, mesmo que não tenha sido coactivamente actuada.
Como se pode ler no sumário do Acórdão de 27/11/1995 do Tribunal da Relação do Porto: “1. Todos os modos de constituição de servidões voluntárias referidos no n.º 1 do art. 1547.º do Código Civil – contrato, testamento, usucapião e destinação do pai de família – consubstanciam meios de constituição voluntária das servidões legais, a que alude o número 2 do mesmo preceito. II. Para a extinção de uma servidão de passagem com fundamento em que se tornou desnecessária, nos termos do n.º 3 do artigo 1569 do mesmo diploma legal, o que importa é que, constituída a servidão por qualquer dos meios previstos no n.º 1 do artigo 1547, ela contenha em si o condicionalismo referido no artigo 1550.º, n.º 1 e 2, isto é, os requisitos necessários para que na falta de constituição voluntária, o proprietário do prédio dominante pudesse coercivamente, por via judicial, constituir essa servidão sobre o prédio serviente”. O referido Acórdão é anotado por M. HENRIQUE MESQUITA, na RLJ já mencionada.
O facto de, no caso concreto, a servidão ter sido constituída por contrato, não afasta a sua natureza legal, uma vez que o prédio dominante se encontrava na situação de facto de prédio encravado. Com efeito, a doutrina tem admitido que estão abrangidas pelo n.º 3 do art. 1569.º, não só as servidões legais constituídas por via judicial, mas também aquelas que foram concertadas entre as partes, pois também nestas, há uma constituição coerciva do encargo.
No mesmo sentido, afirma Oliveira Ascensão que «servidão coactiva não é a que foi coactivamente imposta, mas a que o poderia ter sido. Isto resulta logo da expressão do art. 1547.º, n.º 2: “As servidões legais, na falta de constituição voluntária …”. Se as partes, por contrato, por exemplo, regularem a sua situação, o legislador não deixa de considerar existente uma servidão legal.
Ora, em causa, manifestamente, uma servidão de passagem em benefício de um prédio encravado…donde uma servidão legal.
Por isso que, reitera-se, relativamente irrelevante o “esforço probatório” quanto ao modo de constituição da servidão a extinguir…
A desnecessidade é uma causa autónoma de extinção de direitos reais, limitada às servidões constituídas por usucapião e às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição.
Reconduzidos, pois, agora à aferição dos pressupostos materiais da extinção por desnecessidade.
A desnecessidade corresponde a uma falta de justificação objectiva para a manutenção de um encargo para o prédio serviente, atenta a inutilidade ou escassa utilidade que a existência da servidão representa para o prédio dominante. Este juízo de proporcionalidade deve ser encontrado na ponderação das circunstâncias concretas de cada caso.
O § único do artº 2279º, do Código de Seabra, previa três hipóteses de verificação de desnecessidade da servidão: “por terem cessado as correspondentes necessidades deste prédio, por ser impossível já satisfazê-las por via daquelas servidões ou porque o proprietário dominante pode fazê-lo por qualquer outro meio igualmente cómodo”.
O actual artº 1569º, nº 2, não previu estas hipóteses, não por discordar que as mesmas constituíssem casos de desnecessidade, mas sim porque essa especificação se apresentava como redutora, como enumeração taxativa, e desinteressante, como indicação exemplificativa Vide PIRES DE LIMA, na nota explicativa ao artº 30º, do Anteprojecto do título sobre servidões prediais do actual C.C., constante do B.M.J. nº 64, pág. 34-35.
Daí que deva continuar a considerar-se que uma das situações em que se pode verificar a desnecessidade duma servidão seja a possibilidade da utilidade que ela proporciona poder ser obtida por outro meio.
Esta situação exigirá, porém, um juízo de proporcionalidade entre o grau de desagravamento do prédio serviente resultante da extinção da servidão e a dimensão dos custos, incómodos e inconvenientes da alternativa apontada.
Para alguns, impõe-se o entendimento de que apenas uma alteração das circunstâncias existentes à data da constituição da servidão, pode motivar a sua extinção por desnecessidade Esta posição mostra-se também referida por OLIVEIRA ASCENSÃO, em “Direito civil. Reais”, pág. 439-440, da 4ª ed., da Coimbra Editora, e em “Desnecessidade e extinção dos direitos reais”, pág. 10-12, da separata da Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, vol. XVIII, 1964, e pelos seguintes Acórdãos: da Relação de Coimbra, de 25-10-1983, na C.J., Ano VIII, tomo 4, pág. 62, relatado por ATAÍDE DAS NEVES; da Relação do Porto, de 2-12-1986, na C.J., Ano XI, tomo 5, pág. 229, relatado por TATO MARINHO; da Relação do Porto, de 7-3-1989, na C.J., Ano XIV, tomo 2, pág. 189, relatado por METELLO DE NÁPOLES; da Relação de Coimbra, de 13-6-1995, na C.J., Ano XX, tomo 3, pág. 41, relatado por CARDOSO DE ALBUQUERQUE; do S.T.J., de 25-11-1999, no site www.dgsi.pt, relatado por SIMÕES FREIRE; da Relação do Porto, de 14-2-2000, no site www.dgsi.pt, relatado por PAIVA GONÇALVES; da Relação do Porto, de 26-2-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por SOARES DE ALMEIDA; da Relação do Porto, de 4-4-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por SALEIRO DE ABREU; da Relação de Coimbra, de 16-4-2002, na C.J., Ano XXVII, tomo 2, pág. 23, relatado por SILVA FREITAS; do S.T.J., de 7-11-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por FERREIRA GIRÃO; da Relação do Porto, de 26-11-2002, na C.J., Ano XXVII, tomo 5, pág. 182, relatado por LEMOS JORGE; do S.T.J., de 27-11-2003, no site www.dgsi.pt, relatado por FERREIRA GIRÃO.
Para outros, apesar de, normalmente, a situação jurídica de desnecessidade resultar duma alteração das circunstâncias do prédio dominante, nada impede que essa situação já ocorra no momento da constituição da servidão, e nada justifica que, nesses casos, o proprietário do prédio serviente não possa requerer a extinção de um encargo para o seu prédio que não tem justificação Vide, neste sentido os seguintes Acórdãos: do S.T.J., de 27-5-1999, no B.M.J. nº 487, pág. 313, relatado por FERREIRA DE ALMEIDA; da Relação de Lisboa, de 30-1-2003, na C.J., Ano XXVII, tomo 1, pág. 90, relatado por ANTÓNIO VALENTE; da Relação de Coimbra, de 29-6-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por JAIME FERREIRA; da Relação de Coimbra, de 28-9-2004, na C.J., Ano XXIX, tomo 1, pág. 18, relatado por ARTUR DIAS; da Relação de Coimbra, de 15-2-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por MONTEIRO CASIMIRO.
Na verdade, embora uma servidão traga, necessariamente, proveito ao prédio dominante, uma vez que é este o seu requisito existencial, esse proveito pode não se justificar face à dimensão do encargo que resulta para o prédio serviente. Deste modo pode alguém ter adquirido, por usucapião, um direito de servidão sobre outro prédio em que a sua utilidade não justifique esse encargo, pelo que deve ser concedido o direito ao proprietário do prédio onerado requerer a extinção de tal encargo, por desnecessidade deste. (…)”.
A jurisprudência vem, quase unanimemente, considerando que, para que uma servidão seja extinta, por desnecessidade, nos termos do disposto no nº 2, do art.º 1569.º do Código Civil, é necessário: a) Tenha existido uma alteração superveniente relativa ao prédio dominante que não resulte apenas de interesses subjectivos e transitórios do respectivo proprietário; b) Em resultado dessa alteração, a servidão deixe de ter, para o prédio dominante, qualquer utilidade, por existirem alternativas com comodidade semelhante, não se exigindo que a servidão seja indispensável para permitir a respectiva manutenção;
Desde logo, a desnecessidade deve ser apreciada em termos objectivos, ou seja, abstraindo da situação pessoal do proprietário do prédio dominante.
No Acórdão do STJ de 21.02.2006 que acolhe a jurisprudência largamente dominante, entendeu-se que: “só quando a servidão deixou de ter para aquele (proprietário do prédio dominante) qualquer utilidade deve ser declarada extinta (acórdãos de 27 de Maio de 1999, revista nº 394/99, e de 7 de Novembro de 2002, revista nº 2838/02). Como no primeiro destes acórdãos se observa não interessa, assim, saber se, mediante determinadas obras, o proprietário do prédio encravado podia assegurar o acesso imposto pela normal utilização do prédio. O que se torna necessário é garantir uma acessibilidade em termos de comodidade e regularidade ao prédio dominante, sem onerar desnecessariamente o prédio serviente.
O Prof. Oliveira Ascensão defende que “a desnecessidade, que em matéria de servidão se considera, supõe uma mudança na situação, não do prédio onerado ou serviente, mas do prédio dominante. Por virtude de certas alterações neste sobrevindas, aquela utilização, sempre possível, do prédio serviente, perdeu utilidade para o prédio dominante. Para que uma servidão possa ser extinta por desnecessidade, tem de verificar-se um facto superveniente, concreto, objectivo e actual do qual resulte que a servidão deixou de ter justificação por o prédio dominante se ter tornado autónomo em termos de acessibilidade. É então necessário garantir ao dono do prédio serviente o total exercício do direito de propriedade, na plenitude da sua função sócio-económica, arredando todas as limitações comprovadamente inúteis.
Nas palavras do Prof. Pires de Lima (Anteprojecto, Servidões Prediais, BMJ 64º- 34), “foram os factos que a impuseram, e são agora os factos que justificam a sua extinção”. Se os factos que estiveram na sua origem desapareceram, então a extinção justifica-se.
A situação de desnecessidade tem que ser aferida à data da interposição da acção; não sendo exigível um juízo de indispensabilidade da servidão para permitir a sua manutenção (cfr. se decidiu no Ac. do STJ de 05.05.2015, proferido no proc. 273/07). Cumpre assim adoptar um conceito de desnecessidade paralelo ao interesse que justifica a constituição, e que é o da utilidade para o prédio dominante (no domínio do anterior Código Civil, cfr. Oliveira Ascensão, op. cit., pág. 260: “é à inutilidade, e não à dispensabilidade, que a lei se reporta”); cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil citado, vol. cit., pág. 677, por remissão para o acórdão da relação de Coimbra de 25 de Outubro de 1983, in Colectânea de Jurisprudência, ano VIII – 1983, t.4, pág. 62 e segs. Uma servidão pode constituir-se por ser útil ao prédio dominante (não tem de ser indispensável) e pode extinguir-se se essa utilidade desaparecer.
O artigo 1569º, nºs 2 e 3 do CCivil prevê a extinção da servidão por desnecessidade, o que significa que se a servidão deve constituir um proveito para o prédio, não se poderá constituir uma servidão desnecessária, cfr Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, 484/488; Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4ª edição, 440, «[a)] se há desnecessidade originária, nunca há que falar em desnecessidade como causa de extinção de direitos reais, pois que nenhuma servidão se poderá constituir contra tipificação legal; b) se há desnecessidade superveniente, temos uma causa específica de extinção de direitos reais, mas que só actua nos casos especialmente previstos por lei.»; Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, 1964, 244 «[A] servidão assenta numa relação predial estabelecida de maneira que a valia do prédio aumenta graças a uma utilização, lato sensu, de prédio alheio. Quando essa utilização de nada aproveite ao prédio dominante, surge-nos a figura da desnecessidade».
A servidão torna-se desnecessária quando, por razões que se prendem com o prédio dominante, o uso do serviente deixou de ter utilidade para aquele (cfr. Prof. Oliveira Ascensão – “Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais”, apud separata da “Revista da Faculdade de Direito de Lisboa”, 1964, 12; e ainda o Parecer da PGR, BMJ147-67;e v.g. Ac STJ de 8/3/63 BMJ 125-504, na vigência do artº2313º CC 1867).
É que, sendo a servidão um encargo a onerar um prédio a favor de outro, necessariamente aumentando o valor deste, já que permite uma melhor, e mais rentável, utilização do prédio encravado, tornando-se desnecessária dever cessar, sob pena de ferir sem razão válida o acervo dos direitos que integram a propriedade e constam do artigo 1305.º da lei substantiva civil.
Daí que, verificando-se que a servidão de passagem sobre o prédio serviente deixou de interessar ao prédio dominante, o dono daquele pode pedir a respectiva extinção.
Mas essa desnecessidade deve apresentar-se como objectiva, típica e exclusiva caracterizada por uma mudança de situação do prédio dominante – que não do serviente – mercê de alterações ulteriores, não bastando razões subjectivas como a ausência de interesse, vantagens ou conveniências pessoais do onerador.
Como se observa no acórdão de 21 de Fevereiro de 2006 (www.dgsi.pt, proc. nº 05B4254), a propósito do conceito de desnecessidade relevante para o efeito que agora releva, “tem este Tribunal entendido que o conceito de "desnecessidade da servidão" abstrai da situação pessoal do proprietário do prédio dominante, devendo ser apreciada em termos objectivos. Só quando a servidão deixou de ter para aquele qualquer utilidade deve ser declarada extinta (acórdãos de 27 de Maio de 1999, revista n.°394/99, e de 7 de Novembro de 2002, revista n.°2838/02). Como no primeiro destes acórdãos se observa, não interessa, assim, saber se, mediante determinadas obras, o proprietário do prédio encravado podia assegurar o acesso imposto pela normal utilização desse prédio.
Seguindo de perto o que já se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 263/1999.P1.S1, é seguro que tal desnecessidade há-de ser aferida em função do prédio dominante, e não do respectivo proprietário. Com efeito, “as servidões prediais consistem num encargo imposto a um prédio em benefício de outro prédio, pertencente a dono diferente” – artigo 1543º do Código Civil e, por exemplo, acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08B3995.
O que se torna necessário é garantir uma acessibilidade em termos de comodidade e regularidade ao prédio dominante, sem onerar desnecessariamente o prédio serviente. E é nesta perspectiva que também a "necessidade da servidão" deve ser considerada como requisito da sua constituição por usucapião.”
Isto porque, como ensina o Prof. Oliveira Ascensão (apud “Desnecessidade …”, ob. cit. 10) “a servidão assenta numa relação predial estabelecida de maneira que a valia do prédio aumenta graças a uma utilização «latu sensu» de prédio alheio. Quando essa utilização de nada aproveite ao prédio dominante surge-nos a figura da desnecessidade.”
A servidão de passagem (ou de trânsito) é um direito real, “jus in re aliena”, “species” de propriedade imperfeita.
Expõe o Dr. J. Luciano de Castro (“Servidão de passagem para prédios encravados” – apud “O Direito”, Ano 44.º, 10, 145) que “o direito que têm os donos dos prédios encravados de exigir servidão pelos prédios vizinhos está limitado ao caso de não ter o prédio encravado comunicação alguma com as vias públicas; de maneira que se não possa entrar n’elle, nem sair d’elle, sem passar pelo prédio ou prédios vizinhos.” [Note-se que aqui se faz apelo ao conceito de encrave absoluto].
Da materialidade apurada resulta à evidência que o prédio dominante, descrito sob B.1, a favor do qual foi constituída a servidão de passagem por contrato não tem acesso directo à via pública, encontrando-se encravado.
Daqui resulta, tendo em atenção as finalidades da servidão, consistentes nas vantagens objectivas que concedem ao prédio dominante, a dificuldade em sustentar uma pretensa desnecessidade superveniente da servidão, a partir da titularidade anterior de outros imóveis, estes com ligação à via pública pelos RR.
Em suma, em causa não está a existência de acesso à via pública, superveniente ou não, mas, a cessação das utilidades proporcionadas pela serventia, como medida da desnecessidade.
Essa situação do prédio em relação à via pública – elemento essencial na constituição das servidões legais – é, aqui, apenas um dos( e importantes) elementos a valorar.
Com efeito, a desnecessidade da serventia tem que ver com o próprio conceito de servidão; constituindo esta um encargo sobre um prédio em benefício de outro prédio, desaparecendo este benefício ou proveito há-de, logica e racionalmente, esvaziar-se o conteúdo do direito e, por isso, como corolário da aversão às limitações ao direito de propriedade plena, deve cessar.
E a desnecessidade teria ainda de ser superveniente em relação à constituição da servidão de passagem e de decorrer de alterações ocorridas no prédio dominante (cfr. por exemplo o acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Março de 2007, www.dgsi.pt, 07A091); no entanto, como se escreveu também no acórdão de 16 de Março de 2011, “a precisão de que terá de decorrer de alterações no prédio dominante tem de ser devidamente entendida: são ainda alterações, para o efeito que agora releva, por exemplo, modificações verificadas nos prédios vizinhos ou em vias de acesso próximas ou contíguas, que se repercutam nas condições de acesso do prédio em causa.” Este requisito da superveniência não é, todavia, consensual (cfr. acórdão de 25 de Outubro de 2001 (www.dgsi.pt, proc. 277/07.0TCMR-G1.S1).
Será esta, na prática, a situação normal, porque múltiplos serão também os factores que, pelo decurso do tempo, podem alterar o quadro circunstancial existente ao tempo da constituição da servidão. Este último "dies a quo" é todavia praticamente impossível de determinar no caso das servidões constituídas por usucapião.
Mas, a interpretação restringente (necessidade de prova da superveniência da causa decorrente de alterações no prédio dominante) não encontra suficiente respaldo nem no espírito nem na letra da lei, suposto que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e consagrou as soluções mais acertadas - art. 9, n. 3, do CCIV. Seria uma violência concluir-se, sem mais qualquer indagação adicional, pela improcedência da acção apenas porque não se alegou e provou que nada no prédio dominante sofreu alteração a partir da data (que pode ser completamente aleatória ou assertórica) da constituição da servidão.
O que a lei exige é a prova da desnecessidade da continuidade ou permanência da servidão, aferida essa desnecessidade (subentende-se) pelo momento da introdução da acção em juízo; não que seja necessária a prova de uma superveniência absoluta dessa desnecessidade (após a constituição da servidão) traduzida por ex. na feitura de obras inovatórias no prédio dominante.
A alteração das circunstâncias, sempre poderia - de resto - resultar não só da actuação do proprietário do prédio dominante como de evento a ele alheio, como por exemplo da circunstância de "o prédio"ab initio" encravado ter deixado de o ser, porque por hipótese se abriu uma via pública que lhe dá acesso", exemplo de escola também acolhido, v. g. por A. dos Reis, in "Processos Especiais" vol. II, pág. 9.
O próprio texto da lei, ao utilizar a expressão se "mostrem" desnecessárias, em vez de se "tornem" desnecessárias, parece surgir que essa necessidade/desnecessidade pode e deve - a requerimento do interessado - ser reavaliada e sopesada - quer seja originária quer seja superveniente - à luz da realidade objectiva actual.
O que a lei no fundo pretende é uma ponderação actualizada da necessidade de manter o encargo sobre o prédio, deixando ao prudente alvedrio do julgador avaliar, se no momento considerado - e segundo uma prognose de proporcionalidade subjacente aos interesses em jogo - haverá ou não outra "alternativa" que, sem ou com um mínimo de prejuízo para o prédio encravado, possa ser eliminado o encargo incidente sobre o prédio serviente.
O que se torna necessário é garantir uma acessibilidade em termos de comodidade e regularidade ao prédio dominante, sem onerar desnecessariamente o prédio serviente.
Ora, percorrido o quadro factual provado, em vão se procuram elementos de facto que, alterando a situação do prédio dominante, consubstanciem a perda de utilidade da passagem acordada. A apreciação da desnecessidade é casuística e deve ser referida não na ponderação dos “comoda” do dono do prédio dominante, mas das relações entre os prédios por se tratar de valorar um direito real.
Reconduziam-se os AA à nova situação permissiva de acesso à via pública do prédio dominante entretanto por eles adquirido, atenta a titularidade anterior de direito de propriedade pelos RR de outros prédios directamente confrontantes com aquela via pública, não excessivamente oneroso ou gravemente perturbador da comodidade. Donde o acesso à via pública pode ser feito por terreno próprio, justificando-se então que seja onerado este segundo prédio do mesmo dono, que não o prédio alheio, até aí, então, serviente.
A aquisição do prédio dominante pelo proprietário do prédio serviente extingue a servidão, “ope legis”, por confusão (nº1 alínea a) do artigo 1569º CC); a aquisição de prédio confinante ao dominante pelo dono deste, permitindo, através dele, o acesso à via pública, gera o direito potestativo de extinção do encargo por desnecessidade (“Não é racionalmente defensável que se constitua ou mantenha uma certidão de trânsito quando o titular dominante pode, por terreno seu, atingira a via pública com idêntica comodidade. Mais genericamente, não é justificável que se constituam ou mantenham servidões inúteis”. – Prof. Oliveira Ascensão, ob. cit., 34).
Desde logo, temos para nós que assim não é sem mais… Impõe-se ao menos a prova exigida pelo Acórdão do STJ de 01 de Março de 2007, acessível na base de dados da dgsi.
Donde, se o proprietário do prédio dominante vem a sê-lo também (prescindindo já do requisito da superveniência, o que não nos repugna) de um prédio contíguo com acesso directo à via pública, a servidão só se extingue por desnecessidade se os prédios representarem uma unidade de utilização e fruição.
É o que não sucede, imediatamente, quanto ao prédio urbano dos RR… Nem se diga que tal unidade de utilização e fruição está acautelada pela existência de um quintal ou de uma ramada implantados naquele prédio… ou pelo aproveitamento desse espaço pelos RR como apoio a actividade agrícola que desempenham… Aí em causa características subjectivas, que não dizem respeito à natureza mesma do imóvel, pelo que, estando em causa hoc sensu relações entre prédios as mesmas irrelevam.
De todo o modo, quanto ao outro prédio dos RR, pese embora a sua classificação de acordo com o PDM, não se segue, nem tal foi alegado e provado, que o respectivo uso o tenha de ser única e exclusivamente para exploração agrícola… De resto, manifestamente não o vem sendo…
Existindo autonomia jurídica e de utilização/fruição entre os imóveis, não se vê, então, porque onerar os prédios dos RR, que podem, aliás, vender qualquer deles livre de ónus e encargos, correspondendo outrossim o estabelecimento de uma servidão a uma perceptível/manifesta/evidente diminuição do valor respectivo, o que sempre se constitui como uma oneração sensível… A questão não é, pois, apenas a da possibilidade física de acesso ou a dos custos reduzidos do estabelecimento do mesmo acesso… É antes a da afirmação ainda da não causação de incómodo sensível/prejuízo relevante, o que não ressalta.
Pelo exposto, não é possível concluir pela desnecessidade da servidão existente.
Como o ónus da prova dos requisitos da desnecessidade competia aos AA (art. 342º, n.º 2, do CC), deve a respectiva pretensão improceder totalmente – cfr. acórdãos de 1 de Março de 2007, de 16 de Março de 2011, e de 25 de Outubro de 2011, citados.”
(…)”.
As referidas considerações desenvolvidas, de forma exaustiva, pelo Tribunal a quo afiguram-se-nos adequadas e judiciosas e não merecem qualquer reparo.
Com efeito, na situação em discussão nos autos, o prédio dominante continua a ser um prédio absolutamente encravado, e como tal o seu acesso à via pública, terá sempre que efectuar-se por outro prédio.
Daqui resulta, tendo em atenção as finalidades da servidão, consistentes nas vantagens objectivas que concedem ao prédio dominante, a dificuldade em sustentar uma pretensa desnecessidade superveniente da servidão, a partir da titularidade anterior de outros imóveis, estes com ligação à via pública pelos RR. recorridos,
Em suma, em causa não está a existência de acesso à via pública, superveniente ou não, mas, a cessação das utilidades proporcionadas pela serventia, como medida da desnecessidade.
Essa situação do prédio em relação à via pública - elemento essencial na constituição das servidões legais - é, aqui, apenas um dos (e importantes) elementos a valorar.
Com efeito, a desnecessidade da serventia tem que ver com o próprio conceito de servidão; constituindo esta um encargo sobre um prédio em benefício de outro prédio, desaparecendo este benefício ou proveito há-de, lógica e racionalmente, esvaziar-se o conteúdo do direito e, por isso, como corolário da aversão às limitações ao direito de propriedade plena, deve cessar.
Ora, existindo autonomia jurídica e de utilização/fruição entre os imóveis, não se vê, porque onerar os prédios dos RR. recorridos, que podem, aliás, vender qualquer deles livre de ónus e encargos, correspondendo outrossim o estabelecimento de uma servidão a uma perceptível/manifesta/evidente diminuição do valor respectivo, o que sempre se constitui como uma oneração sensível.
A questão não é, pois, apenas a da possibilidade física de acesso ou a dos custos reduzidos do estabelecimento do mesmo acesso. É antes a da afirmação ainda da não causação de incómodo sensível/prejuízo relevante, o que não ressalta, não sendo, assim, possível concluir pela desnecessidade da servidão existente.
Os recorrentes invocam ainda a violação do fim social do direito de servidão e da função social dos direitos reais, por se perpetuar uma servidão que não traz qualquer benefício, constituindo um encargo injustificado para o prédio serviente e um prejuízo, ainda que indirecto, para toda a comunidade.
Sem razão, parece-nos.
É que esta situação não ficou provada. Pelo contrário, ficou demonstrado que o caminho ainda conserva toda a utilidade para o imóvel do qual os RR., aqui recorridos se tornaram proprietários. Num juízo, pois, de proporcionalidade, a servidão não comporta um prejuízo injustificado para o prédio serviente face à utilidade, objectivamente manifesta e relevantíssima, que assegura ao prédio dominante.
Não estamos, pois, em presença de um acto emulativo: não se verifica a perda absoluta de utilidade da servidão e a intenção de prejudicar por parte dos Recorridos.
O acto emulativo caracteriza-se por não revestir qualquer utilidade para o seu autor, que tem por finalidade única causar um prejuízo a outrem – cf. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, 673.
Ora, esta situação não ficou provada. Pelo contrário, ficou demonstrado que o caminho ainda conserva alguma utilidade para os recorridos, que continuavam a usá-lo.
Não estamos, pois, em presença de um acto emulativo: não se verifica a perda absoluta de utilidade da servidão e a intenção de prejudicar por parte dos recorridos.
Por outro lado, é realmente considerado fundamental nesta matéria o princípio da função social: "os direitos são concedidos às pessoas não para estas os utilizarem de acordo com o seu livre arbítrio, mas sim para que da sua utilização resulte um benefício social" - Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 412.
Perante este princípio orientador, o legislador tem adoptado limitações especiais ao exercício dos direitos reais. Para além destas limitações especiais o conteúdo dos direitos reais ainda pode ser limitado negativamente pelo aludido princípio através do abuso do direito (artigo 334º do Código Civil): "o conteúdo dos direitos reais é assim negativamente delimitado pela necessidade de não se proceder em contravenção com a finalidade económico-social do próprio direito" – cf. Menezes Cordeiro, Ob. Cit., 415; no mesmo sentido Menezes Leitão, Direitos Reais, 184, e Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 4ª ed., 196. Conclui este Autor que o art. 334º é a tradução na legislação ordinária do princípio da função social. Cfr. também Cunha de Sá, Abuso do Direito, 222 e segs..
Apesar de se reconhecer a desnecessidade da servidão, aferida em função da desproporção entre a sua utilidade para o prédio dominante e o sacrifício que da mesma resulta para o prédio serviente, concluiu-se que "o instituto jurídico do abuso de direito jamais poderá servir para se alcançar um resultado substantivo que o específico regime jurídico aplicável claramente rejeita".
Assim parece, de facto.
Para além disso, para ser ilegítimo, o exercício do direito tem de revelar um excesso manifesto, designadamente dos limites que decorrem do fim social ou económico desse direito.
O excesso é manifesto se o exercício se pode considerar clamorosa e intoleravelmente ofensivo da justiça.
No caso, porém, os recorridos limitam-se a defender um direito juridicamente reconhecido e tutelado, conformando-se a sua actuação com o fundamento dessa tutela legal.
Não existe, por isso, abuso do direito, como foi decidido.
De resto, aquando da transmissão do prédio dominante (encravado) aos RR. ora recorridos pela anterior dona do mesmo, os AA. ora recorrentes tiveram conhecimento do preço e condições em que a transmissão onerosa do mesmo se ia operar.
Tiveram a possibilidade de o adquirir, através do exercício do direito legal de preferência consagrado a seu favor, enquanto titulares do prédio onerado com servidão de passagem, e desse modo extinguirem o direito de servidão de passagem por confusão.
Renunciaram, todavia, ao exercício do direito de preferência no concreto negócio de compra e venda que se efetuou entre a anterior dona do prédio dominante e os Recorridos como ficou demonstrado em sentença proferida em anterior ação em que os AA., aqui recorrentes vieram exercer aquele direito por via judicial.
Afigura-se-nos, por isso, não ser possível subsumir a concreta situação em discussão, no instituto do abuso de direito.
Efectivamente, os Recorrentes teriam o prémio da extinção do direito de servidão de passagem, contratualmente constituído, que onera o seu prédio, depois de terem renunciado ao exercício do direito legal de preferência no concreto negócio de compra e venda, realizado entre a anterior dona do prédio dominante e os Recorridos, e estes seriam penalizados pelo concreto negócio que efetuaram, na medida em que acabariam por ver um dos seus prédios que confina com o prédio dominante onerado com o serviço de passagem a favor deste último.
Acresce que, no negócio de compra e venda efetuado entre os RR./recorridos e a anterior dona do prédio dominante, necessariamente, o preço estabelecido teve em conta a existência do direito de servidão de passagem que beneficia esse prédio para acesso à via pública.
O direito de aceder do prédio dominante, à via pública, pelo prédio dos Recorrente não foi, no elemento preço, um facto inócuo, neutro ou sem importância.
Se o direito que beneficia o prédio adquirido, não estivesse constituído, ou apesar da sua constituição contratual, fosse possível a sua extinção pelo facto de passar a ser confinante com outros do seu titular por onde podia exercer-se o serviço de passagem para a via pública, obviamente que o preço seria outro e necessariamente menor.
A servidão de passagem constituída por contrato é um factor de valorização do prédio dominante e consequentemente um incremento no preço do negócio oneroso em que seja objeto desse negócio o prédio dominante com a respetiva servidão de passagem.
Extinguir o direito de servidão de passagem contratualmente constituído a favor de um concreto prédio, quando esse prédio objectivamente tem necessidade do conteúdo de faculdades desse direito, na medida em que não tem contacto directo com a via pública, constituiria uma decisão atentatória da certeza e segurança, princípios basilares do direito e em especial dos negócios jurídicos.
Cremos, pois, que por tais motivos ser de manter a decisão recorrida.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo dos apelantes.
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Notifique.
Porto, 21 de Outubro de 2021
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem).