Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
121/14.2TBAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP20180319121/14.2TBAMT.P1
Data do Acordão: 03/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 671, FLS 112-115)
Área Temática: .
Sumário: I - Na medida em que atribui força vinculativa ao entendimento estabelecido entre devedor e respectivos credores, a decisão homologatória do plano de revitalização a que se refere o artigo 17º-F do CIRE inclui-se na categoria das sentenças condenatórias.
II - Ocorrendo incumprimento do plano de recuperação em processo especial de revitalização podem ser instauradas ações executivas, constituindo a sentença homologatória do plano de revitalização título executivo.
III - O nº 12 do artigo 17º-F do CIRE, na redacção introduzida pelo DL nº 79/2017, de 30.6, que apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor, expressamente veio prever que é aplicável ao plano de recuperação o disposto no nº 1 do artigo 218º.
IV - Face ao disposto no artigo 85º do C.P.C., o requerimento inicial para execução de decisão judicial condenatória deve ser dirigido ao processo no qual foi proferida a sentença exequenda.
V - De seguida, ao tribunal em que a ação declarativa foi julgada cabe dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 85º do C.P.C.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 121/14.2TBAMT.1.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B..., S.A., instaurou execução para pagamento de quantia certa contra C..., S.A., alegando que, relativamente a esta correu termos o processo de revitalização nº 121/14.2TBAMT, no qual, por sentença homologatória transitada em julgado, foi reconhecido à exequente um crédito, no montante de €9.33046, proveniente do incumprimento de um contrato de locação celebrado em 3.5.2013.

Sobre o requerimento executivo foi proferido o seguinte despacho:
«Compulsado o processo especial de revitalização que correu termos sob o nº 121/14.2TBAMT no Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 3, verifica-se que foi proferida, em 18/08/2014, sentença homologatória do Plano Especial de Revitalização apresentado pelo devedor, já transitada em julgado.
Com base na decisão supra referida, veio B..., S.A., intentar a presente ação executiva contra C..., S.A.
Ora, na verdade, na sequência da apresentação de requerimento executivo apresentado como execução de decisão judicial condenatória, a correr nos próprios autos, tal requerimento tinha de ser sujeito a despacho liminar, para rejeição do mesmo, já que estando em causa um processo especial de revitalização, não é possível que do mesmo possa resultar qualquer execução de decisão condenatória a correr nos próprios autos, já que a decisão que nele é proferida é uma sentença de homologação de um Plano de Revitalização do Devedor e não é uma decisão condenatória que possa ser executada em caso de incumprimento.
Por isso, não estando em causa uma sentença declarativa de condenação nunca poderia dar origem a qualquer execução, a correr nos próprios autos de PER ou de insolvência.
Mas também, estando em causa um processo especial, cuja regulamentação está prevista no Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, da análise das suas normas resulta à evidência que ali não está, de todo, prevista a possibilidade de no próprios autos de PER ser enxertada uma execução da decisão proferida na sequência de ter sido aprovado um plano de revitalização e de este vir a ser homologado.
Com efeito, compulsadas as normas previstas nos artigos 17-A a 17-I do CIRE, que regulam o Processo Especial de Revitalização, de nenhuma delas resulta a possibilidade de vir a ser instaurada nos próprios autos, e nem mesmo por apenso, uma execução na sequência do incumprimento do plano de revitalização que haja sido homologado.
Mas, também, do artigo 703º do C.P.C., não resulta que a sentença homologatória do plano de revitalização possa servir de título executivo, já que ali, na sua alínea a) do nº 1, apenas constam como títulos executivos, as sentenças condenatórias.
Termos em que, por manifesta falta de título executivo e de fundamento legal para que tal execução possa correr nos próprios autos de PER, ao abrigo do disposto no artigo 726º, nº 2, alínea a), do C.P.C., rejeito liminarmente a execução apresentada pelo exequente B..., S.A.

Inconformada, a exequente recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso incide sobre o despacho de fls. que rejeitou liminarmente a execução apresentada pelo exequente/apelante B..., S.A, por considerar que a sentença homologatória do plano de revitalização não constitui título executivo.
2. Embora o artigo 703º, nº 1, alínea a), do C.P.C., apenas mencione as sentenças condenatórias como título executivo, a verdade é que estas não são as únicas sentenças a valer como título executivo.
3. O artigo 233º, nº 1, alínea c), indica expressamente que também devem ser tidas em consideração como título executivo as sentenças homologatórias do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.
4. Embora não exista norma semelhante no regime do processo especial de revitalização, cremos que o artigo 233º, nº 1, alínea c) lhe pode ser aplicado por analogia.
5. Além disso, para que uma sentença possa servir de base à ação executiva basta que ateste a existência de uma obrigação.
6. O que no presente caso se verifica, pois a sentença homologatória do plano de revitalização da executada, ao aprovar o plano, certifica que esta tem a obrigação de pagar à exequente/apelante a quantia reconhecida de €9.330,46.
7. Uma vez que o título executivo é uma sentença, de acordo com o artigo 85º, nº 1, na execução proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma.
8. Desta forma, a exequente/apelante cumpriu o disposto na Lei ao instaurar a ação executiva nos próprios autos do Processo Especial de Revitalização.
9. Pelo exposto, não poderá este Tribunal da Relação decidir noutro sentido que não seja no do prosseguimento da execução.
10. Considerando, assim, a exequente/apelante que se impõe a revogação do despacho que rejeitou liminarmente a execução apresentada e a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento da execução.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Com interesse para a decisão do recurso consideram-se assentes os seguintes factos:
1. Por sentença proferida em 18.8.2014, foi homologado o plano apresentado por C..., S.A., no âmbito do processo especial de revitalização.
2. Foi reconhecido à ora exequente um crédito, no montante de €9.33046, proveniente do incumprimento de um contrato de locação celebrado em 3.5.2013.
3. No referido plano de revitalização prevê-se, designadamente o seguinte:
«A moratória ou o perdão previstos no plano de recuperação ficam sem efeito (artigo 218º do CIRE):
a) Quanto a crédito relativamente ao qual a requerente se constitua em mora, se a prestação, acrescida de juros moratórios, não for cumprida no prazo de sessenta dias após a interpelação escrita pelo respetivo credor».

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C.
As questões a decidir são as seguintes: se a sentença homologatória do plano de revitalização constitui título executivo; se a execução pode correr no próprio processo especial de revitalização.

I. Na decisão recorrida seguiu-se o entendimento de que a sentença de homologação de um plano de revitalização não é uma decisão condenatória que possa ser executada em caso de incumprimento.
Pelo contrário, a exequente defende que a sentença homologatória do plano de revitalização certificou a existência de uma obrigação da executada para consigo e, portanto, poderá servir como título executivo.
Nos termos da alínea a) do artigo 703º do C.P.C., apenas as sentenças condenatórias são exequíveis.
Mas, como é unanimemente aceite, as sentenças homologatórias incluem-se no âmbito do citado preceito, dado serem também sentenças de condenação, sem prejuízo de os atos das partes que lhes estão subjacentes terem, como negócios jurídicos, um regime especial de impugnação. Neste sentido, Lebre de Freitas, A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 62; Teixeira de Sousa, Ação Executiva Singular, págs. 74 e seguintes; e Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, pág. 26.
O processo de revitalização destina-se a evitar uma situação de insolvência, alcançando a recuperação do devedor, através de um acordo entre este e os credores.
Na medida em que atribui força vinculativa ao entendimento estabelecido, a decisão homologatória do plano de revitalização do devedor a que se refere o artigo 17º-F do CIRE inclui-se na categoria das sentenças condenatórias.
É nessa categoria que também está englobada a sentença homologatória do plano de pagamentos nos termos do artigo 233º, nº 1, alínea c), do CIRE, prevendo este preceito que encerrado o processo de insolvência, os credores poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do nº 1 do artigo 242º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.
Por isso, deve entender-se que, constituindo a sentença homologatória do plano de pagamentos título executivo, então, por identidade de razão, a mesma qualidade não poderá deixar de ser reconhecida à decisão homologatória do plano de revitalização do devedor.
No caso, a executada incumpriu o acordado no plano de revitalização, não pagando à ora exequente o crédito que lhe havia sido reconhecido, no montante de €9.33046.
No plano de revitalização concreto considerou-se diretamente aplicável o disposto no artigo 218º, nº 1, alínea a), com a alteração apenas do prazo aqui previsto de quinze dias para sessenta dias, referindo que «a moratória ou o perdão previstos no plano de recuperação ficam sem efeito (artigo 218º do CIRE), quanto a crédito relativamente ao qual a requerente se constitua em mora, se a prestação, acrescida de juros moratórios, não for cumprida no prazo de sessenta dias após a interpelação escrita pelo respetivo credor».
E, na verdade, a solução deverá ser encontrada na regra prevista no citado artigo 218º do CIRE, para o incumprimento do plano de insolvência.
Existe analogia substancial entre as duas situações. No plano de revitalização, tal como no plano de insolvência, visa-se um compromisso entre os interesses dos credores e do devedor e, nesse sentido, os primeiros aceitam a autolimitação dos seus direitos sobre o segundo, no pressuposto de que o plano acordado será cumprido. Faltando este pressuposto, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, «é difícil sustentar que, mesmo sem a garantia do cumprimento, os credores razoavelmente aceitassem a limitação dos seus direitos, designadamente quanto ao valor exigível e ao prazo das obrigações». Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 840.
Catarina Serra sustenta, precisamente, a aplicação analógica do nº 1 do artigo 218 do CIRE ao PER. Recuperação de Empresas: o processo especial de revitalização, págs. 117 e seguintes.
Aliás, o nº 12 do artigo 17º-F do CIRE, na redação introduzida pelo DL nº 79/2017, de 30.6, que apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor, expressamente veio prever que «é aplicável ao plano de recuperação o disposto no nº 1 do artigo 218º».
Por conseguinte, ocorrendo incumprimento do plano de recuperação em processo especial de revitalização podem ser instauradas ações executivas, constituindo a sentença homologatória do plano de revitalização título executivo.

II. Mas, a decisão recorrida também fundamentou o indeferimento liminar na circunstância de as normas previstas nos artigos 17-A a 17-I do CIRE, que regulam o processo especial de revitalização, não preverem a possibilidade de ser instaurada nos próprios autos, e nem mesmo por apenso, uma execução na sequência do incumprimento do plano de revitalização que haja sido homologado.
Estabelece o nº 1 do artigo 85º do C.P.C. que, «na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado».
A execução da sentença nos próprios autos da ação declarativa, nos termos dos artigos 85º e 626º do C.P.C., foi uma das inovações da reforma do processo civil de 2013.
Agora, a execução de sentença corre, em regra, no próprio processo onde foi proferida – artigo 85º, nº 1; tal não sucederá se existir tribunal com competência especializada de execução – nº 2 do mesmo preceito. Neste caso, deve ser remetida à secção especializada de execução, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.
O objetivo estabelecido pelo legislador, efetivamente, foi o de que a sentença seja executada no próprio processo, por forma a vincar a continuidade entre a ação declarativa e a execução e a importância do caso julgado.
No caso em apreço, pretende-se executar uma sentença que está no Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 3, sem competência executiva – nº 2 do artigo 129º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto.
Daí que, competente para a execução dessa decisão, atualmente, seja a Secção de Execução do Porto.
Porém, a competência para a ação executiva não significa que o requerimento que dá início a tal procedimento deva ser endereçado ao tribunal materialmente competente para a execução, como resulta do disposto no nº 2 do artigo 85º e no nº 1 do artigo 626º do C.P.C., e sai reforçado pelo que se prevê nos artigos 1º, nº 1, alínea b), nº 2, alínea b) e 4º, todos da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto.
Como se refere na decisão singular proferida no processo nº 2539/14.1YYPRT.P1, «quando se vise a execução de decisão judicial condenatória, o requerimento para o efeito é endereçado ao processo no qual foi proferida a sentença exequenda, pois só assim se compreende que possa ser remetida ao tribunal de competência específica, atualmente à secção especializada, a documentação mencionada na parte final do nº 2 do artigo 85º do C.P.C. e, nomeadamente, do requerimento que deu início à execução. Esta conclusão é também inequívoca em face do que se dispõe nos nºs 2 e 3 do artigo 4º da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto, que provêem sobre a apresentação do requerimento de execução de decisão judicial condenatória por via eletrónica e em suporte físico».
A exequente endereçou o requerimento executivo ao processo onde foi proferida a sentença exequenda e, de seguida, ao Tribunal de Comércio de Amarante competia dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 85º do C.P.C. Neste sentido, ver o acórdão da Relação do Porto, de 1.2.2016, processo nº 12613/15.1T8PRT.P1, inserido no blogue do IPPC.
Deve, por tudo o referido, revogar-se o despacho que indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
Procede, assim, o recurso da exequente B..., S.A.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente revogar o despacho recorrido nos termos supra referidos.

Custas pela parte vencida a final.

Sumário:
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Porto, 19.3.2018
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido