Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1130/15.0T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TEMPO DE TRABALHO
LOCAL DE TRABALHO
RISCO ACRESCIDO
QUEDA A TOMAR BANHO NO HOTEL
Nº do Documento: RP201806251130/15.0T8VFR.P1
Data do Acordão: 06/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 278, FLS 339-353)
Área Temática: .
Sumário: I - O acidente ocorrido no interior da casa de banho do quarto de hotel onde o trabalhador se encontrava hospedado (na qual, pelas 7h30, após ter tomado banho, caiu) não ocorreu no local de trabalho, nem no tempo de trabalho, não consubstanciando acidente de trabalho, mas, antes, acidente inserido na sua vida pessoal, estranho à sua actividade laboral.
II - A isso não obsta a circunstância de o trabalhador ter pernoitado em tal hotel por, no dia anterior, ter tido uma reunião profissional fora da área da sua residência e, no dia do acidente, ter que, no âmbito da sua actividade profissional, visitar clientes, pois que o referido acidente não ocorreu no local, nem no tempo de trabalho, nem de qualquer ato ou tarefa de que tivesse sido incumbido pela empregadora, nem em tempo que pudesse ser considerado como estando sob a autoridade desta, nem tendo sido feita prova da existência de qualquer risco acrescido decorrente do local onde se encontrava, nem, muito menos e consequentemente, de que tivesse o acidente decorrido de um qualquer risco acrescido resultante de ter tido que pernoitar no hotel.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1130/15.0T8VFR.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1071)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B..., com mandatário judicial constituído, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra “C... – Sucursal em Portugal” e “D..., SA”, pedindo a condenação destes a reconhecer que o acidente que vitimou o A. é um acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões apresentadas e consequentemente no pagamento ao A., na proporção das suas responsabilidades, das seguintes quantias, acrescidas de juros, vencidos e vincendos até integral pagamento:
- 7.533,13€ devida pelos períodos em que esteve com incapacidade temporária para o trabalho;
- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, calculada com base na IPP que vier a ser definida em sede de junta médica e com referência ao salário anual de €2.152,09x14+€60,20x14+€165x11+€50,92x12;
- €30 (trinta euros), correspondente a despesas de transporte com as suas deslocações.
Para tanto alega, em síntese, que em 29.11.2013, cerca das 07h30, quando se encontrava a trabalhar ao serviço da sua entidade patronal, a 2ª ré, sob as suas ordens, fiscalização e direção, exercendo as funções de promotor de vendas, sofreu um acidente, que consistiu em ter escorregado no piso do Wc do quarto de hotel onde pernoitou, após ter feito a sua higiene pessoal batendo com as costas no chão.
Refere que no dia anterior se deslocou à sede da empresa (em ...), para participar na reunião anual de vendas e como no dia seguinte à reunião tinha de efectuar diversas visitas a clientes da zona de Lisboa, foi decidido pernoitar em Lisboa, na noite de 28 para 29 de novembro de 2013.
Como consequência desse acidente, o A. sofreu diversas lesões, que identifica, que lhe vieram a determinar, direta e necessariamente, ITA no período que identifica em 23 da p.i.
Na sequência dos tratamentos que lhe foram ministrados, o A. teve alta em 25.03.2014, tendo-lhe sido atribuído 4,5% de coeficiente de IPP.
Mais alega que gastou em transportes €30,00 e que auferia a retribuição anual de €2,152,09x14+€60,20x14+€165x11+€50,92x11, sendo que a entidade patronal tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a 1ª Ré apenas em função do valor de €2,152,09x14+€60,20x14+€165x11.

A Segurança Social deduziu pedido de reembolso, pedindo a condenação das RR. No pagamento da quantia de €8.856,54, respeitante ao período em que o A. esteve com baixa médica subsidiada.

A 1ª Ré Companhia de Seguros contestou, alegando que o montante anual transferido para a seguradora é de €32.787,06, pelo que apenas responde por esse montante.
Mais diz que os factos alegados pelo A., que a 1º ré desconhece, não preenchem os requisitos para se mostrar verificado um acidente de trabalho, uma vez que o acidente não ocorreu no local de trabalho do A., ocorreu na casa de banho de um hotel em Lisboa; além disso, não ocorreu no exercício das suas funções, nem no âmbito da atividade da sua entidade patronal, e o A. não se encontrava a realizar qualquer tarefa determinada pela 2ª Ré. Acresce que, as condições do local onde o A. se encontrava hospedado não agravaram o risco genérico que impende sobre a generalidade das pessoas quando procedem à sua higiene pessoal.
Conclui pela improcedência da ação, no que respeita à Ré seguradora.

A 2ª Ré contestou, alegando que se é verdade que o A. no dia 29.11.2013 tinha planeado visitas a clientes da Ré, o agendamento das mesmas foi feito diretamente pelo A., no âmbito da autonomia que todos os comerciais têm no desempenho da sua atividade, pelo que a visita aos clientes agendada para esse dia não foi por iniciativa ou determinação da Ré.
Mais alega que o acidente descrito pelo A., - ter escorregado ao sair da banheira e ter batido com as costas no chão -, não pode senão ser considerado como um facto pessoal e particular, já que não resultou da execução da missão profissional nem tão pouco ocorreu em tempo em que se manifestasse a autoridade do empregador.
Conclui pela improcedência da A. e pela absolvição da Ré dos pedidos.

A 1ª Ré deduziu oposição ao pedido de reembolso da Segurança Social, concluindo pela improcedência do mesmo.

Foi fixado o valor da acção em €7.533,13 e proferido despacho saneador com selecção da matéria de facto (assente e base instrutória), que foi objeto de reclamação, oportunamente atendida por despacho de fls. 229 e determinada a abertura de apenso para fixação da incapacidade, nele tendo sido proferida decisão (fls. 14) considerando o A. afectado da IPP de 7,5%.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com decisão da matéria de facto, que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo as RR dos pedidos e condenando o A. em custas.

Inconformado, o A. recorreu, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“Com os mesmos fundamentos legais e doutrinários plasmados na sentença em crise entende o autor que o acidente dos autos deverá ser caracterizado como acidente de trabalho e, como tal, passível de ressarcimento.

É pacificamente aceite doutrinariamente e nos mais diversos arestos jurisprudenciais que para a aferição da existência de acidentes de trabalho deve atender-se à interpretação, de acordo com a teoria do risco económico ou de autoridade, segundo a qual não é exigível a verificação do nexo de causalidade entre a prestação do trabalho em concreto, bastando que se verifique o nexo entre o acidente e a relação do trabalho.

No caso vertente se numa interpretação simplista se poderá intuir que o acidente se enquadra num ato da vida corrente e não caracterizador de acidente de trabalho, com uma análise mais cuidada à matéria provada, designadamente, a vertida nos factos provados números 14, 15, 16, 20, 21, 22, conclui-se que o autor se encontrava numa missão profissional e subordinado ao poder disciplinar da sua entidade patronal.

O facto do autor ter pernoitado num Hotel não foi uma escolha do autor motivada por lazer, mas porque tinha que lá estar no exercício das suas funções profissionais, assinalando-se que todos os custos decorrentes dessa deslocação foram suportados pela sua entidade patronal.

Entende o autor que perante tal circunstancialismo, estava sujeito ao “tal” risco de autoridade, da mesma forma que o estaria, não podendo eximir-se ao poder disciplinar se nas mesmas circunstâncias e naquele quarto de hotel, se apresentava embriagado e efectuasse pinturas de “graffitti” no seu quarto de hotel.

Pelo que não se pode concordar com a conclusão plasmada na sentença de que o “trabalhador estava dentro da sua zona de conforto íntimo e privado, onde tem controlo sob a sua estrutura e organização

Correndo o risco de se repetir, ainda assim, reitera-se que tal não é rigoroso, o autor apenas em sua casa é que se encontra na sua zona de conforto íntima e privada.

Não é num quarto de hotel(ainda que dotado do maior conforto) impessoal, ao qual não está habituado, nem à luz, nem à localização dos cómodos, nem ao tipo de soalho, etc., que o autor se encontra na sua zona de conforto íntimo e privado.

Esta situação é potenciadora de um risco acrescido que pelo facto do autor se encontrar numa “missão profissional” deverá ser relevado.

Ancora-se o Tribunal “ad quo” no Acórdão do STJ de 2.08.2008 pelo facto de existir uma particular semelhança com o caso dos autos.

Essa decisão revogou Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que por sua vez tinha confirmado uma decisão de primeira Instância.

Tal decisão é de 2008, portanto, proferida em data anterior, à entrada em vigor da Lei 41/2013, assinalando-se que a mesma nunca teria existido na vigência dessa Lei, atenta a inovação da “dupla conforme”.

Sem prejuízo do respeito que o mais alto Tribunal Judicial deste País merece, atreve-se o autor a sugerir, que nesse caso, a decisão proferida pela primeira Instância e por um Tribunal de recurso numa situação semelhante tornava-se pacífica do ponto de vista jurisprudencial e seria sempre considerada como acidente de trabalho.

Aliás, existe abundante jurisprudência mais recente que tem vindo a pronunciar-se com uma maior amplitude sobre situações de caracterização de acidentes como de trabalho ocorridos fora do local e tempo do mesmo.

Atente-se, a título exemplificativo no Acórdão do TRLisboa de 14.06.2017 com o processo nº1558/13.0TTLSB.L1-4, bem como o Acórdão do TRCoimbra de 16.12.2015 com o processo nº235/13.6TTLRA.C1.

Nas situações descritas em ambos os Acórdãos, bem como na dos autos, numa abordagem superficial os sinistrados praticavam atos da vida corrente.

Sucede que em ambas as situações só estavam a praticar tais atos porque e no exercício de missões que lhes foram confiadas pelas suas entidades patronais.

Nesta conformidade, a decisão proferida pelo Tribunal “ad quo” violou o disposto nos artigos 3º; 8º e 9º da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, pelo que deverá ser revogada e substituída por uma outra que caracterize o acidente descrito nos autos como de trabalho, condenando-se as rés nos termos peticionados na petição inicial (…)”.

As Recorridas contra-alegaram, pugnando pelo não provimento do recurso.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, ao qual apenas respondeu a Recorrida Seguradora, dele discordando.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº2, 1ª parte, do CPC/2013.
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II. Matéria de facto dada como provada pela 1ª instância

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
“1º- O Autor B... é beneficiário do Centro Distrital de Aveiro, com o nº ............ (alínea A) dos Factos Assentes)
2º- Em consequência das lesões sofridas resultantes do acidente ocorrido em 29 de Novembro de 2013, o autor esteve com baixa médica subsidiada de 29/11/2013 a 29/04/2014. (alínea B) dos Factos Assentes)
3º- Por tal facto, e nos termos do disposto no n.º 1, do art. 7.º, do Decreto-Lei n.º 28/04, de 04 de Fevereiro, pagou a Segurança Social ao Autor a título de subsídio de doença, a quantia de € 8.856,54 (oito mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos). (alínea C) dos Factos Assentes)
4º- A firma “D..., S.A.” celebrou com a Ré “C...” um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho – trabalhadores por conta de outrém. (alínea D) dos Factos Assentes)
5º- Através de contrato de seguro celebrado entre a Ré D... e a Ré seguradora e titulada pela apólice n.º........., tinha aquela a sua responsabilidade pelos danos emergentes do acidente de trabalho em apreço transferida para a Ré Seguradora. (alínea E) dos Factos Assentes)
6º- Conforme se atesta pela leitura da apólice, o presente contrato rege-se pela modalidade designada por “folha de férias” ou prémio variável, ou seja, o salário transferido é o que consta do mapa de salários periodicamente enviado à seguradora. (alínea F) dos Factos Assentes)
7º- O autor nasceu no dia 10 de Agosto de 1949. (alínea G) dos Factos Assentes)
8º- A ré D... efetuou a participação de acidente de trabalho através do competente formulário à ré C... com as informações do acidente plasmadas supra, no entanto, esta declinou a responsabilidade e em consequência, não assumiu o acompanhamento clínico do autor. (alínea H) dos Factos Assentes)
9º- Realizada a tentativa de conciliação entre o Autor e as Rés, em 11.01.2016 (posteriormente a uma diligência de adiamento em 9.12.2005), viria a mesma a frustrar-se. (alínea I) dos Factos Assentes)
10º- Com efeito, a ré seguradora manifestou, no essencial, que reconhece e aceita a transferência pelo risco laboral com base na apólice acima indicada, reconhece o evento, o salário declarado pelo autor com exceção dos aludidos 50,92€X12, todavia, não o aceita como acidente de trabalho por ter ocorrido fora do local e tempo de trabalho. (alínea J) dos Factos Assentes)
11º- A ré D... manifestou, no essencial, que o autor, na data do acidente, era seu funcionário, que a responsabilidade havia sido transferido nos termos manifestados pela ré seguradora, considerando, ainda que não reconhece o acidente em causa como configurando um acidente de trabalho pois ocorreu no âmbito da sua vida pessoal. (alínea L) dos Factos Assentes)
12º- A retribuição transferida pela Ré “D..., SA” para a Ré “C...” ascende ao montante anual de €32.787,06. (alínea M) dos Factos Assentes, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 6.12.2017)
13º- À data do sinistro o autor exercia as funções de promotor de vendas sob as ordens e direcção da ré D.... (alínea N) dos Factos Assentes, que corresponde com pontuais correções à matéria do artigo 1º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 6.12.2017)
14º- O autor, em 28 de Novembro de 2013, deslocou-se à sede da sua entidade patronal, a ré D..., para participar na reunião anual de vendas. (alínea O) dos Factos Assentes, que corresponde à matéria do artigo 3º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 6.12.2017)
15º- No dia seguinte ao da reunião, o autor teria que efetuar diversas visitas profissionais de promoção e venda dos diversos produtos da ré D..., a determinados clientes da região de Lisboa. (alínea P) dos Factos Assentes, que corresponde à matéria do artigo 4º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 6.12.2017)
16º- A presença na reunião foi determinada pela Ré D.... (alínea Q) dos Factos Assentes, que corresponde em parte à matéria do artigo 5º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 6.12.2017)
17º- No dia 30.04.2014, o Autor apresentou-se ao serviço da ré D... para exercer as suas funções, sendo que apenas a partir desse dia é que essa ré reiniciou o pagamento da remuneração. (alínea R) dos Factos Assentes, que corresponde em parte à matéria do artigo 24º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 6.12.2017)
18º- Nenhuma das rés procedeu ao pagamento de qualquer das quantias acima discriminadas a reclamadas. (alínea S) dos Factos Assentes, que corresponde à matéria do artigo 27º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 6.12.2017)
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19º- O A. exercia as suas funções, mediante uma remuneração anual de 33.398,10€ correspondentes a 2.152,09€X14 de salário base, 60,20€X14 de diuturnidades, 165€X11 de subsídio de alimentação e 50,92€X12 a título de utilização particular da viatura. (artigo 2º da Base Instrutória)
20º- As visitas a Clientes faziam parte das suas funções como promotor de vendas, competindo ao A. dentro da autonomia de que gozava no exercício das suas funções, o seu agendamento. (resposta concretizadora ao artigo 5º da Base Instrutória)
21º- O autor reside em Espinho e para evitar os constrangimentos de perda de tempo, cansaço e custos com viagem de ida e volta Espinho/Lisboa em 2 dias seguidos, decidiu, com conhecimento e autorização da 2ª Ré, pernoitar em Lisboa, no E..., na noite de 28 para 29 de Novembro de 2013. (resposta concretizadora ao artigo 6º da Base Instrutória)
22º- Todos os custos com as deslocações, refeições, bem como com o alojamento no Hotel foram suportados pela sua entidade patronal, a ré D.... (artigo 8º da Base Instrutória)
23º- A 29 de Novembro de 2013, cerca das 7h30m, no WC do quarto ... do E..., em Oeiras, o autor, após ter acordado e ter efetuado a sua higiene pessoal, saiu da banheira, escorregou no piso do aludido WC do seu quarto de hotel, batendo com as costas no chão. (artigo 10º da Base Instrutória)
24º- Os funcionários do Hotel providenciaram pela ajuda clínica, tendo sido levado, de imediato, para o Hospital ..., em Lisboa. (artigo 11º da Base Instrutória)
25º- Onde foi internado e acompanhado clinicamente, numa primeira fase; posteriormente esse internamento e acompanhamento já ocorreu no Hospital ... em Vila Nova de Gaia. (artigo 12º da Base Instrutória)
26º- O autor esteve no regime de Incapacidade Temporária Absoluta para a prática da sua profissão até ao dia 25 de Março de 2014. (resposta restritiva ao artigo 13º da Base Instrutória)
27º- Em tal data teve alta. (resposta restritiva ao artigo 14º da Base Instrutória)
28º - Tal acidente originou um traumatismo dorso-lombar, com fratura vertebral L1 com afundamento. (resposta restritiva ao artigo 15º da Base Instrutória)
29º- Submetido a exame médico legal por perito do INML do Porto diagnosticaram-lhe as seguintes sequelas: dor à flexão forçada da coluna; marcha em bicos de pés e calcanhares sem alterações; reflexos osteoarticulares normais; raquialgia residual. (artigo 16º da Base Instrutória)
30º- Que lhe determinou uma IPP de 4,5%. (artigo 17º da Base Instrutória)
31º- E fixou a data da consolidação médico-legal das lesões no dia 25.03.2014. (artigo 18º da Base Instrutória)
23º- Num período de incapacidade temporária absoluta de 116 dias. (artigo 19º da Base Instrutória)
33º- Determinando também nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano. (artigo 20º da Base Instrutória)
34º- O autor submeteu-se a expensas próprias a uma consulta de ortopedia junto do Dr. F... que considerou que o autor revela “deformação acentuada” do corpo vertebral de L1(20º). (artigo 21º da Base Instrutória)
35º- O A. é portador de uma IPP de 7,5% em resultado do acidente dos autos. (artigo 22º da Base Instrutória)
36º- O A. esteve de baixa médica subsidiada de 29.11.2013 a 29.04.2014. (resposta retificativa ao artigo 25º da Base Instrutória)
37º- A responsabilidade pelos danos emergentes do acidente de trabalho em apreço transferida para a Ré Seguradora não foi efectuada pela totalidade da remuneração uma vez que a quantia de 50,92€X12, a título de utilização particular da viatura, não havia sido transferida. (artigo 26º da Base Instrutória)
38º- Em deslocações que efetuou entre a sua casa e o GML e também ao Tribunal, o sinistrado dispendeu a quantia de €30,00. (artigo 28º da Base Instrutória)”.
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III. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC (na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, a única questão a apreciar consiste em saber se o acidente sofrido pelo A. consubstancia um acidente de trabalho. Em caso afirmativo, caberá determinar as respectivas consequências.

2. Na sentença recorrida considerou-se que o acidente em apreço, ocorrido aos 29.11.2013, não consubstancia acidente de trabalho, para tanto referindo o que se passa a transcrever:
“Caracterização do acidente.
Atenta a data do acidente em discussão, 29.11.2013, o regime jurídico dos acidentes de trabalho que se aplica é o previsto na Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro (LAT).
Tal diploma, no seu art.º 3.º, define o âmbito de aplicação, referindo-se no n.º 1 que o regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos. O n.º 2 dispõe que quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume -se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.
Portanto, a nova lei dos acidentes de trabalho, aplica-se aos trabalhadores por conta de outrem, seja qual for a actividade desenvolvida, lucrativa ou não, especificando o n.º 2, do citado preceito legal, quem assume essa condição para efeitos de aplicação da LAT.
Segundo o art.º 8º da LAT É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
O conceito de acidente de trabalho é, assim, caracterizado por três elementos delimitadores, de verificação cumulativa.
Esta norma preserva, in totum, o dispositivo ínsito no ordenamento anterior, ao qual, assim poderemos, eventualmente, fazer alusão.
São eles, porém, os referidos elementos:
1º- O elemento temporal (tempo de trabalho);
2º- O elemento espacial (local de trabalho);
3º- O elemento causal (nexo de causa e efeito entre o acidente e a lesão).
No que respeita aos elementos temporal e espacial, a lei adoptou conceitos amplos de local e tempo de trabalho, que, como noticia Cruz de Carvalho (em " Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, pg. 30) são os que a jurisprudência em geral aceitava no domínio da lei n.º 1.942, e são o corolário da aceitação da "teoria do risco económico ou da autoridade" que, no âmbito dos acidentes de trabalho, veio substituir a "teoria do risco profissional".
A "teoria do risco de económico ou de autoridade" parte da ideia mestra de que o risco a acautelar na legislação reparatória dos acidentes de trabalho não é o risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação directa acidente - trabalho, mas sim um risco genérico ligado à noção ampla de autoridade patronal, o que levou a que se considerassem reparáveis acidentes, mesmo não ligados à prestação de trabalho, como é o caso dos acidentes in itinere ou dos acidentes ocorridos durante os actos preparatórios do trabalho ou após o mesmo (cfr. " Acidentes de Trabalho ", pg. 12, de Carlos Alegre).
E estabelece a alínea a) do nº 2 do artº 8º da LAT, que se entende por «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir -se em virtude do seu trabalho em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.
De acordo com este preceito, a expressão "local de trabalho" deve, então, abranger toda a zona de exploração da empresa ou com ela relacionada (Ac. STA. de 7.4.64, in Apend. DG., pg.155; Ac. STJ. de 10.10.84, in AD., 276, 1496 e Ac. RP. de 8.11.93, in CJ., V, 265) ou, necessariamente, ligada a essa exploração (Ac. STA., de 9.5.67, in Bol. INTP, XXXVII, pg. 242), o que significa que local de trabalho não é apenas o que se circunscreve ao posto de trabalho, mas todo o espaço em que empresa labora ou explora, separado ou não fisicamente, porque é ali que o empresário exerce a sua directa autoridade, o seu controlo e fiscalização.
Como se refere no Caderno de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, julho de 2013, disponível in www.cej.mj.pt, o conceito normativo de “local de trabalho” enquanto elemento integrador do acidente de trabalho tem um conteúdo mais abrangente do que o da mera situação geográfica específica onde estava sediada a laboração da empresa ou onde o trabalhador exerça a sua atividade profissional. Trata-se, aqui, de todo o local onde o trabalhador se encontrar direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador, ou seja na dependência jurídica do mesmo. Tal “ampliação” da noção de local de trabalho funda-se na teoria do risco de autoridade, no facto de o trabalhador se colocar na disponibilidade do empregador assim se mantendo enquanto perdura o contrato e durante o tempo de trabalho, mesmo que nas ocasiões em que não executa tarefas inerentes à atividade laboral.
Consequentemente é à luz da teoria da autoridade que teremos, perante o caso concreto, de verificar se no local específico onde ocorreu o acidente o trabalhador se mantinha ou não direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador.
Por sua vez, define o tempo de trabalho, na alínea b) do nº2 do artigo 8º, como aquele que abrange além do período normal de trabalho o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
Contudo, e apesar da definição dada por tal preceito legal, a mesma não é completa, pois não enumera todas as condições necessárias à qualificação do acidente como de trabalho e ao consequente direito à reparação.
Com efeito, como refere Carlos Alegre (ob. cit, pg. 39), tal definição tem de completar-se com outros pressupostos que ali não constam explicitamente: a) em primeiro lugar, o acidente só é de trabalho se a vítima for um trabalhador por conta de outrem ou equiparado, o que se demonstra pela existência de um contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado ou, ainda, pela prestação de um serviço, em determinadas condições (…). b) Em segundo lugar, o facto da actividade, em cujo âmbito se verificar o acidente, ser explorada ou não com fins lucrativos, constitui outro pressuposto que, em relação a certos trabalhadores, pode condicionar a qualificação do acidente (…).
O artigo 9º da LAT estabelece a extensão do conceito de acidente de trabalho a outras situações, entre as quais figuram os acidentes in itinere, mormente, os ocorridos no trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, e os ocorridos fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos - cfr. art. 9º, nº1 a) e h), sendo que o nº2 estabelece que a alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador, entre o local onde por determinação do empregador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional.
Discorrendo sobre os casos referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 6º da LAT (Lei nº100/97, de 13.09, que aprovou o Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), mas com plena atualidade, pois que as mesmas estão hoje igualmente previstas no nº1 do artigo 9º da Lei nº98/2009, de 04.09, e que correspondem a extensões do conceito de acidente de trabalho, Carlos Alegre (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 45-47 (a propósito do artigo 6º do DL nº248/99, de 02.07) afirma que, genericamente, são três os elementos a considerar para que o acidente seja qualificável como de trabalho: a) a execução de serviços fora do local e/ou tempo de trabalho; b) a missão ou função profissional, que pode ter carácter duradouro ou meramente ocasional ou esporádico; c) a posição subordinada do trabalhador durante o cumprimento da missão. Quanto ao elemento missão ou função profissional refere aquele Autor: “Em regra, o cumprimento da missão impõe ao trabalhador não só a deslocação a determinados locais, como a sua permanência, mais curta ou mais longa, nesses locais, muitas vezes sem que o objecto específico da missão esteja a ser directamente trabalhado. Por outras palavras, o trabalhador que se desloca, fora do tempo e do local de trabalho, está sujeito a acidentes ocasionados directamente pelo cumprimento da sua missão profissional, como a acidentes ocasionados por actos da vida corrente, cujos riscos normalmente não correria. É na diferenciação entre actos da vida corrente, impostos pelas necessidades pessoais quotidianas (higiene, repouso, refeições, lazer, etc.) e os actos decorrentes da execução da missão ou função profissional que, com frequência, se colocam as dificuldades práticas. O critério de distinção só pode ser exactamente este: os actos da vida profissional distinguem-se dos actos da vida corrente, desde que decorram directamente da execução da missão. Por isso mesmo, afigura-se-nos pouco rigoroso e susceptível de, em geral, inultrapassáveis confusões falar-se de nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho do sinistrado, devendo, antes, averiguar-se da existência ou não do vínculo de autoridade da entidade patronal, a qual, obviamente, só se exerce sobre os actos da vida profissional e não sobre os da vida corrente” (negrito nosso). Especificamente sobre as situações da vida privada que podem ocorrer durante a execução da missão fora da empresa, Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 825- 826) salienta que se pode considerar que esses actos “sendo da vida privada e corrente do trabalhador, não se deveriam, por princípio, enquadrar na noção de acidente de trabalho”.
Feitos estes considerandos sobre a delimitação da noção de acidente de trabalho, voltemos agora ao caso concreto.
Conforme se apurou com interesse a este propósito, o autor, em 28 de Novembro de 2013, deslocou-se à sede da sua entidade patronal, a ré D..., para participar na reunião anual de vendas; no dia seguinte ao da reunião, o autor teria que efetuar diversas visitas profissionais de promoção e venda dos diversos produtos da ré D..., a determinados clientes da região de Lisboa; a presença na reunião foi determinada pela Ré D...; as visitas a Clientes faziam parte das suas funções como promotor de vendas, competindo ao A. dentro da autonomia de que gozava no exercício das suas funções, o seu agendamento; o autor reside em Espinho e para evitar os constrangimentos de perda de tempo, cansaço e custos com viagem de ida e volta Espinho/Lisboa em 2 dias seguidos, decidiu, com conhecimento e autorização da 2ª Ré, pernoitar em Lisboa, no E..., na noite de 28 para 29 de Novembro de 2013; todos os custos com as deslocações, refeições, bem como com o alojamento no Hotel foram suportados pela sua entidade patronal, a ré D...; a 29 de Novembro de 2013, cerca das 7h30m, no WC do quarto ... do E..., em Oeiras, o autor, após ter acordado e ter efetuado a sua higiene pessoal, saiu da banheira, escorregou no piso do aludido WC do seu quarto de hotel, batendo com as costas no chão, do que resultou lesões, que lhe vieram a determinar períodos de IT´s e IPP.
Em face deste acervo factual apurado, e nos termos já supra expostos, o que cumpre decidir é se, no caso, o poder de autoridade e de direção da 2ª Ré se estende aos actos da vida privada e de natureza pessoal do A./sinistrado, que por razões profissionais se encontrava deslocado da sua residência habitual.
Mesmo que se possa considerar que o quarto de hotel onde pernoitou o A. de 28 para 29 de novembro é uma extensão do seu local de trabalho, não cremos ser possível considerar que tomar banho e cuidar da sua higiene pessoal seja um ato preparatório da sua profissão de promotor de vendas. De facto, na casa de banho, onde o A. recolhe à sua intimidade e onde se deu a queda, o A. não está controlado nem sob ordens e direção da sua entidade empregadora.
Da matéria de facto apurada, não se nos afigura ser possível concluir que a queda do sinistrado tenha ocorrido quando o mesmo estava sob o poder conformativo da prestação do seu trabalho, determinado pela sua entidade empregadora, revelando antes tratar-se de um acontecimento referente à sua vida privada, estranho à execução da sua missão profissional e ocorrido quando atuava com total independência relativamente à 2ª R, sua entidade empregadora. Com efeito, nesse espaço de natureza privada onde o A. se encontrava e em que pode dispor livremente da sua autonomia, considera-se que deixa de existir o chamado “risco de autoridade”, subjacente à responsabilidade por acidentes de trabalho.
Conclui-se, assim, que não estão a nosso ver verificados os pressupostos que permitam qualificar o sinistro do A. como um acidente de trabalho (não tendo sido alegado nem demonstrado nenhum facto que nos permita concluir que, das suas concretas condições de alojamento naquele quarto de hotel, tenha resultado algum risco acrescido que pudesse relevar nesta sede).
Destarte, o trabalhador estava dentro da sua zona de conforto íntimo e privado, onde tem controlo sob a sua estrutura e organização, e permitir uma tal abrangência ao regime jurídico dos acidentes de trabalho, seria transferir para a esfera económica das entidades empregadoras (e por força dos contratos de seguro para as seguradoras), muitos acidentes domésticos, da exclusiva responsabilidade dos envolvidos, movimentando-se no seu ambiente interior e privado.
Pela sua pertinência face à similitude com a situação fáctica apurada nestes autos, não deixaremos de citar o Acórdão do STJ de 02.08.2008, convocado pelas partes nas suas alegações, que com a devida vénia acompanhamos de perto por perfilharmos a posição aí defendida, disponível in www.dgsi.pt, assim sumariado “1-Em princípio, o acidente ocorrido durante a execução de um serviço determinado pelo empregador, mas emergente de acto da vida corrente do trabalhador, em que este tenha recuperado a sua independência em relação à missão profissional, não é qualificável como acidente de trabalho. 2- Tendo o acidente ocorrido no interior da casa de banho do quarto da estalagem onde o trabalhador se encontrava hospedado, momentos após ter tomado banho, não estão reunidos os pressupostos para que se possa qualificar o sinistro como um acidente de trabalho, uma vez que o mesmo não ocorreu no local de trabalho, nem no tempo de trabalho, revelando-se antes como um acontecimento pertinente à vida pessoal do trabalhador, estranho ao cumprimento da missão profissional. 3- Não releva a circunstância de ter sido guardado material de apoio logístico do secretariado da direcção, no quarto atribuído ao trabalhador, porquanto o acidente não resultou da execução da missão profissional determinada pelo empregador, nem ocorreu em tempo em que se manifestasse a autoridade patronal. 4- Acresce que não se provou que as concretas condições de alojamento atribuídas ao sinistrado tenham agravado o risco genérico que impende sobre a generalidade das pessoas quando procedem à sua higiene pessoal.
E ainda o Ac. STJ de 09/09/2009, também disponível in ww.dgsi.pt, assim sumariado:
I. (…); II. (…); III. É de qualificar como acidente de trabalho o sinistro ocorrido no tempo e no local de trabalho ou na execução de serviços espontaneamente prestados pelo sinistrado e dos quais pudesse resultar proveito económico para a sua entidade empregadora, ou em execução de serviços por esta determinados ou consentidos ou em atos preparatórios para a execução desses serviços. IV. Pressupondo a execução do trabalho deslocações frequentes ao estrangeiro e tendo o acidente consistido numa queda de escadaria de um edifício, não pode esse evento ser considerado como acidente de trabalho se não se demonstrou que o sinistrado se encontrava nesse local em virtude do seu trabalho, sujeito, direta ou indiretamente, ao controlo do empregador, ou em execução da missão que lhe tenha sido determinada ou consentida e se não se demonstrou que tivesse ocorrido no período normal de laboração ou nos períodos que o precedem (atos de preparação) ou seguem (atos de ultimação). V. Acresce, ainda, que não se provou que a referida queda tivesse ocorrido num local que representasse um agravamento do risco genérico que recai sobre a generalidade das pessoas alojadas num local ou que o frequentem numa deslocação ao estrangeiro, em missão profissional”.
Em consonância com a regra geral expressa no art. 342º, n.º 1, do Código Civil, quem pretenda exercer o direito à reparação dos danos decorrentes de um acidente de trabalho, deve provar a existência de um acidente de trabalho em sentido jurídico, o que não sucede no caso em apreço, pelas razões supra expostas.
Não tendo o autor logrado demonstrar a existência de um acidente de trabalho em sentido jurídico, a presente ação deve ser julgada improcedente, não lhe assistindo qualquer direito às quantias peticionadas, ficando prejudicada a apreciação das demais questões acima enunciadas.
Quanto ao pedido de reembolso por parte do ISS, apenas uma referência para esclarecer que, atentos os considerandos acima tecidos, e não obstante resultar provado que o ISS pagou ao autor, na qualidade de seu beneficiário, a título de subsídio de doença a quantia de € 8.856,54, não pode exigir tal pagamento às aqui RR.”
Do assim decidido discorda o Recorrente sustentando, em síntese, que: “se encontrava numa missão profissional e subordinado ao poder disciplinar da sua entidade patronal”, sujeito ao risco de autoridade da empregadora; o facto de ter pernoitado num Hotel não foi uma escolha sua motivada por lazer, mas porque tinha que lá estar no exercício das suas funções profissionais, tendo os custos decorrentes dessa deslocação sido suportados pela sua entidade patronal; apenas na sua casa se encontraria na sua zona de conforto íntima e privada, o que não ocorre num quarto de hotel, ao qual não está habituado, nem à luz, nem à localização dos cómodos, nem ao tipo de soalho, o que é potenciador de um risco acrescido; o Ac. do STJ de 2.08.2008 foi proferido em data anterior ao actual CPC/2013, pelo que, se tivesse sido ao abrigo deste, nunca o poderia ter sido face à inovação da “dupla conforme” já que a sentença, que havia qualificado o acidente como sendo de trabalho, havia sido confirmada pela Relação de Lisboa e, assim teria transitado em julgado; invoca jurisprudência mais recente (Acórdãos do TRL de 14.06.2017 e do TRC de 16.12.2015) e refere, em sede de alegações, que o citado Acórdão do STJ é anterior à Lei 98/2009, normativo esse que veio alargar o conceito e extensão de acidente de trabalho.

3. Desde já se dirá que se concorda, no essencial, com a sentença recorrida, ressalvando-se ou acrescentando-se todavia que entendemos que o acidente não ocorreu nem no local, nem no tempo de trabalho, nem, como decorre da sentença, está coberto pela teoria do risco de autoridade que impusesse a sua qualificação como acidente de trabalho.
Não obstante, tecer-se-ão algumas considerações adicionais.
Dispõe a Lei 98/2009, de 04.09 [a aplicável ao caso], no seu art. 8º, sob a epígrafe “Conceito” que:
1- É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2- Para efeitos do presente capítulo, entende -se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir -se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
E, no art. 9º, procede-se à extensão de situações suscetíveis de se considerarem como acidente de trabalho.
O conceito de acidente de trabalho, no essencial e no que poderá relevar ao caso, não sofreu alteração face ao que constava da legislação pretérita (Lei 100/97, de 13.09).
Para que o acidente seja caracterizado como de trabalho tem sido considerado como necessário que: (a) ocorra um acidente; (b) que tal se verifique no local e tempo de trabalho ou em algumas das demais circunstâncias referidas no art. 9º (c) que o acidente determine, direta ou indiretamente, uma lesão corporal, perturbação funcional ou doença ou a morte; (d) que das lesões provocadas pelo acidente resulte a perda ou diminuição da capacidade de ganho.
No caso, ainda que o A. se encontrasse no hotel, com autorização da empregadora que também suportou os respectivos custos, porque se havia deslocado da área da sua residência para reunião com a empregadora no dia anterior e, no dia da sua ocorrência, fosse exercer a sua actividade profissional e, por isso, nele tendo pernoitado, tal não basta para a caracterização do acidente como sendo de trabalho.
O local onde o mesmo ocorreu – quarto do hotel, concretamente no WC do mesmo (onde o A., pelas 7h30, após ter acordado e efectuado a sua higiene pessoal, saiu da banheira, tendo escorregado no piso do mesmo, batendo com as costas no chão) - não constituía local onde o trabalho fosse prestado e/ou local para onde o A. se deveria dirigir para prestar o seu trabalho, não sendo considerado como local de trabalho. Nem o acidente ocorreu no tempo de trabalho, tal como definido este na al. b) do nº 1 do art. 8º, não tendo ocorrido durante o tempo de prestação da sua actividade, nem em atos anteriores ou posteriores a essa actividade com esta relacionados; ocorreu durante período inserido na disponibilidade do seu tempo e da sua vida privada e em ato, unicamente, próprio da sua vida privada.
E, por outro lado, não se insere em nenhuma das demais situações previstas na extensão operada pelo art. 9º.
Nem a teoria do risco de autoridade justifica, por si só, o alargamento dos conceitos de local e/ou de tempo de trabalho.
É certo que é, hoje, adquirido que o conceito de acidente de trabalho e a responsabilidade objetiva do empregador assenta na teoria do risco de autoridade uma vez que a antecessora corrente, assente na teoria do risco profissional - esta exigindo uma relação de causa e efeito entre o acidente e o trabalho - não dava cobertura a acidentes que seriam dignos de proteção.
A teoria do risco de autoridade assenta, em síntese, na responsabilidade do empregador decorrente da possibilidade do exercício da autoridade por parte deste sobre os seus trabalhadores, dispensando o referido nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente, bastando-se com a existência de uma relação entre o trabalho e o acidente. Mas não se basta com uma qualquer relação, por remota ou indirecta que seja, relação essa cuja causa próxima assenta na ligação conferida pelo local e tempo de trabalho ou por alguma das demais circunstâncias previstas no art. 9º ou, até, em circunstâncias que, embora aí não se enquadrando, sejam todavia determinantes de um risco acrescido de tal modo que, ainda assim, se pudesse considerar, ao abrigo da teoria do risco de autoridade, como podendo ser imputável à autoridade do empregador. Assim é que, no âmbito da proteção infortunística, não estão, apenas, incluídos os acidentes diretamente ocasionados por facto próprio, inerente ou típico do exercício das tarefas que se enquadram nas funções que constituem a atividade do trabalhador ou a este cometidas expressamente pelo empregador, sendo a conexão ou causalidade entre o trabalho e o acidente decorrente da circunstância de o acidente ter ocorrido no local e no tempo de trabalho (ou em alguma das demais previstas no alargamento operado pelo art. 9º), não tendo o sinistrado que demonstrar, relativamente a acidente ocorrido em tais circunstâncias, que o mesmo decorreu por virtude do concreto trabalho. Mas tem o sinistrado que demonstrar essas circunstâncias para que se possa concluir no sentido da caracterização do acidente, ainda que não relacionado com a concreta execução do trabalho, como acidente de trabalho.
Ora, tal não ocorre no caso em apreço, para tanto não bastando a circunstância do A. ter tido que pernoitar no hotel porque teve uma reunião no dia anterior e porque no dia seguinte teria que, no âmbito da sua actividade profissional, efectuar visitas a clientes, não sendo demais salientar que o acidente ocorreu durante período cujo tempo estava na disponibilidade do A. (no seu tempo livre) e em ato inteiramente da sua vida privada, sufragando-se o entendimento preconizado no douto Acórdão do STJ de 02.04.2008, in www.dgsi.pt, Proc. 08S529, citado na sentença recorrida e que se passa a transcrever:
“2. A recorrente sustenta, no essencial, que o acidente sofrido pela sinistrada não pode ser caracterizado como um acidente de trabalho, uma vez que o poder de autoridade e de direcção da entidade empregadora não se estende a todos aos actos da vida privada do trabalhador, mesmo que, por razões profissionais, esteja deslocado da sua residência habitual, havendo limites entre a vida pessoal e a vida profissional.
É que, prossegue, «[o]s trabalhadores, em sua casa, quando tomam banho ou cuidam da sua higiene, não estão a realizar actos preparatórios para o seu dia de trabalho, o que acontecia também com a recorrida», e «[c]onsiderar que tomar banho é um acto preparatório da profissão de secretária é algo […] inconcebível de aceitar», e mesmo considerando que o quarto é uma extensão do seu local de trabalho, «a casa de banho, local onde a Recorrida recolhe à sua intimidade e onde ocorreu a queda, não está controlada, nem sob as ordens e direcção da entidade empregadora».
(…)
2.1. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da LAT, acidente de trabalho é «aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte».
Mas logo o n.º 2 do mesmo normativo estabelece a extensão do conceito de acidente de trabalho a outras situações, entre as quais figuram os acidentes ocorridos «[n]o trajecto de ida e regresso para e do local de trabalho, nos termos em que vier a ser definido em regulamentação posterior» [alínea a)], «[n]a execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade empregadora» [alínea b)], «[n]o local de trabalho, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos da lei» [alínea c)], «[n]o local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa da entidade empregadora para tal frequência» [alínea d)], «[e]m actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato de trabalho em curso» [alínea e)] e, «[f]ora do local e do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pela entidade empregadora ou por esta consentidos» [alínea f)].
Também segundo aquele artigo 6.º, entende-se por local de trabalho, «todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador» (n.º 3) e por tempo de trabalho, «além do período normal de laboração, o que preceder o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe seguir, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho» (n.º 4).
Ainda sobre o conceito de local de trabalho, o n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 143/99 estipula que «[e]stão compreendidos no artigo 6.º da lei os acidentes que se verifiquem nas seguintes circunstâncias: a) no local do pagamento de retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito; b) no local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esses fins.»
2.2. Discorrendo sobre os casos referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 6.º da LAT, que correspondem a extensões do conceito de acidente de trabalho, CARLOS ALEGRE (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 45-47) afirma que, genericamente, são três os elementos a considerar para que o acidente seja qualificável como de trabalho: (a) a execução de serviços fora do local e/ou tempo de trabalho; (b) a missão ou função profissional, que pode ter carácter duradouro ou meramente ocasional ou esporádico; (c) a posição subordinada do trabalhador durante o cumprimento da missão.
Quanto ao elemento missão ou função profissional refere aquele AUTOR:
«Em regra, o cumprimento da missão impõe ao trabalhador não só a deslocação a determinados locais, como a sua permanência, mais curta ou mais longa, nesses locais, muitas vezes sem que o objecto específico da missão esteja a ser directamente trabalhado. Por outras palavras, o trabalhador que se desloca, fora do tempo e do local de trabalho, está sujeito a acidentes ocasionados directamente pelo cumprimento da sua missão profissional, como a acidentes ocasionados por actos de vida corrente, cujos riscos normalmente não correria.
É na diferenciação entre actos da vida corrente, impostos pelas necessidades pessoais quotidianas (higiene, repouso, refeições, lazer, etc.) e os actos decorrentes da execução da missão ou função profissional que, com frequência, se colocam as dificuldades práticas. O critério de distinção só pode ser exactamente este: os actos da vida profissional distinguem-se dos actos da vida corrente, desde que decorram directamente da execução da missão. Por isso mesmo, afigura-se-nos pouco rigoroso e susceptível de, em geral, inultrapassáveis confusões falar-se de nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho do sinistrado, devendo, antes, averiguar-se da existência ou não do vínculo de autoridade da entidade patronal, a qual, obviamente, só se exerce sobre os actos da vida profissional e não sobre os da vida corrente.»
Especificamente sobre as situações da vida privada que podem ocorrer durante a execução da missão fora da empresa, ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 825-826), salienta que se pode considerar que esses actos, «sendo da vida privada e corrente do trabalhador, não se deveriam, por princípio, enquadrar na noção de acidente de trabalho, que se relaciona com os actos de execução da profissão, mas atendendo ao risco empresarial e, principalmente à socialização do risco nos acidentes de trabalho, algumas destas situações podem consubstanciar hipóteses de responsabilidade do empregador. Compreende-se que tal suceda quando as condições de realização da prestação debitória possam incrementar os riscos inerentes à normal vida em sociedade […]».
Justifica-se, ainda, uma brevíssima nota de direito comparado.
Em França, François Gaudu (Droit du Travail, 2.ª edição, Dalloz, Paris, 2007, p. 151), professor na Universidade Paris I (Panthéon-Sorbonne), pronunciando-se sobre o conceito de acidente de trabalho, refere que «[l]es accidents de mission sont également considérés comme des accidents du travail, sauf s’ils surviennent à un moment où le salarié a recouvré son indépendance».
Tudo para concluir que, em princípio, o acidente ocorrido durante a execução de um serviço determinado pelo empregador, mas emergente de acto da vida privada e corrente do trabalhador, em que este tenha recuperado a sua independência em relação à missão profissional, não é qualificável como acidente de trabalho.
2.3. No caso vertente, provou-se que «[a] autora trabalhou sob autoridade, direcção e fiscalização da firma Empresa-B, S. A., […]» [facto provado 1)], que se dedica «à importação e distribuição de bebidas espirituosas e de vinhos, exercendo a autora funções de secretária de direcção» [facto provado 2)], e que, «[n]o dia 28 de Fevereiro de 2003, pelas 7 horas e 30 minutos/8 horas, no interior da casa de banho do quarto da estalagem “...”, em Amarante, onde se encontrava hospedada, momentos após ter tomado banho e, ao não se aperceber de que o chão se encontrava molhado, a autora escorregou junto à banheira e caiu, estatelando-se no chão» [facto provado 4)].
Mais ficou provado que «[a] autora viajou, de Lisboa para Amarante, no final do dia 27 de Fevereiro de 2003, tendo-se hospedado na estalagem referida, onde pernoitaram igualmente a sua colega de trabalho, BB, o responsável pelo Departamento Administrativo de Vendas da Empresa-B, S. A. (CC) e outros elementos das equipas de vendas e de marketing daquela sociedade, alguns dos quais já tinham pernoitado na referida estalagem na noite de 26 para 27 de Fevereiro», «porquanto, pretendendo a Empresa-B, S. A., assegurar a distribuição exclusiva dos vinhos produzidos pela Quinta da ...., em Penafiel, desenvolvia nas instalações desta reuniões de trabalho [factos provados 8) e 9)].
E também se demonstrou que «[a] autora pernoitou na Estalagem “...”, em Amarante, na noite de 27 para 28 de Fevereiro de 2003, porque iria secretariar uma reunião de trabalho a ter lugar no dia 28 de Fevereiro» [facto provado 11)] e, no quarto da estalagem, «guardava material que precisava para secretariar a reunião de trabalho, que teria lugar a 28 de Fevereiro de 2003, nas instalações da Quinta da...., em Penafiel» [facto provado 13)], competindo-lhe «colocar brochuras com informações sobre os produtos e vendas da Empresa-B, S. A., no interior de pastas que seriam distribuídas na referida reunião e, ainda, guardar material para escrever — o que fez no seu quarto da referida estalagem, no dia 27 de Fevereiro de 2003» [facto provado 14)], guardando ainda no seu quarto da estalagem «um retroprojector, destinado a ser utilizado em apresentações na reunião do dia seguinte» [facto provado 15)], sendo certo que, «[c]erca das 9 horas/9 horas e 30 minutos do dia 28 de Fevereiro de 2003, teve lugar uma reunião de trabalho, na qual a autor[a] já participou» [facto provado 16)].
Perante o acervo factual dado como provado, impõe-se concluir que não estão reunidos os pressupostos para que se possa qualificar o sinistro dos autos como um acidente de trabalho, uma vez que o mesmo não ocorreu no local do trabalho, nem no tempo de trabalho, revelando-se antes como um acontecimento pertinente à vida privada da sinistrada (higiene pessoal), estranho à execução da missão profissional e ocorrido quando actuava com total independência relativamente à empregadora.
Na verdade, o acidente ocorreu no interior da casa de banho do quarto da estalagem onde a sinistrada se encontrava hospedada, momentos após ter tomado banho, portanto, em local que não se pode considerar como de trabalho - elemento espacial -, já que, naquelas circunstâncias, a autora estava subtraída ao controlo, directo ou indirecto, da empregadora, e em momento estranho ao tempo de trabalho - elemento temporal -, porque situado fora do período normal de laboração e dos períodos que o precedem (actos de preparação) ou seguem (actos de ultimação), não se configurando o sobredito banho como um acto de preparação relacionado com a reunião que iria secretariar, no mesmo dia, nas instalações da Quinta da ....
E, por outro lado, não releva a circunstância de ter sido guardado material de apoio logístico do secretariado da direcção, no quarto atribuído à autora, porquanto o acidente não resultou da execução da missão ou função profissional determinada pela empregadora, nem ocorreu em tempo em que se manifestasse a autoridade patronal.
Apenas se acrescentará que, no caso vertente, não se provou que as concretas condições de alojamento atribuídas à autora tenham agravado o risco genérico que impende sobre a generalidade das pessoas quando procedem à sua higiene pessoal.
Termos em que procedem as conclusões da alegação do recurso de revista.”.
As considerações tecidas no mencionado aresto são transponíveis para o caso em apreço, sendo que, embora proferido no âmbito da Lei 100/97, mantêm inteira actualidade, pois que a nova LAT (Lei 98/2009) não introduziu alterações de onde decorra diferente solução. Acrescente-se que, também no caso em apreço, não decorre da matéria de facto provada qualquer facto que impusesse concluir no sentido de que as condições de alojamento atribuídas ao A. tenham agravado o risco genérico que impende sobre a generalidade das pessoas quando procedem à sua higiene pessoal, sendo manifestamente insuficiente o argumento do Recorrente de que, porque não se encontrava na sua residência, não estava na sua “zona de conforto”, mas sim em local com diferente luminosidade, localização de “cómodos”, pavimento e que isso seria potenciador de um risco acrescido. Desde logo, não se nos afigura que tal consubstancie, em abstracto, um risco acrescido e, muito menos, que no caso concreto consubstancie tal risco (nada se provou quanto ao alegado) e que isso tenha sido causa do acidente.
E é, por outro lado, totalmente descabida a invocação do novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, e da regra da dupla conforme. A jurisprudência (o referido Acórdão do STJ) existe, nada impedindo que, por virtude da posterior regra da dupla conforme, a ele se possa atender.
Finalmente, quanto à invocação pelo Recorrente de jurisprudência mais recente, cumpre reafirmar que a jurisprudência citada na sentença recorrida mantêm actualidade, a qual sufragamos, para além de que a que é invocada pelo Recorrente (Acórdãos da Relação de Lisboa de 14.06.2017 e da Relação de Coimbra de 16.12.2015) tem por objecto situação de facto diferente da dos presentes autos e na qual este não se subsume.
E o acórdão da Relação de Lisboa de 24.10.2007 mencionado no douto Parecer da Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta foi revogado pelo já mencionado Acórdão do STJ de 02.04.2008.

Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 25.06.2018
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas