Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4975/10.3TBVNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA GRAÇA MIRA
Descritores: VENDA EM EXECUÇÃO
CADUCIDADE DOS ÓNUS E ENCARGOS REGISTADOS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RP201906044975/10.3TBVNG-B.P1
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º896, FLS.130-135)
Área Temática: .
Sumário: Por aplicação analógica do disposto no artigo 824.º do Código Civil, a venda em execução de um imóvel hipotecado para garantia do crédito exequendo extingue o contrato de arrendamento celebrado depois do registo da hipoteca.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4975/10.3TBVNG-B.P1

Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:
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I – Por apenso à acção executiva instaurada por B…, S.A. contra C…, veio D… instaurar embargos de terceiro, alegando, em suma, que: habita no imóvel dos autos desde Maio de 2010, juntamente com a sua filha menor; tal contrato inicial foi apenas feito verbalmente porque inicialmente o senhorio, C…, apenas pretendia arrendar a casa por 6 meses; o contrato foi-se renovando até a Embargante ter dinheiro para entregar a título de sinal e que nessa altura, a 25 de Março de 2013 foi outorgado o respectivo contrato de arrendamento com opção de compra, o qual foi registado nas Finanças em 24 de Abril de 2013 e que se mantém, nunca tendo sido denunciado; entregou no dia da outorga do contrato a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a título de sinal monetário, uma vez que o contrato foi feito com a opção de compra do locado no final do prazo de arrendamento, mais afirmando que sempre liquidou as rendas.
Uma vez realizadas as diligências probatórias necessárias, foi proferida a respectiva decisão que rejeitou os presentes embargos de terceiro, com fundamento na inexistente da probabilidade séria da existência do direito invocado pela Embargante.
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Inconformada, a Embargante interpôs recurso de apelação e apresentou as respectivas alegações onde, nas conclusões, defende que:
1º - A Douta sentença não faz a correcta aplicação do direito aos factos.

4º - A douta sentença assenta no facto da venda em execução operar a extinção do contrato de arrendamento que foi celebrado depois do registo de hipoteca do prédio arrendado.
5 º - Entendemos, salvo melhor opinião que o arrendamento – anterior à penhora – subsiste em caso de venda executiva, quer não exista qualquer ónus sobre o imóvel à data da celebração do arrendamento, quer sobre esse imóvel incida uma garantia real, nomeadamente uma hipoteca.
6º - Refere o art.º 824º, n.º 2, do Código Civil:
…na venda em execução “Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.”.
7 º - Ou seja, com a venda executiva caducam todos os direitos reais de garantia, sejam eles de constituição anterior ou posterior à penhora, tenha havido ou não reclamação da execução dos créditos que eles garantem.
E o arrendamento celebrado pelo executado após a penhora do imóvel objecto do contrato, sendo inoponível à execução, como resulta expressamente do art.º 819º do Código Civil, continua a sê-lo em relação ao adquirente do imóvel na execução.
8º- Quanto aos direitos reais de gozo, caducam os constituídos ou registados posteriormente a qualquer arresto, penhora ou garantia.
Subsistindo os registados anteriormente ao primeiro arresto, penhora ou garantia, bem como os não registados que, tendo sido constituídos antes de qualquer arresto, penhora, ou garantia, produzem efeitos em relação a terceiros independentemente do registo.
9º - A controvérsia, na doutrina e na jurisprudência, coloca-se ao nível da aplicabilidade do preceituado no citado art.º 824º, n.º 2, do Código Civil aos contratos de arrendamento.
10º - Pela positiva, pronunciando-se o Supremo Tribunal de Justiça, v.g., nos seus Acórdãos de 15-11-2007,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeèNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn9 05-02-2009,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeèNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn10 05-02-2009,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeèNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - ftn11 e de 27-05-2010.../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeÃNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - ftn12
E, na doutrina, Oliveira Ascensão, Henrique Mesquita,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeèNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn14 José Alberto …/../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeèNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn15 e Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge.../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeèNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - ftn16
11º - Pela negativa tendo decidido o mesmo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdãos de 20-09-2005 e 27-03-2007,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeÃNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn17 a Relação do Porto, em Acórdão de 21-11-2006,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeÃNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn18 e a Relação de Lisboa, em Acórdãos de 15-05-1997,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeÃNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn19 17-10-2006,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeèNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn20 e 16-09-2008.
Do lado da doutrina temos Miguel Teixeira de Sousa,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeÃNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn22 Luís Manuel Teles de Menezes Leitão,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeèNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn23 Fernando Amâncio Ferreira,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeèNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn24 e Maria Olinda Garcia.[25]
12º - Entendemos salvo melhor opinião que a segunda facão que entende que o contrato de arrendamento não confere ao locatário um direito real, mas apenas um direito de crédito, está correta.
13º - Como refere Luís A. Carvalho Fernandes,../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDâ” oeÃNCIA 2011/Dr. Sousa Pinto/Rec 26 Jan/144-B-2001-A TRATAR-Esagâ” oeâ•y.doc - _ftn26 ao direito do locatário “no estado actual do seu regime no sistema jurídico português, deve ser atribuído (…) natureza obrigacional (…) Trata-se, sem dúvida, de um direito obrigacional particular, por ser de gozo, o que o aproxima, funcionalmente, dos direitos reais desta categoria e explica a menor intensidade do dever de cooperação imposta ao locador. Mas não mais do que isto.”
14º - E este direito pessoal de gozo está subtraído à regra de extinção provocada pela venda executiva, aplicando-se à locação de que ele emerge a regra emptio non tollit locatum estabelecida no art.º 1057º, do Código Civil.
Devendo pois esse arrendamento – anterior à penhora – subsistir em caso de venda executiva, “quer não exista qualquer ónus sobre o imóvel à data da celebração do arrendamento, quer sobre esse imóvel incida uma garantia real (nomeadamente uma hipoteca)”, o que acontece claramente nestes autos.
15º - Acresce que a solução contrária, e como assinala Teixeira de Sousa, “penaliza o arrendatário e é dificilmente conciliável com a nulidade da cláusula que proíbe o dono de onerar os bens hipotecados (art.º 695º C.C.), os bens cujos rendimentos foram consignados (art.º 665º C.C.), os bens penhorados (art.º 678º C.C.) e os bens afectos a privilégios creditórios (art.º 753º C.C.)”, (o sublinhado é nosso, assinalando-se, e salvo o devido respeito, que porventura melhor caberá falar de bens empenhados que de bens penhorados, nos quadros do citado art.º 678º).
16º - Para além de que se não casa o direito de preferência do arrendatário na venda do local arrendado – cfr. art.º 1091º, do Código Civil – com a extinção do seu direito com a venda executiva.
17º - Por outro lado, tal entendimento colidiria com o disposto no art.º 109º, n.º 3, do C.I.R.E., normativo em cujos termos “A alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância.”.
Estando fundamentalmente em causa, na previsão do preceito, e como anotam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “a manutenção da posição contratual do arrendatário (cfr. art.º 1057º do C.Civ.) e o seu direito de preferência (…)”.
E, “Visto no seu conjunto, pode dizer-se que o regime definido no art.º 109º é dominado pela ideia de tutela do locatário, estranho à situação de insolvência do locador”.
18º - O que, e não podendo deixar de se ter presente tal preocupação também na abordagem da articulação dos art.ºs 819º e 824º, n.º 2, do Código Civil, logo contradiz argumentos em contrário que se pretendam alcançar arredando “a solução facilitada por datada jurisprudência dos conceitos” e acolhendo decididamente (…) aquela a que, de claro modo, conduz bem entendida jurisprudência dos interesses.”
19º - Até porque, tendo em conta a unidade jurídica a que deve atender-se na interpretação da lei e sendo de presumir que o legislador tendo presente essa unidade, consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – cfr. art.º 9º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil – menos se compreende como poderia ter sido querida a solução adotada pela decisão em crise.
20º - Por outro lado, teríamos também a dificuldade da transferência para “o produto da venda” da fracção autónoma, do direito do arrendatário, que caducasse com aquela venda (cfr. n.º 3, cit. art.º 824º).
21º - Assim, perante a factualidade apurada, tendo a embargante a qualidade de arrendatária da fracção autónoma em causa, onde reside desde Maio 2010, e não caducando o correspondente arrendamento com a venda executiva da mesma fracção, é-lhe lícito – posto que a ordenada, e ainda não efectivada, entrega judicial da dita fracção, livre e devoluta, ao arrematante, é acto que a privará do locado – usar dos meios facultados ao possuidor nos art.ºs 1276º e seguintes do Código Civil.
E, logo, deduzir embargos de terceiro, com função preventiva, cfr. art.ºs 1285º do Código Civil e 351º, n.º 1 e 359 do Código de Processo Civil.
22º - A Douta sentença recorrida, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos art.s 824º, 1285º do Código Civil e 351º, n.º 1 e 359 do Código de Processo Civil.Nestes Termos, deve ser dado provimento ao recurso e revogado a douta Sentença recorrida.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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II - Cumpre decidir.
Como é sabido, o âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do/a recorrente, com ressalva para as questões que forem de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº3, 690º, nº3, 660º, nº2 e 713º, nº2, todos do CPC. – na versão aplicável, diploma a que pertencem os restantes normativos a citar, desde que se mostrem desacompanhados de outra qualquer referência).
Sendo assim, temos para decidir uma única questão:
- A de saber se, face à factualidade indiciariamente tida por demonstrada, a venda em execução operou, ou não, a extinção do referido contrato de arrendamento.
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Da 1ª instância vem dado como indiciariamente demonstrado o seguinte:
- o teor do documento denominado – contrato de arredamento para habitação em período limitado com opção de compra, que consta de fls. 12 e ss. que surge datado de 25 de Março de 2013.
- o Banco E…, S.A. deduziu reclamação de créditos nos termos que constam de fls. 12 e ss. do apenso A, invocando, além do seu crédito, a existência de hipotecas voluntárias sobre os imoveis penhorados.
- como emerge dos requerimentos do PE de 26/10/2013 sobre a fracção “CC” penhorada foram registadas hipotecas voluntarias em favor do Banco E…, S.A., registadas pelas Ap.s 58 de 2008/05/26 e 59 de 2088/06/26 no que tange a fracção “DA”, encontram-se igualmente registadas em favor do falado credor reclamante hipotecas voluntárias, registadas pela Ap.s N.º 58 de 2008/05/26 e pel N.º 59 de 2008/05/26.
- No âmbito da execução de que estes embargos de terceiro constituem apenso as referidas fracções foram vendidas nos termos que constam de fls. 32 a 35 dos autos de execução, sendo que, como deriva do auto de abertura de propostas em carta fechada, foi aceite a proposta apresentada pelo Banco E…, S.A. com dispensa do depósito do preço por este não exceder o valor do crédito reclamado (conferir documento de fls. 32 e ss. dos autos 109 de 151 de execução cujo o teor se dá aqui por integral e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
- Já foi emitido, em 08/06/2016, o título de transmissão no que tange as fracções “CC” e “DA” em favor do credor reclamante – Banco E…, S.A. (como consta do processo electrónico com data de 16/06/2016 e com a ref.ª 10814513).
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Apreciando.
Estabelece o artigo 824.º, n.º 2 do CC que: ‘’Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo’’.
Daí o Tribunal a quo ter decidido nos termos supra expostos, assim o justificando: “Ora ainda que se demostrasse, nesta fase embrionária dos presentes embargos de terceiro, que a embargante celebrou o contrato de arrendamento na data mais antiga por si alegada (Maio de 2010 – conferir art.º 6.º da petição de embargos-), esse contrato de arrendamento invocado sempre é posterior às hipotecas voluntárias incidentes sobre os imóveis penhorados, e vendidos nos autos de execução ao credor reclamante beneficiário das faladas hipotecas voluntárias.
Como tem sido entendido, por aplicação analógica do artigo 824.º do Código de Civil, a venda em execução opera a extinção do contrato de arrendamento que foi celebrado depois do registo de hipoteca do prédio arrendado (conferir, a título explicativo, o Acórdão da Relação do Porto de 27-10-2016 in www.dgsi.pt, processo n.º 5700/11.TBMTS-A; ainda no Acórdão da Relação de Coimbra 26-02-2013 no mesmo sitio da internet, processo n.º 6/09.4TBCBR.C1; Acórdão da Relação do Porto de 20-12-2004 na www.dgsi.pt processo n.º 03568228). Vale isto por dizer que o alegado contrato de arrendamento, no caso concreto, se extinguiu com a venda executiva, não podendo ele nem a sua existência, ser oposto ao adquirente das fracções em causa.
Tudo para afirmar que, no caso, os embargos devem ser rejeitados, porque não existe a probabilidade séria da existência do direito invocado pela embargante.”
É também este o nosso entendimento.
Pois, “qualquer situação locatícia - registada ou não - constituída após o registo de hipoteca, arresto ou penhora é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na justa medida em que após a concretização desta caduca automaticamente.” (cit. Ac. do STJ 08B3994, de 05-02-2009, in www.dgsi.pt. No mesmo sítio net e no mesmo sentido, vejam-se, a título de exemplo, Acs. do STJ de: 16-09-2014, no proc. nº 351/09TVLSB.L1.S1; 27-05-2010 no proc. nº 5425/03.7TBSXL.S1; 28-06-2007, no proc. nº 1838/07; 31-10-2006, no proc. nº 3241/06 e; de 09-07-2015, no proc. nº 430/11.2TBEVR-Q.E1.S1)
“Com efeito, o direito do arrendatário tem natureza pessoal ou creditícia mas também tem contornos que se assemelham aos direitos reais em que o regime dos direitos reais se lhe aplica – cfr. artigo 1037º, nº 2 do Cód. Civil.
O disposto no artigo 1051º do Cód. Civil, que indica os casos em que o contrato de arrendamento caduca, não é taxativo, nomeadamente, por também poder caducar em caso de impossibilidade de cumprimento, nos termos do artigo 795º do Cód. Civil.
E o disposto no artigo 1057º do Cód. Civil não pode justificar o entendimento oposto pois este preceito não se aplica à venda judicial, a qual tem norma própria que é a do referido artigo 824º, nº 2.
Se a hipoteca não impede o poder de alienação ou de oneração do imóvel sobre que incide, como decorre do disposto no art. 695º do Cód. Civil, não é menos certo que, gozando o titular da hipoteca do direito de preferência decorrente da prioridade do registo, fica o proprietário do bem limitado em relação ao seu direito de propriedade, como seja o de pôr em causa o valor do mesmo.
A hipoteca é a garantia de um crédito em que o valor do imóvel é um elemento fundamental na atribuição do empréstimo que lhe subjaz e na determinação do respectivo quantitativo, a situação de arrendamento do imóvel será sempre um dos elementos relevantes dessa avaliação.
Se o imóvel está dado de arrendamento, o credor hipotecário pode conhecer dessa circunstância e essa qualidade é-lhe oponível, por ser anterior ao da constituição da hipoteca.
Se, pelo contrário, o prédio não está dado de arrendamento e o imóvel está livre, a constituição do arrendamento posteriormente ao registo da hipoteca, vem piorar a situação do credor hipotecário, situação esta com que o mesmo razoavelmente não podia contar, pois o arrendamento é posterior à hipoteca.
E na ponderação dos interesses do credor hipotecário em face dos interesses do arrendatário, devem prevalecer os primeiros, pois o arrendatário pode saber da situação de hipotecado do imóvel, dada a obrigatoriedade da hipoteca de constar do registo.
O arrendamento do imóvel constitui um verdadeiro ónus sobre o imóvel e sobre o seu valor …
Numa interpretação teleológica e apelando à analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente, de natureza sócio económicas, deverá entender-se que a dita norma do artigo 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. O arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível.
Como explica M. Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, pág. 183: “O intérprete deve ter sempre presente que o direito do locatário é tratado, para certos efeitos, como direito de soberania e, para outros, como direito meramente creditório, assente numa relação intersubjectiva que liga permanentemente o locador e o locatário. E face a este estatuto dualista, o caminho metodologicamente correcto para esclarecer dúvidas interpretativas ou resolver problemas de regulamentação será o do recurso, nuns casos, aos princípios que disciplinam os direitos reais e, noutros, aos princípios que regem as obrigações, consoante os interesses em jogo, apreciados e valorados à luz das soluções ditadas pelo legislador para os problemas de que directa e expressamente se ocupa.”
Numa sobreposição de direitos – o do arrendatário e o do credor hipotecário – deverão prevalecer os direitos deste por o registo da hipoteca ser anterior à constituição do arrendamento e ser a hipoteca do conhecimento ou da cognoscibilidade da arrendatária.
Desta forma, e de acordo com o disposto no artigo 824º, nº 2 referido, o direito de arrendamento da recorrente caducou com a venda judicial do imóvel sobre que versava a locação.” (Ac. deste TRP, de 14-12-2017, proferido no proc. 250/08.1YYPRT-D.P1, relatado pela aqui 2ª Adjunta - acessível no mesmo sitio net já referido).
Daí, nenhuma censurar nos merecer a decisão proferida pela primeira instância.
Carece, pois, de fundamento, este recurso.
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III - Nestes termos, decidimos julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmamos a decisão recorrida, nos seus precisos termos.
Custas pela Recorrente.

Porto, 4 de Junho, de 2019
Maria Graça Mira
Estelita de Mendonça
Anabela Dias da Silva