Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4720/13.1TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: DENÚNCIA CALUNIOSA
BEM JURÍDICO
FALSIDADE
Nº do Documento: RP201410014720/13.1TDPRT.P1
Data do Acordão: 10/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O crime de denúncia caluniosa para além de proteger directamente a realização da Justiça, visando o Estado garantir a credibilidade e a seriedade do procedimento criminal, disciplinar ou contraordenacional com vista à realização da justiça, protege também a liberdade de determinação, a honra e consideração do visado.
II – São elementos típicos de tal crime: o acto de denunciar ou lançar suspeita por qualquer meio; a pessoa visada, determinada ou determinável; a imputação de factos idóneos a provocarem o procedimento criminal, disciplinar ou contraordenacional, a o destinatário da acçâo a autoridade que tem o poder do procedimento (denúncia a uma autoridade ou publicamente de modo a ser daquela conhecido), e o dolo qualificado por consciência da falsidade da imputação e intenção de que contra a pessoa visada se instaure procedimento.
III – O conteúdo essencial da denúncia é falso se o visado não cometeu a infracção denunciada, seja porque esta não ocorreu seja porque o visado não figura entre os participantes.
IV- A falsidade não tem de ser total, bastando que no essencial ela se afaste da verdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal 4720/13.1TDPRT.P1
Porto

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
2ª Secção criminal.

I-Relatório.

No Processo Comum Singular n.º 4720/13.1TDPRT do 1º juízo criminal dos juízos criminais do Porto foram submetidos a julgamento os arguidos B… e C…, melhor identificados na sentença de fls. 216 e segs.
A sentença de 07 de Março de 2014 (por lapso manifesto consta “de 2013”), depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decido:
Condenar B… pela prática, em co-autoria material, de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art. 365º, nºs 1 e 2, do C.P., na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €7,00.
Condenar C… pela prática, em co-autoria material, de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art. 365º, nºs 1 e 2, do C.P., na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €7,00.
Condenar cada um dos arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se, para cada um, a taxa de justiça em 3 UC.
Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido por D… e, em consequência condenar os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de €4.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a que acrescem os pertinentes juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização cível - 10.11.2013 -, e sem prejuízo de eventuais alterações à referida taxa, até integral e efectivo pagamento.
Custas do pedido de indemnização civil a cargo dos demandados.
Notifique.»
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Inconformados com a decisão, os arguidos interpuseram recurso, com motivação comum que apresentaram de fls. 690 a 697 e que rematam com as seguintes conclusões:
«1ª. A sentença em recurso julgou erradamente os pontos números 5, 6, 8 e 12 da matéria de facto dada como provada, bem como os pontos das alíneas a), b) e c) do factos não provados.
2ª Os documentos juntos pelos arguidos com a sua contestação impõem decisão diversa da recorrida, devendo considerar-se não provados os referidos pontos de facto dados na sentença como provados, e como provados os pontos das alíneas referidas da matéria de facto não provada.
3ª. O facto de o ofendido ter sido mandatário da E… no primeiro processo de insolvência desta, que correu termos no mesmo juízo e tribunal que o segundo processo, levou os arguidos a incorrer em erro de indicação do nº de processo referido na denúncia que fizeram à Ordem dos Advogados.
4ª. Não obstante esse erro de identificação do processo em causa, o certo é que efetivamente o ofendido havia sido constituído advogado da sociedade E…, e que patrocinou esta sociedade, como foi imputado pelos arguidos.
5ª Os arguidos atuaram convencidos da veracidade das imputações que fizeram ao ofendido, sem dolo direto ou necessário.
6ª Ao condenar os recorrentes, a sentença em recurso fez errada interpretação do disposto no artigo 365º nºs 1 e 2 do Código Penal, pois esta norma impunha e impõe a absolvição dos arguidos.
7ª. Mesmo que se entendesse que os arguidos cometeram o crime porque foram acusados - no que se concede apenas por dever de patrocínio – as penas que lhes foram aplicadas são injustas por exageradas e desproporcionadas.
8ª. Ainda sem prescindir, o montante indemnizatório fixado nos autos é exagerado e desproporcionado aos factos, atentas as circunstâncias em que estes ocorreram.
Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida, e os recorrentes absolvidos, quer na parte criminal quer na cível.»
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 245.
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O Digno Magistrado do MP, junto do tribunal a quo, ofereceu a sua resposta conforme a fls. 249 a 260 dos autos, pugnando fundamentadamente pela negação de provimento ao recurso.
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Nesta Relação, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto Público emitiu douto parecer, no sentido da negação de provimento ao recurso.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Impugnação dos factos provados sob os pontos 5, 6, 8 e 12 dos factos provados e alíneas a), b) e c) dos factos não provados. Contradição insanável entre o facto “os arguidos sabiam que o ofendido não havia sido mandatário da E… (constante dos factos 5, 6 8 e 12) e “que o ofendido interveio como mandatário da E… no processo 144/10.0TBBRG (facto 10)
- Qualificação jurídica dos factos.
- Medida da pena.
- Pedido de indemnização civil.
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2. Factualidade
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação, tal como constam da sentença sob recurso.
«Factos provados.
Discutida a causa na audiência de discussão e julgamento, ficou provada a seguinte factualidade, com interesse para a decisão:
1. Por carta, recepcionada no dia 02 de Maio de 2012, os arguidos dirigiram, ao Presidente do Conselho de Deontologia do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, uma missiva por ambos assinada, na qual imputavam ao ora ofendido, D…, o facto de, na sua qualidade de Advogado, ter patrocinado, no Processo de Insolvência 4577/10.4ATBBRG que correu termos no 1º Juízo de Braga, a sociedade "E…, Lda." aí requerida e, simultaneamente, ter patrocinado a sociedade credora "F…, Lda.", na acção em que esta, ao abrigo do disposto no art. 146º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, intentou, no âmbito do referido processo contra aquela.
2. No Processo de Insolvência 4577/10.4ATBBRG supra referido, foi o ora arguido B… e outros quem requereu a insolvência da sociedade "E…, Lda." e, no seu âmbito, a 09.11.2010, foi o arguido C… nomeado presidente da comissão de credores.
3. Na referida missiva, mais imputaram os ora arguidos ao ora ofendido o facto de ter igualmente patrocinado a "F…, Lda", no processo 826/11.0TYVNG, do 3 Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, onde esta veio, igualmente, a ser declarada insolvente, onde igualmente patrocinou credores daquela e mesmo a si, enquanto credor.
4. Concluíram os arguidos, na referida missiva, ter o ora ofendido, com a conduta que lhe imputaram, infringido normas deontológicas, por se ter colocado numa situação de manifesto conflito de interesses.
5. No entanto, quando subscreveram a missiva em causa dirigida à Ordem dos Advogados os arguidos sabiam perfeitamente que o ora ofendido não havia sido constituído mandatário da "E…, Lda.", pois que os mandatários desta eram os Advogados G… e H…, sendo que após a renúncia destes ao mandato não foi constituído qualquer outro mandatário.
6. Mais sabiam os arguidos que o aqui ofendido apenas teve intervenção no processo 4577/10.4ATBBRG como mandatário da "F…, Lda" por esta ter, por apenso àquele processo, intentado acção de reivindicação relativamente a bens seus na posse da "E…, Lda." e que, no âmbito do processo 826/11.0TYVNG, do 3 Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia o mandato conferido ao ofendido foi ratificado por I..., administrador da insolvência da empresa "E…, Lda", por, para o efeito, ter passado a devida procuração, para naquela qualidade, o representar no âmbito do aludido processo 4577/10.4ATBBRG, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Braga.
7. Ao dirigirem ao Presidente do Conselho de Deontologia do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados aquela missiva com o conteúdo ora referido, os arguidos agiram com a intenção, concretizada, de que contra o ora ofendido fosse instaurado processo disciplinar, bem sabendo que tudo quanto aí imputavam ao ora ofendido não correspondia à verdade.
8. Com efeito, ambos os arguidos estavam cientes que os factos que denunciavam eram falsos, tendo subscrito tal missiva com o objectivo de afastar, por força do processo disciplinar que viesse a ser instaurado, o aqui ofendido, nomeadamente de demove-lo de comparecer nos leilões realizados com vista à venda dos bens da "E…, Lda." e de obstar a que o mesmo, naquela qualidade de mandatário, reivindicasse os bens da "F…, Lda".
9. Em consequência directa e necessária da denúncia dos arguidos, foi instaurado o processo disciplinar n.º 713/2012 -P/D ao ora ofendido, o qual veio a ser arquivado por total ausência de prova dos factos denunciados e por a prova produzida refutar/infirmar os factos denunciados, tendo-se aí concluído por inexistência de infracção disciplinar.
10. No âmbito do processo 144/10.0 TBPRG, do 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga em que J… requereu a insolvência da sociedade "E…, Lda." e onde os aqui arguidos figuravam como testemunhas, o aqui ofendido interveio na qualidade de mandatário da requerida.
11. No âmbito do processo referido em 10), os administradores da sociedade "E…, Lda.", representados pelo aqui ofendido, como seu mandatário, intentaram embargos à sentença que decretou a insolvência da sociedade requerida, sendo que por sentença de 30.06.2010, foram os embargos julgados procedentes e consequentemente foi dada sem efeito a declaração de insolvência e foi determinado o arquivamento dos autos.
12. Os factos referidos em 10) e 11) eram do conhecimento dos arguidos, bem sabendo estes que no âmbito do processo 4577/10.4ATBBRG que correu termos no 1° Juízo de Braga, e cujo requerimento inicial deu entrada a 09.07.2010, o aqui ofendido não interveio na qualidade de mandatário da requerida.
13. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços, vontades e fins, bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.
14. Nada consta no certificado de registo criminal dos arguidos.
15. Em consequência, directa e necessária, da conduta dos arguidos, o ofendido ficou apreensivo, nervoso e revoltado.
16. Em consequência, directa e necessária, da conduta dos arguidos, o assistente sentiu-se ofendido na sua honra e consideração.
17. Em consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, o ofendido, durante alguns dias, não conseguiu repousar normalmente.
18. O ofendido sentiu-se muito incomodado com o processo disciplinar que contra si foi instaurado.
19. O ofendido exerce a profissão de Advogado há 40 anos, sendo, nessa qualidade, conhecido como um profissional competente, cumpridor e respeitador dos deveres profissionais.
20. Em consequência, directa e necessária da conduta dos arguidos, o ofendido sentiu apreensão e amargura, bem como se sentiu intranquilo, não conseguindo perceber o alcance e objectivo daquela acusação.
21. Em consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, o ofendido, durante alguns dias não conseguiu exercer normalmente a sua actividade profissional.
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Factos não provados.
Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados nos autos ou em audiência, nem outros, não escritos, contrários ou incompatíveis com os provados e com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que:
a). O ofendido representou ao mesmo tempo ambas as sociedades em questão, bem como terceiros em posição de conflito de interesses.
b). No âmbito do processo 826/11.0TYVNG, do 3 Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, onde era requerida a "F…, Lda", o aqui ofendido representou-se a si próprio como credor e patrocinou outros credores.
c). Os arguidos agiram convencidos, como estão, da veracidade das imputações que fizeram, com o único erro de, na missiva em causa, se referirem ao processo de insolvência 4577/10.4ATBBRG ou ao processo 826/11.0TYVNG, do 3 Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, em vez de se referirem ao processo de insolvência 144/10.0 TBPRG.
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Motivação da decisão de facto.
O tribunal alcançou a sua convicção na análise critica e comparativa da prova documental, por declarações do assistente e testemunhal produzida, a saber:
Cumpre desde logo referir que os arguidos exerceram o direito ao silêncio.
D…, advogado e assistente nestes autos, de forma linear, clara e convincente referiu os serviços de advocacia que prestou para ambas as sociedades em causa e como deixou de representar "E…, Lda."; mais referiu como e porquê no processo 826/11.0TYVNG, do 3 Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, o administrador da insolvência passou a seu favor uma procuração, conforme resulta de fls. 19. Mais referiu como se sentiu mal na sequência da denúncia apresentada junto da DA, tendo inclusive passado algumas noites sem dormir. Na sequência da denúncia em causa chegaram a dizer que constava que já lhe tinham tirado a carteira profissional. Mais referiu ser advogado há 40 anos e nunca se ter visto em tal situação.
K…, advogado e amigo do assistente, referiu ter o assistente como um padrão de referência, quer como pessoa quer como advogado. Referiu que o assistente exerce a sua profissão por vocação e de forma dedicada. Mais relatou como o assistente o procurou quando teve conhecimento da instauração do processo disciplinar e como o mesmo, em consequência, se mostrava ultrajado e muito aborrecido.
L… que foi administrador das empresas em causa e cliente do assistente, referiu como ouviu dizer que o assistente já não podia ser advogado por lhe terem tirado a carteira profissional, o que o levou a questionar directamente o assistente sobre tal, sendo que era voz corrente em … (Braga) que o assistente estava com problemas. Mais referiu como decidiu contratar os serviços de outro advogado para representar a "E…, Lda." no segundo processo de insolvência, contra a mesma, intentado. Mais referiu como reputa o assistente de pessoa honrada e digna e como, no exercício da advocacia, o mesmo zelava pelos interesses dos seus clientes. Por fim, relatou como o assistente ficou ofendido e incomodado com a denúncia em causa nestes autos.
M…, cliente do assistente, referiu como nutre uma especial consideração pelo assistente, por sempre o ter aconselhado bem, ser pessoa ponderada, integra e de consensos. Mais referiu como encontrou o assistente, por força dos factos em causa nestes autos, abatido e perturbado, tendo o mesmo recusado, no momento, atende-lo, por não se encontrar em condições de o fazer.
N…, economista e administradora de insolvências, disse conhecer o assistente e os arguidos do exercício das suas funções, porquanto foi a administradora da insolvência da "E…, Lda." Referiu como os trabalhadores da referida sociedade tiveram uma intervenção muito activa ao longo do processo e como o arguido C… se encontrava ciente de tudo o que se passava no processo. Mais referiu como promoveu em leilão a venda dos bens da referida sociedade, sendo que a tais leilões comparecia o assistente.
O…, dirigente sindical, referiu que, quem redigiu a missiva subscrita pelos arguidos foi o sindicato, tendo tal missiva sido assinada pelos arguidos depois de terem discutido todos o teor do escrito e de com o mesmo concordarem. Alegou a testemunha que na redacção de tal missiva ocorreu um lapso de escrita ao indicarem o processo, pois o que visavam era fazer alusão ao 144/10.0 TBBRG que anteriormente havia corrido termos contra a mesma sociedade.
• Diga-se que o lapso invocado não se mostra plausível com o teor da missiva em causa, com a forma como se mostram os factos aí alegados e sequência dada aos mesmos.
Acresce que, o lapso invocado mostra-se contrário ao demais afirmado pela testemunha.
Com efeito, a testemunha foi peremptória ao afirmar que os factos alegados na missiva dirigida à OA eram absolutamente infundados, pois que o assistente nunca fez nada que pudesse levar sequer à suspeita que representava de alguma sorte a "E…, Lda."
Mais disse que, o sindicato e os arguidos estavam cientes de tudo o que se passava nos processos em causa nestes autos, bem sabendo qual era a intervenção do assistente nos mesmos, motivo pelo qual não tinham qualquer fundamento para imputar ao assistente os factos vertidos na missiva enviada à OA.
Esclareceu ainda que o único objectivo de tal missiva era afastar o assistente dos leilões e impedir que o mesmo "embargasse os bens".
Por fim referiu inconsistentemente que a missiva dirigida à OA não consistia numa queixa contra o assistente. E dizemos que o afirmado se mostra inconsistente pois que do teor do escrito resulta a imputação de factos susceptíveis de configurarem uma infracção disciplinar e assim foram enquadrados de forma expressa, tanto mais que foi invocada a violação do "Código Deontológico", pelo que claramente era desejada a instauração de processo disciplinar contra o assistente.
Mais se ponderaram os documentos de fls. 5 a 8, 16 a 19, 31 a 33, 37 a 42, 124 a 149 (impondo-se aqui referir que do teor de fls. 149, resulta apenas que o nome do assistente consta na lista provisória de credores elaborada nos termos do art. 154º do GIRE, pois que se o era, naturalmente, dela teria de fazer parte, mas não consta que estivesse representado por si ou por terceiro, nem tão pouco que tivesse reclamado o seu crédito), bem como no teor dos documentos dos apensos I e II; por fim teve-se em conta o CRC dos arguidos.
Assim ponderada de forma critica e analítica a globalidade da prova produzida, sempre em conjugação com as regas da experiência comum, dúvidas não sobrevieram quanto à veracidade dos factos levados à matéria de facto provada.
Relativamente aos factos não provados, temos que nenhuma prova foi produzida, antes pelo contrário, foi produzida, como resulta do supra exposto, prova inversa.
Nenhuma outra prova foi produzida.»
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3.- Apreciação do recurso.
3.1. Questão prévia
Admissibilidade de recurso em relação ao pedido de indemnização civil.

Atendendo ao montante peticionado e ao arbitrado no pedido de indemnização civil, importa decidir, desde já, da admissibilidade do recurso quanto à indemnização civil.
Nos termos do art. 24º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a alçada dos Tribunais da Relação é de 30.000,00€ e a dos Tribunais de 1.ª instância de 5.000,00€.
O assistente e demandante civil deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos requerendo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de 4.000,00€.
A sentença sob recurso condenou os arguidos demandados civis nos seguintes termos:
«Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido por D… e, em consequência condenar os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de €4.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a que acrescem os pertinentes juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização cível - 10.11.2013 -, e sem prejuízo de eventuais alterações à referida taxa, até integral e efectivo pagamento.»
O recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, nos termos do artigo 400º, n.º2, do CPP, só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada. Como resulta da letra da lei e vem sendo entendido, os referidos pressupostos de admissibilidade do recurso são cumulativos.
Ora, como se constata da comparação do valor do pedido – 4.000,00€ - com a alçada do Tribunal de Primeira instância- 5.000,00€ -, não se verifica o pressuposto de “o valor do pedido ser superior à alçada do tribunal recorrido” e assim só uma dos pressupostos se encontra perfectibilizado, razão pela qual não se admite o recurso do pedido de indemnização civil.
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3.1.- Impugnação dos factos provados sob os pontos 5, 6, 8 e 12 dos factos provados e alíneas a), b) e c) dos factos não provados. Contradição insanável entre o facto “os arguidos sabiam que o ofendido não havia sido mandatário da E… (constante dos factos 5, 6 8 e 12) e “que o ofendido interveio como mandatário da E… no processo 144/10.0TBBRG (facto 10)

§ 1º Impugnação dos factos provados sob os pontos 5, 6, 8 e 12 dos factos provados e alíneas a), b) e c) dos factos não provados.
Sustentam os recorrentes que os documentos juntos pelos arguidos com a sua contestação sob os documentos n.ºs 2 e 3 (fls. 145 a 149 dos autos) impõem decisão diversa da recorrida, devendo considerar-se não provados os referidos pontos de facto dados na sentença como provados, e como provados os pontos das alíneas referidas da matéria de facto não provada. Argumentam que o facto de o ofendido ter sido mandatário da E… no primeiro processo de insolvência desta – 144/10.0TBBRG -, que correu termos no mesmo juízo e tribunal que o segundo processo – 4577/10.4TBBRG -, levou os arguidos a incorrer em erro de identificação do número de processo referido na denúncia que fizeram à Ordem dos Advogados. E defendem que não obstante esse erro de identificação do processo em causa, o certo é que efetivamente o ofendido havia sido constituído advogado da sociedade E…, e que patrocinou esta sociedade, como foi imputado pelos arguidos. E que no processo n.º 826/11.0TYVNG do 3º juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia patrocinou simultaneamente a insolvente, os credores P… e L…, e a si próprio como credor.
Concluem que atuaram convencidos da veracidade das imputações que fizeram ao ofendido, e portanto agiram sem dolo direto ou necessário.

Vejamos.
Decorre do disposto no artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, que as Relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no artigo 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Assim e de acordo com o precedente artigo 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.
Por sua vez, decorre do artigo 410.º, n.º 2 que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum:” algum dos vícios adiante assinalados relativamente à insuficiência da decisão [a)], à contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão [b)] ou erro notória na apreciação da prova [c)].
O recorrente suporta o vício da contradição insanável a partir do “texto da decisão recorrida. Por isso, oportunamente sobre ela nos debruçaremos.
Para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados, a prova de que se pretende fazer valer, identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.
Convém, no entanto, precisar que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.
O recurso sobre a matéria de facto visa a apreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente – vide Ac. STJ de 10.10.2007 -.
Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação (Ac. STJ de 08.11.2006).
Assim, salvo as restrições decorrentes do valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (169.º), no efeito de caso julgado nos Pedido de Indemnização Cível (84.º), na prova pericial (163.º) e na confissão integral sem reservas (344.º) e dos princípios da legalidade das provas e “in dubio pro reo”, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Muito embora o recorrente não explique de forma cabal, as razões pelas quais entende que os documentos apresentados impõem decisão diversa em relação a cada um dos factos que impugnou, vamos apreciar o reexame da matéria de facto impugnada, partindo da argumentação supra referida e que seguidamente se aprecia.
O tribunal ciente da insistência da defesa dos arguidos de que só por lapso foi indicado o processo 4577/10.4TBBRG em vez do proc. nº 144/10.0TBPRG extravasou a sua motivação em sentido inverso do seguinte modo: “O…, dirigente sindical, referiu que, quem redigiu a missiva subscrita pelos arguidos foi o sindicato, tendo tal missiva sido assinada pelos arguidos depois de terem discutido todos o teor do escrito e de com o mesmo concordarem. Alegou a testemunha que na redacção de tal missiva ocorreu um lapso de escrita ao indicarem o processo, pois o que visavam era fazer alusão ao 144/10.0 TBPRG que anteriormente havia corrido termos contra a mesma sociedade.
• Diga-se que o lapso invocado não se mostra plausível com o teor da missiva em causa, com a forma como se mostram os factos aí alegados e sequência dada aos mesmos.
Acresce que, o lapso invocado mostra-se contrário ao demais afirmado pela testemunha.
Com efeito, a testemunha foi peremptória ao afirmar que os factos alegados na missiva dirigida à OA eram absolutamente infundados, pois que o assistente nunca fez nada que pudesse levar sequer à suspeita que representava de alguma sorte a "E…, Lda."
Mais disse que, o sindicato e os arguidos estavam cientes de tudo o que se passava nos processos em causa nestes autos, bem sabendo qual era a intervenção do assistente nos mesmos, motivo pelo qual não tinham qualquer fundamento para imputar ao assistente os factos vertidos na missiva enviada à OA.
Esclareceu ainda que o único objectivo de tal missiva era afastar o assistente dos leilões e impedir que o mesmo "embargasse os bens".
Por fim referiu inconsistentemente que a missiva dirigida à OA não consistia numa queixa contra o assistente. E dizemos que o afirmado se mostra inconsistente pois que do teor do escrito resulta a imputação de factos susceptíveis de configurarem uma infracção disciplinar e assim foram enquadrados de forma expressa, tanto mais que foi invocada a violação do "Código Deontológico", pelo que claramente era desejada a instauração de processo disciplinar contra o assistente.»

No caso presente os documentos que apresentaram na sua contestação são a única prova que invocam para alterar a decisão de facto, visto que em audiência exerceram o seu direito ao silêncio.
Lendo todos os documentos juntos aos autos, quer os juntos com a contestação, quer os constantes dos Apensos I e II destes autos, entendemos que não assiste razão aos recorrentes, porquanto a decisão sob escrutínio se mostra bem fundamentada, e o veredicto a que chegou não é desrazoável e tem apoio inequívoco além do mais no depoimento da testemunha O… e nos documentos como faremos referência.
Com efeito resulta do trecho da motivação reproduzido, que o tribunal a quo refere que o lapso invocado “não se mostra plausível com o teor da missiva em causa, com a forma como se mostram os factos aí alegados e sequência dada aos mesmos”.
Lida a referida missiva (junta a fls. 5 e 6 dos autos) verifica-se que nela se faz referência ao processo n.º 4577/10.4TBBRG, 1º juízo cível do Tribunal da Comarca de Braga, como sendo aquele onde a sociedade E…- entidade patronal dos signatários - foi declarada judicialmente insolvente; que “a sociedade insolvente constituiu seu mandatário o Ex.mo. Senhor Dr. D… (…)”; que “O ilustre causídico interveio, assim, nestes autos de insolvência enquanto mandatário da sociedade insolvente”.
Daqui se retira a conclusão que os autos de insolvência que os signatários da missiva identificaram, como aqueles onde o assistente Dr. D… interveio como mandatário da sociedade insolvente, são aqueles onde a sociedade insolvente foi declarada como tal, sendo que os autos onde a sociedade E… foi declarada judicialmente insolvente, são o proc. n.º 4577/10.4TBBRG, o que confere com os documentos juntos aos autos.
Além disso só no âmbito dos autos de insolvência 4577/10.4TBBRG, nomeadamente no seu apenso H, a sociedade “F…, Lda., deduziu contra a massa insolvente e credores desta, uma acção de restituição e separação de bens, ao abrigo do artigo 146º do CIRE e não assim no processo 144/10.0TBBRG.
Portanto falece, o argumento de que o facto de o ofendido ter sido mandatário da E… no primeiro processo de insolvência desta, que correu termos no mesmo juízo e tribunal que o segundo processo, levou os arguidos a incorrer em erro de indicação do número de processo referido na denúncia que fizeram à Ordem dos Advogados, pois decorre do teor da missiva que os arguidos tinham conhecimento que a insolvência da E… foi declarada no proc. 4577/10.4TBBRG, o que aliás se compagina com o facto de neste processo o arguido B… ter a posição de requerente da insolvência e o arguido C… Presidente da comissão de credores e ambos a posição de credores, por trabalhadores da E….
No que respeita ao argumento de que efetivamente o ofendido havia sido constituído advogado da sociedade E…, e patrocinou esta sociedade, como foi imputado pelos arguidos, para efeitos de dar sustentáculo factual à pretendida convicção dos arguidos no sentido do que escreveram na missiva, vejamos.
Vejamos em primeiro lugar os factos.
Resulta dos vários documentos juntos aos autos, como acima referimos quer daqueles que os recorrentes juntaram com a contestação, quer dos que constam dos anexos I e II, que o assistente, como advogado, representou a E… no 1º processo em que foi pedida e declarada a sua insolvência – o proc. n.º 144/10.0TBBRG -, pois com procuração de tal sociedade datada de 10.02.2010, em 09.03.2010, deduziu oposição ao requerimento de insolvência, representou a requerida na audiência de julgamento de 19.05.2010, na sequência do qual foi declarada a insolvência; no mesmo processo, representou os administradores da insolvente [P… e L…] em virtude de mandato outorgado por procurações de 31.05.2010 na oposição por embargos à declaração de insolvência que após audiência de julgamento realizada no dia 30.06.2010, por sentença do mesmo dia, vieram a ser julgados procedentes e revogada a sentença de insolvência.
Mais resulta que no processo 4577/l0.4 TBBRG que se iniciou em 09.07.2010, foi de novo requerida [entre outros pelo aqui arguido B…] a insolvência da E…, sendo esta representada por dois advogados [G… e H…] por procuração datada de 19.06.2010 (fls. 70 do A. II), sendo a sentença de declaração de insolvência de 01.09.2010 (fls 73 a 79 do A. II), sendo que mais tarde renunciaram ao mandato; o assistente, enquanto advogado, interveio como mandatário da F…, Lda., por procuração datada de 23.03.2011 (fls. 153 do A.II), em acção de restituição e separação de bens contra a massa insolvente da E… e respectivos credores que instaurou em 19.07.2011 (fls. 143 do Apenso II), e correu por apenso aos autos principais e onde a massa insolvente da E… apresentou contestação, vindo a audiência de julgamento designada para 14.11.2011 (fls. 165 e segs.), a ser dada sem efeito, determinando-se que se aguardasse a sentença a proferir, no processo em que se tinha requerido a insolvência da autora [F…, Lda.] no Tribunal de Comércio de Gaia - processo 826/11.0TYVNG -, por a declaração de insolvência implicar a caducidade do mandato conferido ao assistente [nos termos do art. 110º n.º 1 do CIRE]; no processo 826/11.0TYVNG foi junta procuração, datada de 13.12.2011 (fls. 171), a favor do assistente, outorgada pelo administrador da insolvência da F…, Lda., com poderes para representar a respectiva massa insolvente no processo 4557/10.0TBBRG; Em 18.10.2012, as massas insolventes da E… e F…, Lda., representadas pelos respectivos administradores, transigiram sobre o objecto da acção de restituição de bens, tendo por sentença de 22.10.2012, sido homologado tal acordo.
Resulta ainda que, antes de propor a acção acima referida, o assistente com o mandato conferido por procuração de 25.03.2011 [a mesma que serviu para propor a acção de restituição de bens acima referida] representou a F…, Lda., em procedimento cautelar contra a massa insolvente da E…, dando origem ao processo 2103/11.7TBBRG para se opor ao leilão que ia ser feito no âmbito da insolvência da E… por, alegadamente, irem ser vendidos bens da requerente, vindo o mesmo a ser indeferido liminarmente.
Resulta ainda dos documentos que os recorrentes invocam que, no processo 826/11.0TYVNG, onde a F…, Lda., tinha, entretanto, sido declarada insolvente, o assistente, enquanto mandatário dos "gerentes da F…, Lda.,", fizeram uma exposição dirigida ao Juiz do processo sobre as reclamações de créditos efectuadas pelos trabalhadores e à necessidade de serem criadas condições para a recuperação da insolvente, referindo-se que se aguardava a decisão da acção de "reivindicação" acima referida; consta ainda que o assistente é mencionado como credor da insolvente da F…, Lda., na lista provisória de credores, elaborada pelo administrador de insolvência, ao abrigo do art. 154º do CIRE.
Com isto se conclui que na verdade o assistente representou, na qualidade de advogado, a E… no processo 144/10.0TBBRG. No processo 4557/10.4TBBRG representou a F…, Lda., na acção instaurada, em 19.07.2011, ao abrigo do art. 146º do CIRE; e, caducado o respectivo mandato, por declaração da insolvência da sua representada, a F…, Lda., o administrador da respectiva massa insolvente, I…, outorgou-lhe poderes para continuar a defender agora os interesses da massa insolvente na acção de restituição e separação de bens acima referida e que na altura ainda estava pendente de decisão a proferir; não consta que no processo 826/11.0TYVNG tenha patrocinado credores da massa falida da F…, Lda., ou a ele próprio, enquanto credor; é certo que fez um requerimento/exposição como advogado dos administradores da insolvente [enquanto "gerentes" da insolvente como ali se refere] e não na qualidade de credores [se é que o eram]; também resulta que o assistente era credor, de acordo com a lista provisória de credores, elaborada ao abrigo do art. 154º do CIRE, não constando que, como tal, tenha efectuado qualquer requerimento de reclamação ou de verificação tardia do seu crédito.
Concluímos assim, que o referido processo de Insolvência n.º 144/10.0TBBR já tinha a sentença (datada de 30 de junho de 2010, fls. 40 a 56 do apenso II a estes autos) a julgar os embargos procedentes, dando sem efeito a declaração de insolvência da requerida – E… – e determinando o arquivamento dos autos principais, quando em 19.07.2011 foi interposta a acção de restituição e separação de bens, instaurada pela F…, Lda. (fls. 143 do Apenso II junto a estes autos), que correu apensa ao processo 4577/10.4TBBRG; e o mesmo aconteceu quando o assistente interveio no processo 826/11.0TYVNG a representar os "gerentes" da insolvente F…, Lda., pois também nessa altura já o processo 144/10.0TBBRG estava findo já muito tempo.
Posto isto, a intervenção sucessiva do assistente nos referidos termos e nos referidos processos não tem a virtualidade de gerar qualquer conflito de interesses, pois que o assistente, enquanto mandatário, nunca representou a parte contrária, nomeadamente os requerente da insolvência da E…, seus trabalhadores ou credores, diferentes dos administradores da E… (as mesmas pessoas que são sócios gerentes da F…, Lda.).
Aliás, do que consta na missiva constata-se a consciência dos arguidos relativamente ao necessário para haver conflito de interesses, pois, na missiva refere-se expressamente que “o mandatário que patrocina tal acção de restituição de bens deduzida contra a massa insolvente, a insolvente e credores desta, é o mesmo mandatário da insolvente, o Ex.mo. Senhor Dr. D…. Isto é, o ilustre causídico patrocina neste processo uma empresa, a F…, que deduziu uma acção contra uma outra, a E…, da qual também é mandatário”.
Daqui se conclui que os signatários quiseram claramente dizer que o Dr. D… no processo a que se referiam – 4577/10.4TBBRG - patrocinava a insolvente – E… - e uma outra empresa que deduziu acção de restituição e separação de bens contra a massa insolvente – a F…, Lda., o que sabiam não corresponder à verdade.
Os signatários da referida missiva, aqui arguidos, escrevem no final da missiva ”Deste modo, a intervenção do Ex.mº Senhor Dr. D… nestes processos configura uma situação de manifesto conflito de interesses e violadora do Código Deontológico, de que se dá conhecimento a V/Exª para os devidos efeitos.”, sendo que a missiva foi dirigida ao Senhor Presidente do Conselho de Deontologia do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados e o conflito de interesses tal como foi enunciado na missiva configura uma situação prevista no artigo 94º, n.º1 do EOA.
Mesmo que os arguidos tivessem como primeiro objectivo, como pretende no seu depoimento a testemunha O…, «afastar o assistente dos leilões e impedir que o mesmo "embargasse os bens"» certo é que do teor da missiva e nomeadamente a sua conclusão, que deixamos transcrita, resulta a imputação de factos susceptíveis de configurarem uma infracção disciplinar, tendo sido invocada expressamente a violação do "Código Deontológico", pelo que claramente era desejada também a instauração de processo disciplinar contra o assistente, como aliás veio a acontecer.
Não há assim qualquer prova que imponha decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo, em relação aos factos impugnados.
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§2º Contradição insanável entre o facto “os arguidos sabiam que o ofendido não havia sido mandatário da E… (constante dos factos 5, 6 8 e 12) e “que o ofendido interveio como mandatário da E… no processo 144/10.0TBBRG (facto 10)
Sustentam os recorrentes existir contradição insanável entre o facto “os arguidos sabiam que o ofendido não havia sido mandatário da E… (constante dos factos 5, 6 8 e 12) e “que o ofendido interveio como mandatário da E… no processo 144/10.0TBBRG” (facto 10).
Vejamos.
Um dos vícios de que pode padecer a matéria de facto, nos termos do artigo 410º, n.º2, nomeadamente na sua alínea b), é o da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal vício, como decorre do corpo do n.º2 do artigo em causa, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Por outro lado, a contradição tanto pode verificar-se entre factos contraditoriamente provados entre sui, como entres estes e os não provados, como entre a fundamentação (abrangendo a fundamentação de facto e de direito) e a decisão.
Vejamos o teor dos factos em confronto:
5. No entanto, quando subscreveram a missiva em causa dirigida à Ordem dos Advogados os arguidos sabiam perfeitamente que o ora ofendido não havia sido constituído mandatário da "E…, Lda.", pois que os mandatários desta eram os Advogados G… e H…, sendo que após a renúncia destes ao mandato não foi constituído qualquer outro mandatário.
6. Mais sabiam os arguidos que o aqui ofendido apenas teve intervenção no processo 4577/10.4ATBBRG como mandatário da "F…, Lda" por esta ter, por apenso àquele processo, intentado acção de reivindicação relativamente a bens seus na posse da "E…, Lda." e que, no âmbito do processo 826/11.0TYVNG, do 3 Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia o mandato conferido ao ofendido foi ratificado por I…, administrador da insolvência da empresa "F…, Lda", por, para o efeito, ter passado a devida procuração, para naquela qualidade, o representar no âmbito do aludido processo 4577/10.4ATBBRG, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Braga.
(…)
8. Com efeito, ambos os arguidos estavam cientes que os factos que denunciavam eram falsos, tendo subscrito tal missiva com o objectivo de afastar, por força do processo disciplinar que viesse a ser instaurado, o aqui ofendido, nomeadamente de demove-lo de comparecer nos leilões realizados com vista à venda dos bens da "E…, Lda." e de obstar a que o mesmo, naquela qualidade de mandatário, reivindicasse os bens da "F…, Lda".
(…)
10. No âmbito do processo 144/10.0 TBPRG, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga em que J… requereu a insolvência da sociedade "E…, Lda." e onde os aqui arguidos figuravam como testemunhas, o aqui ofendido interveio na qualidade de mandatário da requerida.
(…)
12. Os factos referidos em 10) e 11) eram do conhecimento dos arguidos, bem sabendo estes que no âmbito do processo 4577/10.4ATBBRG que correu termos no 1º Juízo de Braga, e cujo requerimento inicial deu entrada a 09.07.2010, o aqui ofendido não interveio na qualidade de mandatário da requerida.
Comparando na íntegra o teor dos artigos da matéria de facto em causa, afigura-se-nos não existir qualquer contradição, visto que o conhecimento atribuídos aos arguidos de que sabiam que o assistente não havia sido mandatário da E…, refere-se aos processos 4577/10.4TBBRG e 826/11.0TYVNG e o facto objectivo de o assistente intervir como mandatário da E… refere-se ao processo 144/10.0TBBRG.
Não se verifica, portanto, qualquer contradição entre os referidos factos.
Improcede, assim na totalidade a questão posta.
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3.2.- Qualificação jurídica dos factos.

Sustentam os recorrentes que o facto de o ofendido ter efectivamente representado a E… no primeiro processo de insolvência, que correu termos no mesmo juízo e tribunal que o segundo processo, fez incorrer os recorrentes no erro de identificação do processo e referem ainda que o facto pelo qual foram condenados – ter imputado ao ofendido o patrocínio da E… – existiu de facto, embora não no processo que indicaram. Essa circunstância, aliada à justificação que os recorrentes apresentaram na sua contestação (apesar de não terem prestado declarações em audiência de julgamento, os recorrentes apresentaram contestação escrita), tem de ser considerada relevante para se concluir que não existiu dolo directo ou necessário, mas apenas dolo eventual – o que não bastará para a condenação dos recorrentes.

Vejamos.
Em bom rigor os recorrentes repetem nesta sede os argumentos que defenderam em sede de impugnação da matéria de facto, com a agravante de tornarem explícito que talvez o seu silêncio em audiência não tenha sido a estratégia mais inteligente, visto que fazem apelo à sua contestação, em factos que só em audiência, com o exercício do seu direito a serem ouvidos, podiam obter eventual crédito do Tribunal.
Não obstante, vejamos com brevidade.
Dispõe o nº 1, do art. 365 (denúncia caluniosa) do C.P.
«Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»
n.º 2: «Se a conduta consistir na falsa imputação de contra-ordenação ou falta disciplinar, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.»
Trata-se de um crime de perigo concreto, estando o tipo preenchido em termos de consumação, quando há instauração de um procedimento – criminal contra-ordenacional ou disciplinar - contra determinada pessoa, sem qualquer fundamento, determinado por intuito meramente persecutório do agente que efectuou a denúncia.
Embora o tipo de crime em causa esteja inserido no capítulo dedicado aos crimes contra a realização da justiça, a doutrina e jurisprudência mais recentes vêm entendendo que, apesar de aí se proteger directamente a realização da justiça – visando o Estado garantir a credibilidade e seriedade do procedimento criminal, disciplinar ou contra-ordenacional em ordem à realização da justiça – é também reflexamente tutelada a liberdade de determinação, a honra e consideração do visado.
Os elementos constitutivos do tipo de crime são os seguintes:
- Conduta típica: Denunciar ou lançar suspeita por qualquer meio;
- Sujeito passivo: Outra pessoa (determinada ou identificável);
- Objecto da conduta: Imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, idóneos a provocarem procedimento criminal contra-ordenacional ou disciplinar;
- Destinatário da acção: autoridade e/ou círculo indeterminado de pessoas (i.é denúncia a uma autoridade ou suspeita feita publicamente);
- Elemento subjectivo: Dolo qualificado por duas exigências – A consciência da falsidade da imputação e a intenção de que contra outrem se instaure procedimento (Cfr. Ac. RC n.º 2999/03, de 7/5/2003, in dgsi.www.dgsi.pt)
O preenchimento do tipo objectivo exige ainda que a denúncia ou suspeita seja, no seu conteúdo essencial, falsa.
Assim, é maioritariamente entendido que o legislador português aderiu à chamada doutrina da inculpação, para resolver o problema do objecto da falsidade.
Desse modo, só se poderá falar de falsidade quando o ofendido não cometeu a infracção imputada, seja porque esta não ocorreu seja porque ele não figurava entre os seus participantes.
Por outro lado, a falsidade não tem que ser total, bastando que, no essencial, ela se afaste da verdade, sendo irrelevantes os meros exageros ou deturpações, bem como a omissão ou aditamento de pormenores que não contendam com aquele conteúdo essencial - Vide Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora 2001,pág. 536 e segs., §§ 36 a 47
Assentes, estes pressupostos, importa agora apreciar se a hipótese sub judice pode ser subsumida a normativo em análise.
Nos presentes autos está em causa uma carta enviada à Ordem dos Advogados relatando um conflito de interesses, alegadamente, resultante de o assistente na qualidade de advogado, ter patrocinado no Processo de Insolvência 4577/10.4TBBRG que correu termos no 1º Juízo de Braga, a sociedade "E…, Lda." aí requerida e, simultaneamente, ter patrocinado a sociedade credora "F…, Lda." na acção em que esta, ao abrigo do disposto no art. 146º, do CIR, intentou, no âmbito do referido processo, contra a primeira.
Afigura-se-nos, pois, manifesto que tal missiva foi dirigida a uma autoridade, a OA, porquanto é a entidade que nos termos do artigo 3º al g) do EOA tem em exclusivo jurisdição disciplinar sobre os advogados.
Também não há dúvida que visava outra pessoa, devidamente identificada, o aqui assistente.
É igualmente inegável que quem a subscreve tem a intenção de que, contra o visado, seja instaurado procedimento disciplinar, visto o alegado conflito de interesses, a invocação do código deontológico, e o disposto nos artigos 3º al. g) e 94º do EOA.
Por outro lado, atenta a factualidade provada, terá de considerar-se que as imputações constantes de tal participação eram falsas e que os arguidos tinham consciência de tal falsidade, pois a missiva, participação ou exposição que os arguidos enviaram à Ordem dos Advogados no seu núcleo essencial, reporta-se obviamente ao conflito de interesses decorrente daquela sua intervenção simultânea como advogado da requerida da insolvência e da credora que reivindica bens da requerida.
E, nessa parte, ficou demonstrado na factualidade apurada e descrita que tal não corresponde à realidade.
Nestes termos, temos por preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo, pelo que improcede a questão posta.
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3.3.- Medida da pena.
Sustentam os recorrentes que as penas que lhes foram aplicadas são injustas por exageradas e desproporcionadas.
Vejamos.
O crime pelo qual os recorrentes vêm condenados é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, n.º2 do art. 365.
Tendo o tribunal a quo optado pela pena de multa, condenou ambos e cada um dos arguidos na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €7,00.
O Tribunal justificou a medida da pena:
«Quanto à medida concreta da pena de multa. Pondera-se:
A culpa de cada um dos arguidos e o grau de ilicitude do facto, consubstanciado no elevado desvalor da acção e no desvalor do resultado;
O dolo manifestado, consubstanciado na forma mais intensa da vontade;
As fortes necessidades de prevenção geral e as normais necessidades de prevenção especial que, no caso, se fazem sentir;
As circunstâncias em que os factos ocorreram.
Assim, ponderadas todas as circunstâncias que influem na determinação da medida da pena de multa - art. 71º e art. 47, n.º 2 do CP -, afigura-se razoável e equilibrado aplicar a cada um dos arguidos pelo praticado do crime a pena de 90 dias de multa.
Quanto à fixação da taxa diária. Estabelece o n.º 2 do art. 47º, do C.P. que:
"Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais."
Ora, a fixação do montante diário da pena de multa, dentro dos limites legais, "não deve ser doseada por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade" (Ac. R.C. de 13-07-95, C.J. XX, tomo 4, pág. 48).
Atendendo ao exposto, com o qual concordamos inteiramente e na ausência de elementos concretos quanto às condições económicas de cada um dos arguidos, julgamos adequado, fixar o montante da taxa diária em € 7,00.»
Em sede de determinação de pena concreta, há que atender ao disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal.
Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais - Vide F. Dias, Temas Básicos da doutrina penal, 2001, pág. 110-111, Anabela Rodrigues, Sistema Punitivo Português, Sub Judice, 1996, Caderno II, pág. 11 e segts.
A culpa jurídico penal é o ficar aquém das exigências de conformação da personalidade com aquela que a ordem jurídica supõe e o ter que responder por essa diferença, quando ela, como no caso, fundamenta um facto ilícito – vide F. Dias, Liberdade Culpa e Direito Penal, pág. 208.
No caso, milita contra os arguidos apenas o dolo directo com que agiram.
A ilicitude dos factos é mitigada tendo em conta o primordial objectivo pretendido, a sua posição de credores da falência da E… e alguma “opacidade” da actuação do assistente nas várias intervenções processuais nos processos em apreço.
As necessidades de prevenção geral não são relevantes e as de prevenção especial são inexistentes, visto a ausência de antecedentes criminais e a idade dos arguidos à data da prática dos factos, respectivamente 55 e 61 anos de idade.
Julgamos, assim, mais proporcionada à culpa e adequada às exigências cautelares do caso e, por isso, justa e equilibrada, neste quadro fáctico, uma pena de 45 dias de multa com o quantitativo diário de 7,00€, que não foi posto em causa, para cada um dos arguidos.
Pelo exposto procede esta questão e com ela, parcialmente o recurso.
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso dos recorrentes B… e C… confirmando-se a sentença quanto à questão da culpabilidade, mas alterando-se a mesma no que tange às penas aplicadas e, por via disso, condenar os arguidos nos seguintes termos:
O arguido B… pela prática, em co-autoria material, de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art. 365º, nºs 1 e 2, do C.P., na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €7,00.
O arguido C… pela prática, em co-autoria material, de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art. 365º, nºs 1 e 2, do C.P., na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €7,00.
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Sem custas, nesta instância.
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Notifique.
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Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.
Porto, 01 de Outubro de 2014
Maria Dolores Silva e Sousa - Relatora
Fátima Furtado – Adjunta