Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
98356/13.0YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP2015011298356/13.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 01/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A Lei nº. 23/96, de 26 de Julho (Lei de protecção dos serviços públicos essenciais) inserida na “ordem pública de protecção”, concretizou a tutela geral do consumidor, criando mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, designadamente, o serviço de fornecimento de energia eléctrica.
II - De acordo com a interpretação do nº. 4, do artº. 10º, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, reconhecemos que o prazo para a instauração da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos, sendo este um prazo de prescrição.
III - Em face das normas do Código Civil, o acto de propositura da acção para o exercício de um direito de crédito não tem, em si mesmo, efeito interruptivo da prescrição, sendo que esse efeito só se produz no momento em que a instauração da acção chega ao conhecimento do demandado, através do acto da citação ou cinco dias depois desta ter sido requerida e não tiver sido efectuada por causa não imputável ao requerente, sendo necessário que, antes de expirado o prazo da prescrição, o requerente promova a prática de um acto judicial idóneo a levar ao conhecimento do devedor a sua intenção de exercer o direito.
IV - A expressão "causa imputável ao requerente" tem de ser interpretada no sentido de causalidade objectiva, isto é, só deverá ser imputada ao autor, a verificada demora na requerida citação, nos casos em que o autor/requerente postergue, de modo objectivo, qualquer regra/preceito que seja determinante e esteja ligada com a tramitação processual até à citação, não sendo, pois, razoável repercutir na espera jurídica do autor as consequências da demora na concretização da citação por razões de pura orgânica judiciária ou logística.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 98356/13.0YIPRT.P1
3ª Secção Cível
Relator - Juiz Desembargador Oliveira Abreu (120)
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Adjunta - Juíza Desembargadora Maria José Simões
Tribunal de Origem do Recurso – Tribunal Judicial da Comarca de Vale de Cambra (1º Juízo)
Apelante/B…, SA.
Apelada/C…, Lda.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Vale de Cambra (1º Juízo), B…, SA., intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato contra, C…, Lda., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de €6.173,31 (seis mil, cento e setenta e três euros e trinta e um cêntimos), integrada pelos montantes de €5.773,35 (cinco mil, setecentos e setenta e três euros e trinta e cinco cêntimos), a título de capital, de €246,96 (duzentos e quarenta e seis euros e noventa e seis cêntimos), e de €153,00 (cento e cinquenta e três euros) a título de taxa de justiça paga.
Articulou com utilidade os fornecimentos de electricidade à Ré, no âmbito da sua actividade, titulados por facturas, e o seu não pagamento.
Regularmente citada, contestou a Ré excepcionando a ineptidão do requerimento injuntivo e a prescrição do direito da Autora no sentido da exigência do recebimento do preço, outrossim, impugnou a versão dos factos em discussão propugnada pela Autora.
Foi proferido despacho no sentido de a Autora expressamente se pronunciar acerca das excepções invocadas, em ordem a cumprir os ditames do contraditório, tendo em vista a prolação de decisão de mérito.
A Autora sustentou, no essencial, a circunstância de o requerimento executivo se consubstanciar no preenchimento de um formulário próprio, considerando ter feito constar do mesmo todos os factos necessários à fundamentação da sua pretensão, salientando que a Ré convenientemente a interpretou, outrossim, a inexistência da invocada prescrição, entendendo que o envio das facturas cujo pagamento, ora peticiona, para o local indicado por aquela, interrompeu tal prazo prescricional, assim como deve ser aplicável, para a sua contagem, os prazos previstos no Código Civil, dado estarem em causa valores que, não se prendendo com o consumo, revertem para entidades terceiras que não a Autora.

O Tribunal “a quo” considerou estarem reunidas as condições para que fosse proferida decisão de mérito, tendo concluído no dispositivo do respectivo aresto “Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de facto e de Direito invocados, atentos os termos conjugados do art. 10.º, n.º s 1 e 4 da Lei n.º 21/96 de 26/07, dos arts. 298.º, n.º 1, 303.º e 304.º do Código Civil e dos arts. 576.º, n.º s 1 e 3 e 579.º do Código do Processo Civil, julgo a presente acção improcedente, por virtude da prescrição do direito trazido a Juízo pela mesma, em consequência do que absolvo a ré do pedido. Custas pela autora – art. 527.º do Código de Processo Civil. Registe e notifique.”

É contra esta decisão que a Autora/B…, SA., se insurge formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo julgou improcedente a acção interposta pela Recorrente, atenta a prescrição do direito a ser ressarcida dos valores das facturas remetidas à Ré por efeito do contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre as partes, tendo, em consequência, absolvido a Ré do pedido, nos termos conjugados dos Artigos 10.°, n.º 1 e 4 da Lei n.º 21/96 de 26 de Julho, dos Artigos 298.°, n.º 1, 303.° e 304.° do Código Civil e dos Artigos 576.°, nºs. 1 e 3 e 579.° do Código de Processo Civil. Como se verá, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não assiste razão ao Tribunal a quo.
2. O prazo previsto no nº. 1 do Artigo 10.º da Lei nº. 21/96 de 26 de Julho é efectivamente um prazo de prescrição.
3. No entanto, tal prazo, de seis meses, refere-se ao direito ao recebimento do preço do serviço prestado, ou seja, refere-se não à instauração da acção judicial, mas sim ao envio da factura ao Cliente//Ré após a prestação do serviço.
4. Sendo que o Tribunal a quo não coloca em causa que tal envio foi feito antes de precludido o prazo de prescrição previsto no nº. 1 do Artigo 10.º Lei nº. 21/96 de 26 de Julho.
5. Com efeito, as facturas foram remetidas à Ré logo após a prestação do serviço.
6. No entanto, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o prazo previsto no n.° 4 do Artº 10.º da Lei n.º 21/96 de 26 de Julho, não é um prazo de prescrição mas sim de caducidade.
7. Dispõe o referido normativo legal que "o prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos".
8. Ora, nos termos do disposto no n.º 2 do Artigo 298.º do Código Civil, "quando por força da lei ou por vontade das partes um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras de caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição".
9. Não fazendo o n.º 4 do Artigo 10.º qualquer referência à prescrição, dúvidas não restam que se trata de um prazo de caducidade.
10. Sendo que, nos termos do Artigo 331.°, e ao contrário da prescrição, a caducidade interrompe-se na data de entrada da acção judicial/injunção.
11. Tendo a injunção dado entrada no Balcão Nacional de Injunções no dia 5 de Julho de 2013, é apodíctico concluir que só estariam caducos os consumos anteriores a 4 Janeiro de 2013.
12. Ora, da análise das três facturas peticionadas na acção, constata-se que: a) A factura número ………..908, no valor de € l.950,32, emitida em 03-01-13 e vencida em 11-02-13, com período de facturação é de 4/12/2012 a 3/01/2013 se encontraria caduca; b) A factura n.º ………..840, no valor de € 1.947,73, emitida em 03-02-l3 e vencida em 13-03-l3, com período de facturação de 4/0112013 a 3/02/2013 se encontra em divida e, c) a factura nº. ……….148, no valor de € 1.875,30, emitida em 04-03-13 e vencida em 05-04-13, com período de facturação de 4/02/2013 a 4/03/2013, pelo que se encontra em divida.
13. Verifica-se a violação do disposto no Artigos 10.º, n.º 1 e 4 da Lei n.º 21/96 de 26 de Julho, com as alterações entretanto introduzidas, dos Artigos 298.º, n.º 1, 303.° e 304.° do Código Civil, dos Artigos 576.°, nºs. 1 e 3 e 579.° do Código de Processo Civil.
14. Caso assim não se entenda o que não se concede ainda assim não assistira razão ao douto Tribunal a quo.
15. O Tribunal a quo faz uma interpretação errónea do nº. 1 e, em especial, do nº. 2 do Artigo 323.° do Código Civil, pois, analisando-se a presente acção e a documentação a ela agregada, designadamente os documentos da secretaria do Balcão Nacional de Injunções, a Recorrente interpôs o requerimento de injunção no dia 5 de Julho de 2013 no Balcão Nacional de Injunções, interrompendo-se a prescrição cinco dias após aquele dia, ou seja, em 10 de Julho de 2013.
16. O Tribunal a quo, chega, inclusivamente na sentença ora recorrida a reconhecer que as duas últimas facturas prescreveriam em 03/08/13 e em 04/09/13, pelo que, há um reconhecimento tácito em como a Recorrente se encontrava em prazo judicial no que respeita à interposição da acção judicial contra a Ré para peticionar os valores inscritos nas duas últimas facturas em causa nos autos.
17. Contudo o Tribunal a quo, deliberadamente, argumenta no sentido de imputar à Recorrente factos em como a mesma não tinha logrado encetar diligências para a notificação da Ré, daí vir a concluir para prescrição do direito que carreou a juízo.
18. O que a letra da lei sustenta naquele normativo legal é a interrupção da prescrição dentro dos cinco dias subsequentes à interposição da acção, no caso da requerente não der causa, objectivamente, a essa falta de notificação ou citação.
19. Neste aspecto é unânime a doutrina e a jurisprudência ao considerarem que só um comportamento objectivo por parte de um autor de um processo levaria a considerar que a prescrição não ocorreria conforme prescrito no n.º 2 do Artigo 323.° do Código Civil.
20. Acresce que, conjuntamente com o requerimento de injunção, a Recorrente pagou imediatamente a taxa de justiça devida pela mesma, ou seja, €153,00 (cento e cinquenta e três euros), bem como, indicou como a morada da Ré a morada por esta indicada aquando a celebração do contrato de fornecimento de energia eléctrica, não tendo, na vigência do contrato, contactado a Recorrente no sentido de alterar a morada contratual e respectivo local de consumo.
21. A Recorrente deu entrada da injunção no Balcão Nacional de Injunções em 5 de Julho de 2013, tendo este Balcão promovido a notificação da Ré para a morada contratual, conforme se pode verificar da documentação junta aos autos dos actos da secretaria daquele Balcão.
22. O Balcão Nacional de Injunções notificou a Ré para a morada sita na …, …, ….-… Vale de Cambra, em 15 de Julho de 2013, a qual veio devolvida ao remetente em 16 de Julho de 2013 por ninguém se encontrar na morada.
23. A secretaria do Balcão Nacional de Injunções promoveu consultas às bases de dados da segurança social do Instituto de Informática e Estatística da Segurança Social em 30 de Julho de 2013, de onde resultou que a Ré tinha a mesma sede.
24. A mesma funcionária que efectuou as pesquisas, nessa mesma data, também consultou a certidão de registo comercial da Ré onde consta como sede social a morada que a Recorrente indicou no requerimento de injunção como sendo a da Ré:
25. Só após o decurso das férias judiciais, em 13 de Setembro de 2013 é que o Balcão Nacional de Injunções voltou a notificar a Ré, para a morada do gerente, Sr. D…, com residência no …, …, ….- … …, que foi recebida em 17 de Setembro de 2013, encontrando-se o aviso de recepção assinado por E….
26. Diga-se até que a presente questão foi apreciada muito recentemente no Acórdão n.º 67/2014, do Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 214/13, publicado na 2.a Série do Diário da Republica, n.º 37, de 21 de Fevereiro de 2014.
27. Na primeira notificação efectuada pelo Balcão Nacional de Injunções, a Ré, só por sua culpa não recebeu a notificação, uma vez que, a morada para a qual foi remetida a notificação, foi aquela que a mesma indicou à Recorrente e só não foi recepcionada por não se encontrar ninguém no local, tendo o distribuidor postal deixado um aviso para levantamento da notificação do Balcão Nacional de Injunções no posto de Correios e a Ré, por pura inércia, nada fez; pelo que, só por sua culpa não a recepcionou, pelo que há que atentar ao disposto no nº. 2 do Artigo 224.° do Código Civil.
28. É unânime a jurisprudência julgar que a expressão exposta no n.º 2 do Artigo 323.º do Código Civil "... por causa não imputável á requerente ...", de forma objectiva. E diversos arestos são claros e objectivos e foram sendo proferidos ao longo dos pretéritos anos.
29. Verifica-se a violação do disposto nos nºs 1 e 2 do Artº. 323.° Código de Civil.
30. Nos termos do disposto do n.º 3 do Artigo 235.° do Regulamento n.º 468/12 (DR, 2.ª Série, Parte E, 218, de 12/11/12), os comercializadores e os comercializadores de último recurso são responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do uso das redes pelos seus clientes, designadamente pelo pagamento das tarifas reguladas aplicadas pelos operadores de redes a que as instalações dos clientes se encontrarem ligadas, valores que, posteriormente são obrigatoriamente entregues ao Estado, conforme resulta de tal Regulamento.
31. A Recorrente, comercializadora de energia eléctrica, deve fazer constar das facturas que remete aos seus Clientes tais tarifas que, posteriormente, são por si entregues ao Estado, conforme estipulação legal, daí a aplicabilidade do prazo geral de prescrição previsto no Código Civil.
32. Assim, encontra-se a ser violado o n.º 3 do Artigo 235.° do Regulamento n.º 468/12 (DR, 2.ª Série, Parte E, 218, de 12/11/12).
33. Em face de tudo o exposto, verifica-se a violação do disposto no Artigos 10.°, n.º 1 e 4 da Lei n.º 21/96 de 26 de Julho, com as alterações entretanto introduzidas, dos Artigos 298.°, n.º 1, 303.° e 304.° do Código Civil, dos Artigos 576.°, nºs. 1 e 3 e 579.° do Código de Processo Civil e do n.º 3 do Artigo 235.° do Regulamento n.º 468/12 (DR, 2.a Série, Parte E, 218, de 12/11112).
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser revogada e ser substituída por outra que determine a improcedência da excepção peremptória da prescrição do direito da Autora, aqui Recorrente, devendo a acção prosseguir os seus termos até final, no que respeita à matéria que foi impugnada pela Ré, como é de inteira Justiça.

Houve contra-alegações, pugnando a apelada/C…, Lda., pela manutenção do julgado.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver consistem em saber se:
(1) O prazo previsto no nº. 4, do artº. 10º, da Lei n.º 23/96 de 26 de Julho, não é um prazo de prescrição mas sim de caducidade?
(2) O Tribunal “a quo” fez errónea interpretação dos nºs. 1, e 2 do artº. 323°, do Código Civil, ao analisar na presente acção a respectiva documentação, designadamente, os documentos da secretaria do BNI, donde resulta que a recorrente interpôs o requerimento de injunção em 2013.07.05 no BNI, interrompendo-se a prescrição, cinco dias após aquele dia, ou seja, em 2013.0710, não fazendo, assim, qualquer sentido o reconhecimento judicial da prescrição do direito arrogado?

II. 2. Da Matéria de Facto

Com relevo para a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. A autora dedica-se ao fornecimento e comercialização de electricidade, em 10/05/12 tendo celebrado com a ré contrato de fornecimento de energia eléctrica a que foi atribuído o n.º ………..171, situando-se o local do seu consumo na sede daquela última.
2. Nesse âmbito, a autora emitiu em nome da ré as seguintes facturas: a) Factura n.º ………..908 – com datas de emissão e vencimento, respectivamente, em 03/01/13 e em 11/02/13, respeitante ao fornecimento de electricidade no período compreendido entre 04/12/12 e 03/01/03, no valor de €1.950,32 (mil, novecentos e cinquenta euros e trinta e dois cêntimos); b. Factura n.º ………..840 – com datas de emissão e vencimento, respectivamente, em 03/02/13 e em 13/03/13, respeitante ao fornecimento de electricidade no período compreendido entre 04/01/13 a 03/02/13, no valor de €1.947,73 (mil, novecentos e quarenta e sete euros e setenta e três cêntimos); c. Factura n.º ………..148 – com datas de emissão e vencimento, respectivamente, em 04/02/13 e em 05/04/13, respeitante ao fornecimento de electricidade no período compreendido entre 04/02/13 a 04/03/13, no valor de €1.875,30 (mil, oitocentos e setenta e cinco euros e trinta cêntimos).
3. A ré não procedeu ao pagamento dos referidos montantes.
4. Visando a sua cobrança coerciva, em 05/07/13 a autora deu entrada no BNI de requerimento de injunção, ostentando a respectiva notificação à ré a data de 13/09/13 e mostrando-se assinado o correspondente AR na data de 17/09/13.

II. 3. Do Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º, e 639º do Código Processo Civil.

II. 3.1. O prazo previsto no nº. 4, do artº. 10º, da Lei n.º 23/96 de 26 de Julho, não é um prazo de prescrição mas sim de caducidade? (1)
Perante a facticidade demonstrada nos autos, o Tribunal “a quo” concluiu no segmento decisório, pela improcedência da acção, em razão da reconhecida prescrição do direito arrogado em Juízo, e, consequentemente, absolveu a Ré do pedido.
O aresto proferido evidencia domínio dos conceitos e institutos jurídicos consignados, sendo que não encontramos qualquer dificuldade em entender o “iter” cognitivo do Tribunal “a quo” que decidiu com segurança.
Vejamos as questões que nesta sede de recurso se colocam, decorrente das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante/Autora/B…, SA., começando pela enunciada em primeiro lugar, qual seja, saber se o prazo previsto no nº. 4, do artº. 10º, da Lei nº. 23/96 de 26 de Julho, é um prazo de prescrição ou um prazo caducidade.

Na sequência do que veio a originar a transposição para o ordenamento nacional da legislação europeia sobre a protecção do consumidor, entendeu o legislador nacional dever proteger, de modo especial, o consumidor de serviços públicos essenciais, através da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho.
A especialidade do regime neste domínio de essencialidade dos serviços prende-se, como se verbalizou nos debates parlamentares com a natureza “[desses] mesmos serviços, o modo como são prestados e […] as especiais dificuldades [para os consumidores] em fazer valer os seus direitos”.
Reconheceu-se nos referidos debates a especial necessidade em assegurar o exercício dos direitos dos consumidores em sectores onde os bens ou serviços prestados são essenciais à vida e dos quais não se pode prescindir, apontando-se ainda razões como a actuação das empresas fornecedoras, em geral, em regime de monopólio, que desequilibram, por si só, as relações em desfavor do consumidor.
A Lei nº. 23/96, de 26 de Julho (Lei de protecção dos serviços públicos essenciais) inserida na “ordem pública de protecção“, concretizou a tutela geral do consumidor, criando mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, designadamente, o serviço de fornecimento de energia eléctrica.
Assim, com a entrada em vigor da Lei n°. 23/96, de 26 de Julho, pretendeu-se, inequivocamente, não só salvaguardar o utente das entidades com as quais se vê obrigado a contratar, mas também a defendê-lo de si próprio relativamente à possibilidade de sobre - endividamento por consumo de bens que tendem a satisfação de necessidades primárias, básicas e essenciais dos cidadãos.
Sob o título “prescrição e caducidade“, o artº.10º nº. 1, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, estipulava que “o direito de exigir o pagamento do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
Sobre a conjugação do disposto no aludido nº. 1, do artº. 10º, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, com o regime geral da prescrição, foram sendo desenvolvidas pelo menos três orientações, aliás, referenciadas no aresto recorrido, quais sejam, uma primeira, segundo a qual o prazo de seis meses a que se reporta o artº. 10.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho se contaria a partir da prestação dos serviços, referindo-se tanto à apresentação da factura como à invocação do direito em juízo, sob pena de extinção do direito; uma segunda, que entendia que o prazo de seis meses aí previsto se reportava à apresentação da factura, mas que a apresentação da factura era interruptiva da prescrição, fazendo renascer o mesmo prazo de seis meses; e uma terceira, segundo a qual o legislador pretendeu expressar que o prazo de seis meses se reporta apenas à apresentação da factura, mantendo-se intocável o prazo geral de cinco anos, estabelecido no artº. 310.º g), do Código Civil para a extinção do direito, regime consagrado para as dívidas decorrentes de prestações periodicamente renováveis, como era o caso das dívidas de electricidade.
O artº. 1.º, da Lei nº. 12/2008, de 26 de Fevereiro, veio, entretanto, alterar aquele artº. 10º, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, o qual passou a estabelecer:
Artigo 10.º Prescrição e caducidade
1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.
3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data limite fixada para efectuar o pagamento.
4 - O prazo para a propositura da acção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.
5 - O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.
Tornou-se, assim, claro, a partir desta alteração, particularmente em face do novo nº. 4, aditado ao artº. 10º, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, mas também em face da nova redacção dada ao nº. 1, do mesmo preceito, que o legislador quis consagrar uma das orientações que era já defendida em face da redacção originária do artº. 10º, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, concretamente a posição que sustentava ser o prazo de seis meses previsto, um prazo de prescrição do direito ao pagamento dos serviços, que se contava a partir da prestação dos mesmos.
Deve, pois, considerar-se que a nova lei se assume como claramente interpretativa, integrando-se, por isso, na lei interpretada, sendo que a própria intenção que presidiu à criação da lei de proteger o consumidor final, contra a acumulação de dívidas de fácil contracção, evitando que se vissem confrontados com a exigência de débitos acumulados que dificilmente poderiam satisfazer, confirma aquela orientação legislativa, determinando, assim, que os prestadores de serviços mantenham uma organização que permita a cobrança em momento próximo do correspondente consumo.
Consagra-se uma prescrição extintiva dos créditos provenientes de serviços públicos essenciais, como o fornecimento de energia eléctrica.
O reconhecimento do instituto da prescrição nos termos enunciados decorre da conceptualização do próprio instituto, por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante o período de tempo para tanto fixado na lei, neste sentido, Professor, Manuel de Andrade, apud, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, edição de 1974, página 445.
Nos termos do artº. 298º, nº. 1, do Código Civil, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A prescrição assenta num facto jurídico não negocial (o decurso do tempo), tendo na sua génese o não exercício dum poder, uma inércia de alguém que, podendo ou devendo actuar para realizar um direito, se abstém de o fazer, neste sentido, Dias Marques, apud, Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, página 4.
Na verdade, a prescrição do direito tem como principal fundamento a negligência do titular do direito em exercitá-lo, negligência que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou, pelo menos, o torna indigno de ser merecedor de protecção jurídica, embora, reconheçamos, a existência de outras razões justificativas à extinção do direito, que se prendem com a certeza e a segurança do tráfico jurídico, a protecção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância temporal, e exercer pressão sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles.
Concretizando o brocardo latino “dormientibus non succurrit jus” o instituto da prescrição extintiva respeita na sua essência à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo de o sustentar também uma ponderação de justiça, na medida em que a prescrição arranca do reconhecimento de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, reiteramos, o torna indigno da tutela do direito.
Embora visando satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e, desse modo, proteger o interesse do sujeito passivo, o instituto da prescrição extintiva atende ao desinteresse ou inércia negligente do titular do direito.
Considerando o fundamento da prescrição extintiva, compreende-se, com facilidade, a previsão do direito substantivo civil ao estabelecer que o termo inicial do respectivo prazo coincide com o momento a partir do qual o seu titular o pode efectivamente exercer - artº. 306º, nº. 1, do Código Civil -.
Para ser eficaz, a prescrição necessita de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita - artº. 303º, do Código Civil – sendo de observar que completado o prazo de prescrição sem que o titular do direito tenha praticado os actos necessários e com virtualidade de obstar àquela, interrompendo-a, pode o devedor, nos termos do artº. 304º, nº. 1, do Código Civil, recusar a prestação ou opor-se ao exercício do direito, como é o caso “sub iudice”.
Na verdade, com a entrada em vigor do diploma que veio criar mecanismos de protecção do utente de serviços públicos essenciais, a prescrição como facto extintivo de obrigação que o utente do serviço público essencial haja assumido, já não carece do decurso do prazo de cinco anos do artº. 310.º do Código Civil, bastando-se com os seis meses estabelecidos no n°. 1, do artº. 10º, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho.
Para conferir um maior grau de protecção ao utente do serviço, o sistema jurídico deixou, assim, de aplicar a estas situações o prazo consagrado no Código Civil.
Reclamando a especial natureza dos serviços em causa foi entendido impor ao respectivo prestador do serviço público essencial previsto no artº. 1.º da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, a obrigação de exercer o seu direito de crédito no prazo de seis meses, contado a partir do momento em que o possa fazer, ou seja, do termo de cada período da relação mensal obrigacional duradoura e de execução continuada.
Ademais, reconhecemos que, para ter por exercido o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado, a que se reporta o n°. 1, do artº. 10º, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, não basta ao prestador do serviço proceder à emissão e entrega da factura/recibo no prazo de seis meses ali fixado, já que tal interpelação apenas releva para efeitos de determinação do momento da constituição do utente em mora, nos termos do artº. 805º, do Código Civil.
Conforme foi sustentado pelo Professor Calvão da Silva, em anotação ao Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 28 de Junho de 1999, apud, RU, ano 132.º, páginas 135 e seguintes, "não pode pensar-se que o n°. 1, do artigo 10.º da Lei n.° 23/96, valha (só) para a liquidação da dívida, enquanto para o crédito assim apurado ou liquidado se continuaria a aplicar a al. g) do artigo 310.º do Código Civil" (…) "semelhante interpretação não tem fundamento válido, consistente, constituiria um non - sense e seria mesmo contra - legem."
Daqui decorre que a aludida norma da Lei n°. 23/96, de 26 de Julho, em conjugação com a já consignada lei interpretativa, Lei nº. 12/2008, de 26 de Fevereiro, não só operou uma redução substancial do prazo de prescrição dos créditos periódicos provenientes da prestação de serviços públicos essenciais, como é o serviço de fornecimento de electricidade, cujo decurso, em razão da natureza extintiva ou liberatória da prescrição, confere ao utente a possibilidade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, de qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como já adiantamos, podendo mesmo dizer-se, ter o diploma em análise o objectivo de sancionar a indiferença e a inércia do credor em fazer prevalecer ou exigir o seu direito, de tal sorte que a prescrição extintiva semestral converte a obrigação civil em obrigação natural.
Concluindo, reconhecemos que com a Lei n°. 23/96, de 26 de Julho, o legislador quis estabelecer um prazo prescricional novo e mais curto do que o previsto no Código Civil, dentro do qual cumpre à entidade gestora, não só proceder à apresentação da factura como, não sendo voluntariamente paga a obrigação pecuniária, praticar qualquer acto com eficácia suspensiva ou interruptiva do decurso do prazo de prescrição, como seja a citação ou a notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, nos termos do artº. 323°, n°. 1, do Código Civil, donde, de acordo com a interpretação do nº. 4, do artº. 10º, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, afirmamos que o prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços, enquanto prazo de prescrição, é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos, carecendo de fundamento, neste particular, a douta argumentação esgrimida pela Apelante/B…, SA.

II. 3.2. O Tribunal “a quo” fez errónea interpretação dos nºs. 1, e 2 do artº. 323°, do Código Civil, ao analisar na presente acção a respectiva documentação, designadamente, os documentos da secretaria do BNI, donde resulta que a recorrente interpôs o requerimento de injunção em 2013.07.05 no BNI, interrompendo-se a prescrição, cinco dias após aquele dia, ou seja, em 2013.0710, não fazendo, assim, qualquer sentido o reconhecimento judicial da prescrição do direito arrogado? (2)
Esta outra questão a apreciar, cuja dissensão é afirmada pela Apelante, identifica-se com aqueloutra já apresentada aquando do respectivo exercício do contraditório às excepções invocadas pela Ré, oportunamente apreciada pela Tribunal recorrido, sendo que a Autora/Apelante ali, como aqui, parte do pressuposto de que o acto de propositura da acção constitui causa de interrupção da prescrição, sendo que o acto que consubstancia a instauração da acção não tem, em si mesmo, efeito interruptivo da prescrição, pois, na verdade, não consta das normas do direito substantivo civil atinentes à interrupção da prescrição (artºs. 323º a 327º do Código Civil), ou, no limite, que a demora na citação se deveu a razões de pura orgânica judiciária ou logística.
O nosso ordenamento jurídico estabelece no respectivo direito substantivo civil, por forma inequívoca, os actos a que é atribuído efeito interruptivo da prescrição.
Assim, são apenas os seguintes actos, aqueles a que é atribuído efeito interruptivo da prescrição:
a) A citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (artº. 323.º, n.º 1 do Código Civil), ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (artº. 323.º, n.º 4 do Código Civil);
b) O compromisso arbitral (artº. 324.º, n.º 1 do Código Civil);
c) O reconhecimento do direito (artº. 325.º, n.º 1 do Código Civil).
O acto e o momento a que a lei concede relevância para produzir o efeito interruptivo da prescrição não é o da sua prática pelo titular do direito (credor), mas sim, o acto e o momento em que chega ao conhecimento do obrigado que o direito foi ou vai ser exercício pelo credor.
O acto de propositura da acção judicial para o exercício de um direito de crédito só chega ao conhecimento do demandado através da citação (artº. 219.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), salvo se antes tiver havido notificação judicial para esse fim, o que equivale por dizer que o efeito interruptivo da prescrição só se produz no momento em que esse facto chega ao conhecimento do demandado, através da citação.
Neste particular, dever-se-á também ter em consideração o nº. 2, do artº. 323º, do Código Civil que consubstancia um mecanismo criado pelo legislador para desonerar o credor das consequências imputáveis ao Tribunal, no casos de demora na citação, também invocado pela Apelante/B…, SA.
Assim, preceitua o consignado nº. 2, do artº. 323º, do Código Civil "se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias".
A este propósito, cumpre-nos adiantar que a redacção deste preceito é bem clara no sentido de que a respectiva aplicação está subordinada a dois propósitos, quais sejam, de uma parte, a citação ou notificação judicial ter sido requerida pelo interessado, e, por outro lado, não ter sido realizada no prazo de cinco dias por causa não imputável ao requerente, sendo entendimento da jurisprudência que a expressão "causa imputável ao requerente" tem de ser interpretada no sentido de causalidade objectiva, isto é, só deverá ser imputada ao autor, a verificada demora na requerida citação, nos casos em que o autor/requerente postergue, de modo objectivo, qualquer regra/preceito que seja determinante e esteja ligada com a tramitação processual até à citação, entendimento este também aprovado pela nossa doutrina ao sustentar não ser razoável repercutir na espera jurídica do autor as consequências da demora na concretização da citação por razões de pura orgânica judiciária ou logística.
Como defende, A. Geraldes, apud, Temas da Reforma do Processo Civil, I, 1997, página 215, "ao invés da caducidade, que é impedida pela propositura da acção em juízo, os efeitos extintivos da prescrição impõem, em princípio, que o devedor seja judicialmente informado da existência de uma pretensão contra si dirigida pelo credor (artº. 323.º do CC). Simplesmente, uma vez que o acto de citação ou notificação judicial avulsa, pode ser dificultado por razões de pura orgânica judiciária ou logística, não seria razoável repercutir na espera jurídica do autor todas as consequências que poderiam advir da demora na concretização da citação ou da notificação".
Sublinhamos que na rigorosa expressão da lei, a interrupção da prescrição ocorre "cinco dias depois de ter sido requerida" a citação ou notificação judicial, e não cinco dias depois de ter sido proposta a acção, donde concluímos que o acto de interposição da acção não é, em si mesmo, idóneo para interromper a prescrição do direito que se pretende exercer através da acção, na medida em que, mais uma vez acentuamos, este efeito só se produz através de acto judicial que dê conhecimento ao devedor da pretensão de exercer o direito, seja a citação efectiva para a acção; seja a citação ficcionada; seja a notificação judicial avulsa ou outro acto judicial que satisfaça a mesma finalidade (artº. 323.º, nºs. 1, 2 e 4, do Código Civil).
Revertendo ao caso dos autos, e cuidando da citação ficcionada estabelecida no nº. 2, do artº. 323º, do Código Civil ao dispor que "se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias", entendemos que esta norma, contrariamente ao pugnado pela Apelante não tem aplicação ao caso em apreço pelas razões enunciados no aresto recorrido, aqui sufragadas “De acordo com o n.º 1 do art. 323.º do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, acrescentando o seu n.º 2 que se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Ora, na hipótese vertente, o direito que à autora assistia de exigir da ré o pagamento das duas últimas facturas em que alicerça o seu petitório prescreveria em 03/08/13 e em 04/09/13, sendo que a expedição da notificação por referência à apresentação do requerimento injuntivo ostenta a data de 13/09/13, evidenciando-se o respectivo AR assinado em 17/09/13, o mesmo é dizer, aparentemente decorridos ambos os prazos prescricionais em curso. Argumenta, neste conspecto, a autora que, tendo dado entrada do referido requerimento injuntivo em 05/07/13, e por virtude da ficção legal inserta no transcrito normativo, semelhantes prazos foram interrompidos cinco dias volvidos, e, assim, em 10/07/13, no que, salvo melhor opinião, não lhe assiste razão. Desde logo, não deixaremos de notar que de uma soma puramente aritmética se socorreu, evidenciada no descuramento da circunstância de os dias 06/07/13 e 07/07/13, imediatamente subsequentes à apresentação do requerimento injuntivo, terem coincidido com um fim de semana, o que haveria de se reflectir na preconizada contagem de prazo. Por outro lado, notaremos ainda que de uma singela ilação se cuida, inexistindo qualquer factualidade alvitrada no sentido de preencher a previsão normativa em que se fundamenta: não advoga que o BNI não logrou a notificação da ré no período de cinco dias; não advoga que esses cinco dias tiveram lugar posteriormente a ter sido requerida essa notificação; não advoga que o incumprimento desse prazo sobreveio por causa que lhe não era imputável. Na realidade, aparenta a autora associar à mera entrada do requerimento injuntivo no BNI a notificação da ré uma vez decorridos cinco dias, afigurando-se-nos clarividente a inexistência, de todo em todo, de qualquer interligação nesses moldes forjada, sob pena de inutilidade absoluta de significativa parte das normas processuais atinentes ao acto de notificação, esmorecendo acrescidamente o seu raciocínio se atentarmos que, no caso sub judice, dois desses cinco dias terem coincidido com um Sábado e um Domingo. Significa isto, em termos que se generalizam para uma melhor exposição, que, apresentado no BNI um requerimento injuntivo a uma Sexta-Feira, e na Quarta-Feira da semana imediatamente seguinte se teria a ré como citada.
Mais se nos prefigura associar a autora a entrada de um requerimento injuntivo no BNI ao requerimento da notificação da ré, identificando realidades jurídicas insusceptíveis de congregação, sob pena, uma vez mais, da desnecessidade de diversos dos comandos legais insertos na legislação civil adjectiva acerca do acto de notificação. Naturalmente que, por via de regra, da apresentação de um requerimento injuntivo irá resultar a notificação do demandado, o que não quer dizer que assim efectivamente suceda, bastando, para tanto, ponderar a previsão do art. 11.º do anexo ao DL n.º 269/98 de 01/09, no qual são elencados oito motivos de recusa desse requerimento. Do mesmo passo, decorre do cotejo literal das previsões do n.º 1 e dos n.º s 3 a 7 do seu art. 12.º que os cinco dias legalmente previstos para efeitos dessa notificação não configuram um prazo peremptório, sendo o próprio legislador quem o assume ao prever um manancial de vicissitudes susceptíveis de sobrevirem na realização desse acto. Assim como resulta do n.º 8 do mesmo art. 12.º poder o requerente indicar que pretende a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, o que não se detecta no requerimento injuntivo. Outra conclusão não podemos, portanto, retirar, que não a de que a autora confiou que a notificação em crise seria efectuada no prazo de cinco dias e que, caso esse prazo se viesse a revelar desrespeitado, sempre se consideraria ter a notificação ocorrido no quinto desses dias, designadamente não tendo encetado diligência alguma no sentido de assegurar o cumprimento desse hiato temporal, o mesmo é dizer, não tendo requerido a notificação em termos que lhe permitissem aproveitar da benesse que invoca e a que se reconduz o n.º 2 do art. 323.º do Código Civil, em segmento algum do processado se surpreendendo que haja lançado mão do mecanismo de citação prévia à distribuição.”
Tudo visto e concluindo, reconhecemos que em face das normas do direito substantivo civil já consignadas, o acto de propositura da acção para o exercício de um direito de crédito não tem, em si mesmo, efeito interruptivo da prescrição, sendo que esse efeito só se produz no momento em que a instauração da acção chega ao efectivo conhecimento do demandado, através do acto da citação ou cinco dias depois desta ter sido requerida e não tiver sido efectuada por causa não imputável ao requerente.
No caso “sub iudice” divisamos que a requerida citação não foi feita dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, não por razões de pura orgânica judiciária ou logística, mas como decorre linearmente da sentença recorrida, a demora na citação é imputável à Autora/Apelante/B…, SA. porquanto esta infringiu, objectivamente, normas conexionadas com o andamento do processo até à citação.
Cotejada a decisão apelada, sublinhamos que o Tribunal apelado adoptou, em nossa opinião, os melhores ensinamentos sobre a temática em causa, tendo-se expressado por forma apropriada, com indicação bastante dos termos da causa, e, uma vez interiorizada a materialidade adquirida processualmente, não deixou de concluir com acerto.
Pelo exposto, na improcedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pela Autora/Apelante/B…, SA., não reconhecemos à respectiva argumentação, qualquer virtualidade no sentido de alterar o destino da presente demanda, já traçado em 1ª Instância.

III. SUMÁRIO (artº. 663º nº. 7 do Código de Processo Civil)

1. A Lei nº. 23/96, de 26 de Julho (Lei de protecção dos serviços públicos essenciais) inserida na “ordem pública de protecção”, concretizou a tutela geral do consumidor, criando mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, designadamente, o serviço de fornecimento de energia eléctrica.
2. De acordo com a interpretação do nº. 4, do artº. 10º, da Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, reconhecemos que o prazo para a instauração da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos, sendo este um prazo de prescrição.
3. Em face das normas do Código Civil, o acto de propositura da acção para o exercício de um direito de crédito não tem, em si mesmo, efeito interruptivo da prescrição, sendo que esse efeito só se produz no momento em que a instauração da acção chega ao conhecimento do demandado, através do acto da citação ou cinco dias depois desta ter sido requerida e não tiver sido efectuada por causa não imputável ao requerente, sendo necessário que, antes de expirado o prazo da prescrição, o requerente promova a prática de um acto judicial idóneo a levar ao conhecimento do devedor a sua intenção de exercer o direito.
4. A expressão "causa imputável ao requerente" tem de ser interpretada no sentido de causalidade objectiva, isto é, só deverá ser imputada ao autor, a verificada demora na requerida citação, nos casos em que o autor/requerente postergue, de modo objectivo, qualquer regra/preceito que seja determinante e esteja ligada com a tramitação processual até à citação, não sendo, pois, razoável repercutir na espera jurídica do autor as consequências da demora na concretização da citação por razões de pura orgânica judiciária ou logística.

IV. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora/Apelante/B…, SA., mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante/B…, SA..
Notifique.

Porto, 12 de Janeiro de 2015
Oliveira Abreu
António Eleutério
Maria José Simões