Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4332/18.3T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: MANDATO FORENSE
RESPONSABILIDADE CIVIL
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RP202111094332/18.3T8GDM.P1
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não basta a perda de chance para responsabilizar o advogado pois na hipótese de violação das obrigações decorrentes de um contrato de mandato forense, exige-se ainda a verificação dos pressupostos que consubstanciam a responsabilidade contratual, ou seja, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (arts. 798.º e 799.º do Código Civil).
II - É do lesado o ónus de alegação e prova dos factos suscetíveis de permitir ao tribunal fazer o necessário julgamento dentro do julgamento com vista a concluir pela probabilidade séria (caso tivesse sido cumprido o contrato de mandato forense com o pagamento da taxa de justiça devida pela contestação) da decisão hipotética que seria expectável, face aos elementos factuais provados, lhe ser favorável com a absolvição do pedido (total ou parcial) contra si formulado na ação judicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º4332/18.3T8GDM.P1

Relatora: Anabela Tenreiro
Adjunta: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
*
Sumário
………………………………
………………………………
………………………………
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO
B… propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra C…, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de 10.000,00€, a título de danos não patrimoniais, e da quantia de 17.529,82€, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros calculados desde a data da citação.
Alegou, em síntese, que contratou a Ré para o patrocinar na acção que correu termos com o n.º 22822/15.8T8PRT e que, não tendo procedido ao pagamento da taxa de justiça devida com a apresentação da contestação, veio a ser condenado e executado, o que lhe acarretou danos patrimoniais equivalentes ao valor da quantia exequenda calculada e danos não patrimoniais.
A Ré suscitou o incidente de intervenção principal provocada da “D… France”.
A “D…, Sucursal em España” veio aos autos alegar ter havido um lapso na identificação da seguradora que celebrou o contrato invocado pela Ré e requereu ser atendida como parte, deduzindo desde logo contestação.
Defendeu-se por excepção, invocando que no contrato de seguro invocado pela Ré foi estipulada uma franquia de 5.000,00€ que sempre terá de ser suportada por esta, bem como que o sinistro resulta excluído do âmbito de cobertura do contrato porque os factos eram conhecidos da Ré à data do início do período seguro. Mais sustentou que, mesmo a serem julgados provados os factos alegados pelo Autor, não é de concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil que possa recair sobre a Ré.
Concluiu pedindo que sejam julgados procedentes as excepções invocadas e a interveniente absolvida do pedido; que, caso assim não se entenda, seja a acção julgada improcedente e a interveniente absolvida do pedido; e, por último, para o caso de procedência da acção, ser reconhecido o direito de regresso da interveniente sobre a Ré.
Não tendo o Autor e a Ré tomado posição, admitiu-se a rectificação da identificação da interveniente, assumindo a “D…, Sucursal em España” a posição de interveniente principal na causa.
Foi proferido despacho pelo qual foi fixado o valor da causa, indeferido liminarmente o pedido de reconhecimento do direito de regresso sobre a Ré formulado pela interveniente principal, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
*
Proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as Rés do pedido.
*
Inconformado com a sentença, o Autor interpôs recurso formulando as seguintes
Conclusões
A. O Autor, ora Recorrente, propôs a presente ação declarativa contra a Ré, ora Recorrida, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de 27.529,82€ (vinte e sete mil, quinhentos e vinte e nove euros e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, sem prejuízo dos juros de mora.
B. Para tanto, sustentou o seu pedido no facto de ter contratado a Recorrida para o patrocinar na ação que correu termos com o n.º 22822/15.8T8PRT sendo que, pelo facto de a Recorrida não ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida com a apresentação da contestação, veio a ser o Recorrente a condenado (e, posteriormente, executado), o que lhe acarretou danos patrimoniais equivalentes ao valor da quantia exequenda calculada e danos não patrimoniais.
C. Contudo, por sentença proferida no dia 15 de abril de 2021, o Tribunal a quo julgou a ação improcedente e absolveu a Ré e a Interveniente Principal (a Seguradora D…, Sucursal em Espanha) do pedido.
D. Para tanto, considerou o Tribunal que, embora concluindo “pela afirmação desse cumprimento defeituoso imputável a título de culpa à Ré e para além das reservas quanto à afirmação dos danos nos termos alegados, nem resultou estabelecido o nexo causal sustentado pelo Autor, nem mesmo, procurando equacionar a sua pretensão com referência à figura do dano da perda de chance, a factualidade alegada se revelou bastante para o indemnizar a esse título”.
E. Sucede que o Autor não se pode conformar com o sentido da referida sentença, motivo pelo qual interpõe o presente recurso de apelação.
F. Atento o circunstancialismo fáctico alegado e dado como provado, o Tribunal subsumiu o thema decidendum à questão do (in)cumprimento contratual, por força do contrato de mandato que havia sido celebrado entre Autor e Ré, sendo que, em virtude do aludido negócio jurídico celebrado, asseverou – e bem – o Tribunal que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do contrato de mandato judicial pode importar a responsabilidade civil do mandatário.
G. Para aferir da existência da correspondente obrigação de indemnizar, o Tribunal procedeu à análise de cada um dos seus pressupostos constitutivos: i)o facto objetivo de não cumprimento ou cumprimento defeituoso (por ação ou omissão); ii) a ilicitude; iii) a culpa do devedor; iv) a verificação de danos e v)o nexo causal entre o incumprimento/cumprimento defeituoso e os danos.
H. No que diz respeito aos primeiros três pressupostos, considerou o Tribunal que os mesmos se encontram preenchidos, porquanto o comportamento omissivo da Ré –aquando do não pagamento da taxa de justiça devida pela contestação (pese embora a entrega do Autor à Ré da quantia de 306,00€ para esse fim) –importou o desentranhamento do articulado (a contestação), sem que a Ré tenha logrado alegar e demonstrar quaisquer factos que justificassem tal omissão ou que afastassem a culpa.
I. De facto, tendo a Ré sido mandatada para representar o Autor na ação declarativa que correu termos em 2015, não só constituía obrigação daquela a apresentação tempestiva da contestação, como também cabia no espólio dos seus deveres o de proceder ao pagamento da taxa de justiça que sabia ser devida – tanto mais que pediu o montante ao Recorrente, sendo que este lhe entregou tal quantia com esse fito.
J. No entanto, tal como resultou provado nos presentes autos, a Recorrida fez sua essa quantia, não tendo procedido ao pagamento devido–não obstante as diversas interpelações do Tribunal nesse sentido, o que culminou na decisão de desentranhamento da mencionada contestação e consequente condenação do Autor naqueles autos, atenta a confissão dos factos, por força do disposto no artigo 567.º do CPC.
K. Isso mesmo fez notar o Tribunal a quo, afirmando que, pelas sucessivas intervenções que a Ré teve no processo, a mesma bem sabia o fundamento da condenação sofrida pelo Recorrente. Não obstante, nem oportunamente lhe deu conhecimento das sucessivas multas que lhe foram aplicadas para que a contestação ainda pudesse ser considerada tempestiva, como, tendo sido confrontada pelo Recorrente após a penhora, ainda lhe disse tratar-se de um “engano do Tribunal”, o que resultou numa manifesta violação dos seus deveres estatutários e deontológicos.
L. Nessa senda, nas palavras do Tribunal a quo, é de “concluir pelo cumprimento defeituoso do contrato, o que redunda na afirmação da ilicitude da omissão e da culpa da Ré”.
M. Quanto ao quarto requisito, no que aos danos patrimoniais concerne, concluiu o Tribunal ser “efetivamente possível antever um prejuízo para a esfera jurídica patrimonial do Autor” … “embora não tão evidente, necessário ou imediato como este o sustentou” (!!)
N. Ora, conforme advém da sentença a quo, resultou provado que: a) O Recorrente foi condenado, no processo n.º 22822/15.8T8PRT, no pagamento da quantia de 13.935,03€, acrescida de juros (facto n.º 27); b) O credor requereu execução contra o Recorrente, tendo como título executivo essa sentença (facto n.º 29); c) No âmbito dessa execução, desde 02 de janeiro de 2018, foi penhorado o salário do Recorrente para pagamento da quantia exequenda, calculada em de 17.529,82€ (factos n.º 30 e 34); d) Por causa da penhora do salário, o Recorrente ficou desgastado face à dificuldade em prover às suas necessidades, sentindo-se destabilizado, angustiado e humilhado (factos n.º 40 e 41).
O. Não compreende, portanto, o Recorrente em que medida pode o Tribunal a quo dar como provado que o Recorrente é – há já 3 (três) anos–alvo de uma penhora no seu rendimento mensal, para vir, depois, concluir que o dano não está demonstrado e/ou não é manifesto (!)
P. Os danos patrimoniais desdobram-se em duas categorias: o dano positivo (ou emergente) que se caracteriza por uma “perda ou desfalque de valores que já constituíam o património do lesado” e o lucro cessante, consistente num direito a ganho que se gorou ou, melhor, quando a lesão impediu um ganho que s pela sua verificação o lesado não auferiu.
Q. Nesta linha, o dano, em sentido lato, integra o conceito de prejuízo (podem mesmo desdobrar-se em vários prejuízos ou danos em sentido estrito), ou seja, a diferença entre a situação que existia antes do evento lesivo e a que o lesado tem de suportar para repor essa situação, ou, por outra, permitir-lhe o gozo ou a fruição da coisa que foi deteriorada nos precisos termos em que o faria não fosse a ocorrência do ato ilícito gerador da deterioração, ruína ou, até, perda.
R. Evidente se torna, portanto, a conclusão de que, nos presentes autos, existe já um prejuízo claro e demonstrado, mormente na sua vertente positiva, atenta a perda de valores (os referidos 17.529,82€) que já constituíam o património do Recorrente e que não lhe teriam sido subtraídos se não fosse a atuação da Recorrente.
S. Pelo que, com o devido respeito, a sentença ora colocada em crise fez errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis, assim violando o disposto nos artigos 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.
T. Deste modo, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a Sentença in quaestio, no que ao pressuposto dos danos patrimoniais diz respeito, julgando o mesmo preenchido, em virtude de o Recorrente ter, tal como resulta da matéria de facto provada, sofridos danos patrimoniais no montante de 17.529,82€ (dezassete mil, quinhentos e vinte e nove euros e oitenta e dois cêntimos), acrescido dos devidos e legais juros de mora.
U. Sem prescindir, sempre se diria que, pese embora o Tribunal argumente que “a condenação sofrida é solidária, pelo que o seu património só resultará diminuído se e na medida em que o autor não logre exercer o direito de regresso sobre o devedor solidário”,
V. Nunca daí se poderia retirar a conclusão de que inexistem danos na esfera patrimonial do Autor, porquanto, como é sabido, no âmbito do (futuro) direito de regresso, o Autor apenas poderá, nos termos do preceituado pelo artigo 524.º do CC, peticionar metade da quantia em questão, pelo que sempre teria o mesmo direito a ser indemnizado pela Ré, ora Recorrida, em, pelo menos, metade da quantia exequenda, isto é, 8.764,91€ (oito mil setecentos e sessenta e quatro euros e noventa e um cêntimos).
Sem conceder,
W. Nos danos não patrimoniais, a dogmática é diferente, na medida em que estes danos têm uma dimensão que não obedece aos critérios correntes de avaliação, dado que o artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil se limita a fornecer um critério com alguma elasticidade, ainda que inspirado numa razão objetiva, sobre a qual há-de assentar o juízo de equidade.
X. Procura-se, desse modo, uma compensação que permita ao lesado “esquecer” a ofensa sofrida, sendo, nesses termos, um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação.
Y. Ora, no que a esta questão respeita, o Tribunal a quo limitou-se a afirmar que “a destabilização, angústia e humilhação sofrida pelo Recorrente é passível de sustentar a emergência de um dano, de natureza não patrimonial”, ademais tendo em conta que o mesmo “tem um filho a seu cargo”.
Z. Mais acrescentou: “ainda que só indemnizável se se concluir pela gravidade que o elege como digno da tutela pelo direito nos termos previstos no art. 496.º, n.º 1, do Código Civil”.
AA. Ora, com o devido respeito, impunha-se ao Tribunal a quo que se pronunciasse sobre esta questão, uma vez que lhe foi submetida pelo Autor, ora Recorrente.
Ao invés, o Tribunal limitou-se a alegar que seria necessário avaliar a gravidade do dano, sem, contudo, o ter feito.
BB. Neste sentido, a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, tendo violado o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, dado que deixou de se pronunciar sobre uma questão de que não podia deixar de conhecer.
CC. Mais a mais, em consonância com a matéria de facto dada como provada, evidente se torna que o Recorrente se sentiu angustiado, injustiçado, humilhado e revoltado em consequência da atuação da Recorrida.
DD. Tais danos não configuram um mero incómodo para o Recorrente, antes assumindo claramente gravidade merecedora da tutela do direito, conforme exige o artigo 496.º, n.º 1 do CC.
EE. Pelo que, com o devido respeito, a sentença de que ora se recorre fez errada interpretação normativa, assim violando o disposto no artigo 496.º do Código Civil.
FF. Em conformidade, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a Sentença, no que ao pressuposto dos danos não patrimoniais diz respeito, julgando o mesmo preenchido, em virtude de o Recorrente ter, tal como resulta da matéria de facto provada, sofridos danos não patrimoniais, sendo o montante de 10.000,00€ (dez mil euros) indemnização adequada face aos critérios e aos fundamentos já explanados.
Sem prescindir,
GG. No que respeita ao último pressuposto, impunha-se a análise sobre o nexo causal entre o cumprimento ilícito e culposo e a produção dos danos. Neste âmbito, concluiu –erroneamente, com o devido respeito –o Tribunal recorrido que seria de afastar a verificação deste pressuposto.
HH. Tendo em consideração a linha de raciocínio seguida na sentença recorrida, e sendo pacífico que o artigo 563.º do CC adota a doutrina da causalidade adequada, é sabido que esta conhece duas formulações, a saber:
a) a formulação positiva, em que o agente é responsabilizado pelos danos que sejam uma consequência típica, necessária e previsível do tipo de facto lesivo;
b) a formulação negativa, em que, para o agente ser responsabilizado, basta que o tipo de facto não seja de todo indiferente para causar o tipo de danos sofridos.
II. Ora, na senda do propugnado pela sentença, a formulação negativa corresponde àquela que tem vindo a ser adotada pela maioria da jurisprudência portuguesa. Pelo que, de acordo com a referida tese, para que a Recorrida pudesse ser responsável bastava que a não apresentação de contestação (o facto ilícito) não fosse indiferente para a condenação do Recorrente naquela ação (o dano sofrido).
JJ. Pergunta-se, portanto: em que medida pode o Tribunal considerar que a não apresentação de uma contestação, no âmbito de uma ação declarativa comum, é indiferente para a condenação de um Réu?!
KK. Não vislumbra o Recorrente de forma pode o Tribunal ter considerado que a falta de contestação tenha sido totalmente irrelevante para uma condenação que, como bem sabe, ficou a dever-se apenas ao efeito cominatório previsto pelo artigo 567.º do CPC (à falta de impugnação que decorreria da contestação).
LL. É que, mesmo que se adotasse a teoria da causalidade na sua formulação positiva (mais responsabilizante, na ótica do Tribunal a quo), também por aí estaria verificado o aludido pressuposto. Id est, a Recorrida seria igualmente responsável, uma vez que a condenação na ação declarativa (o dano) era uma consequência típica, necessária e indubitavelmente previsível face à não apresentação de contestação (o facto lesivo).
MM. Acresce que, ainda que – como se alega na decisão recorrida – fosse necessário “corrigir” aqueloutra formulação (a negativa), através da adoção da teoria da imputação objetiva, outrossim estaria preenchido este requisito. Com efeito, demanda aquela teoria que o agente apenas será responsabilizado se o seu comportamento tiver criado ou potenciado um perigo de produção do resultado juridicamente desaprovado e esse perigo vier a materializar-se num acontecimento.
NN. O mesmo é dizer que a Recorrida teria de ser responsabilizada se a não apresentação de contestação tivesse criado ou potenciado a condenação do Recorrente e este tivesse vindo a ser efetivamente condenado. O mesmo é dizer… que a Recorrida teria de ser responsabilizada!
OO. De facto, não se logra compreender como pôde o Tribunal concluir que a condenação numa ação civil, fundamentada na confissão dos factos e de harmonia com o disposto no artigo 567.º do CPC, não seria objetivamente provável face à não apresentação de contestação.
PP. Como bem advoga a jurisprudência do STJ, “na modalidade negativa, um facto só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais” – o que, como se veio de demonstrar, não corresponde ao caso em lide.
QQ. Mais ali se assevera que “esta variante negativa da causalidade adequada está mais próxima da teoria da equivalência das condições ou da condição sine qua non em que o facto é causal de um dano se for uma das várias condições da sua produção” – como seria o caso (pasme-se) da relação de causalidade entre uma condenação pela falta de impugnação e a não apresentação de contestação nessa acção.
RR. É, aliás, o próprio Tribunal quem afirma perentoriamente que “resultou provado que, na sequência da falta de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação, este articulado apresentado nos autos pela ré veio a ser desentranhado, e o aqui autor a ser condenado, solidariamente, no pagamento ao autor “Fundo de Garantia Automóvel” da quantia de 13.935,03€, acrescida de juros calculados desde a data da citação e no reembolso ao autor das despesas com a lide a liquidar em momento ulterior”.
SS. Evidente se torna, como tal, a conclusão de que, no caso ora em lide, este pressuposto constitutivo (o nexo causal) se encontra preenchido, quer por via da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, quer por força da formulação positiva da mesma teoria.
TT. Pelo exposto, considera o Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal a quo fez errada interpretação normativa, na medida em que a sentença recorrida viola o artigo 563.º do Código Civil.
Mas, ainda que assim não se considerasse,
UU. Sempre se acompanharia o entendimento sufragado pelo STJ, quando concluiu que “importa reter que não há possibilidade de saber se o autor ganharia ou não a acção “omitida” ou “falhada”, tratando-se, portanto, de uma matéria insusceptível de ser provada”.
VV. Porém, a Ré violou, culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou com o Autor, deixando de satisfazer, cabalmente, a prestação a que estava vinculada, o que importa o não cumprimento defeituoso da obrigação, e que a torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições dos artigos 798.º e 799.º, n.º 1, ambos do CC.
WW. “E, se não se pode afirmar o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa da ré e os danos sobrevindos para o autor, tal não pode conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização do profissional que violou, nas circunstâncias apontadas, os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, intoleravelmente, a existência de muitas infracções, sem sanção suficiente, com a consequente dificuldade de responsabilizar o advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato.”
XX. A este propósito, tutela o ordenamento jurídico-civil o dano conhecido pela “perda de chance”, sendo que, ao ver desentranhada a contestação, a Recorrida fez, desde logo, com que o Recorrente perdesse toda e qualquer expectativa de ganho de causa na ação, independentemente das vicissitudes processuais que a mesma conheceria, o que representa um dano ou prejuízo para aquele que, seguramente, nunca augurou que o inêxito da ação pudesse, alguma vez, derivar de tão flagrante negligência da sua advogada constituída.
YY. No plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes, que erigiram essa “chance” em bem jurídico protegido pelo contrato, sendo certo que o cumprimento defeituoso do mandato pela Recorrida originou um dano para o Recorrente que não viu satisfeita a prestação devida, por incúria e negligência daquela, que o privou, fazendo-o perder a sorte ou “chance” de vir a triunfar na ação.
ZZ. Ora, considerado o direito de defesa como um bem juridicamente tutelado, não só pela lei processual, como pelo contrato de mandato celebrado entre o Recorrente e a Recorrida, a impossibilidade do seu exercício, por omissão culposa desta, representa um prejuízo ou dano, em si mesmo considerado, isto é, um dano autónomo.
AAA. Ao nível da aferição do nexo causal, assiste-se a uma alteração do paradigma tradicional, com destaque, a este propósito, para a teoria da “perda de chance” ou oportunidade perdida, destinada a ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar a solução drástica, e, em muitos casos, injusta, a que conduz o modelo clássico do “tudo ou nada”, isto é, em que o julgador, depois de valorada toda a prova produzida, não encontra um grau suficiente de probabilidade para optar pela solução de que o agente causou o dano.
BBB. Tal como se concluiu naquele aresto, “Quando o mandatário judicial constituído, por negligência, não propõe a acção antes de o direito do mandante prescrever, ou não contesta a acção, no prazo devido, ou não apresenta, atempadamente, o requerimento de produção de prova, conduzindo a que os factos alegados pela contraparte sejam considerados confessados ou à não demonstração dos factos que fundamentavam o pedido, ou não interpõe recurso da decisão que foi desfavorável ao seu cliente, impossibilita, com a sua omissão, que a pretensão da respectiva parte seja sujeita a apreciação jurisdicional, ou à sua reapreciação, em sede de recurso, comprometendo a oportunidade de sucesso do processo judicial em causa”.
CCC. É certo que não se pode afirmar, com absoluta segurança, que o conteúdo da decisão judicial teria sido distinto, caso não tivesse interferido o aludido facto ilícito, nomeadamente, porque tal dependia ainda do modo como o juiz apreciaria os factos (apreciação que, no caso, nem chegou a ocorrer), interpretaria as normas jurídicas pertinentes e procederia à subsunção daquela factualidade ao Direito aplicável, mas em que já se sabe, por outro lado, com certeza suficiente, que a vítima perdeu uma oportunidade de obter essa decisão favorável.
DDD. Por outro lado, como também se concluiu naquele aresto, era sobre a Ré (a mandatária), mas também sobre a Ré Seguradora, que impendia o ónus de demonstrar que à improcedência da (primeira) ação fora absolutamente indiferente o facto de aquela não ter apresentado a contestação.
EEE. Nestes termos, requer-se a V. Exas. a revogação da sentença a quo, sendo substituída por outra que dê como preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil e, em consequência, condene a Recorrida nos termos requeridos em sede de petição inicial, nomeadamente no pagamento ao Recorrente da quantia de 27.529,82€ (vinte e sete mil, quinhentos e vinte e nove euros e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, sem prejuízo dos devidos juros de mora.
**
A Interveniente apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
1. O douto Tribunal de 1.ª Instância julgou totalmente improcedente a acção de processo n.º 4332/18.3T8GDM, que correu termos junto do douto Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local do Porto, tendo absolvido a Ré e a Interveniente dos pedidos formulados nos autos pelo A.;
2. Entendeu o Tribunal a quo que, perante os factos assentes e provados, com relevo para a apreciação do thema decidendum– responsabilidade civil contratual da Ré Advogada Dra. C1… – se impõe concluir pela falência dos pressupostos da obrigação de indemnizar, ao nível do nexo causal e do dano por “perda de chance”;
3. Vem o ora Recorrente alegar a nulidade da sentença nos termos previstos artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil;
4. Contudo, não assiste razão ao Recorrente, não estando a sentença recorrida ferida da invocada nulidade;
5. Procedeu o douto Tribunal a quo à análise meticulosa e exaustiva de cada uma das decisões a decidir, mormente quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil;
6. Sendo certo que, atenta às conclusões alcançadas na sentença recorrida, mormente pela falência dos pressupostos do nexo causal e da perda de chance, jamais poderia o Tribunal equacionar e avaliar a gravidade dos danos morais peticionados pelo A.;
7. A sentença recorrida não é nula nos termos do artigo 615 n.º 1 al. d) do CPC, carecendo de todo e qualquer fundamento as alegações do Recorrente nesta parte;
8. Sem prejuízo, a obrigação de indemnização implica que o comportamento ilícito e culposo do agente seja causa dos danos sofridos, ou seja, que haja um nexo de causalidade entre o facto e o dano–nos termos artigo 483.º, n.º 1 CC;
9. Isto porque nem toda a consequência que naturalisticamente se possa imputar a uma determinada conduta se pode imputar jurídico-civilmente ao lesante;
10.Pese embora o articulado de defesa do A. tenha sido desentranhado nos autos do processo n.º 22822/15.8T8PRT, por falta de pagamento da taxa de justiça devida, a verdade é que o resultado final, face à factualidade discutida e apurada nos presentes autos, sempre seria (com elevada probabilidade) o mesmo, i.e, sempre seria o Autor condenado nos montantes peticionados naqueles autos.
11. De modo que, nunca o êxito da defesa esteve ou poderia estar assegurado;
12. Sendo certo que, a alegação e prova dos factos em que assente esta afirmação da criação ou aumento do risco necessária para o estabelecimento do nexo causal, recai, naturalmente, sobre o Autor, nos termos gerais do artigo 343.º. n.º 1 do CC;
13. Todavia, não logrou o A. provar, a quem, aliás, o ónus competia que, a omissão incorrida pela ré advogada, consubstanciada na falta de pagamento da taxa de justiça, tenha desencadeado condenação do A. e sujeito a subsequente execução coerciva;
14. De facto, no âmbito dos presentes autos, não avançou o A. com os fundamentos da acção n.º 22822/15.8T8PRT;
15. Nem tão-pouco alegou quais seriam os seus argumentos de defesa no âmbito daquela acção;
16. Não se podendo, assim, aferir, da (inexistente) factualidade alegada nos autos pelo A., a existência de nexo de causalidade entre a (pretensa) probabilidade séria de sucesso da sua pretensão, e a omissão que imputa à Ré advogada, quer dos danos, alegadamente decorrentes dessa actuação;
17. Por outro lado, e a respeito do alegado dano por “perda de chance”, bem esteve o Tribunal a quo, ao considerar que o autor não alegou os fundamentos de facto pelos quais foi demandado, nem as razões de facto e de direito que seriam as mobilizáveis em sua defesa, nem sequer se propôs provar nesta sede quaisquer desses factos enunciado e oferecendo as provas de que dispunha para aquela acção e que, para avaliar a chance perdida, teriam aqui que ser produzidas e valoradas;
18. Do disposto nos artigos 563.º e 564.º do Código Civil, resulta a presença no ordenamento jurídico português do princípio da certeza dos danos e bem assim o acolhimento da tese e regras da causalidade adequada, sendo consequentemente imposto ao “lesado”, como condição prévia à procedência da sua pretensão indemnizatória, a alegação e prova que de que não fora o acto ou omissão ilícita o direito seria por este obtido;
19. A ressarcibilidade do designado dano de perda de chance, entendido enquanto dano ressarcível sem necessidade de alegação e prova da certeza da obtenção da chance perdida não fora a conduta ilícita e culposa do lesante, não tem suporte no ordenamento jurídico português;
20. Embora em abstracto se possa equacionar que, a mera violação do direito, através da preclusão de um direito de defesa do lesado pudesse, eventualmente, consubstanciar um dano em si, a violação de um direito é insusceptível de ser equiparada/reconduzida à existência de dano, correspondendo à repercussão dessa violação no património material e imaterial do “lesado”;
21. Não determinando o artigo 799.º, n.º 1, do CC, quer uma presunção de nexo de causalidade, quer uma presunção de dano, sendo assim imposta ao lesado a alegação e prova dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, a ser admitido o dano de perda de chance em face do teor dos supra citados artigos 563.º e 564.º do Código Civil, apenas quando resulte provada e quantificada a probabilidade de procedência da chance perdida, poderá a chance perdida ser ressarcida;
22. No caso de responsabilidade civil de advogado, a ser admitida a ressarcibilidade do dano de perda de chance, tais prossupostos consubstanciam-se no ónus de alegação e prova da seriedade da pretensão do “lesado” (nexo de causalidade), bem como na alegação e prova da probabilidade de procedência dessa pretensão (dano), sendo assim simultaneamente prossuposto da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório, a probabilidade de vencimento;
23. Não sendo aferida a probabilidade de procedência da “chance” perdida, sendo atribuída uma probabilidade de procedência sem recurso a qualquer outro critério que não a circunstância de ter sido omitido o acto devido, a indemnização atribuída cai no âmbito da pura aleatoriedade, sem qualquer correspondência com o dano efectivamente sofrido pelo “lesado”;
24. A perda de chance, a ser admitida, não podendo ser atendida de forma totalmente afastada da exigência do dano e do nexo causal, deverá sim, ter por base e enquanto simultaneamente prossuposto da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório, a probabilidade de vencimento, facto hipotético, cujo ónus de alegação impende sobre o Alegante;
25. Reportando-nos ao caso concreto, alega o ora Recorrente, a existência de um dano por “perda de chance”, assente no facto de ter perdido a oportunidade, em virtude da conduta omissiva da Ré Advogada, de ver a sua defesa apreciada pelo Tribunal a quo;
26. Contudo, não logrou o ora Recorrente, a quem competia, provar a séria probabilidade de êxito da sua pretensão, não fosse a alegada conduta ilícita que imputa à Ré Advogada;
27. Limitou-se o A. a alegar que foi demandado pelo FGG, na acção que correu termos sob o n.º 22822/15.8T8PRT, sendo certo que desconhece a aqui Recorrida qual o objecto daquela acção, e bem assim quais as posições defendidas pelas partes intervenientes naqueles autos;
28. Desconhecendo, assim, a ora Recorrida quais os fundamentos de facto e de direito pelos quais o A. foi demandado, bem como os argumentos de facto e de direito que serviriam de sustento à defesa do A.;
29. Pelo que, e atenta a ausência de factualidade careada para os presentes autos pelo A., não se encontra minimamente demonstrada a alegada perda de chance que o ora Recorrente aqui invoca;
30. Assim, não existirá, nos presentes autos, qualquer dano susceptível de ser indemnizado, ainda que sob o prisma da “perda de chance”;
31. Do que ficou já dito, não resta senão dar razão ao douto Tribunal de a quo, devendo, em face da ausência/inexistência de prova da seriedade da chance perdida pelo Recorrente, ser mantida a decisão de absolvição da Recorrida dos pedidos formulados nos autos.
*
A Ré apresentou contra-alegações, concluindo o seguinte:
1-Constata-se que no requerimento de interposição de Recurso o Recorrente indica que beneficia de dispensa de pagamento de taxa de justiça, pela concessão de apoio judiciário, juntando bastante procuração forense.
2- Porém, antes da sua admissão e atenta a Petição Inicial (com a ref: 31092323) à qual foi junta, pelo Autor, o comprovativo do despacho concessão de protecção jurídica e, ainda, a respectiva nomeação da Ordem dos Advogados, ambos datados de 31-10-2018, entende-se que deverá o Tribunal “a quo” dar cumprimento ao disposto no art. 642º, nº 1 do C.P.C., uma vez que o pagamento de taxa de justiça é um pressuposto da existência da própria lide, do recurso propriamente dito.
3- Porque de facto, o Recorrente ao decidir de per si usufruir da concessão de protecção jurídica que lhe foi deferida pelo Instituto da Segurança Social, I.P. na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, rejeitando a nomeação de patrono ao juntar a procuração forense com o presente recurso, está claramente a subverter a Lei 34/2004, de 29 de Julho, na versão actualizada pelo DL47/2007, de 28 de Agosto (Lei do Acesso ao Direito).
Isto porque aquela foi criada exactamente para os cidadãos que, por motivos de insuficiência económica, ao dirigirem-se à Segurança Social e solicitarem protecção jurídica, deixassem de escolher directamente o advogado que os patrocinasse, passando a Ordem dos Advogados, através do sistema de acesso ao direito e aos tribunais que, com um processo de inscrição de advogados, aleatoriamente procede às nomeações de patronos ou defensores aos requerentes.
4-Estamos perante uma clara subversão da referida Lei porquanto, se o Recorrente solicitou protecção jurídica e os serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. apreciaram em concreto a sua situação económica e concluíram que não dispunha de meios económicos suficientes para suportar os encargos com o processo judicial, ficando dispensado do pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo, sendo-lhe nomeado um patrono ficando também dispensado de pagamento de compensação/honorários, significará que agora ao constituir mandatário passou a ter capacidades económicas para suportar as despesas com os honorários e despesas de escritório do mandatário ora constituído.
5-E neste sentido, podemos concluir que também passou a possuir meios económicos suficientes para suportar os encargos com o processo judicial, mormente o pagamento de taxas de justiça pela interposição de recurso.
6-E essa evidência espelha-se no facto de que o Recorrente ao apresentar o presente Recurso nos termos do art. 139º, nº 5 al. c) do C.P.C., com mandatário constituído, teve de desembolsar os valores de honorários e respectivas despesas pela análise de todo o processo judicial e elaboração de Recurso, com respectivas Alegações e o valor da multa (102,00€).
7- Em conclusão, parece-nos que o Recorrente omitiu o facto de que o mesmo ou o respectivo agregado familiar adquiriu meios económicos suficientes para poder dispensar a proteção jurídica (art. 10º, nº 1 al. a) e nº 2 da Lei Acesso ao Direito).
8-Face ao exposto, requer-se a V. Exa. que a referida proteção jurídica ao Recorrente seja cancelada nos termos do nº 4 do art. 10º e com os devidos efeitos previstos no art. 13º, ambos da mencionada Lei.
9-Quanto à Motivação apresentada pelo Recorrente, com o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão!
10-Da douta sentença consta que “(…) importa notar que o pressuposto decisivo de toda a responsabilidade civil é que o facto ilícito e culposo tenha causado um dano, isto é, a lesão de bens juridicamente protegidos de um determinado sujeito, seja patrimonial ou não patrimonial consoante se revele ou não susceptível de avaliação pecuniária (…).
11- Isto porque, para que a acção tivesse sido julgada totalmente procedente, teriam de estar preenchidos todos os requisitos do instituto da responsabilidade civil, o que não sucedeu.
Referimo-nos concretamente aos danos alegadamente sofridos pelo Recorrente (mas nunca provados) e também ao nexo de causalidade entre os alegados danos e o facto ocorrido (não provado).
12-Quanto aos danos patrimoniais peticionados, recordamos que o Recorrente na sua Petição (e, ainda atendendo à escassa produção de prova em sede de audiência de julgamento) limitou-se a invocar que foi patrocinado na acção declarativa com o nº 22822/15.8T8PRT pela Recorrida, que resultou numa condenação e, que posteriormente, foi alvo de uma acção executiva pela qual foi determinada a penhora do seu salário.
13-E ainda alega na sua motivação de recurso que tem uma penhora salarial que iniciou em 2018 e está longe de terminar. Alega, mas na verdade não fez prova desse facto nos autos.
14-Ora, o Tribunal “a quo” decidiu e bem que, ao Recorrente poderá antever-se um prejuízo para a sua esfera patrimonial, mas não tão evidente, necessário e imediato. Pois é bom de ver que o Recorrente não fez prova testemunhal ou documental do valor do seu salário, do valor da penhora mensal de que alega estar a ser sujeito, limitou-se a apresentar testemunhas que nada mais adiantaram ou provaram (sem sequer indicarem valores monetários) por desconhecimento ou apenas por conhecimento indirecto em virtude do que o Recorrente lhes relatou.
15-De igual modo, não fez prova documental ou testemunhal se exerceu o seu direito de regresso sobre o Senhor E…, o devedor solidário (art. 524º do Código Civil).
16-Pelo que sufragamos o fundamento da douta sentença, ou seja, o Recorrente não pode vir querer receber uma indemnização a título de danos patrimoniais no valor de 17.529,82€, sem tal facto ter imediatamente ocorrido e, muito menos, sem sequer ter alegado e nem sequer ter comprovado ter ficado sem esse valor.
17-E, por isso, o Tribunal “a quo” decidiu e bem, a nosso ver, que não é tão evidente, necessário ou imediato antever um prejuízo para a esfera patrimonial do Autor/Recorrente.
18- Neste sentido, não se verifica nenhuma errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis pelo Tribunal “a quo” não tendo ocorrido a violação do disposto nos artigos 562º, 564º e 566º todos do Código Civil. Devendo manter-se a sentença proferida.
19-Da sentença absolutória constata-se que não ficaram provados os seguintes factos: “b.-É o autor quem provê sozinho ao sustento do filho; c.- Por causa da penhora do salário, ficou a depender da ajuda de familiares e amigos para prover às suas despesas; d.- O autor transformou-se numa pessoa introvertida, isolado, propenso a angústia e pessimismos; e.-Passou a dormir com dificuldade e encontra-se em princípio de depressão. Não resultaram provados quaisquer outros factos dos alegados pelas partes que importem para a decisão da causa (…)”. Estes foram os danos não patrimoniais invocados pelo Recorrente.
20- Apenas ficou provado que:“40) Por causa da penhora do salário, o autor ficou desgastado face à dificuldade em prover às suas necessidades.” (vide factos provados). Portanto, o Tribunal deu como provado que ficou preocupado face à decisão condenatória no processo com o nº 22822/15.8T8PRT.
21- Na suas alegações de Recurso o Recorrente afirma que o Tribunal não avaliou a gravidade dos danos.
22- Não se pode concordar de todo com a afirmação dado que Tribunal “a quo” fez essa avaliação, de tal modo que deu como não provados os factos acima citados. Ora, tal como um cidadão que vê o seu salário penhorado em virtude de um processo executivo, não poderá querer ver esse facto de “per si” ser qualificado como um dano imediato e reparável por meio de uma indemnização, sem antes ser devidamente alegado e provado!
23- O Tribunal concluiu não existir gravidade que merecesse a tutela do direito (art. 496º, nº 1 do Código Civil), porquanto o Recorrente em todo o processo limitou-se a invocar eventuais danos não patrimoniais sofridos, sem os alegar e provar devidamente.
24- Reiteramos que, o Recorrente nem fez prova documental (através de atestado médico ou declaração de médico psiquiatra ou até de psicólogo) da suposta angústia, pessimismo e “depressão”, nem prova documental ou testemunhal sobre quem assumia a obrigação relativa ao sustento do seu filho, razão pela qual não ficaram provados os factos constantes nas alíneas b), c), d) e) acima descritos.
25- E, por isso, não lhe assiste razão para receber a título de indemnização por danos não patrimoniais o valor (excessivo) de 10.000,00€.
26- Concluímos que um dos requisitos da responsabilidade civil não se encontra preenchido: OS DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS.
27- Consequentemente, a sentença não padeceu de omissão de pronúncia quanto à avaliação dos invocados danos não patrimoniais, não se verificando nenhuma errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis pelo Tribunal “a quo”, não tendo ocorrido a violação do disposto no artigo 496º do Código Civil.
28- Quanto ao nexo de causalidade, a sentença do Tribunal “a quo” a este respeito fundamentou que: “A alegação e prova dos factos em que assente esta afirmação da criação ou aumento do risco necessária para o estabelecimento do nexo causal julga-se ainda recair sobre o autor, nos termos gerais previstos no art. 343.º, n.º1, do Código Civil.
Ora, regressando aos fundamentos de facto alegados e julgados provados, impõe-se evidenciar que o autor se limitou a invocar ter sido demandado pelo “Fundo de Garantia Automóvel” na acção que correu termos com o n.º 22822/15.8T8PRT mas não já quais os fundamentos da acção, nem os fundamentos de defesa.”
29- De facto, o Recorrente não fez prova de que, caso a contestação tivesse sido admitida e, na realidade ponderada pelo Tribunal, no âmbito dos autos com n.º 22822/15.8T8PRT, qual seria a hipótese daquela acção de condenação instaurada pelo FGA contra si, ter sido julgada totalmente improcedente e, consequentemente, o ali Réu (aqui Recorrente) ter sido absolvido de todos os pedidos contra si formulados e, ainda, quais as possibilidades de não ter sido instaurada contra si a acção executiva sob o nº 8843/17.0T8PRT?
30- Reiteramos que (a Recorrida alegou quer na sua contestação, na audiência de julgamento e alegações escritas) consta de certidão judicial do processo sob o n.º 22822/15.8T8PRT, que correu termos no Juízo Local Cível da Comarca do Porto, 6.ª secção, junta aos presentes autos, o veículo automóvel, de marca Honda, modelo …, de cor vermelha, com a matrícula ..-..-QF estava registado em nome do Recorrente (ali Réu), apesar de conduzido por um terceiro que não foi identificado.
31- Igualmente consta que o mesmo veículo foi causador de um sinistro, tendo provocado lesões corporais nos lesados e intervenientes, devidamente identificados no processo acima referenciado, no referido acidente, bem como danos materiais nos seus respectivos veículos automóveis.
32- E ainda que o Recorrente, ali Réu, apresentou junto da PSP uma participação por furto do referido veículo, tendo sido arquivado o inquérito por não ter sido possível a recolha de indícios suficientes de quem foi o autor dos factos denunciados (conforme consta de doc. 15).
33- De igual modo, consta do referido processo sob o n.º 22822/15.8T8PRT, que o Recorrente, ali Réu, não tinha seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, porquanto o FGA juntou sob. doc. 4 Certidão da Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundo de Pensões na qual se atesta que não foi localizado o referido seguro obrigatório válido para o veículo com a matrícula 12-75-QF de que o ali Réu era legítimo proprietário.
34- E anteriormente à instauração da acção judicial pelo FGA, o ali Réu foi extrajudicialmente interpelado por meio de diversas cartas, por exemplo em 12-03-2012 (vide doc. 18) e em 28-03-2012 (vide doc. 22) para proceder ao pagamento do reembolso da indemnização que aquela adiantou aos lesados do acidente de viação, sendo-lhe até concedida a hipótese de apresentar uma proposta de pagamento em prestações, dado a quantia elevada em causa.
35- Extraímos daqui que o Recorrente, ali Réu, tinha conhecimento da responsabilidade que lhe estava a ser assacada e, mesmo assim, não pagou.
36- Outro facto deveras relevante é de que, na certidão do referido processo sob o n.º 22822/15.8T8PRT, consta sob doc. 4 -a Certidão da Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundo de Pensões -o Fundo de Garantia Automóvel procedeu ao último pagamento de indemnização aos lesados em 21-11-2012.
37- Consequentemente, não tendo o ali Réu ressarcido o FGA, a acção judicial instaurada por este contra o ali Réu inevitavelmente deu entrada a 24-09-2015.
38- O Tribunal procedeu à remessa da citação, por meio de carta registada com aviso de recepção, do aqui Recorrente, ali Réu, em 01-10-2015.
39- De acordo com o disposto no nº 2 do art. 498º do Código Civil: “prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.”
40- Considerando que o FGA procedeu ao último pagamento de indemnização aos lesados em 21-11-2012, significa que aquele organismo poderia exercer o seu direito de regresso contra o ali Réu a partir do dia 22-11-2012 (art. 279º b) do Código Civil) até ao dia 22-11-2015 que, sendo um domingo, passaria para o primeiro dia útil, dia 23-11-2015 (art. 279º e) do Código Civil).
41-A prescrição foi interrompida nesse dia 01-10-2015 (art. 323º do Código Civil).
42- Pela leitura da contestação apresentada pelo aqui Recorrente (ali Réu) nos autos do processo n.º 22822/15.8T8PRT, resulta que a defesa baseou-se no facto de aquele ter sido citado em Outubro de 2015, fundamentando assim a alegada excepção de prescrição no decurso do prazo de 5 anos, desde a data do acidente de viação (04-10-2010).
43- A Recorrida actuou no estrito cumprimento das instruções do seu constituinte e tendo em conta todas informações e elementos factuais e documentais que aquele lhe havia transmitido.
44- Recordamos que a actividade profissional de um advogado consubstanciando uma actividade liberal traduz-se numa obrigação de meios, e não de resultados, o que significa que o mesmo fica obrigado perante o cliente em desenvolver diligentemente a sua actividade profissional usando todo o seu labor e conhecimentos jurídicos, defendendo os interesses e direitos do cliente, mas sem a obrigação de alcançar um resultado previamente definido.
45- E, por isso, se pode ler na douta sentença: “(…) o resultado pretendido pelo mandante depende sempre e em último caso da actuação do julgador, isto é, da forma como viesse a apreciar e valorar a prova apresentada e a convocar um determinado enquadramento jurídico.
Ainda que a omissão do pagamento da taxa tenha desencadeado um processo causal, não é possível sequer apontar a omissão da ré como a condição sem a qual o autor não teria sido condenado e sujeito a subsequente execução coerciva.(....)”.
46- Não tendo padecido de omissão de pronúncia quanto à avaliação da existência do nexo de causalidade, nem se verificou nenhuma errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis pelo Tribunal “a quo”, não tendo ocorrido a violação do disposto no artigo 563º do Código Civil.
47 -Face ao supra exposto questionamos: se existiu ou não “perda de chance”/perda de oportunidade do aqui Recorrente?
48- Enquanto elemento constitutivo do direito invocado pelo Recorrente, caberia ao mesmo invocar e provar nos autos que, se a contestação tivesse sido admitida com elevado grau de probabilidade o pedido contra si deduzido nesse processo teria sido julgado improcedente.
49- Mas o Recorrente nada fez!!
50- Dito de outro modo, se o FGA deu entrada da acção de condenação, exercendo o seu direito de regresso tempestivamente e, tendo resultado provado nos referidos autos que o Recorrente (ali Réu) era o legítimo proprietário do veículo automóvel, com a matrícula ..-..-QF, causador do sinistro e também que não tinha seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório (que cobre os riscos de circulação automóvel na eventualidade de provocar danos a terceiros), as probabilidades de aquela acção improceder, sendo o aqui Recorrente absolvido dos pedidos contra si formulados pelo FGA, seriam praticamente inexistentes.
51- Não podendo, assim, ser afirmada a probabilidade séria, real e credível de sucesso da pretensão do Recorrente, não fosse a alegada conduta profissional omissiva e culposa que imputa à Recorrida (vide AC Tribunal da Relação de Lisboa de 09-02-2015, disponível in www.dgsi.pt).
52- De modo que, não sendo possível estabelecer qualquer nexo de causalidade adequada entre o alegado acto ilícito e culposo que o Recorrente imputa à Recorrida, e os danos invocados (cuja prova não foi realizada pelo Recorrente), não se afigura minimamente possível, salvo o devido respeito, a responsabilização civil da Recorrida por qualquer (pretensa) actuação ilícita perante o Recorrente.
53- Pelo que bem decidiu o Tribunal “a quo” o “(…) não estabelecimento do nexo causal entre o cumprimento defeituoso (facto ilícito e culposo) e os danos(...), bem como pela inexistência do dano por “perda de chance” ou de oportunidade porque “(...) não alegou os fundamentos de facto pelos quais foi demandado, nem as razões de facto e de direito que seriam as mobilizáveis em sua defesa, nem sequer se propôs provar nesta sede quaisquer desses factos enunciando e oferecendo as provas de que dispunha para aquela acção e que, para avaliar a chance perdida, teriam aqui que ser produzidas e valoradas.(...)”
*
Colhidos os Vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso
As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, cinge-se em saber se os Réus podem ser responsabilizados civilmente por ter ocorrido incumprimento defeituoso do contrato de mandato forense celebrado entre o Autor e a Ré.
*
III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1) O “Fundo de Garantia Automóvel” propôs em 23 de Setembro de 2015 a acção declarativa, sob a forma de processo comum, que correu termos com o n.º22822/15.8T8PRT, contra o aqui autor e contra E….
2) O aqui autor foi citado em 1 de Outubro de 2015.
3) O autor contactou e contratou os serviços da ré para contestar a acção identificada em 1).
4) O autor outorgou a procuração datada de 1 de Outubro de 2015, pela qual concedeu à ré os mais amplos poderes forenses em direito permitidos.
5) Em 27 de Outubro de 2015, a aqui ré requereu junto da “Segurança Social”, em representação do aí réu, apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo para contestar a acção.
6) O que fez sem que o autor soubesse.
7) A ré apresentou contestação nos autos identificados em 1) em 3 de Novembro de 2015, tendo apresentado a procuração e alegado ter sido requerido pelo aí réu apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça.
8) Em 8 de Fevereiro de 2016, o autor entregou à ré, a solicitação desta, a quantia de 306,00€.
9) O que fez para pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação.
10) Em 23 de Março de 2016, a “Segurança Social” remeteu carta ao aí réu informando-o de que, em face do valor dos juros apurados em conta bancária de que aquele era titular, havia razões para considerar não se encontrar em situação de insuficiência económica, interpelando-o para juntar os extractos bancários relativos a tais contas.
11) Em 28 de Março de 2016, o autor deu conhecimento à ré da recepção dessa carta e questionou-a do que se tratava.
12) Perante a confirmação da ré de que se tratava de assunto relacionado com o processo, mais a informou que os juros diziam respeito a uma conta titulada pela Mãe.
13) A ré remeteu resposta à “Segurança Social” em 29 de Março de 2016, informando que os juros respeitavam a uma conta da Mãe do requerente do apoio judiciário e à qual este não tinha acesso, razão pela qual não podia apresentar qualquer documento.
14) Em 13 de Maio de 2016 é prestada pela “Segurança Social” informação nos autos quanto à decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário.
15) A aqui ré foi notificada em 23 de Maio de 2016 da guia para pagamento da taxa de justiça e da multa.
16) A aqui ré remeteu requerimento aos autos mediante o qual sustentou e requereu que se considerasse beneficiar o seu constituinte de apoio judiciário por se ter formado o acto tácito.
17) A pretensão foi indeferida por despacho de 20 de Junho de 2016.
18) A aqui ré foi notificada em 22 de Junho de 2016 do aludido despacho e da guia para pagamento da taxa de justiça e da multa.
19) A aqui ré remeteu aos autos novo requerimento em 28 de Junho de 2016 mediante o qual alegou que o réu e a sua mandatária não recepcionaram qualquer decisão final relativa ao pedido de apoio judiciário, requerendo que se aguardasse que a mesma fosse proferida ou que a Segurança Social esclarecesse porque ainda não tinha feito.
20) Foi proferido despacho em 4 de Julho de 2016 no qual se entendeu já ter o réu, na pessoa do seu mandatário, sido esclarecido no despacho anterior quanto à questão suscitada e ordenado o cumprimento da notificação para proceder ao pagamento da taxa de justiça, da multa em falta e da multa agravada.
21) A aqui ré interpôs recurso do despacho proferido em 4 de Julho de 2016.
22) Não fez prova do pagamento da taxa de justiça pela interposição do recurso.
23) Em 9 de Julho de 2016 e na sequência de solicitação da ré, o autor transferiu para a ré a quantia de 715,00€.
24) A aqui ré foi notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça pela interposição do recurso e da multa.
25) O recurso foi rejeitado por falta de pagamento da taxa de justiça por despacho proferido em 25 de Novembro de 2016.
26) Na mesma data foi ordenado o desentranhamento da contestação por falta de pagamento da taxa de justiça.
27) Por sentença proferida em 11 de Janeiro de 2017 e transitada em julgado, o aqui autor e E… foram condenados no pagamento ao “Fundo de Garantia Automóvel” da quantia de 13.935,03€, acrescida de juros calculados desde a data da citação e no reembolso ao autor das despesas com a lide a liquidar.
28) A sentença foi notificada em 11 de Janeiro de 2017.
29) O “Fundo de Garantia Automóvel” requereu execução contra os réus na referida acção em 2 de Abril de 2017.
30) O agente de execução notificou a “F…, Lda.”, enquanto entidade patronal do executado, aqui autor, da penhora do salário até à quantia de 17.529,82€.
31) Na sequência da penhora, o autor contactou a ré que lhe explicou que devia ter sido um engano do Tribunal, disse que não se devia preocupar e que iria tratar do assunto.
32) Em 26 de Julho de 2017, o “Fundo de Garantia Automóvel” e o aqui autor, enquanto executado, apresentaram um acordo de pagamento em prestações e o exequente requereu o levantamento da penhora do salário daquele.
33) Em 29 de Dezembro de 2017, o exequente requereu o prosseguimento da execução por falta de cumprimento do acordo de pagamento em prestações.
34) Em 2 de Janeiro de 2018, a “F…, Lda.”, enquanto entidade patronal do executado, foi notificada pelo Agente de Execução para proceder aos descontos dos salários do aqui autor de acordo com a penhora.
35) A Ordem dos Advogados celebrou com a “D…, Sucursal en España” um contrato mediante o qual transferiu para esta o risco do exercício da actividade exercida pelos advogados inscritos na Ordem em caso dolo, erro, omissão ou negligência profissional, com início em 1 de Janeiro de 2018, até ao limite de 150.000,00€ por sinistro.
36) Foi convencionado, quanto ao âmbito temporal, que “o segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos durante a vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda , que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroactividade”.
37) Que “ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a geral, reclamação” (cláusula 3.ª, al. a), das condições especiais).
38) E que: “É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificadas ao segurados, ou b) Contra o segurador em exercício de ação direta; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa” (cláusula 4.ª das condições especiais).
39) Foi ainda estipulada a franquia de 5.000,00€ por sinistro a cargo dos segurados.
40) Por causa da penhora do salário, o autor ficou desgastado face à dificuldade em prover às suas necessidades.
41) Com o que se sentiu destabilizado, angustiado e humilhado.
42) O autor tem um filho a cargo.
Não resultou provado que:
a.- Na mesma data referida na alínea 23), o autor transferiu para a ré a quantia de 70,00€, ambas para pagamento de honorários.
b.- É o autor quem provê sozinho ao sustento do filho.
c.- Por causa da penhora do salário, ficou a depender da ajuda de familiares e amigos para prover às suas despesas.
d.- O autor transformou-se numa pessoa introvertida, isolado, propenso a angústia e pessimismos.
e.- Passou a dormir com dificuldade e encontra-se em princípio de depressão.
*
IV-DIREITO
No presente pleito discute-se a questão de saber se o Autor tem direito de exigir da Ré, advogada (e da Ré Seguradora, por via do contrato de seguro) o pagamento de uma indemnização por ter incumprido o mandato forense que lhe havia sido conferido.
Para sustentar esta pretensão de cariz indemnizatória, o Autor alegou que a Ré, advogada, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação no âmbito de um processo judicial, o que determinou a confissão dos factos por não ter sido admitida por aquele motivo e a sua subsequente condenação, com cobrança coerciva.
A causa de pedir alicerçou-se no incumprimento, por omissão, de um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato forense.
O contrato designado por mandato obriga a que uma das partes pratique um ou mais actos jurídicos por conta da outra (cfr. art. 1157.º do C.Civil).
Ora, actos jurídicos em sentido lato compreendem os negócios jurídicos (ex.º testamento ou qualquer contrato) cujos efeitos se produzem ex voluntate e não apenas ex lege e os actos simples jurídicos que se traduzem em acções humanas lícitas das quais resultam efeitos jurídicos ex lege (ex.º interpelação do credor).[1]
Os actos jurídicos stricto sensu designados por Manuel de Andrade[2] por quase-negócios jurídicos consistem na manifestação duma vontade ou duma ideia, dando como exemplos, para além da interpelação ao devedor, a gestão de negócios, a notificação da cessão, etc.
Relativamente à distinção entre mandato e representação, Menezes Cordeiro[3] conclui que ao contrário do mandato que vincula o mandatário à prática de um ou mais actos jurídicos, a procuração legitima o representante perante terceiros, ficando autorizado ao desenvolvimento da gestão.
O mandatário, nos termos do art.º 1161.º, al. a) do C.Civil, é obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante.
O advogado, no desenvolvimento da sua actividade profissional, que se traduz numa obrigação de meios e não de resultado, deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.[4]
Quer isto significar que o advogado não se compromete perante o cliente a ganhar a causa mas a encetar o seu profícuo labor, de forma dedicada e zelosa, recorrendo ao estudo e experiência adquirida, com independência técnico-jurídica.
Ademais, se não há dúvida de que o mandatário deve pautar a sua actuação pelo critério de um bom pai de família, também se exige ao mandante uma especial cooperação com aquele na medida em que o contrato de mandato assenta numa relação de confiança.[5]
Com efeito, segundo o art.º 97.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) a relação entre advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca, devendo aquele agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente.
Desenvolvendo esta ideia sobre o mandato forense, Durval Ferreira[6] esclarece que “o constituinte deverá ser absolutamente claro e leal; deverá informar e instruir o mandatário com todos os conhecimentos que são precisos para o mandato; mais devendo advertir de todos os perigos e de todas as deficiências e obstáculos, de todos os perigos prováveis; e não só no início do mandato, mas constantemente até ao seu termo.”
Na opinião de Menezes Cordeiro[7] é desta obrigação e não especificamente da expressa na alínea a) do art.º 1167.º, que resulta a necessidade de o mandante praticar os actos ou desenvolver as diligências cuja execução se torne necessária para o início ou a continuação da gestão pelo mandatário.
A natureza da perda de chance processual tem sido discutida na doutrina[8] e apesar da controvérsia gerada em torno do seu enquadramento dogmático, a jurisprudência maioritária e consolidada[9] propugna que estamos perante um dano autónomo na medida em que visa indemnizar a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita.[10]
No entanto, convém sublinhar que não basta a perda da oportunidade para responsabilizar o advogado, pois na hipótese de violação das obrigações decorrentes de um contrato de mandato forense, exige-se ainda a verificação dos pressupostos que consubstanciam a responsabilidade contratual, ou seja, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (arts. 798.º e 799.º do CC).
Com efeito, os citados arts. 798.º e 799.º, n.º1, do Código Civil prevêm que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, incumbindo “ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
Ademais, na obrigação de meios, como sucede com a actividade profissional do advogado, incumbe ao credor (cliente) provar, para além da não obtenção do resultado pretendido, que a perda de oportunidade adveio de um facto ilícito (acção ou omissão violadora das legis artis) e o nexo causal entre o dano e a conduta ilícita, presumindo-se a culpa.
O que importará reter é que a perda de chance, para sustentar a responsabilização do advogado, implica a prova, por parte do mandante, de uma actuação ou omissão contrária às regras estabelecidas e/ou grau de diligência exigível no caso e uma probabilidade séria, real de obter uma vantagem ou um resultado não tão danoso.[11]
Nesse sentido, seguindo a orientação prevalecente nesta matéria esclareceu-se nos recentes Acórdãos do STJ de 10/09/2019, de 16/12/2020 e de 26/01/2021, entre outros,[12] que a verificação do dano por perda de chance exige a demonstração da consistência e seriedade da perda de oportunidade de obter uma vantagem (ou de evitar um prejuízo) segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independentemente do resultado final frustrado (julgamento dentro do julgamento).
A jurisprudência tem entendido que, para além de se exigir um grau elevado de probabilidade de sucesso no litígio que não deu entrada em juízo (julgamento dentro do julgamento), mostra-se necessário que, em consequência da acção ou omissão do mandatário, tenha ficado irremediavelmente perdida a obtenção da vantagem ou a minoração de um prejuízo.[13]
Este julgamento dentro do julgamento constitui, na análise de Paulo Mota Pinto[14], uma exigência da apreciação do nexo causal entre a falta do advogado e os danos, sendo, na sua opinião, um momento fundamental da “causalidade preenchedora da responsabilidade” (ou causalidade entre o evento lesivo e os danos), a que se referem os artigos 562.º e 563.º. e, citando Medina Alcoz[15], refere que é necessário determinar a probabilidade de que as pretensões frustradas tivessem obtido acolhimento no processo.
No caso concreto ficou provado que o Autor mandatou a Ré para o representar numa acção judicial, tendo sido entregue, em representação daquele, contestação com menção de ter sido requerido apoio judiciário.
Mais se apurou, em resumo, que apesar de ter recebido do Autor a quantia de 306,00€ para pagamento da taxa de justiça, a Ré não procedeu, em nome daquele, ao pagamento da taxa de justiça devida acrescida do valor da multa, tendo sido determinado o desentranhamento da contestação com subsequente condenação do aqui Autor. Foi ainda executado com penhora do salário.
Por conseguinte, a Ré, na execução do mandato forense, omitiu o pagamento da taxa de justiça, o que implica, como sabia, consequências legais graves uma vez que não sendo admissível, por esse motivo, a contestação, impossibilitou o Autor de esgrimir os seus argumentos defensivos, sendo, por isso, a probabilidade de condenação efectivamente elevada.
O incumprimento do contrato por parte da Ré, na modalidade de cumprimento defeituoso, por não ter observado os arts. 97.º, n.º 2 e 100.º, n.º 1, al. b) do EOA, sem ter logrado afastar a sua culpa no sucedido, implicaria a sua responsabilização caso se mostrasse ainda preenchido o nexo causal entre a omissão ilícita e os danos.
Ficou demonstrado que o Autor e E… foram condenados, na mencionada acção judicial, a pagar ao “Fundo de Garantia Automóvel” a quantia de 13.935,03€, acrescida de juros calculados desde a data da citação e no reembolso ao autor das despesas com a lide a liquidar.
Ora, neste aspecto, foi explicado na sentença, de forma elucidativa, que só naturalisticamente se pode afirmar ter sido o comportamento da ré a causa da condenação sofrida pelo autor, o que é tanto mais evidente quanto é possível simultaneamente dizer que o autor poderia ser absolvido mesmo que a contestação não tivesse sido sequer apresentada, isto porque a revelia não importa a condenação de preceito (cfr. art. 567.º, n.º2, do n CPC, ao invés do que previa o regime transacto, anterior à reforma de 95/96 para as acções sumárias, no art. 784.º do aCPC), assim como que o autor poderia ter sido condenado mesmo que a contestação fosse atendida.
Nunca o êxito da defesa esteve ou poderia estar assegurado.
Acresce que a condenação foi solidária, pelo que o prejuízo efectivo sofrido pelo Autor exige como pressuposto não ter logrado exercer o direito de regresso contra o devedor solidário nos termos do artigo 524.º do C.Civil, como também foi sublinhado na sentença.
Ora, neste particular, o Autor não alegou ter ficado impossibilitado de vir a exercer a acção de regresso sobre o co-devedor.
Por outro lado, incumbe sobre o lesado o ónus de alegação e prova dos factos susceptíveis de permitir ao tribunal fazer o necessário julgamento dentro do julgamento com vista a concluir pela probabilidade séria (caso tivesse sido cumprido o contrato de mandato forense com o pagamento da taxa de justiça devida pela contestação) da decisão hipotética que era expectável, face aos elementos factuais provados, lhe ser favorável com a absolvição do pedido (total ou parcial) contra si formulado na acção judicial.
Como bem se sublinhou na sentença, competirá ao autor/lesado fazer a prova dos factos que permitam concluir pela decisão hipotética do processo, isto é, a alegação e a prova dos factos donde se possa extrair a decisão que provavelmente seria a proferida caso a intervenção ou omissão do profissional forense não se tivesse intrometido no curso processual, não obstante a dificuldade que isso importa desde logo porque as partes naquela acção entretanto julgada não são as mesmas que se apresentam a litigar na acção indemnizatória. (negrito nosso)
Em suma, a falta de alegação, na petição, da factualidade referente ao processo judicial no qual o Autor foi condenado impossibilita apurar, na presente acção, a existência do nexo causal entre o facto (omissão de pagamento da taxa de justiça) e o dano.
Assim sendo, ficou naturalmente prejudicada a apreciação dos danos invocados pelo Autor, inexistindo omissão de pronúncia por parte do tribunal.
Nesta conformidade, a sentença merece a nossa concordância, por ter aplicado correctamente e de forma bem fundamentada, os preceitos legais ao quadro factual apurado nos autos.
*
V—DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.

Porto, 9 de novembro de 2021
Anabela Miranda
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
_______________
[1] Andrade, Manuel Domingues, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra 1983, pág. 8 e segs.
[2] Ob. cit., pág.9.
[3] Direito das Obrigações, 3.º vol., AAFDL, 1991, págs. 302 e 303.
[4] Artigo 100.º, n.º 1 al. b) do EOA.
[5] Neste sentido, v. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 363.
[6] Do mandato civil e comercial, pág. 151 e 152.
[7] Ob. cit., pág. 364.
[8] Nas palavras de Paulo Mota Pinto (Direito Civil-Estudos, Gestlegal, 2018, pág. 767, nota 9) entre nós, mantêm o ceticismo em relação ao ressarcimento da perda de chance no plano do direito constituído, para além dele próprio (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol II, págs. 1103-7), Júlio Gomes, “O Dano da Perda de Chance”, Direito e Justiça, 2005, págs. 9-4P e Cardona Ferreira, Indemnização do interesse contratual positivo e perda de chance. No entanto, reconhece que existe hoje um sector significativo da doutrina que admite o ressarcimento da perda de chances (pág. 786).
[9] Sobre a temática, consultar, entre outros, Acs. do STJ de 01/07/2014, 05/05/2015, 09/07/2015, 17/05/2018, 06/12/2018, 19/12/2019 e 10/09/2019; Acs. Rel.Porto de 08/01/2018, 13/09/2018, 26/02/2019, 24/01/2018, 10/07/2019; tem muito interesse, sobre a evolução da jurisprudência, a análise de Paulo Mota Pinto, Direito Civil-Estudos, Gestlegal, 2018, págs. 786 e segs.
[10] Acórdãos do STJ de 29/04/2010, 09/07/2015, 30/11/2017, 15/11/2018, 30/05/2019, 10/09/2019, 23/04/2020, 05/05/2020, 107/10/2020, 07/11/2020, 16/12/2020, 21/01/2021, 26/01/2021 e 17/06/2021 in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Acórdão do STJ de 01/07/2014 in www.dgsi.pt
[12] In www.dgsi.pt.
[13] V. Ac.STJ de 30/04/2015 in www.dgsi.pt.
[14] Ob. cit., pág. 805.
[15] La Teoria de la perdida de oportunidade…, págs. 199, 277-8.